terça-feira, 8 de julho de 2014

EM DEFESA DOS CLÁSSICOS



EM DEFESA DOS CLÁSSICOS


Porque livros não se tornam clássicos à toa.

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O melhor do espaço Lounge do Obvious é a possibilidade de interagir com o pensamento de outras pessoas. Afinal de contas, para cada artigo que publicamos, centenas são publicados para a nossa leitura e isso nos permite encontrar as mais diversas opiniões, inclusive as frontalmente divergentes das nossas.
Pois bem. Foi navegando pelo espaço que me deparei com um texto intitulado "Já sofreu Preconceito Literário?" publicado pela lounger Renata Ferreira. Ali ela aponta de modo bastante claro que há entre nós um sentimento de que alguns livros não merecem ser lidos, quando para ela toda leitura seria válida. A autora aponta também outros aspectos positivos da leitura dessas obras proibidas, por assim dizer, como por exemplo o fato de esses livros serem um convite à leitura àqueles que não têm o hábito de ler.
No entanto, senti imensa vontade de contestar, isso muito respeitosamente, alguns pontos do artigo. Tanto os apontados por Renata quanto os que não foram abertamente defendidos por ela mas que mesmo assim remanescem.
Antes disso, contudo, vou apontar aquilo que nos une. Eu também acho indecoroso o julgamento sumário das leituras dos outros, de modo que convicções do tipo "Ufa. Pensei que era Crepúsculo!", por exemplo, são extremamente desagradáveis. Essas colocações somente servem para que o julgador se sinta de alguma maneira em um patamar elevado, como se não ler esse livro fosse sinal de elevação de consciência literária, se é que isso existe.
Também creio que a crítica ao best-seller somente por ele assim se apresentar é equivocada. Nem todo livro bem vendido é necessariamente ruim e não vai ser a grande saída dessas obras que vai tirar o mérito de seus escritores. Alguns novos autores tem grande potencial e de fato escrevem livros de destaque.
Dentro daquilo que eu concordaria em parte, o primeiro ponto é o que diz que toda leitura é válida. Este, na minha opinião, é um raciocínio perigoso e que por si só coloca Crepúsculo e um clássico no mesmo patamar de importância, se considerarmos apenas o critério de validade. Afinal de contas, se vale qualquer leitura, tanto faz um best seller ou um Victor Hugo, por exemplo, já que os dois satisfazem ao propósito.
No entanto, o fato de toda leitura ser válida não significa dizer que toda leitura seja igualmente frutífera. Mesmo sendo todos válidos, alguns livros acrescentam infinitamente mais que outros. O crescimento proporcionado por cada obra - seja objetivo ou subjetivamente falando - está além da mera validade e é esse o ponto a ser considerado.
É preciso que se perceba que alguma coisa fez um livro se imortalizar. E não foi a mídia comercial ávida por transformar em roteiro de cinema qualquer obra que aparece, mas sim a capacidade do clássico de se renovar e se reinventar com o passar dos anos, revelando a cada linha a controversa conduta humana, seus anseios, dores e demais sentimentos que sempre acompanharam a humanidade. Isso sem contar a qualidade técnica muitas vezes aplicada no texto, na forma. É fascinante ler um clássico da década de 40 e perceber que não há nada tão atual. É surpreendente ler algo do início do século XX e constatar que até hoje se pensa dentro do círculo apontado por aquele autor visionário.
Um clássico é um livro de leitura sempre corrente, apreciado desde a sua concepção até os tempos de hoje por diversos leitores e sempre com múltiplas respostas, ao mesmo tempo em que propõe novas perguntas. Se caracteriza também por propor reflexões - e conclusões - que, embora apresentadas à época em que foi escrito, se readaptam e se atualizam por si mesmas, vez que a visão de mundo ali apontada muitas vezes se repete em nosso cotidiano. É como se o clássico nos fizesse nos deparar com diversas situações, que ocorreram ou que ainda vão ocorrer, e nos apresentasse alternativas através da experiência ali concentrada, tal como um manual de viver a vida.
O clássico inova no campo das ideias, no modo de escrever ou nos dois. Nem sempre se pensou o mundo da forma que pensamos hoje e nem sempre se escreveu com toda a liberdade que agora temos. Muitas vezes, ou quase sempre, foi papel dos clássicos transgredir, romper modelos tidos como absolutos e apontar novos horizontes.
Assim, O Pequeno Príncipe hoje em dia pode parecer um livro normal e até cheio de clichês, com a diferença de que foi Saint-Exupery quem inaugurou aqueles clichês, até hoje trabalhados em obras literárias. Já obras como Laranja Mecânica, por exemplo, transgridem não só o tempo, mas também o próprio modo de escrever. É uma obra escrita como se falada fosse, inclusive com as gírias próprias do grupo em que o jovem protagonista se insere. É nesse patamar que estão tantos outros clássicos.
Se engana também quem acha que clássicos são sérios, sisudos e representam a opinião de pessoas quadradas e burocráticas e que a busca de alternativas demanda necessariamente o contato com livros bem vendidos de hoje em dia. Alguns livros atuais são densos e sérios, outros não. Acontece a mesma coisa com os clássicos. A obra-prima do já citado Exupery é um belo exemplo, vez que O Principezinho é agradável e de fácil leitura, sem nunca deixar de ser um grande clássico.
Um outro ponto a ser por mim contestado e que, frise-se, não foi abertamente trabalhado pela autora, é aquele que relativiza as coisas a ponto de concluir que o bom pode ser ruim e o ruim pode ser bom a depender da perspectiva a ser adotada. Não é assim. Eu posso, dentro da minha subjetividade, achar bom um livro ruim, mas não poderei nunca deixar de considerar os aspectos objetivos inerentes à obra. Dessa forma, eu posso crer que Crepúsculo é bom pois me põe em contato com bons sentimentos, por exemplo, mas não posso negar aspectos objetivos do livro, como o fato de que o roteiro é controverso e até repetitivo e que a história é igual a tantas outras já escritas.
Se a mera subjetividade fosse suficiente para considerar boa uma obra, qualquer um teria capacidade de ser um crítico de cinema, de arte ou de literatura.
Ora, se eu vejo e a minha impressão é suficiente para me fazer opinar, qual o sentido da crítica especializada, por exemplo? E por favor não me interpretem mal. Sou contra a oficialização do conhecimento e das opiniões, mas ainda creio que algum embasamento técnico seja necessário para tanto.
Parece óbvio mas, mesmo com o sopro dos ventos pós-modernos dizendo o contrário, o bom é bom e o ruim é ruim. E diferentemente do que se pensa, é fácil perceber a qualidade quando ela existe. Salta aos olhos. Creio que tanta relativização anestesiou autores e leitores a ponto de fazê-los celebrar como grandiosas obras que talvez não passem de razoáveis.
É que a gente esquece que muitas vezes foi a busca pela excelência e pelo primor, e não o publicar por publicar e chover cada vez mais no molhado, que tornou os autores imortais e as suas obras verdadeiros clássicos. Talvez houvesse naqueles tempos uma vontade escancarada de ser o melhor e eu não sei se isso existe hoje.
E já que falei dele, diz-se que Victor Hugo, ainda novo, escreveu no seu diário "Quero ser Chateaubriand ou nada". Chateaubriand é um dos balizadores da própria literatura, vale dizer.
Enfim. Não sei se esse meu texto me fez entrar no rol dos preconceituosos literários. Somente que eu prefiro a estante dos clássicos à dos mais-vendidos.

Adepto do livre pensamento crítico-imaginativo.
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