Em 1964, um golpe de estado que derrubou o presidente João 
Goulart e instaurou uma ditadura no Brasil. O regime autoritário militar
 durou até 1985. Censura, exílio, repressão policial, tortura, mortes e 
“desaparecimentos” eram expedientes comuns nesses “anos de chumbo”. 
Porém, apesar de toda documentação e testemunhos que provam os crimes 
cometidos durante o Estado de exceção, tem gente que acha que naquela 
época “o Brasil era melhor”. Mas pesquisas da época – algumas divulgados
 só agora, graças à 
Comissão Nacional da Verdade – revelam que o período não trouxe tantas vantagens para o país.
Nas últimas semanas, recebemos muitos comentários saudosistas em 
relação à ditadura na página da SUPER no Facebook. Em uma época em que 
não é incomum ver gente clamando pela volta do regime e a por uma nova 
intervenção militar no país, decidimos falar dos mitos sobre a ditadura 
em que muita gente acredita.
1. “A ditadura no Brasil foi branda”

Foto: Auremar de Castro/DEDOC Abril
Pois bem, vamos lá. Há quem diga que a ditadura brasileira teria sido
 “mais branda” e “menos violenta” que outros regimes latino-americanos. 
Países como Argentina e Chile, por exemplo, teriam sofrido 
muito mais em “mãos militares”. De fato, a ditadura nesses países 
também foi sanguinária. Mas repare bem
: também foi. Afinal,
 direitos fundamentais do ser humano eram constantemente violados por aqui: torturas e assassinatos de presos políticos – 
e até mesmo de crianças – eram comuns nos “porões do regime”. Esses crimes contra a humanidade, hoje, já são admitidos até mesmo pelos militares (veja 
aqui e 
aqui). Para quem, mesmo assim, acha que foi “suave” a repressão, 
um estudo do governo federal analisou relatórios
 e propõe triplicar a lista oficial de mortos e desaparecidos políticos 
vítimas da ditadura militar. Ou seja: de 357 mortos e desaparecidos com 
relação direta ou indireta com a repressão da ditadura (segundo a lista 
da Secretaria de Direitos Humanos), o número pode saltar para 957 
mortos.
2. “Tínhamos educação de qualidade” 
Naquele época, o “livre-pensar” não era, digamos, 
uma prioridade
 para o regime. Havia um intenso controle sobre informações e ideologia –
 o que engessava o currículo – e as disciplinas de filosofia e 
sociologia foram substituídas por Educação, Moral e Cívica e por OSPB 
(Organização Social e Política Brasileira, uma matéria obrigatória em 
todas as escolas do país, destinada à transmissão da ideologia do regime
 autoritário). Segundo o estudo “Mapa do Analfabetismo no Brasil”, do 
Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), do 
Ministério da Educação, o Mobral (Movimento Brasileiro para 
Alfabetização) fracassou. O Mobral era uma resposta do regime militar ao
 método do educador Paulo Freire – considerado 
subversivo -, 
empregado, já naquela época, com sucesso no mundo todo. Mas os problemas
 não paravam por aí: com o baixo índice de investimento na escola 
pública, as unidades privadas prosperaram. E faturaram também. Esse 
“sucateamento” também chegou às universidades: foram afastadas dos 
centros urbanos – para evitar “baderna” – e sofreram a imposição do 
criticado sistema de crédito.
3. “A saúde não era o caos de hoje”
Se hoje todo mundo reclama da “qualidade do atendimento” e das “filas
 intermináveis” nos hospitais e postos de saúde, imagina naquela época. 
Para começar, o acesso à saúde era restrito: o Inamps (Instituto 
Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) era responsável 
pelo atendimento público, mas era exclusivo aos trabalhadores formais. 
Ou seja, só era atendido quem tinha carteira de trabalho assinada. O 
resultado era esperado: cresceu a prestação de serviço pago, com 
hospitais e clínicas privadas. Essas instituições abrangeram, em 1976, a
 quase 98% das internações. 
Planos de saúde ainda não existiam e o saneamento básico chegava a poucas localidades, o que aumentava o número de doenças. Além disso, o modelo hospitalar adotado relegava a assistência primária a segundo plano, ou seja, para os militares 
era melhor remediar que prevenir.
 O tão criticado SUS (Sistema Único de Saúde) – que hoje atende cerca de
 80% da população – só foi criado em 1988, três anos após o fim da 
ditadura.
4. “Não havia corrupção no Brasil”
Arquivo Editora Bloch/Veja Rio/DEDOC Abril 
Uma características básica da democracia é a participação da 
sociedade civil organizada no controle dos gastos, denunciando a 
corrupção. E em um regime de exceção, bem, as coisas não funcionavam 
exatamente
 assim. Não havia conselhos fiscalizatórios e, depois da dissolução do 
Congresso Nacional, as contas públicas não eram sequer analisadas, 
quanto mais discutidas. Além disso, os militares investiam bilhões e 
bilhões em obras faraônicas – como Itaipu, Transamazônica e Ferrovia do 
Aço -, sem nenhum controle de gastos. Esse clima tenso de “gastos 
estratosféricos” até levou o ministro Armando Falcão, pilar da ditadura,
 a declarar que “o problema mais grave no Brasil não é a subversão. É a 
corrupção, muito mais difícil de caracterizar, punir e erradicar”.
 Muito pouco se falava em corrupção. Mas não significa que ela não estava lá. Experimente
 jogar no Google termos como “Caso Halles”, “Caso BUC” e “Caso 
UEB/Rio-Sul” e você nunca mais vai usar esse argumento.
5. “Os militares evitaram a ditadura comunista”
É fato: o governo do presidente João Goulart era constitucional. 
Seguia todo à risca o protocolo. Ele chegou ao poder depois da renúncia 
de Jânio Quadros, de quem era vice. Em 1955, foi eleito vice-presidente 
com 500 mil votos a mais que Juscelino Kubitschek. Porém, quando Jango 
assumiu a Presidência, a imprensa bateu na tecla de que em seu governo 
havia um “caos administrativo” e que havia a necessidade de 
reestabelecer a “ordem e o progresso” através de uma intervenção 
militar. Foi criada, então, a ideia da iminência de um “golpe comunista”
 e de um alinhamento à URSS, o que virou motivo para a intervenção. 
Goulart não era o que se poderia chamar de marxista. Antes de ser 
presidente, ele fora ministro de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek e
 estava mais próximo do populismo. 
Em entrevista inédita recentemente divulgada,
 o presidente deposto afirmou que havia uma confusão entre “justiça 
social” – o que ele pretendia com as Reformas de Base – e comunismo, 
ideia que ele não compartilhava: “justiça social não é algo marxista ou comunista”, disse. Há também outro fator: 
pesquisas feitas pelo Ibope às vésperas do golpe,
 em 31 de março, mostram que Jango tinha um amplo apoio popular, 
chegando a 70% de aprovação na cidade de São Paulo. Esta pesquisa, 
claro, não foi revelada à época, mas foi catalogada pela Universidade 
Estadual de Campinas (UNICAMP).
6. “O Brasil cresceu economicamente”
Um grande legado econômico do regime militar é indiscutível:
 o aumento da dívida externa, que permaneceu impagável por toda a primeira década de redemocratização.
 Em 1984, o Brasil devia a governos e bancos estrangeiros o equivalente a
 53,8% de seu Produto Interno Bruto (PIB). Sim, mais da metade do que 
arrecadava. Se transpuséssemos essa dívida para os dias de hoje, seria 
como se o Brasil devesse US$ 1,2 trilhão, ou seja, o quádruplo da atual 
dívida externa. Além disso, o suposto “milagre econômico brasileiro” – 
quando o Brasil cresceu acima de 10% ao ano – mostrou que o 
bolo crescia sim, mas 
poucos podiam comê-lo.
 A distribuição de renda se polarizou: os 10% dos mais ricos que tinham 
38% da renda em 1960 e chegaram a 51% da renda em 1980. Já os mais 
pobres, que tinham 17% da renda nacional em 1960, decaíram para 12% duas
 décadas depois. Quer dizer, quem era 
rico ficou ainda 
mais rico e o 
pobre, 
mais pobre
 que antes. Outra coisa que piorava ainda mais a situação do população 
de baixa renda: em pleno milagre, o salário mínimo representava a metade
 do poder de compra que tinha em 1960.
7. “As igrejas apoiaram”
Sim, as igrejas tiveram um papel destacado no apoio ao golpe. Porém, 
em todo o Brasil, houve religiosos que criaram grupos de resistência, 
deixaram de aceitar imposições do governo, denunciaram torturas, foram 
torturados e mortos e até ajudaram a retirar pessoas perseguidas pela 
ditadura no país. Inclusive, ainda durante o regime militar, uma das 
maiores ações em defesa dos direitos humanos – o relatório “Brasil: 
Nunca Mais” – originou-se de uma ação ecumênica, desenvolvida por dom 
Paulo Evaristo Arns, pelo rabino Henry Sobel e pelo pastor presbiteriano
 Jaime Wright. Realizado clandestinamente entre 1979 e 1985, gerou uma 
importante documentação sobre nossa história, revelando a extensão da 
repressão política no Brasil.
8. “Durante a ditadura, só morreram vagabundos e terroristas”
Esse é um argumento bem fácil de encontrar em caixas de comentário da
 internet. Dizem que quem não pegou em armas nunca foi preso, torturado 
ou morto pelas mãos de militares. Provavelmente, quem acredita nisso não
 coloca na conta o genocídio de povos indígenas na Amazônia durante a 
construção da Transamazônica. Segundo a estimativa apresentada na 
Comissão da Verdade, 
8 mil índios morreram entre 1971 e 1985.
 Isso sem contar as outras vítimas da ditadura que não faziam parte da 
guerrilha. É o caso de Rubens Paiva. O ex-deputado, cassado depois do 
golpe, em 1964, foi torturado porque os militares suspeitavam que, 
através dele, conseguiriam chegar a Carlos Lamarca, um dos líderes da 
oposição armada. Não deu certo: Rubens Paiva morreu durante a tortura. A
 verdade sobre a morte do político só veio à tona em 2014. Antes disso, 
uma outra versão (bem mal contada) dizia que ele tinha “desaparecido”. 
Para
 entrar na mira dos militares durante a ditadura, lutar pela democracia –
 mesmo sem armas na mão – já era motivo o suficiente.
9. “Todos os militares apoiaram o regime”
Ser militar na época não era sinônimo de golpista, claro. Havia uma 
corrente de militares que apoiava Goulart e via nas reformas de base um 
importante caminho para o Brasil. Houve focos de resistência em São 
Paulo, no Rio de Janeiro e também no Rio Grande do Sul, apesar do 
contragolpe nunca ter acontecido. Durante o regime, muitos militares 
sofreram e estima-se que cerca
 7,5 mil membros das Forças Armadas e bombeiros foram perseguidos, presos, torturados ou expulsos
 das corporações por se oporem à ditadura. No auge do endurecimento do 
regime, os serviços secretos buscavam informações sobre focos da 
resistência militar, assim como a influência do comunismo nos 
sindicatos, no Exército, na Força Pública e na Guarda Civil.
10. “Naquele tempo, havia civismo e não tinha tanta baderna como greves e passeatas”
Estudantes que participavam de uma reunião da UNE são presos no interior de São Paulo. Foto: Cristiano Mascaro/DEDOC Abril
Quando os militares assumiram o poder, uma das primeiras medidas que 
tomaram foi assumir a possibilidade de suspensão dos diretos políticos 
de qualquer cidadão. Com isso, as representações sindicais foram 
duramente afetadas e passaram a ser controladas com pulso forte pelo 
Ministério do Trabalho, o que gerou o enfraquecimento dos sindicatos, 
especialmente na primeira metade do período de repressão. Afinal, para 
que as leis trabalhistas vigorem, é necessário que se judicializem e que
 os patrões as respeitem. Com essa supressão, os sindicatos passaram a 
ser compostos mais por agentes do governo que trabalhadores. E os 
direitos dos trabalhadores foram reduzidos à vontade dos patrões. 
Passeatas eram duramente repreendidas. Quando o estudante Edson Luísa de
 Lima Souto foi morto em uma ação policial no Rio de Janeiro, multidões 
foram às ruas no que ficou conhecido com o a Passeata dos Cem Mil. Nos 
meses seguintes, a repressão ao movimento estudantil só aumentou. 
As ações militares contra manifestações do tipo culminaram no AI-5. O que aconteceu daí para a frente você já sabe.
Mas, se você já esqueceu ou ainda não está convencido, confira uma 
linha do tempo da ditadura militar nesse especial que a SUPER preparou sobre o período. Não deixe de jogar 
“De volta a 1964″, o jogo que mostra qual teria sido sua trajetória durante as duas décadas do regime militar no Brasil.
Fontes: Folha, Estadão, EBC, Brasil Post, Pragmatismo Político, O Globo, R7
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