sexta-feira, 3 de abril de 2015

mentiras, falácias e preconceitos



  JEAN  WILLYS
 
Como todas as campanhas difamatórias contra meu mandato que a quadrilha de fundamentalistas divulga anonimamente nas redes sociais - e estas sempre se intensificam nas vésperas dos e nos feriados -, esse novo meme que começa a circular hoje combina mentiras, falácias e preconceitos. Vejamos: ele afirma que, segundo a minha opinião, "criança de 12 anos já tem maturidade para trocar de sexo, mas adolescente de 16 não tem discernimento para responder criminalmente pelos seus atos". AMBAS AS COISAS SÃO MENTIRA E, MESMO QUE NÃO FOSSEM, UMA NÃO TEM NADA A VER COM A OUTRA.

Em primeiro lugar: o que é "trocar de sexo"? Há dois equívocos fundamentais no raciocínio que o meme apresenta: o primeiro é acreditar que existe um único ato pelo qual uma pessoa "troca de sexo", passando imediatamente de um estado a outro, como quem troca de roupa ou tinge o cabelo de outra cor; e o segundo é pensar que a identidade de gênero é uma "escolha" que deve ser feita num determinado momento, e para a qual é necessário ter atingido um determinado grau de maturidade. Na verdade, a identidade de gênero não é uma escolha, mas um elemento constitutivo da personalidade, que se expressa já de forma inequívoca e irreversível na mais tenra infância, embora ganhe uma relevância psíquica e social diferente e muito mais complexa na puberdade e na adolescência. Todo menino ou menina já é menino ou menina desde criança, já se identifica como tal desde que a aquisição da linguagem lhe permite se posicionar no mundo com um gênero auto-percebido. O que acontece com as crianças transgênero é, nesse sentido, o mesmo que acontece com todas as outras: desde que começam a falar, a se comunicar, a se colocar no mundo, a assumir papeis sociais na escolha da roupa, das brincadeiras e brinquedos, da expressão de traços de comportamento culturalmente marcados pelo gênero, sua identidade de gênero fica clara.

Qualquer família com um filho ou filha transexual poderá lhes confirmar: já sabiam claramente a identidade de gênero dele ou dela antes mesmo de entrarem no ensino fundamental. Então, o que as pessoas chamam, de forma muito pouco precisa, "trocar de sexo", é na verdade um processo bem mais longo e complexo de adaptação à essa realidade, que começa pelo aspecto social (o nome próprio, o uso de pronomes masculinos ou femininos, a roupa e outras questões comportamentais, como o uso do banheiro nos lugares onde há um para cada gênero), para a qual é fundamental a aceitação da família e dos espaços de sociabilidade (por exemplo, a escola). As adequações do corpo são posteriores e são graduais. É óbvio que ninguém vai fazer uma vaginoplastia numa criança de 12 anos! Contudo, também deveria ser óbvio que não dá para esperar até os 18 anos para iniciar o tratamento hormonal, porque determinadas mudanças acontecem no corpo durante a puberdade e, se esses tratamentos forem adiados, têm aspectos da constituição do corpo e seu funcionamento que são irreversíveis. É por isso que as legislações mais avançadas (e meu projeto de lei "João Nery" se inspira nelas), reconhecem que a parte desse processo gradual que é regulada pelo Estado, que começa pelo social (mudança de nome legal) e inclui, em diferentes fases, intervenções no corpo (dentre as quais as cirúrgicas são as últimas) possam começar antes dos 18 anos, com autorização dos pais/responsáveis ou, se ela for impossível, do juiz, com a intervenção dos órgãos oficiais que protegem os direitos de crianças e adolescentes, levando em consideração sua maturidade para tomar decisões sobre o corpo e com acompanhamento e controle clínico de profissionais da saúde.

Obrigar uma pessoa a esperar até a maioridade civil (18 anos) para iniciar o processo transexualizador (que, como já dissemos, não é um único ato, mas um processo) ou para ter seu nome reconhecido nos documentos, significa privá-la do direito de ter uma infância, uma adolescência e uma juventude normal, feliz, adaptada. Significa obrigá-la, por um longo tempo, a conviver numa dualidade física e social psicologicamente insuportável, que deixa danos irreparáveis para o resto da vida. E o outro erro implícito nessa visão das coisas é acreditar que há uma "mudança" que pode ser evitada, que depende de uma "decisão". Não é assim. Antes de ter seu nome e gênero no RG, antes de tomar hormônios, antes de fazer cirurgia, esse ou essa adolescente já é quem é, e não vai mudar! Sua identidade de gênero já está aí. Ou a lei e a família acompanham, ou ela fugirá de casa, procurará reconhecimento de formas mais perigosas, fará intervenções no seu corpo sem assistência médica adequada e se expondo a riscos e sofrerá - e muito - por tudo isso.

Sobre o conteúdo do meu projeto de lei, recomendo às pessoas que o leiam antes de opinar e propagar as falsidades que circulam na internet. O PL está aqui: http://bit.ly/1jJii28

Falemos agora da segunda questão. O que é "responder criminalmente pelos seus atos"? Em quase todos os países, as leis preveem duas idades diferentes para isso: a idade de imputabilidade penal e a idade de imputabilidade infracional. No Brasil, a primeira é de 18 anos e a segunda, de 12, muito menor que na maioria dos países ocidentais. AS PESSOAS MAIORES DE 12 ANOS E MENORES DE 18, COM A LEGISLAÇÃO ATUAL, JÁ RESPONDEM POR SEUS ATOS CONTRÁRIOS À LEI, só que não com as regras do Código Penal, mas do Estatuto da Criança e do Adolescente. Elas podem ser punidas quando cometem um crime e a pena pode ser privativa da liberdade, mas não vão aos presídios (ainda bem!). Os institutos destinados ao cumprimento em regime fechado de medidas socioeducativas são, na maioria dos casos, quase tão pavorosos quanto os presídios, e é por isso que o sistema não funciona. E é isso que precisamos mudar. A IDEIA DE QUE UM MENOR DE 18 ANOS, COM A LEI ATUAL, PODE COMETER UM CRIME E FICAR "IMPUNE" É SIMPLESMENTE UMA MENTIRA.

A determinação da idade de imputabilidade penal não tem a ver com a capacidade de discernimento, mas com uma decisão de política criminal — e também social e educacional. Precisamos proteger essas crianças e adolescentes, recuperá-las, e não trancafiá-las em prisões superlotadas sob o controle de facções criminosas! O dano que a redução da maioridade penal pode produzir será irreparável para toda uma geração. O Estado tem que trabalhar para que as crianças e adolescentes estejam no banco da escola e não no banco dos réus! A redução da maioridade penal, longe de servir para reduzir a violência, só conseguirá aumentá-la.

E vejam como a minha posição com relação à lei de identidade de gênero é absolutamente coerente com a minha posição contra a redução da maioridade penal. Em ambos os casos, sou a favor dos direitos das crianças e adolescentes e busco evitar danos irreparáveis (sociais, psicológicos, e, pior ainda, muitas vezes, a perda da vida) sejam evitados. Busco proteger essas pessoas em formação com todas as ferramentas que o Estado possa ter a seu alcance para garantir um futuro melhor para elas.

Dito isto, há algo que devo reconhecer quanto aos fundamentalistas: eles também são absolutamente coerentes! Em ambos os debates, promovem o pânico social, mentem, divulgam dados falsos, recorrem à demagogia e ao cinismo, tentam reforçar preconceitos, desconhecem os resultados das pesquisas científicas, ignoram a opinião de profissionais e especialistas, não se importam com as consequências sociais das políticas que promovem e só se aproveitam de um tema sensível para lucrar politicamente e esconder os verdadeiros problemas do país. - JEAN  WILLYS

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