terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Luis Nassif - O jornalismo brasileiro

O jornalismo dos anos 90 - Luis Nassif

Editora: Futura
ISBN: 8574131687
Opinião: **
Páginas: 307
     “Criou-se um círculo vicioso. Ocorre o episódio. De cara, forma-se o juízo e apresenta – se a conclusão. Ainda sem ter acesso aos argumentos do acusado, o leitor passivamente aceita o que lhe foi apresentado. Depois, pesquisas de opinião, dando conta do que o leitor pensa – tendo tido acesso apenas à primeira versão – estratificam a cobertura em torno dela”.


      “O que se viu dali em diante foi uma catarse diária, um vomitório sem fim. Matérias afirmando que Collor injetava cocaína por supositório, que fazia sessões de umbanda nos salões do Palácio do Alvorada, que a primeira dama era sapatão, que Collor ficava catatônico e, para sair da crise, tinha que ser penetrado por seu chefe de gabinete. Não se sabia mais de que lado havia mais falta de escrúpulos: se do lado de Collor ou da mídia, e de suas fontes, todos aspirando aos seus quinze segundos de glória.
     A campanha terminou com a renúncia de Collor e se criou um vazio na cobertura diária.
     Todos, jornais, revistas, televisão e seus respectivos públicos tinham se viciado no escabroso, no repugnante, no obsceno, no escatológico. E a imprensa tinha se dado conta de que podia derrubar presidentes. O tigre provara de carne fresca.
     Os controles de qualidade foram relaxados, paradoxalmente no mesmo momento em que as redações adotavam mecanismos de controles formais de conteúdo foram para o espaço. Os repórteres eram estimulados a voltar diariamente com escândalos, de que natureza fosse. A única exigência é que fosse escândalo, se real ou não era de menos.”


      “Em pleno início de milênio, que papel a mídia tem desempenhado para o desenvolvimento brasileiro? Há um sem-número de críticas ao nosso desempenho. Praticamente inexiste o conceito de relevância na matéria jornalística. Em qualquer cobertura de fato relevante, a tendência é de se realçar o imprevisto, a frase que pode gerar conflito, deflagrar a catarse em lugar de relatar a essência do assunto.
     Existe dificuldade enorme de se conferir tratamento analítico aos temas, de analisar ponto por ponto os diversos ângulos da questão, apresentar as versões conflitantes, inseri-lo em um contexto mais amplo, em suma, pensar de maneira moderna. Em geral as análises são substituídas por opiniões quase sempre taxativas, quase nunca analíticas, que espelham muito mais as preferências do autor do que análises acuradas.”


      “Buarque de Hollanda observava que o brasileiro é mais receptivo à declaração peremptória, definitiva, ainda que vazia de conteúdo, mas que não obrigue a pensar. O brasileiro prefere mais a conclusão que a demonstração, “o que fazer” ao “como fazer”, valoriza mais quem critica do que quem faz.
     Anotava o mestre que outro aspecto amplamente valorizado é o negativismo, calcado em afirmações peremptórias que jamais apontam rumos, mas sempre sugerem a salvação. Até nossos positivistas – dizia Buarque de Hollanda – eram “negativistas”, misturando o discurso moral ao da negação de tudo, como se, negando tudo, se chegasse por milagre à solução. As declarações não costumam guardar lógica entre si, constatava ele. O crítico é capaz de usar conceitos de uma escola de pensamento, no momento seguinte utilizar outro conceito diametralmente oposto, com a mesma ênfase.” (...)
     Hoje em dia, no Brasil, a indignação virou valor ideológico em si, seja contra o governo, a oposição, seja contra o estacionamento de supermercado. Pouco importa se há razão ou não nela, se venha acompanhada ou não de sugestões de solução (invariavelmente não vem). A indignação virou um valor em si.”


      “Alguns dos novos valores já se tornaram hegemônicos na vida nacional. Por exemplo: O primado dos direitos individuais sobre os corporativos e os econômicos; dos direitos do consumidor sobre os do fabricante; dos direitos dos cidadãos sobre os do Estado. E assim por diante.”


      “Uma nação é constituída por um conjunto de procedimentos e padrões de conduta que se passam através das gerações. Na base da reação que o país empreende contra a impunidade, estão lições morais transmitidas de pai para filho. Cada cidadão que foi à rua, do mais novo ao mais idoso, no fundo está homenageando a figura paterna, recebendo simbolicamente o bastão dos princípios éticos, que mais à frente será passado para seus filhos e netos, ajudando a moldar e a perpetuar esta entidade abstrata e tão concreta denominada Brasil.”
(26/08/92)


      “Há anos esse modelo concentra renda, condena a produção e impede a modernização e a renovação empresarial. Abortou sucessivos movimentos desenvolvimentistas, quebrou várias vezes o Estado, inspirou sucessivos calotes nos poupadores comuns, desviou recursos sem fim dos gastos sociais e da infraestrutura, sacrificou milhares de empreendedores, em nome de uma falsa ciência.
     Os arautos da nova ideologia venderam a idéia de que, se os juros baixassem, a inflação estouraria. Os juros mantiveram-se estupidamente elevados, e a inflação nunca cedeu.”
(13/05/95)


“1) Do dia 5 de maio até ontem – 10 dias, portanto – as taxas de juros pagas pelo Banco Central comeram todos os recursos que o governo vai apurar com a venda de suas participações minoritárias no setor petroquímico.
2) No mês de maio, o custo da dívida equivalerá a tudo o que foi repassado para a saúde nos primeiros quatro meses do ano.
3) Na semana passada, a coluna estimou que a participação do governo na Vale equivaleria a 5 meses de juros. Enganou-se. Como o volume de dívida interna em poder do público é de US$ 65 bilhões, e com juros de 4% ao mês (em dólar, já que a idéia do BC é manter a paridade atual), o valor da Vale corresponde a 2,7 meses de juros.
4) De hoje a 6 de agosto os juros terão devorado tudo o que vai se arrecadar com a Vale. Se sua privatização demorar um ano, o mero aumento da dívida interna, com esses juros malucos, corresponderá a 6 Vales do Rio Doce.
5) A participação do governo em todo setor de telefonia corresponde a 4 meses de juros atuais.”
(15/05/95)


      “Quando se preparou a troca de moedas do real, todas as avaliações indicavam que tinha-se o melhor conjunto de circunstâncias favoráveis na economia para um plano de estabilização. Confira:
1) Maior nível de reservas cambiais da história – possível apenas depois que o economista Ibrahim Éris reformulou a política cambial brasileira.
2) Uma economia aberta e superavitária – a partir da reestruturação do comércio exterior, e de um programa de abertura planejada da economia.
3) Uma economia desregulamentada – depois do fim da reserva de mercados e de um sem número de restrições à livre competição.
4) Empresas brasileiras reestruturadas e ingressando firmemente em projetos de modernização – processo iniciado com o Plano Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP) e com as Câmaras Setoriais.
5) Programas de investimento em quase todos os setores – assegurados pela manutenção das regras do jogo por quatro anos.
6) Relativo consenso sobre reformas fundamentais.
7) Equacionamento da dívida interna, ainda que às custas da violência do bloqueio dos cruzados.
(...) Com apenas 18 meses com a economia de volta às mãos dos pacoteiros, e apenas com sua capacidade de brincar de fliperama com as políticas monetária e cambial, tem-se: 1) O país em nova crise cambial; 2) a volta de alíquotas super-protetoras em muitos setores; 3) crescimento exponencial da dívida interna, comprometendo o futuro ajuste fiscal; 4) e uma multidão de empreendedores arrependidos até a medula dos ossos por terem apostado no país e programado investimentos.
     Mesmo assim, recebem olhares embevecidos de analistas rasos, que conclamam, com um frêmito nelsonrodriguiano: o plano é bom, porque faz doer.”
(25/05/1995)


      “O que ocorre hoje com a questão dos juros é típico desse processo. Com esses níveis de juros, tem-se as seguintes consequências óbvias:
1) Empresas pequenas e médias, menos capitalizadas, rodarão, jogando no mercado um exército de desempregados – donos de pequenos negócios e funcionários.
2) Grandes empresas reduzirão sua produção, aumentando o número de desempregados. Mas preservarão lucros porque, sendo líquidas, compensarão seu prejuízo operacional com aplicações financeiras.
3) Pelo simples exercício de trazer dinheiro lá de fora e aplicar nesses inexplicáveis 4,5% ao mês, os bancos de negócios repetirão os extraordinários lucros do ano passado.
4) Todo o lucro do setor capitalizado da economia será bancado pelo Estado, às custas do aumento exponencial da dívida interna. Tudo o que se arrecadar com a venda de estatais não será suficiente para bancar o mero crescimento da dívida interna, em função desses juros.
5) Com a queda da atividade econômica, em pouco tempo as receitas tributárias vão despencar. Vai faltar dinheiro para a área social.”
(28/05/95)


      “No início de julho, nem um mês atrás, por exemplo, o diretor do IPEA, Cláudio Considera – numa afirmação ofensiva a centenas de milhares de empresas e pessoas físicas inadimplentes – declarou que “as empresas que estão quebrando com os juros foram as que se endividaram, apostando no fracasso do Plano Real”.
     Ou seja, empresas e pessoas físicas estão quebrando apenas para boicotar o Real.”
(31/07/95)


      “Nos últimos anos vigorou um modelo de jornalismo torto e superficial, no qual o sucesso profissional dependia da capacidade do jornalista de fuzilar pessoas, de praticar a intriga, de se comportar como Deus.
     Apuro técnico, esforço em entender temas complexos, aprofundamento da reportagem, paciência de esperar pelo tema relevante e não sair fazendo carnaval em cima de qualquer bobagem, tudo foi deixado de lado.
     É momento de rever esses valores e de a nova geração, que está entrando nas redações, ser pautada por critérios de ética e de qualidade – à altura do novo país, moderno, que a própria imprensa não se cansa de incensar.
     A imprensa vai encontrar o caminho da qualidade quando amadorismos, falsas denúncias, falsas ênfases e informações incorretas passarem a ser elementos centrais na avaliação da carreira do jornalista. E quando se romper esse pacto de mediocridade pelo qual todos os jornais têm de se comportar da mesma maneira em relação aos fatos – para não serem furados ou para não remarem contra a maré.
     Principalmente quando, jornais e jornalistas, nos dermos conta de que, mais do que a cobertura de um fato, estamos ajudando a moldar o próprio caráter nacional.”
(17/03/97)


      “Quando o déficit comercial ampliou, disseram que bastariam dois anos para que o aumento de produtividade permitisse o crescimento das exportações. Quando as exportações não cresceram, disseram que bastaria a recuperação dos preços internacionais para os superávits voltarem. Quando os asiáticos desvalorizaram suas moedas, disseram que levaria muitos anos até que sua economia se reorganizasse e lhes devolvessem o ímpeto exportador. Quando o Brasil quebrou externamente, disseram que bastaria um plano fiscal para reequilibrar as contas externas. Quando a comunidade financeira internacional dizia que a política cambial não deveria ser alterada, disseram que não poderiam tomar uma atitude que fosse contra as expectativas do mercado. Quando as expectativas do mercado apontavam que a combinação de câmbio apreciado e taxas de juros elevadas era um beco sem saída, e passou a recomendar mudança cambial, disseram que não se curvariam às pressões dos especuladores internacionais.
     De desculpa em desculpa, chegou-se ao desfecho da última etapa da crise cambial – que tem início com a ida ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Ontem começou oficialmente o terceiro ataque apache. Só que, agora, com reservas em queda livre e taxas de juros que esfrangalham com a economia e produzem apenas pânico entre os investidores.”
(13/01/1999)


      “O problema número um do Brasil hoje em dia chama-se FHC. Câmbio, votações perdidas no Congresso, taxas de juros suicidas, tudo é pinto perto da percepção cada vez mais forte, interna e externamente, de que o país padece de uma crise de governabilidade.
     O resto, tudo se conserta. O problema é consertar FHC 1. Se, dessa crise, não emergir um FHC 2, renovado, estruturalmente modificado, o presidente – que iniciou seu mandato como a maior esperança de modernização do país – , terminará como responsável pelo mais grave desastre econômico da história.
     É histórico o isolamento a que são submetidos governantes. Mas a incapacidade de enfrentar a adversidade, encarar os conflitos e tomar decisões está chegando às raias do autismo. Para não conviver com notícias desagradáveis, FHC perdeu contato completo com a realidade. Deixou de ouvir empresários, sindicalistas, analistas isentos, banqueiros, industriais. Seu círculo estreitou-se perigosamente, todos procurando poupar o chefe de dissabores.
     Com o país na iminência de um ataque cambial definitivo, anunciava que viria para Brasília para, depois, retomar as férias. Conseguiu ser mais alienado do que o comandante do Titanic.
(14/01/1999)


      “O que fez o Congresso quando o Executivo resolveu bancar uma aposta cambial com um custo fiscal na casa da centena de bilhão de dólares? O que fez o Senado – que tem por obrigação constitucional zelar pelos limites de endividamento do estado – quando uma política monetária irresponsavelmente continuada quebrou a União, estados e municípios? O que fizeram os partidos aliados do governo, a não ser disputar cargos? O que fez o STF ante a enxurrada de medidas provisórias que liquidaram com qualquer arremedo de equilíbrio entre os poderes? O que fez o procurador geral ante o poder absurdo de que se revestia o BC, para impor perdas e ganhos ao mercado? O que fizemos nós – da mídia como um todo – a não ser incensar essa maluquice, chegando ao cúmulo de transformar o Ministro da Fazenda Pedro Malan em herói nacional – justo no dia em que foi negociar a rendição com o FMI e impor a continuidade de uma política cambial que, em pouco mais de dois meses, infligiu perdas bilionárias adicionais ao país.
     Felizmente, tem-se Francisco Lopes para permitir a esse belo espécimen de democracia tropical, purgar todos seus pecados. Todos os poderes, que falharam na fiscalização dos interesses nacionais, têm interesse direto na sua condenação. O Congresso – que nada fiscalizou, os partidos aliados – mais interessados em cargos, o judiciário – sob a mira da CPI, o procurador geral – visto como complacente com o poder, e o Executivo que vê as culpas de decisões políticas desastrosas serem convertidas em uma falha de uma só pessoa. O que menos importa é se saber se é inocente ou, no caso de ser culpado, qual o limite da sua culpa.”
(27/04/1999)


      “A maneira como Francisco Lopes conduziu a política monetária nos últimos anos é um monumento à ortodoxia e à alienação acadêmica. Praticamente não deu ouvidos a ninguém. Sua bússola eram apenas os indicadores de PIB perseguidos pelo modelito matemático que tinha na cabeça. Não se exigia de Lopes posturas populistas, mas não se obtinha dele sequer questionamentos racionais, tipo: não seria possível se alcançar os objetivos propostos com menos sacrifícios para o país como um todo? Não seria possível reduzir os juros em um ritmo mais rápido? Não seria possível buscar linhas de ação menos traumáticas para o tecido social?
     Nesse sentido, Lopes é o intelectual clássico, da mesma estirpe daqueles que desenvolveram a bomba atômica. Seria capaz de fulminar civilizações e até morrer em nome da ciência... mas jamais surrupiar um parafuso sequer do laboratório.”
(12/05/1999)


      “O país tem características que perduram, ainda hoje, em que pese a influência da globalização. Somos individualistas, refratários a qualquer forma de autoridade, disciplina ou controle impessoal, cultivadores do negativismo e facilmente impressionáveis com formulações teóricas vagas. Somos um povo que gosta de intimidades, sendo íntimos tanto de aliados como de adversários, e abominamos as regras impessoais. Essa aversão à impessoalidade é o maior obstáculo para a consolidação de leis e instituições e da subordinação a regras de condutas, seja nas leis ou nos negócios. Sempre existe o “jeitinho” para driblar a restrição impessoal.”
(14/05/2001)

Um comentário:

Doney Stinguel disse...
Este seria considerado um bom livro senão fossem dois erros graves cometidos em seu texto. O primeiro, com relação ao ex-deputado Sérgio Naya – escuso-me de comentar.
Outro, com relação ao massacre de Eldorado dos Carajás. Baseado nas precárias imagens que conseguiram ser gravadas, Nassif tece uma teia de erros crassos, dizendo que os sem-terra é que atacaram os PMs. O que a imagem não consegue mostrar, mas a perícia comprovou através do áudio, é que a PM atirou primeiro, várias vezes. Como estavam tomando bala, os sem-terra reagiram.
Baseado num princípio completamente equivocado e, ouvindo só uma das partes, Nassif cai numa das maiores esparrelas de toda sua carreira. 
Uma lástima.
Erros como este, mais tarde deram azo a criminalização dos movimentos sociais. 
É lógico que o Nassif - jornalista que admiro - não é responsável por isto. Mas deu sua pequena contribuição neste episódio.

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