sábado, 15 de fevereiro de 2020

Maduro “está dormindo com o inimigo”.


Revolução vitoriosa Hugo Chávez assumiu o governo em 2 de fevereiro de 1999, sete anos depois de um levantamento militar derrotado, que enfrentou o governo neoliberal de Carlos Andrés Pérez e o alto-comando militar. Uma resposta da jovem oficialidade média marcada pela insurreição do povo em 27 de fevereiro de 1989, conhecido como o “caracaço”, e em repúdio ao massacre ordenado pelo alto-comando militar a serviço da burguesia para sufocar aquele levantamento popular. Nicolás Maduro: "Dormindo com o inimigo?" (parte I) esquerdaonline 15 de fevereiro de 2020 08:26 No final do ano 2011, Chávez se reincorporou ao governo depois de um forte tratamento contra o câncer. Ninguém sabia que lhe restava pouco mais de um ano à frente da revolução bolivariana. Seu primeiro ato de rua foi a fundação da Central Bolivariana de Trabalhadores, convocando todas as correntes sindicais para um esforço comum para colocar a classe operária na “vanguarda do processo revolucionário, tal como lhe corresponde”. Em 30 de abril de 2012, na tarde antes do dia do trabalhador, sofrendo uma grande dor, ele promulgou a Lei Orgânica do Trabalho, dos Trabalhadores e Trabalhadoras (LOTTT), que organizava as importantes conquistas trabalhistas da revolução bolivariana e orientava a luta dos trabalhadores em direção ao controle da produção e da distribuição. Nas eleições presidenciais desse mesmo ano de 2012, Chávez assumiria a campanha eleitoral com uma proposta de governo, um programa conhecido como Plano da Pátria. Milhares de assembleias de trabalhadores, camponeses, estudantes e comunas apresentaram propostas que foram incorporadas ao Plano da Pátria, demarcados em cinco objetivos históricos: Defender, expandir e consolidar a independência nacional; Construir o socialismo como alternativa ao sistema destrutivo e selvagem do capitalismo; Transformar a Venezuela em uma potência social, econômica e política; Contribuir com o desenvolvimento de uma nova geopolítica internacional em um mundo multicêntrico e plurinacional; Preservar a vida no planeta e salvar a espécie humana, o que se deu a conhecer como ecossocialismo. Após duas semanas de sua quarta vitória nas eleições presidenciais, em seu primeiro conselho de ministros, em outubro de 2012, ele anunciou o “golpe de timão”, quando tentou dar uma guinada na ação do governo, exigindo dos dirigentes, autocrítica e maior eficiência. “Tratam-se dos passos que viemos dando, por isso falamos de trânsito, transição, etapa. Nada disso existia na Venezuela e nada disso existiria na Venezuela se se impusesse o capitalismo, o que nos converteria novamente na colônia que éramos. Por isso a revolução política é prévia à econômica. Sempre tem de ser assim: primeiro a revolução política, liberação política e depois vem a revolução econômica. Deve-se manter a liberação política e daí a batalha política que é permanente, a batalha cultural, a batalha social”. Ele exortou seu gabinete e lhe recomendou o recém-designado vice-presidente Nicolás Maduro, para que assumisse a responsabilidade de uma nova estrutura social para dar o salto qualitativo na transformação da base econômica do país. “Nicolás, te encomendo isso como encomendaria minha vida: as comunas, o Estado social de direito e de justiça. Há uma Lei de Comunas, de economia comunal”. Em 8 de dezembro, sete semanas depois, Chávez apareceu em público pela última vez. Em 35 minutos, anunciou seu incerto futuro ante o ressurgimento do câncer, pediu que, diante de qualquer situação imprevista que lhe impedisse de continuar seu mandato, elegessem Nicolás Maduro como presidente, e terminou dizendo, com voz embargada: “Hoje temos Pátria, e aconteça o que acontecer, em qualquer circunstância continuaremos tendo Pátria, Pátria perpétua, Pátria para sempre, Pátria para nossos filhos, Pátria para nossas filhas, Pátria. Patriotas da Venezuela, homens e mulheres: de joelhos sobre a terra, unidade dos patriotas. Não faltarão os que tratarão de aproveitar conjunturas difíceis para manter esse empenho da restauração do capitalismo, do neoliberalismo, para acabar com a Pátria. Não poderão. Diante dessas circunstâncias, de novas dificuldades, do tamanho que seja, a resposta de todos e de todas patriotas, os revolucionários, os que sentimos a Pátria até nas vísceras, é Unidade, Luta, Batalha e Vitória”. Não há dúvida de que, consciente de sua precária saúde, Chávez dava passos desesperados para consolidar um rumo, uma direção, à revolução bolivariana. Queria marcar o passo em direção ao que ele chamava de “ponto de não retorno dentro da estratégia da transição ao socialismo”. Para além das diferenças com Chávez e o chavismo sobre o caminho e a estratégia para a construção do socialismo, não há nenhuma dúvida de que Chávez tentava garantir, em seus últimos dias, inclusive na seleção de seu sucessor, a construção da Venezuela como uma pátria socialista. Contrariamente ao que muitos esperavam, Maduro assumiu o governo e conseguiu se consolidar. Mostrou habilidade para enfrentar a forte ofensiva do imperialismo e da oposição para derrubá-lo, a qual aproveitava a profunda crise econômica resultado da queda do preço do petróleo, recrudescida pelas sanções dos EUA impostas ao país. Mas, contraditoriamente, desde que a situação teve algum alívio após a derrota das últimas tentativas de intervenção externa e de golpes levadas a cabo pelo imperialismo e seu lacaio Juan Guaidó, o governo vem dando um giro à direita, particularmente no terreno econômico. Os grupos mais à direita do núcleo duro do governo incentivaram, com sucesso, a implementação de medidas de liberalização da economia, em vez de aprofundar o curso da transição a uma Pátria Socialista. Isso tem ameaçado as conquistas já alcançadas pela revolução. Não por acaso, muitos ativistas e militantes chavistas comentam nas ruas que Maduro “está dormindo com o inimigo”. A situação é grave. Maduro não pode perder o timão que Chávez lhe deixou. O governo deve mudar urgentemente o rumo da política, inclusive o caráter de seu gabinete e ministérios, para garantir as medidas que aprofundem o curso socialista da revolução de forma a cumprir com a missão histórica que Chávez nos delegou. Revolução vitoriosa Hugo Chávez assumiu o governo em 2 de fevereiro de 1999, sete anos depois de um levantamento militar derrotado, que enfrentou o governo neoliberal de Carlos Andrés Pérez e o alto-comando militar. Uma resposta da jovem oficialidade média marcada pela insurreição do povo em 27 de fevereiro de 1989, conhecido como o “caracaço”, e em repúdio ao massacre ordenado pelo alto-comando militar a serviço da burguesia para sufocar aquele levantamento popular. Foi o resultado de uma dura campanha eleitoral, na qual o candidato Chávez enfrentou um cerco feroz dos meios de comunicação, o único que confrontou e denunciou a Agenda Venezuela, o pacote neoliberal fundo-monetarista que o governo Caldera havia imposto, com o apoio da velha esquerda parlamentar. Em meio a uma intensa mobilização popular, a campanha de Chávez derrubou a candidatura pré-fabricada pelos IESA boys1 de Irene Sáens, derrotou a frente de direita orientada desde Harvard na última hora, encabeçada por Salas Romer, e desmontou a tentativa de fraude eleitoral de um setor da burguesia apoiada no alto-comando militar. Chávez cumpriria apenas alguns minutos depois de assumir o governo, há 21 anos, sua principal promessa eleitoral: convocar uma Assembleia Constituinte para refundar o país sobre novas bases, o que ele chamou de Quinta República2. Esse processo unificaria e daria direção política à situação revolucionária aberta a partir do “caracazo”, colocando em xeque a burguesia que se viu preocupada com o fato de a mobilização popular ir tomando corpo e se fortalecendo, ameaçando seu domínio sobre a sociedade venezuelana. As tentativas de derrubar Chávez do governo em 2002, primeiro por meio de um golpe de estado do alto-comando a serviço da cúpula empresarial, e depois pela sabotagem na produção petrolífera e na economia nacional por parte da gerência da PDVSA, empresa petrolífera estatal, e das organizações empresariais, levaram o chavismo à mobilização dos bairros, dos trabalhadores e camponeses para derrotar o golpe em abril de 2002. Isso resultou na restituição de Chávez ao governo e, depois, no controle da PDVSA e dos centros industriais por parte dos trabalhadores, derrotando a sabotagem econômica em janeiro de 2003. Seria a segunda revolução do povo venezuelano, desta vez consciente e com direção, depois do “caracazo” de 1989. A combinação excepcional de uma mobilização popular e uma derrota física da burguesia que havia orquestrado as tentativas golpistas contra o governo de Chávez foi a base do processo bolivariano. Não apenas as forças armadas e a indústria petrolífera foram literalmente “expropriadas da burguesia”, mas também, nos anos seguintes, em meio a uma mobilização popular ofensiva e uma burguesia em retrocesso, passaram às mãos do Estado as empresas telefônicas, de eletricidade, metalurgia, centenas de empresas manufatureiras e de produção de alimentos e centenas de milhares de hectares de terra, e se desenvolveu uma política social e de organização popular muito profunda que mudou drasticamente a sociedade venezuelana. A ação do governo de Chávez marcou o ritmo da mobilização popular e vice-versa: a mobilização marcou o ritmo da ação do governo de Chávez. Em janeiro de 2005, em pleno ascenso da mobilização revolucionária, Chávez propôs, durante sua participação no Foro Social Mundial em Porto Alegre, Brasil, o socialismo, como alternativa ao capitalismo, abandonando todas as esperanças que um setor importante da esquerda internacional havia abraçado sobre a possibilidade de construir um “capitalismo com rosto humano”, uma terceira via. Desde esse momento, o processo da revolução bolivariana estaria ligado à construção do socialismo. No entanto, um dos principais desacertos da revolução bolivariana foi que junto às grandes conquistas sociais e econômicas da população, ela terminou não se voltando para construção de uma economia socialista. Talvez uma das razões principais disso tenha sido conceber o socialismo como um processo de transição, como uma etapa em longo prazo, como algo que surgiria depois de um longo período no qual o novo se iria construindo, ao mesmo tempo em que automaticamente iria desaparecendo o velho. Não que não tenha havido mudanças substanciais no modelo econômico capitalista construído à sombra de cem anos de rentismo petroleiro. Centenas de empresas e hectares de terras passaram às mãos dos trabalhadores e camponeses; a exclusão do setor privado dos principais serviços públicos e da exploração do petróleo, ferro e alumínio; velhas empresas da burguesia em mãos do Estado e novas empresas criadas a partir da receita petroleira marcavam uma economia diferente da existente no final do século XX. Mas a Venezuela continuou sendo um país capitalista, o que Chávez não cansou de repetir. O problema não é se o domínio da economia continuou em mãos da burguesia – o que é discutível em um país no qual o alto ingresso por venda de petróleo ficou totalmente nas mãos do Estado desde 2002 -, mas se é possível construir socialismo com a existência de uma classe burguesa, mesmo que enfraquecida, que por definição clássica é dona dos meios de produção e vive da apropriação da mais valia gerada pelo esforço dos trabalhadores em meios de produção que lhes são alheios. Que a construção do socialismo é produto de um processo de transição estamos de acordo. O socialismo não surge de um só golpe e é necessário planificá-lo, mas essa transição ao socialismo começa a partir da desaparição física e econômica da classe burguesa, e isso só pode ser feito usando-se a força da revolução para destruir as bases materiais de sua existência. Não se trata apenas de uma batalha ideológica e/ou cultural. Trata-se de um fato físico, de sua destruição ou desaparição, porque, como indicou Marx corretamente, nenhuma classe abandona voluntariamente o poder. Tentar construir o socialismo sem que a burguesia desapareça foi o grande erro de Chávez à frente da revolução bolivariana. O retrocesso e debandada política da burguesia, produto da mobilização popular e das derrotas infringidas em 2002, o enorme poder político e econômico adquirido pelo Estado a partir da organização e mobilização do povo, do nascimento das Forças Armadas Bolivariana e do domínio das principais indústrias criaram a vã ilusão da desaparição física da burguesia, ou de seu papel pouco importante na história dos anos futuros na Venezuela. Não há dúvida de que a revolução bolivariana impôs um governo que chegou mais além de qualquer outro governo na América, com exceção de Cuba, e a diferença substancial está justamente em que em Cuba a burguesia, sim, desapareceu. Se a isso se junta a existência do imperialismo como gendarme de uma sociedade capitalista que é mundial, a possibilidade de construir uma economia socialista isolada, submetida ao bloqueio capitalista, é menos viável com a existência de uma classe burguesa interna, que sempre será agente do imperialismo. Uma ofensiva burguesa imperialista implacável Praticamente desde o ano 2000, o imperialismo estadunidense vem mantendo uma ofensiva permanente contra o governo venezuelano, primeiro o de Chávez e, depois, o de Maduro. Setenta por cento dos partidos ou grupos de direita surgem a partir do financiamento, organização e/ou treinamento dos EUA, por meio de diversas organizações como a CIA, NED, OTI, IRI etc. Os outros 30% são organizações preexistentes ou divisões do chavismo, que também se mantêm com recursos milionários aportados pelo imperialismo à oposição. Calcula-se que, por vias oficiais,foram investidos mais de 4,8 bilhões de dólares na conspiração contra a Venezuela, em vinte anos. Somente a equipe do falso governo de Guaidó recebeu, em 2019, mais de 460 milhões de dólares de agências imperialistas, da União Europeia e dos governos associados ao cartel de Lima. A atividade opositora na Venezuela é de alta rentabilidade. Mas o fracasso de 2002, que provocou a debandada da burguesia, diante do avanço da mobilização popular, também afetou a capacidade do imperialismo para influir na política interna. A partir do triunfo de Chávez no referendo revogatório de 2004, a intervenção imperial se limitou a um simulacro de bloqueio econômico que limitava o acesso da Venezuela ao crédito internacional, dificultando o comércio, à sabotagem da produção nacional e à ação da CIA para conformar grupos de choque fascistas (de onde surgiu Guaidó), acompanhando a dispersão política da burguesia venezuelana. O governo de Chávez contornou o cerco econômico apoiando-se nas receitas, ao diversificar o mercado petroleiro e com uma agressiva política internacional (da qual fazia parte a política petrolífera), que o levou a consolidar propostas como a UNASUL e a CELAC, organismos regionais que incluíam o esforço por uma moeda de intercâmbio comercial diferente do dólar e um banco comum, à margem do Banco Mundial e do FMI, propostas que foram acompanhadas, inclusive, por um setor da burguesia latino-americana afetada pela imposição das políticas neoliberais de livre mercado (ALCA) e por pacotes fundo-monetaristas. A criação da UNASUL e da CELAC tinha colocado em cheque a própria existência da OEA, o que fez com que os EUA passassem da ameaça de interromper seu financiamento a fazer todo o possível para garantir sua sobrevivência. A partir de 2010, junto à criação da CELAC e do anúncio público do câncer de Chávez, os EUA intensificaram a ofensiva contra a Venezuela, apoiando-se no aparato midiático imperialista, no sistema bancário internacional, nos organismos da estrutura da ONU e da OEA, condicionando as relações políticas e comerciais com os governos da América Latina ao alinhamento de seus governos à ofensiva contra o país, impondo-lhes a ruptura da neutralidade que haviam mantido, beneficiando-se da política petroleira e da compra de alimentos, manufaturados e insumos industriais do governo venezuelano, sem se envolverem no conflito com os EUA. Em nível interno, a ofensiva imperial teve como objetivo reanimar e unificar o aparato político burguês, impondo a unidade organizativa e política na base da distribuição de dólares. O fenômeno dos protestos violentos dirigidos por grupos radicais, que no ano 2003 foram chamados de guarimbas3, reapareceram a partir de 2010 com inusitada força e violência, demonstrando os níveis de apoio e treinamento por trás deles. Por ocasião da morte de Chávez, mais de trinta importantes dirigentes do chavismo e mais de quinhentos dirigentes camponeses, comunais ou sindicais tinham sido mortos por sicários de direita. Inclusive, no momento de sua morte, desenvolvia-se uma guarimba que se paralisou diante a gigantesca mobilização do povo que acompanhou os funerais de Chávez. Não foi em vão que Chávez tenha tentado, ao longo de 2012, acelerar a passagem para a construção do socialismo para chegar ao que chamava de “ponto de não retorno”, tornando irreversível o avanço da revolução bolivariana. Notas: 1 Em meados dos anos 1980, surgiu um grupo de economistas, professores do Instituto de Estudos Superiores de Administração (IESA), com intenção de se encarregar da condução econômica e política do país, emulando a trajetória dos Chicago Boys, o grupo de economistas que assumiu o desenvolvimento do modelo econômico chileno, sob a ditadura de Pinochet. Grupos equivalentes surgiram em vários países da América Latina, vinculados a universidades estadunidenses, que passaram a assessorar vários governos, a maioria ditaduras, para impor diferentes versões de pacotes neoliberais, que depois se confluíram no que se chamou o Consenso de Washington, um pacote neoliberal comum. Na Venezuela, esse grupo esteve ligado à Universidade de Harvard e teve enorme influência na gerência das empresas privadas e públicas (particularmente a PDVSA) e na jovem dirigência dos partidos políticos, incluídos os da esquerda. Toda essa geração política ficou conhecida como os IESA boys, por causa do instituto de ensino de onde se originou. Os IESA Boys foram os que projetaram o plano econômico do então candidato presidencial Carlos Andrés Pérez, que deu origem ao caracaço de fevereiro de 1989. Mesmo assim, tiveram muita influência nas decisões e políticas de governo na década de 1990. Foram os criadores da Agenda Venezuela, uma política de choque destinada a mudar o modelo capitalista rentista, mas que somente destruiu a economia e o nível de vida do venezuelano. Projetaram a candidata presidencial, Irene Sáenz, ex rainha da beleza (miss), a qual colocaram à frente do município criado exprofeso (Chacao), para servir de vitrine da Venezuela do futuro, em meio à ruína econômica do resto do país. O fracasso do projeto Irene, atropelada pela candidatura Chávez, levou a Universidade de Harvard a convocar uma reunião de emergência na qual “ordenaram”, faltando apenas três meses para as eleições, a unidade em torno da candidatura do empresário SalasRomer, provocando uma crise política dos partidos que, longe de estancar, facilitou o triunfo de Chávez. Alguns personagens dos IESA Boys não trocaram Irene por Salas Romer, mas se juntaram à candidatura de Chávez e fizeram parte da Assembleia Constituinte de 1999 como parte do chavismo. Saíram do governo para se juntarem à atividade golpista da burguesia e do imperialismo no ano de 2002. Alguns dos ideólogos dos IESA boys reapareceram como parte da equipe indicada pelos Estados Unidos a Guaidó e integram os grupos que planificam a arquitetura do bloqueio econômico, ataque à moeda e expropriação de empresas no exterior, que são propriedades do Estado venezuelano. 2 Durante a guerra de independência, houve duas tentativas fracassadas de república (a primeira e a segunda). Depois da tomada de poder da região de Guayana pelo exército libertador, foi convocado, em fevereiro de 1819, o Congresso de Angostura, com delegados de várias colônias espanholas, no qual se instalou uma nova república (terceira) e se aprovou o projeto de criação da Colômbia, a partir da libertação e unificação de várias colônias espanholas. Esse projeto teve início com a tomada e proclamação da República da Flórida, que caiu poucos meses depois, com o apoio dos Estados Unidos à Espanha. Desde então, Bolívar manteve un confronto com os Estados Unidos até sua morte, em 1830. Meses antes de sua morte, ele dissolveu a Colômbia de Bolívar e nascia a República da Venezuela, a qual muitos historiadores bolivarianos chamam de Quarta República, porque nasceu da derrota do projeto de Bolívar. Por isso Chávez, no processo constituinte de 1999, chamou a criar a Quinta República. 3 Em 2003, depois da derrota da sabotagem petroleira, houve um chamado a ações de protestos cujo eixo eram os bairros de classe média, contrários à revolução bolivariana. O esquema para esses protestos era fazer barricadas e queimar lixo nas avenidas adjacentes e, diante da presença policial, fugir para as casas, refugiar-se nas guarimbas, desde onde às vezes se disparava contra os policiais. O termo guarimba é uma menção a um jogo de crianças no qual um grupo persegue o outro e tem um refúgio, conhecido como casa ou guarimba. A partir desse ano, os protestos de direita ficaram conhecidos como guarimbas, e seus participantes como guarimberos. A partir de 2010, aconteceram guarimbas quase todos os anos, até 2017, quando se orquestou a maior ofensiva guarimbera que durou 107 dias, sendo derrotadas pela participação massiva nas eleições da Assembleia Constituinte. Clique aqui para ver página original

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Trotsky

I

Trotsky, ao reconhecer uma historicidade própria aos países dependentes, e em particular à América Latina, lançou as bases teóricas do que posteriormente ficaria conhecido como “teoria da dependência”. Sob pressão das massas populares, a burguesia ainda dará passos à esquerda, para depois ferir o povo de maneira impiedosa. Períodos de “dualidade de poderes” são possíveis e prováveis. Trotsky e o "Sul Global": Revolução permanente, regimes políticos e opressões (nacionais e raciais) esquerdaonline 13 de fevereiro de 2020 03:53 Por que vocês não sabem Do lixo ocidental? (Milton Nascimento, em para Lennon e MacCartney) Toda a teoria de Trotsky sobre a Revolução Permanente foi vertebrada na ideia de que o desenvolvimento do capitalismo nas regiões atrasadas[1] continha uma historicidade própria, o que contrariava a lógica da repetição das “etapas” do capitalismo europeu clássico nos países “coloniais” e “semicoloniais”, tal como apregoava a III Internacional. A forma específica como o capitalismo se apresentava nos países atrasados (combinando dialeticamente elementos modernos com estruturas arcaicas) não seria decorrência, segundo Trotsky, de uma mera questão de “estágios” diferenciados entre estes e os países de capitalismo avançado. Essa assertiva, por sua vez, alicerçava-se numa perspectiva que compreendia o capitalismo mundial como uma totalidade contraditória, e não como uma mera soma de nações (partes) isoladas. Justamente por serem fragmentos integrados dialeticamente em um todo (o capitalismo mundial), as regiões “coloniais” e “semicoloniais” não poderiam desenvolver a sua história em separado, e, portanto, não lhes seria possível superar seu atraso passando-se a um “estágio” superior ainda dentro dos marcos do capitalismo. O sistema capitalista, em especial a partir de sua fase imperialista, não deixaria mais espaço para esses desenvolvimentos “autônomos”, impossibilitando que a história das regiões retardatárias repetisse a história das regiões pioneiras. Do mesmo modo, o desenvolvimento histórico das nações centrais dependeu e dependia inteiramente das relações estabelecidas com as formações econômico-sociais periféricas. Essa perspectiva totalizante de Trotsky era a base de seu internacionalismo, que se opunha frontalmente à teoria do “socialismo num só país” sustentada pelos estalinistas, o que o levava à defesa de posições políticas completamente distintas desses últimos.[2] Nos trechos a seguir, extraídos de A revolução permanente, pode-se perceber a imbricação existente entre a concepção de Trotsky acerca do desenvolvimento histórico dos países atrasados e suas propostas políticas para o proletariado destes: “Como instituir, então, a ditadura do proletariado em vários países atrasados, como a China, a Índia etc.? Respondemos: a história não se faz por encomenda […] É preciso não tomar, nunca, como ponto de partida a harmonia preestabelecida da evolução social. Apesar do afetuoso abraço teórico de Stálin, a lei do desenvolvimento desigual ainda existe, manifestando sua força tanto nas relações entre países como na correlação das diferentes séries de fenômenos dentro de um mesmo país. A conciliação do desenvolvimento desigual da economia e da política só pode ser obtida na escala mundial. Isso significa, em particular, que o problema da ditadura do proletariado na China não pode ser considerado exclusivamente nos limites da economia e política chinesas. E estamos, aqui, diante de dois pontos de vista que se excluem reciprocamente: o da teoria internacionalista e revolucionária da revolução permanente e o da teoria nacional-reformista do socialismo num só país. Não só a China atrasada, mas nenhum país do mundo poderá construir o socialismo dentro dos seus quadros nacionais: a isso se opõem não só as forças produtivas que, altamente desenvolvidas, ultrapassam os limites nacionais, como também as forças produtivas que, insuficientemente desenvolvidas, impedem a nacionalização […]. Significará isso que todo país, mesmo um país colonial atrasado, esteja maduro senão para o socialismo, ao menos para a ditadura do proletariado? Não, não significa. Mas, então, como fazer a revolução democrática em geral e nas colônias em particular? Respondo com outra pergunta: E quem disse que todo país colonial está maduro para a realização integral e imediata de suas tarefas nacional-democráticas? É preciso inverter o problema. Nas condições da época imperialista, a revolução nacional-democrática só pode ser vitoriosa quando as relações sociais e políticas do país estejam maduras para levar o proletariado ao poder, como chefe das massas populares […] Na China, onde o proletariado, apesar da situação excepcionalmente favorável, foi impedido, pela direção da Internacional Comunista, de lutar pelo poder, as tarefas nacionais se realizaram de maneira miserável, instável e má, sob o regime do Kuomitang.”[3] Partindo dessa interpretação acerca das possibilidades de desenvolvimento dos países atrasados na época do imperialismo, Trotsky polemizou com a proposta de uma “ditadura democrática” (sob direção da “burguesia nacional”) lançada para China e demais países “coloniais” e “semicoloniais” pela III Internacional: “Não se pode prever quando e em que condições um país estará maduro para a solução verdadeiramente revolucionária das questões agrária e nacional. Em todo o caso, podemos afirmar, desde já, com toda a certeza, que tanto a China como a Índia só poderão chegar a uma verdadeira democracia popular, isto é, operária e camponesa, por meio da ditadura do proletariado. Numerosas etapas diferentes podem esperá-los nesse caminho. Sob pressão das massas populares, a burguesia ainda dará passos à esquerda, para depois ferir o povo de maneira impiedosa. Períodos de “dualidade de poderes” são possíveis e prováveis. Uma hipótese, porém, está completamente excluída: a de que possa haver verdadeira ditadura democrática que não seja a ditadura do proletariado. Uma ditadura democrática independente só pode ter o caráter do Kuomitang, o que significa que será inteiramente dirigida contra os operários e os camponeses. É preciso compreender e ensinar isso às massas, sem ocultar a realidade das classes com uma fórmula abstrata.”[4] Salvo em seus inúmeros escritos sobre a Rússia, nos quais os particularismos da Terra dos czares foram bastante abordados,[5] Trotsky não se dedicou a reflexões aprofundadas da “questão nacional” em outras formações sociais. Entretanto, em suas análises sobre diversos países do que hoje se costuma chamar de “Sul Global”, buscou sempre levar em conta, mesmo que por meio de pesquisas tangenciais, suas especificidades histórico-sociais, tomando-os sempre, não custa lembrar, como partes de uma totalidade, o capitalismo mundial. Ainda em 1930 (ano da publicação de A revolução permanente), dando continuidade à sua luta contra o “etapismo” da IC, Trotsky escreveu textos referentes ao caráter da revolução em países como Itália e Índia. Afirmando o papel contrarrevolucionário de todos os setores das classes dominantes daqueles países, Trotsky mais uma vez apontou o proletariado como o único sujeito capaz de dirigir qualquer processo revolucionário que resolvesse neles as tarefas “democráticas” e/ou “nacionais” pendentes. Nesse sentido, para Trotsky, não poderia, na Itália, ter lugar um regime “democrático”, na qualidade de etapa intermediária entre o fascismo e uma eventual futura ditadura do proletariado, que fosse resultado de uma luta vitoriosa da burguesia italiana contra o regime de Mussolini. O revolucionário russo admitia a possibilidade de que, no país, pudesse vir a existir no pós-fascismo um regime parlamentar e “democrático”, o qual, em sua concepção, só poderia ser obra de uma revolução proletária “insuficiente madura e prematura” que, abortada, permitiria à burguesia, após uma crise revolucionária, restabelecer, de modo contrarrevolucionário, seu domínio sobre bases “democráticas”. De modo algum, assinalava Trotsky, uma eventual democracia burguesa na Itália poderia decorrer de uma exitosa revolução “democrática” encabeçada pela classe dominante.[6] Também a batalha pela “libertação nacional” da Índia do jugo do imperialismo inglês não poderia, segundo ele, contar com a participação dos “opressores internos”, os quais, conforme crescia a luta das massas pela independência, tinham seus “desejos” de “separar-se dos estrangeiros” diminuídos.[7] Nos primeiros anos da década de 1930, em função do processo revolucionário espanhol iniciado com a queda da ditadura bonapartista de Primo de Rivera (1930) e a subsequente derrocada da monarquia (1931), Trotsky pôs-se a produzir uma série de escritos dedicados a analisar o papel político a ser desempenhado pelo proletariado daquele país para que a revolução viesse a ser bem-sucedida. Constatando o caráter “débil” da burguesia espanhola, Trotsky, mais uma vez, defendeu que somente o proletariado, em aliança com os camponeses, poderia realizar as tarefas de uma revolução “democrático-burguesa” na Espanha atrasada, como a reforma agrária e a destruição dos privilégios da Igreja Católica. Por conta disso, em seus escritos do período 1934-1937 (decisivo para o destino da Revolução Espanhola), condenou violentamente a política de frente popular levada a cabo pela Internacional Comunista na Espanha. Creditando um caráter “progressista” à burguesia espanhola e orientando a aliança dos operários e camponeses com ela, os estalinistas defenderam, à época, que a revolução deveria se encerrar nos marcos de uma república democrático-burguesa, o que impediria, segundo a IC e seus adeptos, a vitória do fascismo. A fragorosa derrota do proletariado espanhol na revolução, assim como a responsabilidade da IC e do Partido Comunista Espanhol nesse histórico fracasso, são bastante conhecidos por todos. A burguesia espanhola, depositária da confiança dos estalinistas, demonstraria todo o seu caráter “progressista” e “democrático” ao receber o general Francisco Franco de braços abertos.[8] Em 1935, quando se encontrava dedicado a combater a política de frente popular implementada pela IC na Espanha, Trotsky escreveu ainda breves comentários acerca das tarefas do movimento revolucionário na África do Sul, então colônia da Grã-Bretanha. Mais uma vez afirmando a existência de uma dinâmica histórica própria aos países atrasados, “coloniais” e “semicoloniais”, defendeu que a superação das questões “agrária”, “nacional” e “racial” estava diretamente relacionada à luta pela implementação da ditadura do proletariado (negro e branco) no país, opondo-se, dessa forma, a qualquer aliança com os setores dominantes nativos em nome de uma plataforma “comum” de cunho “anti-imperialista”.[9] Algum tempo depois, em janeiro de 1937, Trotsky desembarcaria no México, então governado pelo general bonapartista de esquerda Lázaro Cárdenas. Não obstante o acordo de não interferência na política interna firmado com o presidente, Trotsky, desde sua chegada, não se furtou a realizar análises relativas à luta de classes naquela país e ao papel que deveria nela desempenhar o proletariado. Com menos intensidade, voltou seus olhos também para outras experiências políticas da América Latina, buscando compreendê-las com partes constitutivas de uma grande realidade periférica e atrasada do sistema capitalista mundial, que atravessava uma profunda crise desde o crash da bolsa de Nova Iorque, em outubro de 1929. Em terras mexicanas, escreveu Trotsky: “A sociedade latino-americana, como toda sociedade – desenvolvida ou atrasada – está composta por três classes: a burguesia, a pequena-burguesia e o proletariado. Na medida em que as tarefas são democráticas em um amplo sentido histórico, são tarefas democrático-burguesas, mas aqui [na América Latina] a burguesia é incapaz de resolvê-las, como o foi na Rússia e na China. Neste sentido, durante o curso da luta de classes pelas tarefas democráticas, opomos o proletariado à burguesia. A independência do proletariado, inclusive no começo desse movimento, é absolutamente necessária, e opomos particularmente o proletariado à burguesia na questão agrária, porque a classe que governará, no México como em todos os demais países latino-americanos, será a que atrair para ela os camponeses.”[10] Assassinado pela GPU (polícia política soviética) a mando de Stálin em 1940, Trotsky acabou por ter na América Latina não só seu último local de exílio, mas também o último local para observação de sua lei do desenvolvimento desigual e combinado e de sua teoria da revolução permanente. As suas interpretações das possibilidades históricas da América Latina sob o capitalismo contrapuseram-se a qualquer perspectiva evolucionista e “etapista” quanto aos rumos econômicos, políticos e sociais do continente. Tais interpretações, datadas de fins da década de 1930, representam, portanto, um contraponto teórico e político tanto às teses produzidas desde a segunda metade da década de 1920 pelos partidos comunistas vinculados à IC, quanto às de perspectiva “nacional-desenvolvimentistas”, provenientes de instituições como a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e similares de escopo nacional. Nesse sentido, consideramos que Trotsky, ao reconhecer uma historicidade própria aos países dependentes, e em particular à América Latina, lançou as bases teóricas do que posteriormente ficaria conhecido como “teoria da dependência”. [1] Faz-se necessário apontarmos aqui que a própria noção de atraso é passível de ser problematizada, pois, de algum modo, pode levar a um entendimento de que há uma espécie de linha histórica evolutiva a ser seguida pelas nações. Neste livro, utilizamos tal conceito na acepção trotskista do mesmo, isto é, de modo que este tenha como seu eixo estruturante a dimensão histórico-temporal das modernizações industriais capitalistas dos países aos quais se refere. [2] Quanto ao método internacionalista de Trotsky, ver “Totalidade e internacionalismo em León Trotsky”. Marx e marxismos, vol. 6 (nº. 10), 2018 (http://www.niepmarx.blog.br/revistadoniep/index.php/MM/article/view/252) e BIANCHI, Alvaro. “O marxismo de León Trotsky: notas para uma reconstrução teórica” in Idéias, nº. 14. Campinas, 2007, p. 57-99. [3] TROTSKY, l. A revolução permanente. 2ª edição. São Paulo: Kairós, 1985, p. 120-121. [4] Idem. As reflexões de Trotsky acerca dos rumos da revolução chinesa de 1925-1927 podem ser encontradas também, entre outros escritos, nas correspondências que trocou, à época dos eventos, com bolcheviques como Radek, Alsky e Preobrazhensky (contidas na coletânea TROTSKY, L. La teoria de la revolución permanente. Compilación. Buenos Aires: Centro de Estudios, Investigaciones y Publicaciones León Trotsky [CEIP León Trotsky], 2000, p. 369-394) e no artigo, escrito em 1938, intitulado “La revolución china” (idem, p. 524-535). [5] Quanto a isto, ver DEMIER, F. “A lei do desenvolvimento desigual e combinado de Trotsky e a Revolução Russa” in ____ e MONTEIRO, Márcio Lauria (orgs.). 100 anos depois: a Revolução Russa de 1917. Rio de Janeiro: Mauad X, p. 135-166. [6] TROTSKY, L. “Problemas de la revolución italiana” in ____. La teoria de la revolución permanente. Compilación. Op. cit., p. 552-553. [7] TROTSKY, L. “Tareas e peligros de la revolución en la India” in ____. La teoria de la revolución permanente. Compilación. Op. cit., p. 541. [8] Os escritos de Trotsky acerca da Revolução Espanhola podem ser encontrados em TROTSKY, L. La revolución española. S.l: El Puente Editorial, s.d. [9] TROTSKY, L. “Sobre las tesis sudafricanas” in ____. La teoria de la revolución permanente. Compilación. Op. cit., p. 561-567. [10] TROTSKY. León. “Discusion sobre America Latina” in ____. Escritos latinoamericanos. 2ª edição. Buenos Aires: Centro de Estudios, Investigaciones y Publicaciones León Trotsky (CEIP León Trotsky), 2000 p. 123-124. O texto em questão é um resumo transcrito de uma conversa realizada entre Trotsky, seus militantes-seguranças norte-americanos e o trotskista Charles Curtiss, também norte-americano. Clique aqui para ver página original

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Livres para votar; não para interferir no poder

ESQUERDA, O RESGATE DO SONHO
*Frei Betto*


Pertenço à geração que teve o privilégio de fazer 20 anos nos anos 60: Revolução Cubana, Che, Beatles, Rei da Vela, manifestações estudantis, Alegria, Alegria, Gláuber Rocha, McLuhan, revista Realidade, Marcuse, Maio de 68, João XXIII, naves espaciais etc.

Era a geração dos sonhos. "Sonhar é acordar-se para dentro", lembra Mário Quintana. Estávamos permanentemente despertos. Nossas quimeras não eram acalentadas por drogas, mas por utopias.

Segundo a teoria psicanalítica, todo sonho é projeção de um desejo. Nossa geração desejava ardentemente mudar o mundo, instaurar a justiça social, derrubar a velha ordem.

O sonho quebrou-se ao tocar a realidade. A ditadura militar (1964-1985) encarou como subversivos nossos protestos e conteve, com cassetetes e tiros, nossas passeatas. Nossos congressos estudantis terminaram em prisões e, escorraçados para a clandestinidade, não nos restou alternativa senão o exílio ou a resistência. Em nossas utopias os carrascos abriram feridas, e dependuraram nossos ideais no pau-de-arara. O que era canto virou dor; o que era encanto, cadáver. A roda-viva se encheu de medo e o nosso cálice de “vinho tinto de sangue”.

Nossos paradigmas ruíram sob os escombros do Muro de Berlim. Não era o socialismo das massas nem os proletários no poder. Era o socialismo do Estado, pai e patrão, atolado no paradoxo de agigantar-se em nome do fim iminente da luta de classes. O economicismo, a falta de uma teoria do Estado e de uma sociedade civil forte e mobilizada, levaram o rio das fantasias coletivas a transbordar sobre as pontes férreas dos engenheiros do sistema. O socialismo real saciava a fome de pão, não o apetite de beleza. Partilhava bens materiais e privatizava o sonho. Todo sonho estranho à ortodoxia era visto como diversionista, ameaçador.

Astuto, o capitalismo socializa a beleza para camuflar a cruel privatização do pão. Aqui, todos são livres para falar; não para comer. Livres para transitar; não para comprar passagens. Livres para votar; não para interferir no poder. O Muro de Berlim ruiu e, ainda hoje, a poeira levantada embaça os nossos olhos.

Solteira de paradigmas, a esquerda é uma donzela perplexa que, terminada a festa, não consegue encontrar o caminho de casa. Há muitos pretendentes dispostos a acompanhá-la, mas ela teme ser conduzida ao leito de quem quer estuprá-la. Ansiosa, envereda-se pelo labirinto do eleitorarismo e se perde no jogo de espelhos que exarcebam o narcisismo de quem se maquia no reflexo das urnas. Deixa-se arrastar pela rotatividade eleitoral, onde ideais e programas são atropelados pela caça a votos e cargos. E, quanto mais se aproxima das estruturas de poder, mais se distancia dos movimentos populares.

É bem verdade que, ao assumir a administração pública, investe em programas sociais, aprimora o acesso à saúde, à educação, moradia e cesta básica. Contudo, desprovida de andaimes, não faz dessa massa um novo edifício teórico, alternativo à globocolonização neoliberal que execra a cidadania e exalta o consumismo, repudia os direitos sociais e idolatra o mercado.

A maré sobe – Equador, Chile, Argentina - mas, na praia, pescadores acostumados a selecionar os peixes têm os olhos cegos pelo reflexo do Sol. A história cessou?

Fora da esquerda, não há saída para a miséria que assola o planeta (1,3 bilhão de pessoas). A lógica do capitalismo é incompatível com a justiça social. O sistema requer acumulação; a justiça, partilha. E não há futuro para a esquerda sem ética, utopia, vínculos com os pobres e coragem de dar a vida pelo sonho.

Hoje, o socialismo já não é apenas questão ideológica ou política. É também aritmética: sem partilhar os bens da Terra e os frutos do trabalho humano, os quase 8 bilhões de passageiros dessa nave espacial chamada Terra estarão condenados, em sua maioria, à morte precoce, sem o direito de desfrutar o que a vida requer de mais essencial para ser feliz: pão, paz e prazer.

Resta, agora, a esquerda acordar para o sonho.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Agora, o invasor é o indígena!!

Praticamos o crime de invasão das terras indígenas e agora o invasor é o indígena!!




Política
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terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Mais sobre minha posição em relação ao tal "criacionismo", uma aberração teológica dos fundamentalistas

Mais sobre minha posição em relação ao tal "criacionismo", uma aberração teológica dos fundamentalistas

Lava jato a serviço dos EE.UU

Os Estados Unidos usaram a Lava Jato para atingir um “objetivo da política externa, que era se livrar de Lula e Dilma Rousseff e avançar um pouco mais no processo de “demolir” a independência dos países latino-americanos que não estão alinhados com o governo norte-americano.


Mark Weisbrot: EUA usaram Lava Jato para fins de política externa, e Moro ajudou no processo
GGN3 de fevereiro de 2020 22:47


Jornal GGN – Os Estados Unidos usaram a Lava Jato para atingir um “objetivo da política externa, que era se livrar de Lula e Dilma Rousseff e avançar um pouco mais no processo de “demolir” a independência dos países latino-americanos que não estão alinhados com o governo norte-americano. É o que avalia o economista e pesquisador norte-americano Mark Weisbrot.
Em entrevista a André Neves Sampaio, colaborador do GGN nos Estados Unidos, Weisbrot falou sobre as relações do Departamento de Justiça norte-americano com a Lava Jato, os interesses geopolíticos por trás da operação, a participação de Sergio Moro no processo e do alinhamento de Jair Bolsonaro ao governo Trump.
Segundo ele, há evidências claras de que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos está “envolvido nesse crime” [uso da Lava Jato para fins geopolíticos], inclusive convergindo com os interesses políticos “do seu amigo [Sergio] Moro”.
De acordo com Weisbrot, a meta principal dos EUA na América Latina sempre foi a de ter países alinhados à sua política externa. “É com isso que eles mais se preocupam agora.”
Com o golpe em Dilma e a condenação e inviabilidade eleitoral de Lula – ações patrocinadas por Moro e Lava Jato – os EUA progrediram um pouco mais com o plano de “demolir” a independência na região. “Acho que é disso que eles mais queriam se livrar.”
***
André Sampaio: Você acha que o Departamento de Justiça dos EUA tem alguma influência na Lava Jato?
Mark Weisbrot: Sim, não há dúvida de que o Departamento de Justiça – como sabemos por seus próprios discursos e documentos – está pesadamente envolvido nessa investigação. Eu acho que pode até ter tido alguma influência política também.
Um número de membros do Congresso dos EUA e da Casa de Representantes, um mês atrás, escreveu ao Departamento de Justiça e fez várias perguntas, e expressou preocupação. Eles escreveram uma carta, liderados por Hank Johnson, que é membro do Comitê Judiciário, que tem papel de supervisionar o Departamento de Justiça, que terá de responder essas perguntas.
Eles dizem na carta que estão muito preocupados com as notícias de ações em conluio entre o ex-juiz Moro e os procuradores do caso, que se basearam em evidências fracas. Que as crenças dos procuradores eram insuficientes para uma condenação, e que Lula não teve um julgamento imparcial. Isso deveria ser uma preocupação para o Departamento de Justiça.
E eles [parlamentes] perguntam o que eles [Departamento de Justiça] realmente sabem disso. Se eles [DOJ] sabiam desse conluio. Qual foi seu papel. Perguntam detalhes do que eles fizeram. Então, espero que em breve teremos mais informações sobre o que o Departamento de Justiça fez. Mas me parece que, esmagadoramente, foi politizado, exatamente como a operação em si.
AS: Depois do impeachment de Dilma, Aloysio Nunes, na época em que ele era presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, viajou aos EUA para uma reunião com Tom Shannon. E no mesmo período, houve uma coletiva de imprensa com José Serra e John Kerry, no Brasil, durante o impeachment. E Serra disse nessa coletiva que estava buscando melhor relacionamento com os EUA. Você acha que os EUA também influenciaram o processo democrático no Brasil?
MW: Sim, os EUA tiveram um papel muito importante em legitimar e apoiar o golpe contra Dilma. E todo o caminho até a prisão de Lula, eles estavam apoiando através do Departamento de Justiça e outras agências dos EUA. Mas o golpe em si foi muito apoiado.
Um dos grandes sinais foi quando, um ou dois dias depois que o Congresso votou pelo impeachment de Dilma, o senador Aloysio Nunes, que comandava a comissão de Relações Exteriores no Senado, veio para os EUA e se encontrou com Tom Shannon, que era o número 3 do Departamento de Estado na época, e alguém que se envolveu em muitas atividades terríveis ao longo de sua carreira. Ele se aposentou alguns meses atrás.
Este encontro foi um meio dos EUA demostrarem de maneira muito clara, para aqueles que estavam prestando atenção, que o País estava apoiando o golpe. Porque a votação do impeachment no domingo antes de Nunes encontrar com Shannon foi vista ao redor do mundo como um espetáculo. Na verdade, foi uma vergonha, que afetou a cobertura da imprensa aqui, que era majoritariamente a favor do processo de impeachment, mas começou a hesitar depois que viu o que os senadores estavam dizendo.
Shannon teve um papel crucial. Todo mundo sabe quem ele é. É um ex-embaixador no Brasil e, como disse, o terceiro no comando do Departamento de Estado na época. Ele se encontrar com Nunes, quando não precisava se encontrar, foi uma tentativa de mostrar o apoio dos Estados Unidos ao golpe. E foi muito inteligente, porque a maioria da mídia ignorou, mas todos no Brasil, toda a classe política no mundo, todos que entendem de diplomacia sabiam que isso era uma maneira de mostrar apoio ao golpe.
E como se não fosse suficiente, em agosto, John Kerry foi ao Brasil e falou em frente da embaixada dos Estados Unidos com José Serra – que na época era o ministro das Relações Exteriores do governo golpista, se assim quiser chamar – e deu todo o apoio ao novo governo. Disseram que iriam trabalhar juntos. Pouco antes disso, o Senado estava votando e preferiram não condenar Dilma [à perda dos direitos político]. Foi sem erro uma demonstração do apoio dos EUA não só ao impeachment, mas para se livrar de Dilma. Todo mundo que prestou atenção entendeu, embora tenha sido ignorado pela mídia.
AS: Como você analisa o relacionamento entre Bolsonaro e Trump, considerando que durante o governo Lula, o Brasil teve outro tipo de relacionamento com os EUA, tentando estreitar o bloco econômico na América do Sul e também se posicionamento contra a guerra no Iraque, por exemplo, e agora Bolsonaro parece fazer tudo o que Trump quer. Como você vê esse relacionamento?
MW: Não há nenhuma dúvida de que o governo Trump está muito feliz com Bolsonaro e o apoia fortemente ou vai tentar apoiá-lo de toda maneira que puder. Isto é porque eles unificaram a política externa. É por esse motivo também que os EUA quiseram se livrar do antigo governo brasileiro, assim como outros governos de esquerda que foram eleitos no século XXI. Não há diferença, e eles tiveram sucesso em se livrar de alguns deles. Mas eles contribuíram, claro, como disse, para se livrar de Dilma e Lula, e agora eles podem ter o que querem. Especialmente Trump. Porque ele é um extremista e eles [Trump e Bolsonaro] compartilham muita ideologia em comum. Você ainda tem nos Estados Unidos toda uma política externa, um establishment – que inclui arma de indução de pânico, o Departamento de Estado, Conselho de Segurança Nacional, as comissões de relações exteriores do Congresso, e o departamento de Defesa. Todos eles têm uma estratégia em comum, e essa estratégia é não ter governos independentes na América Latina. E se livrar daqueles que foram eleitos e das instituições que eles construíram para a independência regional, como por exemplo a Unasur [União de Nações Sul-Americanas] ou CELAC [Comunidade das Nações Latino-Americanas e Caribe]. Eles realmente não querem nenhuma dessas coisas. A transformação da América Latina no século XXI foi a primeira vez em 500 anos que a região teve tanta independência. E, desde o começo do século, a estratégia tem sido de limitar e reverter [o crescimento], mais ou menos como na Guerra Fria contra a União Soviética. Mas eles realmente querem se livrar. E agora eles têm o que querem. De novo: Trump e Bolsonaro têm uma conexão ainda mais especial por sua ideologia racista e de extrema-direita.
AS: Qual é a importância do Brasil, como o maior País da América do Sul, para a política externa dos Estados Unidos?
MW: O Brasil tem sido o grande prêmio para eles. Eles perderam o Brasil depois de 2002 até 2016. Não tinham o País no bolso. O Brasil é mais difícil do que estes outros países [da América do Sul] para os EUA conseguirem se aproximar, porque ele tem uma longa tradição de independência – mesmo na ditadura militar, que foi relativamente independente dos Estados Unidos, ou mais independente do que os Estados Unidos esperavam quando apoiaram o golpe.
Quando essa história for finalmente escrita, eu acho que o golpe contra Dilma, Lula e o PT será visto como um dos mais importantes apoios dos Estados Unidos, em grande escala, a um golpe na América Latina.
AS: Como você vê o juiz Sergio Moro? Ele foi o cara que primeiro condenou Lula e agora é ministro de Justiça de Jair Bolsonaro.
MS: Moro é claramente um líder disso. Ele tinha os olhos o tempo todo em cima do golpe. Ele teve de pedir desculpas à Suprema Corte por grampear Lula, sua esposa e Dilma, e criou esse grande espetáculo prendendo Lula com todos esses policiais, quando Lula se voluntariou para responder perguntas. Então ele fez todas essas coisas, e claro, fez coisas que descobrimos depois, como colaborar com os procuradores, que é antiético e ilegal.
E ele era muito próximo dos Estados Unidos. Ele já veio aqui, ele tinha contatos aqui. Na verdade, esteve aqui recentemente com Jair Bolsonaro e teve encontros em uma desses centros de fusão dos Estados Unidos.
Então acho que ele teve um papel chave. Ele fez tudo ser tão óbvio ao se tornar ministro da Justiça depois de ter entregado a eleição para Bolsonaro prendendo Lula, que teria vencido a eleição de acordo com todas as pesquisas. Acho que esse foi o papel dele e como ele será lembrado.
AS: Você acha que a trama principal da Lava Jato era finalmente tirar Lula da eleição? Acha que Lula na prisão era o principal objetivo dessa operação?
MW: Sim, acho que era o que eles mais queriam: por Lula na cadeia e impedi-lo de disputar a eleição. Você pode ver isso. No julgamento em que ele foi condenado e enviado à cadeia, não havia evidência material. Tudo foi baseado no testemunho de um executivo que não só tinha um acordo de delação, mas como a Folha de S. Paulo publicou, seu acordo foi interrompido e paralisado, até que ele mudasse sua história, porque a história original não implicava Lula, então ela foi cortada desse acordo que poderia salvá-lo de uma temporada na prisão, até que ele dissesse o que queriam.
Essa era praticamente a única evidência que eles tinham, porque Lula nunca comprou esse apartamento, nunca ficou nele. Não havia nada além desse cara e sua delação. Então, estava muito claro o que eles queriam fazer: tirar Lula do jogo. E eles fizeram tudo, até mesmo de maneira subsequente, para assegurar que isso aconteceria.
AS: O que você acha que a Operação Lava Jato significa para o Departamento de Justiça dos Estados Unidos?
MW: É algo muito desagradável. E acho que por isso esses membros do Congresso escreveram essa carta. É uma carta sem precedentes. Eu não consigo lembrar de nada assim. Claro que o Congresso tem discordâncias com o Departamento de Justiça sobre direitos civis ou sobre a presidência, mas eu não acho que alguma vez [congressistas] já foram atrás deles [DOJ] por algo que fizeram no exterior, em outro país.
Isso realmente esclarece para todos que estão olhando que o Departamento de Justiça tinha um papel importante, e um papel político. Estava perseguindo um objetivo da política externa, que era se livrar do governo do Partido dos Trabalhadores. Claro, estou dizendo isso com base nas evidências que existem agora, a maioria circunstancial, mas espero que teremos evidências mais fortes.
Esse é um dos problemas da mídia aqui, é que eles tem esse padrão. Sempre que os Estados Unidos fazem algo em outro País que é imoral ou ilegal, eles usam o que chamamos de estratégia de cortina de fumaça. Sabe? No sistema judicial, no sistema criminal, nós temos esse padrão que chamamos de evidências “além da dúvida razoável”, ou nos casos civis chamamos de “preponderâncias das evidências”.
A cortina de fumaça é algo que a mídia só parece usar para coisas que os Estados Unidos fizeram, mesmo sabendo que é obvio para qualquer observador. Mesmo os depoimentos que o Departamento de Justiça, oficialmente, já fez sobre esse caso, [mostram que] havia elementos, havia motivação, havia oportunidade, e eles estavam envolvidos nesse crime de um jeito que estava diretamente voltado para os mesmos fins políticos que seu amigo Moro estava direcionado.
AS: Por que os Estados Unidos e Departamento de Justiça quiseram se livrar de Lula e seu partido político?
MW: Toda a operação por parte dos Estados Unidos, toda a operação contra Lula e seu partido político… A propósito, não foi a primeira vez, devo dizer. Em 2006, temos documentos, há um artigo na Folha de S. Paulo sobre isso, mostrando que os Estados Unidos intervieram para tentar enfraquecer o PT naquela época. Eles estavam pressionando por uma legislação que poderia enfraquecer o PT e o governo naquela época. Eles sempre quiseram se livrar desse governo. Por que isso?
A meta principal na América Latina, desde sempre, foi ter países alinhados completamente, ou pelo menos alinhados à política externa dos Estados Unidos. É com isso que eles mais se preocupam agora. Talvez, 30 anos atrás, eles se preocupassem mais com interesses corporativos. Mas agora, na última década ou duas, a preocupação tem sido a política externa. Eles derrubaram o governo do Haiti duas vezes desde 1991. O que o Haiti tem? Nada. Eles fizeram isso porque as pessoas elegeram alguém que não estava alinhada com a política externa. E é um país pequeno. Pense no Brasil.
Brasil quis contrariar a política externa dos Estados Unidos, quis negociar com Irã, Turquia, Rússia por um acordo de troca de combustível nuclear, por exemplo, em 2010. Isso, como vimos na mídia, foi como um ponto de virada. E outra coisa que fizeram, obviamente como líder do movimento de independência da América do Sul, do século XXI, ajudaram a estabelecer a Unasur, CELAC, todos esses outros governos de esquerda, na Bolívia, Equador, Venezuela, Uruguai, Paraguai, Honduras, até o governo dos Estados Unidos vetar estes governos.
Então foi um preço alto [pago pelo Brasil] que sempre esteve presente. Obviamente, é o maior País da região e a maior economia. Eles queriam demolir essa mudança institucional que ocorreu no século XXI e deu à América Latina uma voz independente no cenário mundial. Acho que é disso que eles mais queriam se livrar.
e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

As mentiras não são mais mentiras

Uma prática comum da extrema direita consiste em alterar a percepção que temos do verdadeiro e do falso, promovendo o sentimento generalizado de insegurança, confusão em relação aos fatos, medo do futuro, enquanto direitos básicos são retirados.


As sete mentiras da extrema-direita
altamiroborges2 de fevereiro de 2020 13:22


Por Joaquim Ernesto Palhares, no site Carta Maior:
Uma prática comum da extrema direita consiste em alterar a percepção que temos do verdadeiro e do falso, promovendo o sentimento generalizado de insegurança, confusão em relação aos fatos, medo do futuro, enquanto direitos básicos são retirados.
A angústia que vivemos, espécie de atordoamento, ante o desmoronar de setores como engenharia nacional, petróleo, educação, ciência e tecnologia (Embraer vendida etc.) expressa não apenas a indignação que comungamos frente à canalhice toda, mas o fato de termos voltado ao Estado mínimo.
E brutalmente mínimo: Teto de Gastos, privatizações, mudanças na Previdência, cortes de direitos sociais, concentração brutal da renda, venda do patrimônio público (que pertence aos nossos filhos e netos), ausência de regulação das atividades das corporações internacionais e por aí vai.
Apenas mentiras e dissimulações são capazes de sustentar a política assassina de Temer e, agora, a do pinochetista Paulo Guedes. E como são várias mentiras, propomos pequenas reflexões sobre apenas sete, cada vez mais naturalizadas na fala cotidiana das pessoas.
1 - A eleição de 2018
Muitas dúvidas giram em torno da vitória de Bolsonaro em 2018. Não nos referimos à facada – aliás, parece-nos estranho que Adélio Bispo, no meio daquela multidão de anjinhos, tenha saído com vida após o atentado... –, mas ao uso escancarado da mentira naquela eleição, através da massificação de desinformação, do engodo e da calúnia para milhares de pessoas. Em junho de 2019, reportagem de Patrícia Campos Mello na Folha, revelava que empresas pró-Bolsonaro desembolsaram até R$ 12 milhões para garantir centenas de milhões de disparos nas redes sociais (em especial o WhatsApp) contra o PT. A questão é que além de pessoas terem sido enganadas com conteúdo veiculado (mamadeira de piroca, kit gay etc...), a proibição do financiamento público de campanha foi burlado por essas empresas que pagaram diretamente os disparos aos fornecedores, sem nada declarar à Justiça Eleitoral. Uma malandragem do poder econômico trapaceando quatro décadas de reconstrução democrática. A mensagem das eleições para a população é clara: não importam os meios para se chegar aos fins. Vale tudo.
2 - A eleição de 2016
Essa eleição suja que vimos ocorrer no país traz a marca de Steve Bannon, o espertalhão todo-poderoso de Trump, estrategista-chefe de seu governo em 2017, envolvido nas trapaças da Cambridge Analytica, reveladas no Guardian e New York Times, envolvendo a compra, análise e segmentação de dados publicados no Facebook por 80 milhões de usuários. Esse mapeamento possibilitou uma estratégia de direcionamento de conteúdo produzido extremamente eficaz. Não é o que explica, naturalmente, mas nos ajuda a compreender fenômenos bizarros como o Brexit na Inglaterra, a vitória de Trump nos Estados Unidos, ambos em 2016.
3 - A recuperação da economia
Enquanto a Globo blinda Paulo Guedes, é cada vez mais evidente a artificialidade da tese sobre a volta da confiança e o retorno dos investimentos nos Brasil. Os números do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), divulgados em 17.01.2020 e relativos a novembro de 2019, atestam declínio de - 1,2% na indústria, “um dos seus piores resultados, atingindo a maioria dos seus ramos, mostrando também disseminação do ponto de vista geográfico”. Segundo do IBGE, “71% dos parques regionais da indústria ficaram no vermelho, não poupando praticamente nenhum dos principais polos do setor”. A indústria em São Paulo registrou - 2,6% de atividade industrial, queda duas vezes mais intensa que o total do Brasil e seu pior resultado da série. No Rio Grande do Sul a queda foi de - 1,5%; e em MG de - 3,4% . Apesar disso, a imprensa vem batendo tambor a Guedes, sem questionar a quem interessa essa política. Algo que os nossos economistas em 2016 já questionavam no livro “Austeridade para quem?” (leia aqui a íntegra).
4 - Guerra contra o Irã
Cavando sua reeleição neste 2020, Donald Trump vem promovendo sua guerra particular no Irã, após o assassinato do general iraniano Qasem Soleimani. Conforme aponta Karen De Young, essa guerra nasce sob a suspeição de 73% dos norte-americanos preocupados com a possibilidade de envolvimento dos EUA em uma guerra de larga escala com o Irã. No Brasil, entretanto, assim que noticiada, a possibilidade de guerra ganhou apoio de Bolsonaro, num primeiro momento, eufórico com a oportunidade de exibir sua subserviência ao Império; depois, o presidente amansou, e ouviu a manifestação de espanto, inclusive de generais, contrários à ação norte-americana no Oriente Médio. Nesta quarta-feira, 29.01, o Governo brasileiro, ignorando as resoluções internacionais, exaltou o plano dos Estados Unidos para a região, afirmando que o plano “contempla as aspirações de palestinos e de israelenses”. Um verdadeiro escárnio.
5 - Briga entre Globo e Bolsonaro
Primeiro ponto a considerarmos nessa briga: a Rede Globo não age motivada por empatias ou antipatias, mas sob profundo espírito de classe, buscando assegurar privilégios e as negociações de sempre. Além disso, seu DNA nunca foi democrático. A Globo é autoritária e nunca respeitou a democracia neste país. Segundo ponto: não podemos dissociar (como eles querem que façamos) o autoritarismo do atual governo da agenda econômica, uma das mais violentas desde a redemocratização, chancelada pela Globo e pelas mídias responsáveis pelo golpe em 2016. Basta ligar a televisão, dia após dia, a imprensa brasileira enfia goela abaixo da população, tão marcada por carências básicas, a dramática redução de direitos afirmando que isso é o certo, o único caminho, a saída depois do descalabro dos governos petistas. Quer violência maior do que tirar a aposentadoria das pessoas, obrigando-as a trabalhar até os 70 anos de idade? Confinar a população a salários não corrigidos pela inflação e sem direitos trabalhistas? Qualquer imprensa que se nomeie imprensa sabe muito bem como é sólido o casamento entre esses veículos de comunicação e o autoritarismo. Enquanto servir, Bolsonaro está no páreo. Simples assim.
6 - Normalidade do Judiciário
Acompanhamos estarrecidos desde 2005, para nos situarmos apenas neste século, a contínua perseguição promovida por setores do Judiciário contra os governos do PT e suas principais lideranças. Perseguição que culminou no golpe de 2016, com participação central do sistema de Justiça do Brasil – seja pela omissão (em vários momentos o STF lavou as mãos, simplesmente), seja pela perseguição propriamente dita, com todo seu aparato ideológico garantindo os abusos que vimos e denunciamos. Ao mesmo tempo, essa mesma Justiça, movida pelo racismo institucionalizado quando não mata, condena milhares de jovens, contribuindo com verdadeira chacina da juventude negra das periferias. E estamos dando dois exemplos, poderíamos elencar vários outros, que revelam o quanto o nosso Judiciário, apesar da Constituição de 1988, vem garantindo a exploração do pobre pelo rico, do negro pelo branco, da mulher pelo homem.
7 - Vivemos numa democracia
Por fim, a mentira de que vivemos em normalidade democrática. E darei aqui apenas um exemplo, porque jamais poderá ser democrático um país que impede a ascensão de sua juventude à universidade pública, como estamos vendo, estarrecidos, na tentativa de desmonte do ENEM, SISU, Prouni... Além de antidemocrático é desumano impedir a ascensão do povo ao que lhe é de direito: a educação superior. E não tenhamos dúvidas, isso é parte de um projeto de privatização massiva no país – envolvendo setores cruciais como Educação, Saúde, Segurança Pública - e que jamais poderia ser verbalizado, porque se fosse, fora os malucos de plantão, ninguém teria votado em Jair Bolsonaro e no seu séquito de ministros assassinos de futuros, de sonhos, de oportunidades. E ainda se dizem defensores da família brasileira.
É muita hipocrisia. Cabe a cada um de nós desmascará-la.

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Acesso ao comum à maioria




Comum. É um conceito recente, porém cada vez mais debatido na Sociologia, na Filosofia e em especial na Política, quando se fala nas alternativas contemporâneas à exploração das maiorias.
Não se trata mais, como nos séculos passados, de “socializar os meios de produção”, de colocar as fábricas nas mãos de um Estado supostamente operário. O centro da produção, neste século, já não são as fábricas. Os trabalhadores já não estão concentrados em grandes unidades de produção: não batem cartão, não têm chefes, sequer recebem salários. Agora, constituem o grande precariado. Estão dispersos pelas ruas, carregando mochilas nas costas, obrigados a trabalhar em dois ou três empregos e principalmente a ser empresários de si mesmos – e a adotar as atitudes correspondentes a esta condição: trabalhar sem limites, competir entre si mesmos, saber que nada está garantido, ter medo (muito medo) do futuro.

Comuns, a essência do Pós-Capitalismo
outraspalavras31 de janeiro de 2020 22:12

Resgatar a esquerda social brasileira da maré de pessimismo em que mergulhou desde 2016 é árduo, mas indispensável. Em textos anteriores, vimos o avanço de Bernie Sanders, candidato declaradamente socialista, nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Ao fazê-lo, mostramos que há espaço para conter o avanço da ultradireita, quando se dialoga com as angústias da maioria (inclusive o descrédito com a velha política) e se exploram as novas possibilidades de construir sociedades mais igualitárias e mais democráticas, nas condições totalmente novas do século XXI. Depois, numa edição intitulada “Decifrando Bolsonaro”, expusemos como funciona, no governo brasileiro atual, a aliança entre o ultracapitalismo dos punhos de renda (o de Paulo Guedes), e o protofascismo do porrete (o do próprio Bolsonaro, de seus filhos, dos ministros patéticos). Naquele programa, demonstramos que a fórmula só funciona porque falta oposição. Perdem-se, todas as semanas, dezenas de oportunidades, tanto de denunciar os efeitos perversos das medidas do governo quanto – ainda mais importante – de propor uma agenda de transformações, de imaginar outro futuro e sua construção, de mostrar que há vida além do labirinto em que nos perdemos.
Mas é necessário também tratar mais especificamente deste futuro. Mostraremos que a ultradireita atual, assim como o fascismo, há cem anos, é impotente e infértil – no sentido de não expressar um projeto novo, mas a reação desesperada do capitalismo a uma realidade que surgiu e que o desafia. Para isso, iremos nos apoiar na ideia do Comum. É um conceito recente, porém cada vez mais debatido na Sociologia, na Filosofia e em especial na Política, quando se fala nas alternativas contemporâneas à exploração das maiorias.
Não se trata mais, como nos séculos passados, de “socializar os meios de produção”, de colocar as fábricas nas mãos de um Estado supostamente operário. O centro da produção, neste século, já não são as fábricas. Os trabalhadores já não estão concentrados em grandes unidades de produção: não batem cartão, não têm chefes, sequer recebem salários. Agora, constituem o grande precariado. Estão dispersos pelas ruas, carregando mochilas nas costas, obrigados a trabalhar em dois ou três empregos e principalmente a ser empresários de si mesmos – e a adotar as atitudes correspondentes a esta condição: trabalhar sem limites, competir entre si mesmos, saber que nada está garantido, ter medo (muito medo) do futuro.
O Comum representa, para esta nova realidade, o que a luta salarial significava para os trabalhadores dos séculos anteriores. Ele materializa as ideias da igualdade e da democracia econômica. Permite tirá-las do terreno das quimeras e transformá-las em conquistas reais, contra os donos do mundo. Permite, em especial, transformar um cenário adverso, e aparentemente sem saída, num terreno de lutas e de possibilidades. Pense nos operários ingleses, que sofriam como escravos em jornadas de 18 horas, no final do século XVIII, início da Revolução Industrial. Pense em como, algumas décadas depois, o Manifesto Comunista lhes oferecia tanto um guia para as lutas mais imediatas quanto um horizonte histórico, um futuro totalmente distinto do pesadelo que viviam.
Hoje, o Comum remete às imensas riquezas produzidas pelo Conhecimento, pela Cultura, pela Comunicação – e capturadas pelas mega-corporações e pelos bilionários do planeta. O Comum são as florestas, sua biodiversidade, os saberes ancestrais e contemporâneos que permitem aproveitá-las. O Comum é a Água, que as multinacionais querem controlar em toda parte (neste exato momento, no Brasil) e que gera revoltas populares como a pioneira, em Cochabamba, na Bolívia, já nos anos 1990. Comuns são a Saúde igual para todos, a Educação de excelência e inovadora, a Habitação e o Transporte públicos e gratuitos – como se reivindicava nas ruas do Brasil em 2013. O Comum é o emprego garantido para todos que o desejem – e voltado, por exemplo, para a transição energética, a construção de redes de metrôs ou ferrovias ou a despoluição dos rios. O Comum é a Renda da Cidadania, assegurada incondicionalmente a todos os cidadãos, independente de contrapartida em trabalho. Todas estas dimensões não são apenas abstrações teóricas. Correspondem a lutas sociais que estão se dando há anos, e neste exato momento, em diversas partes do mundo. Pense, por exemplo, nas propostas da insurreição que desmascarou, há poucos meses, o neoliberalismo no Chile. O que falta é uma construção, teórica e política, que converta os Comuns em motivo geral de luta – mais ou menos como foi com a jornada de 8 horas diárias de trabalho, há cerca de 150 anos.
Mas há uma outra dimensão menos conhecida e igualmente crucial para superar o capitalismo. É o Modo de Produção do Comum – ou seja, novas formas de organizar o trabalho coletivo, de rever as hierarquias, de repartir o que é produzido, de difundir esta produção pelo mundo. Estas relações já existem, de modo embrionário porém efetivo, na vida real. Convivem com as relações capitalistas, que evidentemente são hegemônicas. Buscam ampliar seu espaço, reproduzir-se. São combatidas ferozmente pelo sistema atual, que procura a todo custo inviabilizá-las. Para começar a examinar estas relações, um excelente começo é o ensaio How to Create a Thriving Global Commons Economy, ou Como criar uma economia florecente de Comuns Globais, do pesquisador belga Michel Bawens, fundador do Fundação Peer to Peer e um dos grandes estudiosos dos Comuns contemporâneos.
A produção segundo a lógica do Comum, explica Bawens no texto, tem origens pré-capitalistas. O cercamento das terras comuns, na fase final do feudalismo, impulsionou a Revolução Industrial, e a transição ao sistema hoje dominante, ao obrigar os camponeses a migrar em massa para as cidades e aceitar a condição de assalariados as fábricas nascentes. Mas as raízes são ainda mais remotas. O Comum era a base da organização produtiva, por exemplo, das sociedades tribais antigas, da maior parte dos povos americanos, quando da chegada dos europeus, ou de muitas das nações indígenas do Brasil contemporâneo. Algumas das características destes processos do passado são resgatadas e ressignificadas na produção do Comum contemporâneo, mostra o ensaio.
Bawens refere-se a ferramentas que você certamente já empregou: a Wikipedia, construída colaborativamente por milhões de voluntários. Mas também coletivos menores, cujos membros vivem do trabalho que realizam. Entre muitos outros, programa Apache, base de grande maioria dos servidores onde estão instalados todos os sites da internet. O sistema operacional Linux, coração do Android, presente na maior parte dos celulares do planeta. O WordPress, a partir do qual são construídos milhões de publicações como Outras Palavras. O Libre Office, que produz editores de texto e planilhas e outros produtos de escritório tão potentes e constantemente atualizados quanto os da Windows. O Firefox, usado por cerca de 10% dos internautas para se movimentar na internet e mesmo o Chromium, base do Chrome, da Google, o mais popular de todos os navegadores.
Todos estes projetos, explica o artigo, são construídos por comunidades que reúnem milhares de pessoas, e funcionam segundo a lógica da Produção por Pares baseada no Comum (CBPP, no acrônimo em inglês). Algumas de suas características centrais são claramente pós-capitalistas. As instituições encarregadas da produção não são empresas de propriedade privada, mas organizações semelhantes a cooperativas. Não há objetivo de lucro, muito menos apropriação individual deste (pode haver acumulação de recursos, investidos para ampliar as ações da comunidade). As hierarquias são fluidas: o trabalho coletivo é estruturado de forma que cada programador contribua com o desenvolvimento de partes específicas de um dado projeto, segundo sua aptidão. Há, é claro, coordenação e controle de qualidade – mas não subordinação. O assalariamento é residual. Não há alienação: cada um contribui apenas com os projetos que julga merecerem seu empenho pessoal. Buscam-se formas igualitárias de distribuir as receitas entre os que trabalham.
Como vivemos sob hegemonia do capitalismo, frisa Bawens, não é possível evitar de todo as relações mercantis. A Apache oferece seus programas no mercado. O Wordpress, o Firefox, as múltiplas “distribuições” (versões) do Linux e o Libre Office são gratuitos. As instituições que os produzem financiam-se vendendo programas e desenvolvimento de nicho, para clientes empresariais, ou buscando outras formas de captação de recursos. Todas estas comunidades também compram, no mercado, os insumos para seu trabalho – os computadores, os escritórios, a eletricidade, o material de consumo etc etc etc.
O ponto principal do ensaio é demonstrar que o Comum, visto principalmente como um conceito útil para pensar a distribuição de riquezas, pode ser também um modo de produção. Para isso, destaca Bawens, são necessárias mudanças sociais muito mais profundas – e, é claro, exteriores às comunidades que hoje produzem segundo a nova lógica. A instituição de uma Renda da Cidadania suficiente para assegurar a todos uma vida digna, por exemplo, é crucial, porque livra a população do trabalho obrigatório e alienado e libera cada pessoa a empregar uma parcela muito maior de seu tempo nas tarefas que julgar mais relevantes para si mesma, a sociedade e o planeta. A garantia de serviços públicos de excelência gratuitos – Saúde, Educação, Habitação e Transportes –, também, porque acaba com o tormento de ter de comprar, incessantemente, a própria vida.
Bawens destaca, no artigo, dois aspectos que reforçam a potência do Comum como alternativa pós-capitalista. Uma parcela cada vez mais importante da produção de riquezas está concentrada no imaterial – ou seja, nos chamados bens não rivais, que podem ser distribuídos infinitamente com custo quase zero. Pense nos livros, na música, nas obras de arte, mas também no design de uma roupa, uma bolsa, uma bicicleta ou um relógio. O imaterial é hoje o terreno em que as grandes corporações mais geram valor, lançando produtos distintivos, que segregam os indivídios e, ao fim das contas, definem o status que a sociedade dará a eles. Este mesmo imaterial pode ser o espaço da igualdade e, num certo sentido, do que Caetano Veloso uma vez chamou de “luxo para todos”.
E aqui voltamos ao caráter e papel do protofascismo contemporâneo, dos Trump, Boris Johnson, Salvini, Duterte e Bolsonaro. Todas as novas relações sociais elencadas há pouco são materialmente possíveis. O que as bloqueia é um sistema que sucumbiria diante delas – porque não há capitalismo sem que as maiorias sejam obrigadas ao trabalho submisso e em condições de abundância que tornem sem sentido a competição entre os seres humanos.
As últimas hipóteses desta análise, portanto, são: a) O que chamamos de ofensiva da ultradireita é, na verdade, uma tentativa desesperada de defesa. O capitalismo já não é capaz de oferecer vida digna – como mostram, por exemplo, a concentração indecente de riquezas ou a redução da expectativa de vida mesmo nos Estados Unidos, centro do sistema. Além disso, está acossado pela emergência de novas relações – inclusive de produção – que ameaçam as bases em que se assenta. É para assegurar sua sobrevivência recorre, com frequência cada vez maior, à vigilância obsessiva, aos golpes, às guerras, aos assassinatos de inimigos, a políticos grotescos.
São, de fato, muito perigosos. Enfrentá-los exigirá enorme esforço. Mas é importantíssimo saber que eles só existem porque surgiram condições reais para superar o capitalismo. Descobrir os caminhos para isso é algo que já começa a ser feito, em diversas pares do mundo. O Brasil pode e precisa fazê-lo também. A única condição para tanto é uma esquerda que olhe para frente, ao invés de se voltar, melancólica, para um passado que não voltará.

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