sexta-feira, 9 de novembro de 2018

De Regresso à Caverna


Ilustração da Alegoria da Caverna
alegoria da caverna, também conhecido como parábola da cavernamito da caverna ou prisioneiros da caverna, é uma alegoria de intenção filósofo-pedagógica, escrita pelo filósofo grego Platão. Encontra-se na obra intitulada República (Livro VII), e pretende exemplificar como nós podemos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da verdade, em que Platão discute sobre teoria do conhecimento, linguagem e educação na formação do Estado ideal.[1]

Mito da caverna

No interior da caverna permanecem seres humanos, que nasceram e cresceram ali. Ficam de costas para a entrada, acorrentados, sem poder mover-se, forçados a olhar somente a parede do fundo da caverna, sem poder ver uns aos outros ou a si próprios. Atrás dos prisioneiros há uma fogueira, separada deles por uma parede baixa, por detrás da qual passam pessoas carregando objetos que representam "homens e outras coisas viventes". As pessoas caminham por detrás da parede de modo que os seus corpos não projetam sombras, mas sim os objetos que carregam. Os prisioneiros não podem ver o que se passa atrás deles, e vêem apenas as sombras que são projetadas na parede em frente a eles. Pelas paredesda caverna também ecoam os sons que vêm de fora, de modo que os prisioneiros, associando-os, com certa razão, às sombras, pensam ser eles as falas das mesmas. Desse modo, os prisioneiros julgam que essas sombras sejam a realidade.
Imagine que um dos prisioneiros seja libertado e forçado a olhar o fogo, e os objetos que faziam as sombras (uma nova realidade, um conhecimento novo). A luz iria ferir os seus olhos, e ele não poderia ver bem. Se lhe disserem que o presente era real e que as imagens que anteriormente via não o eram, ele não acreditaria. Na sua confusão, o prisioneiro tentaria voltar para a caverna, para aquilo a que estava acostumado e podia ver.
Caso ele decida voltar à caverna para revelar aos seus antigos companheiros a situação extremamente enganosa em que se encontram, os seus olhos, agora acostumados à luz, ficariam cegos devido à escuridão, assim como tinham ficado cegos com a luz. Os outros prisioneiros, ao ver isto, concluiríam que sair da caverna tinha causado graves danos ao companheiro, e por isso não deveriam sair dali nunca. Se o pudessem fazer, matariam quem tentasse tirá-los da caverna.
Platão não buscava as verdadeiras essências na simples Phýsis, como buscavam Demócrito e seus seguidores. Sob a influência de Sócrates, ele buscava a essência das coisas para além do mundo sensível. E o personagem da caverna, que por acaso se liberte, correria como Sócrates o risco de ser morto por expressar seu pensamento e querer mostrar um mundo totalmente diferente. Transpondo para a nossa realidade, é como se você acreditasse, desde que nasceu, que o mundo é de determinado modo, e então vem alguém e diz que quase tudo aquilo é falso, é parcial, e tenta te mostrar novos conceitos, totalmente diferentes. Foi justamente por razões como essa que Sócrates foi morto pelos cidadãos de Atenas, inspirando Platão à escrita da Alegoria da Caverna pela qual Platão nos convida a imaginarque as coisas se passassem, na existência humana, comparavelmente à situação da caverna: ilusoriamente, com os homens acorrentados a falsas crenças, preconceitos, ideias enganosas e, por isso tudo, inertes em suas poucas possibilidades.
A partir da leitura do Mito da Caverna, é possível fazer uma reflexão extremamente proveitosa e resgatar valores de extrema importância para a Filosofia. Além disso, ajuda na formulação do senso crítico e é um ótimo exercício de interpretação de texto.

diálogo de Sócrates e Glauco

Trata-se de um diálogo metafórico em que as falas na primeira pessoa são de Sócrates, e seus interlocutores, Glauco e Adimanto, são os irmãos mais novos de Platão. No diálogo, é dada ênfase ao processo de conhecimento, mostrando a visão de mundo do ignorante, que vive de senso comum, e do filósofo, na sua eterna busca da verdade.
Sócrates – Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoços acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.
Glauco– Estou vendo.
Sócrates– Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que os transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.
Glauco- Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.
Sócrates — Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e de seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte?
Glauco — Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?
Sócrates — E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?
Glauco — Sem dúvida.
Sócrates — Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?
Glauco — É bem possível.
Sócrates — E se a parede do fundo da prisão provocasse eco sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?
Glauco — Sim, por Zeus!
Sócrates — Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados?
Glauco — Assim terá de ser.
Sócrates — Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?
Glauco - Muito mais verdadeiras.
Sócrates - E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?
Glauco - Com toda a certeza.
Sócrates - E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará
de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras?
Glauco - Não o conseguirá, pelo menos de início.
Sócrates - Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e sua luz.
Glauco - Sem dúvida.
Sócrates - Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal qual é.
Glauco - Concordo.
Sócrates - Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.
Glauco - É evidente que chegará a essa conclusão.
Sócrates - Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?
Glauco - Sim, com certeza, Sócrates.
Sócrates - E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagemdas sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?
Glauco - Sou de tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.:
Sócrates - Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: Não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?
Glauco - Por certo que sim.
Sócrates - E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?
Glauco - Sem nenhuma dúvida.
Sócrates - Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha ideia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Zeus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a ideia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.
Glauco - Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la.
(Platão. A República. Livro VII)

Interpretação da alegoria

O mito da caverna é uma metáfora da condição humana perante o mundo, no que diz respeito à importância do conhecimento filosófico e à educação como forma de superação da ignorância,[1] isto é, a passagem gradativa do senso comum enquanto visão de mundo e explicação da realidade para o conhecimento filosófico, que é racional, sistemático e organizado, que busca as respostas não no acaso, mas na causalidade.
Segundo a metáfora de Platão, o processo para a obtenção da consciência, isto é, do conhecimento abrange dois domínios: o domínio das coisas sensíveis (eikasia e pístis) e o domínio das ideias (diánoia e nóesis). Para o filósofo, a realidade está no mundo das ideias - um mundo real e verdadeiro - e a maioria da humanidade vive na condição da ignorância, no mundo das coisas sensíveis - este mundo -, no grau da apreensão de imagens (eikasia), as quais são mutáveis, não são perfeitas como as coisas no mundo das ideias e, por isso, não são objetos suficientemente bons para gerar conhecimento perfeitos. Inclusive em 2016 neurocientistas chegaram a mesma conclusão de Platão relativo a percepção humana.[2]

Exemplos

Este tema - realidade ou aparência - foi retomado ao longo da história da cultura ocidental por muitos filósofos e alguns escritores, embora com perspectivas distintas. Um deles foi Calderón de la Barca na obra A vida é um sonho.
Exemplos mais modernos podem ser a série Persons Unknown, o livro Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley, 1932), o filme Matrix (Irmãos Wachowski, 1999) e também o livro A Ilha (Aldous Huxley), dirigido no cinema por Michael Bay de 2005. Outro autor que utilizou, parodicamente, essa parábola platônica foi o autor José Saramago, em seu livro A Caverna.
O filme "O Show de Truman" também utiliza a parábola platônica em seu enredo.

Bibliografia

  • CHAUÍ, MarilenaConvite à FilosofiaSão Paulo, Editora Ática, 2003;
  • SPINELLI, Miguel. Questões Fundamentais da Filosofia Grega. São Paulo. Loyola, 2006, p. 278ss.

Este artigo usa material do artigo Wikipedia Alegoria da Caverna, que é lançado sob o Creative Commons Attribution-Share-Alike License 3.0.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Paulo Freire é acusado

Aqui pelo o "Brazil" tem gente mau caráter dizendo que Paulo Freire acabou com o nosso ensino"

Engraçado, ele não acabou com o da:

Austria - Instituto Paulo Freire
http://www.pfz.at/

Alemanha - Paulo Freire Kooperation, Oldenburg
http://www.freire.de/

Finlândia - Paulo Freire Center
http://www.kriittisetpedagogit.fi/

Holanda - Centro Paulo Freire, Vrije Universiteit Amsterdam
https://www.vu.nl/en/about-vu-amsterdam/faculties-and-institutes/cpf/index.aspx

Portugal - Instituto Paulo Freire
http://www.ipfp.pt

África do Sul - Paulo Freire Project, University of KwaZulu
http://cae.ukzn.ac.za/PauloFreireProject.aspx

Inglaterra - Freire Institute, University of Central Lancashire
http://www.freire.org/

Estados Unidos - Paulo Freire Democratic Project, Chapman University
https://www.chapman.edu/ces/research/centers-and-partnerships/paulo-freire/index.aspx

Canada - The Freire Project
http://www.freireproject.org/

Você Espionado


SÃO PAULO, SP, 01.06.2016 - Batalh?£o de Choque da Pol??cia Militar durante o protesto "Por Todas Elas contra a Cultura do Estupro", na avenida Paulista, em S?£o Paulo. (Foto: Alf Ribeiro/Folhapress)
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Batalhão de Choque da PM no protesto "Por todas elas contra a cultura do estupro", em São Paulo, em 2016. Foto: Alf Ribeiro/Folhapress
O SEU LIKE DESCOMPROMISSADOou o seu compartilhamento engajado podem lhe render uma pesada pena por apoio ou apologia ao terrorismo se uma mudança na Lei Antiterrorismo for aprovada. O projeto está em debate no Congresso e pode ser aprovado nas próximas semanas.
A lei que pode transformar meras curtidas nas redes sociais em crimes contra a pátria nasceu após uma reportagem da revista Veja sobre um recrutador de brasileiros para o Estado Islâmico. Com medo de brasileiros “radicalizarem” e passarem a cometer atos terroristas como os extremistas do Islã, o senador gaúcho Lasier Martins, do PSD, apresentou em julho de 2016 um projeto para endurecer a Lei Antiterrorismo, que havia sido aprovada por Dilma Rousseff três meses antes, pouco antes do impeachment. Para Martins, a proposta sancionada por Rousseff – com muitos vetos – era “inócua”. Era preciso, segundo ele, endurecer a caçada aos terroristas.
Dois anos depois, a proposta, o PLS 272/2016, voltou à pauta – mas o contexto é bem diferente. Seu projeto ganhou novos contornos e, às vésperas do governo de Jair Bolsonaro, é o instrumento que faltava para o governo perseguir e prender opositores – ou “terroristas”, seja lá o que for classificado desta maneira. A lei, na prática, já poderia criminalizar movimentos sociais e manifestações de qualquer tipo, mas, se a nova proposta for aprovada, o cerco ficaria ainda pior.
Apoiado por Bolsonaro, o novo projeto caiu no colo do senador ultraconservador Magno Malta, do PR, aquele mesmo que conduziu a reza da vitória depois do resultado do segundo turno. Sem conseguir se reeleger para o Senado e já buscando preparar o terreno para o novo governo (do qual possivelmente fará parte como ministro), Malta aproveita o período de transição, em que as atenções ainda estão dispersas, para articular a aprovação do projeto às pressas na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
DOC RelatóRio Legislativo SF186322515043 201803215 pages
“A gente sabia que uma hora ele [o projeto de lei] ia efetivamente entrar em votação, esperando um momento favorável”, diz Camila Marques, advogada da Artigo 19, ONG que apoia o acesso à informação. “A eleição de Bolsonaro, que defendeu abertamente a inclusão de movimentos de luta pela moradia, por exemplo, na lista de grupos terroristas, criou exatamente esse momento favorável.”
Lasier Martins e Magno Malta miraram no Estado Islâmico – mas, na prática, podem afetar qualquer pessoa que se opõe ao governo. Entre as mudanças, está definido como terrorismo o ato de “incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado, com o objetivo de forçar a autoridade pública a praticar ato, abster-se de o praticar”. Este trecho estava no projeto original aprovado em 2016, mas foi vetado por Dilma Rousseff. Outra mudança é a tipificação do ato de “louvar outra pessoa, grupo, organização ou associação pela prática dos crimes previstos” na lei – inclusive na internet. Uma moldura na sua foto de perfil do Facebook, por exemplo, em uma interpretação ampla – mas possível – da lei.

Cuidado com os eventos no Facebook

Como relator, Magno Malta não apenas deu seu parecer favorável ao projeto, como ainda buscou torná-lo pior e mais perigoso a movimentos sociais, com o acréscimo de duas emendas.
A primeira altera o artigo que define o que seria terrorismo. O projeto original dizia que terrorismo é a “prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos nesse artigo por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou religião”. Malta acrescentou ao texto “ou por outra motivação política, ideológica ou social”. A manobra mira políticos e que pregam transformação social como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), alvos preferenciais dos ataques do presidente eleito Jair Bolsonaro. Sabe a camiseta ou boné do MST? Então: pode ficar complicado desfilar com ela por aí.
A segunda alteração acrescenta a tipificação de “atos preparatórios” de um suposto ato terrorista. A redação proposta por Malta acrescentaria que “nas mesmas penas incorre aquele que, pessoalmente ou por interposta pessoa, presta auxílio ou abriga pessoa de quem saiba estar praticando atos preparatórios de terrorismo”. Como seria provada a intenção? Seriam usados posts na internet? Escrever, mesmo que de brincadeira, sobre a intenção de matar uma autoridade, incendiar o Congresso ou algo parecido, valeria uma condenação?
Se as sugestões de Malta forem aprovadas, barricadas com fogo, muito comuns em manifestações, poderiam ser consideradas parte de um plano terrorista, e qualquer manifestação popular poderia ser automaticamente enquadrada por suas motivações “política, ideológica ou social” – em especial se a polícia agredisse os manifestantes e os acusasse de reagir ou incitar.
RIO DE JANEIRO, RJ , 01.02.2017: ASSEMBLEIA-RIO -  Confronto entre servidores e a Polícia Militar - Servidores estaduais realizam protesto contra as medidas do pacote de recuperação fiscal do Estado do Rio, em frente à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), na região central do Rio de Janeiro (RJ) nesta quarta-feira (1º).   (Foto: Ricardo Borges/Folhapress)
Barricada em confronto entre servidores e a Polícia Militar no Rio em 2017 – com a lei, poderia ser ‘terrorismo’.
Foto: Ricardo Borges/Folhapress
O artigo alterado também trata de quem potencialmente auxilie em tais atos, podendo criminalizar quem meramente tenha contato com o suposto terrorista, como alguém que lhe venda algum material a ser usado em ato terrorista, ou alugue ou empreste uma casa ou um carro, mesmo que não faça ideia das intenções do suposto criminoso.
Mas piora: pode ser que você compartilhe um evento no Facebook, convocando para um protesto, e a manifestação tenha conflito, barricadas e vidraças quebradas. É o suficiente. Não apenas quem estava na manifestação pode ser acusado de participar de um ato terrorista, como quem compartilhou o evento, convocou ou incentivou a participação pode ser enquadrado na Lei Antiterrorismo por prática de “atos preparatórios”. Se você ainda comemorar posteriormente ou celebrar os que conseguiram sair ilesos ou desafiaram a polícia durante o protesto, estará em situação ainda pior – terá praticado “atos preparatórios” e ainda terá louvado “pessoa, grupo, organização ou associação pela prática” do terrorismo.

Um passo para a criminalização dos movimentos sociais

Durante os debates, o senador Randolfe Rodrigues, da Rede, alertou que o objetivo de Martins e Malta seria o de estender qualquer tipo de crime para os movimento sociais. “É um ato de censura, de combate ao direito de ir e vir e à liberdade de manifestação, conceituado na Constituição”, disse Rodrigues. O senador petista Lindbergh Farias classificou o projeto como um violento atentado à democracia. “Em cima desse texto, podem prender militantes de movimentos estudantis, movimentos sindicais, estamos criminalizando o MST”, afirmou.
A oposição pediu uma audiência pública e conseguiu travar, no dia 31 de outubro, a votação na Comissão de Constituição e Justiça no Senado. A intenção é tentar impedir que o projeto seja votado em 2018 – mas Bolsonaro já sinalizou, inúmeras vezes, suas intenções ao lidar com opositores e movimentos sociais, especialmente os que taxa como “esquerdistas”. “Vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil”, chegou a dizer, durante um ato na Avenida Paulista uma semana antes de ser eleito presidente.
Em entrevista para a Folha de S.Paulo, a historiadora Maud Chirio, pesquisadora sobre a direita brasileira, deu voz às preocupações dos movimentos: “Para mim, no dia 3 de janeiro de 2019 [dois dias após a posse de Bolsonaro], o MST e o MTST serão declarados organizações terroristas“. Com as modificações, este não seria um cenário difícil de se concretizar. De olho em um espaço no futuro governo, Malta faz o que pode para garantir um emprego em 2019.

Herança do PT

Embora nunca tenha sido usada para criminalizar movimentos sociais, a Lei Antiterrorismo é um legado da gestão de Dilma Rousseff, na época preocupada com os protestos que ocorriam no Brasil em junho de 2013 e em possíveis manifestações que poderiam bagunçar a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
O Brasil mal havia tido tempo de respirar após os grandes protestos de junho de 2013 quando, em novembro daquele mesmo ano, a comissão mista da Consolidação das Leis e Regulamentação da Constituição do Senado, presidida pelo senador Romero Jucá, do MDB, e pelo deputado federal petista Candido Vaccarezza, apresentou o Projeto de Lei do Senado 499/2013.
RIO DE JANEIRO, RJ, 05.08.2015: DILMA-RIO - A presidente Dilma Rousseff durante evento na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro, que marca exatos 365 dias para os Jogos Olimpicos de 2016. O presidente do COI (Comit?™ Ol??mpico Internacional), Thomas Bach, e o prefeito Eduardo Paes tamb?©m participam do evento. (Foto: Ricardo Borges/Folhapress)
Dilma Rousseff e Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico Internacional, em 2015, quando o legado dos Jogos parecia só positivo.
 
Foto: Ricardo Borges/Folhapress
Nascia ali o embrião do projeto da Lei Antiterrorismo. O PL tipificava, já em seu primeiro artigo, o terrorismo como “o ato de provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa à vida, à integridade física, à saúde ou à previsão de liberdade de pessoa”. O objetivo da lei era atualizar a antiga Lei de Segurança Nacional, aprovada durante a ditadura, e que seria insuficiente para lidar com o tema específico e cada vez mais discutido do terrorismo (como consta na justificativa do próprio projeto).
O país ainda tentava entender o que havia acontecido nos últimos meses de revolta social, mas os poderes da república estavam mais preocupados em garantir que junho nunca mais acontecesse – e, se acontecesse, que fosse ainda mais duramente criminalizado e reprimido. E 2014 era ano de Copa e logo depois, em 2016, viriam os Jogos Olímpicos – era importante, naquele contexto, impedir protestos que pudessem se tornar violentos.
proposta foi criticada pela OAB, que considerava não haver “justificativa para que se promova a tipificação da conduta em lei específica” e contra movimentos sociais. Mas a nova lei foi desde o princípio apoiada por políticos da oposição e do governo. Se por um lado o então ministro dos esportes, Aldo Rebelo, do PCdoB, comentava que o que mais preocupava às vésperas da Copa de 2014 eram os crimes comuns e não o terrorismo, por outro, senadores do PT como Jorge Viana e Paulo Paim, defendiam a votação urgente do projeto.
O deputado petista Humberto Costa fazia uma oposição solitária à proposta. Declarou, na época, que “tem que ficar absolutamente claro que terrorismo é aquilo que representa, de fato, uma ameaça ao Estado, e ao regime democrático que leve a uma risco de ruptura. Não podemos pegar as manifestações sociais e classificar como o terrorismo”.
Passou a Copa do Mundo, e o texto seguia parado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado em 2015. Quase ao mesmo tempo, no entanto, o governo apresentou na Câmara dos Deputados outro projeto, que alterou a Lei das Organizações Criminosas, e tipificou o crime de terrorismo, prevendo as penas mais pesadas de 15 até 30 anos em regime fechado.
O governo dizia que levou adiante a lei atendendo às cobranças do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo, uma organização intergovernamental formada por 36 países, incluindo o Brasil, que exigiu uma tipificação para o crime de terrorismo. Especialistas, no entanto, viram a proposta como uma forma do governo federal ampliar o estado policial, que já estava em curso com a criação da Força Nacional de Segurança (pelo então presidente Lula em 2004) e a ocupação de favelas (como Maré e Alemão) pelo Exército.
O projeto passou como um relâmpago pela Câmara e Senado e se tornou lei em março de 2016, quando foi sancionado por Dilma Rousseff – a tempo das Olimpíadas do Rio de Janeiro. Rousseff vetou alguns dos artigos mais polêmicos, como o que considerava como atos de terror “incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado” ou ações de “interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática ou bancos de dados”, além da “apologia ao terrorismo”.
‘As disposições do projeto por si só não garantem que essa lei não seja usada contra manifestantes e defensores de direitos humanos.’
Apesar disso, ativistas especialistas ligados ao Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos apontaram para o perigo que a lei representava pela sua mera existência e a possibilidade de servir de base para futuras perseguições políticas.“As disposições do projeto por si só não garantem que essa lei não seja usada contra manifestantes e defensores de direitos humanos”, disse o representante da ONU Amerigo Incalcaterra. Eles apontaram esse cenário caso houvesse uma maioria capaz de alterar o texto e passar por cima dos vetos da então presidente – ou mesmo uma interpretação da lei pelas autoridades que levasse à criminalização de movimentos sociais e protestos, como alertou Guilherme Boulos na época. Dito e feito.
Imediatamente após a aprovação da lei, em 21 de julho, 15 suspeitos foram presos no Rio de Janeiro acusados de planejar um atentado terrorista durante as Olimpíadas em uma operação até hoje envolta em dúvidas e controvérsia. Oito foram condenados.
Na tentativa de obter total controle sobre as ruas após 2013 com a emergência de novos movimentos autônomos e descentralizados apostando no uso pesado de redes sociais, o PT de Dilma e Lula buscou formas de garantir sua segurança institucional com a certeza de que se perpetuaria no poder. O apoio de partidos aliados à direita (e mesmo opositores) não foi uma surpresa – era do interesse de diversas esferas do poder a aprovação de uma lei que limitasse protestos.
Mas a manobra poderá custar muito caro à esquerda e mesmo à população em geral, que passou a tomar gosto por sair às ruas em protestos independentemente do espectro político. “Somente uma resistência articulada é capaz de barrar os retrocessos e esses instrumentos de repressão e criminalização”, diz Camila Marques.

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Raphael Tsavkko Garciatsavkko@​gmail.com@tsavkko
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