segunda-feira, 16 de março de 2015

Fosso brasileiro para o golpismo [neo]liberal

Construindo o fosso brasileiro: a crise da atual realidade e a fabricação midiática de uma crise histérica com ares golpistas

WELLINGTON FONTES MENEZES*
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  1. A onda do momento o “protestismo golpista”
A nova moda alardeada pela Grande Mídia é o “protestismo” cujo mote é achincalhar o governo Dilma e o PT fazendo ventilar o engodo que o despejar de soluções mágicas reacionárias e golpistas resolveria qualquer crise a qualquer momento. A questão posta em pauta não é protestar (fato este legítimo dentro de qualquer estrutura social), mas é pertinente saber os motivos (com mínimo de senso de realidade) pelo qual se está se protestando sob o risco de ser mais um títere nas mãos de manipuladores de plantão! Todavia, o conhecimento mais pausando da realidade em tempos de muita conexão de (des)informação deslumbrada parece se tornar nula a construção sináptica reflexiva. Um velho filme acinzentado começa a se repetir, cujo enredo a história recente brasileira mostrou-se como termina de forma lastimável!
Imaginemos se, por hipótese, em pleno horário nobre, a Rede Globo mandasse todos seus telespectadores pularem da bela Ponte Rio-Niterói em nome da “pátria”? Seria a marcha para o grande rio de zumbis! Faltaria espaço para tantos suicidas voluntários diante daquela quilométrica estrutura fluminense. Em nome do Brasil, a pátria onde figuras que a classe média e boa parte deste pessoal neo-indignada adora achincalhar com a ideologia do colonizado, agora dizem que vão lutar pela nossa “pátria” (leia-se contra os pobres, contra Dilma e o PT e, também, contra tudo que é feio e bobo!).
O surto repentino de “brasileiros patrióticos” parece ser tão verdadeiro quanto uma nota de três reais. A onda do panelaço “gourmet” dos bairros nobres paulistanos diante do pronunciamento da presidenta Dilma em 08 de março foi um exemplo do quanto de reacionarismo patético ronda as alas mais reacionárias e burguesas da sociedade.  Temos assim, a sapiência escorrendo pelo nariz e pela extremidade do intestino grosso dos neo-indignados da Grande Mídia. Tal como a onda catártica de meados de 2013, o “protestismo” volta a se ensaiar mais uma vez como farsa diante de uma grande fogueira de desinformação e ilusões infantilizadas.
  1. A História como parâmetro
Em 1964, na fervura pré-golpe, tivemos manifestações em praça pública ditas “populares” com o rótulo “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, fato este que serviu de catapulta para a tomada do poder pela estupidez dos militares derrubando o governo do presidente João Goulart. O mote da “corrupção” e da suposta “ameaça comunista” eram frequentes na boca de seus participantes. Tais palavras de ordem desencadeadas por uma turba foi marcada por devaneios políticos alicerçados pelo poder da Grande Mídia da época. Ademais é falso dizer que tivemos um golpe “somente” militar no país, mas sim tivemos um golpe civil-militar no Brasil, cuja amálgama foi a adesão considerável de parcelas das classes médias e burguesia atrelada com a força opressiva e bélica dos militares.
A influência golpista dos Estados Unidos em fomentar diversos golpes não deve ser esquecida dentro na América Latina e, particularmente, no Brasil daquele período (casos emblemáticos aconteceram na Argentina e no Chile). Nunca nenhum grupo isolado em ondas golpistas conseguiu algum êxito sozinho. É preciso uma pré-estrutura para que, de fato, consiga ter “sucesso” a proposta de alteração radical da ordem vigente, ou seja, um golpe, propriamente dito o termo.
Recuando no tempo, dez anos antes, em 1954, onde a União Democrática Nacional, a UDN, e partidos da centro-direita forçaram um movimento golpista de tomada do poder fabricando uma onda de descontentamento midiática-popular contra o governo do presidente Getúlio Vargas. O resultado desta contenda contra a persistente fragilidade democrática nacional foi o suicido de Vargas e o país mergulhado em nova crise institucional. O coroamento das estruturas golpistas contra Vargas e a débil democracia brasileira ecoaram no golpe civil-militar de 1964.
Hoje temos muitas diferenças entre 1954 e 1964, e a onda dos “neo-indignados” se apresenta mais restrita, pulverizada e setorizada. Dilma não é nenhum Vargas ou Goulart (muito longe destas duas figuras centrais na política nacional), e também o PT não é uma estrutura tão frágil tal como foram seus partidos da época. Hoje os movimentos sindicais e os sindicatos, apesar dos pesares e com todas as contradições internas destas agremiações, se encontram mais fortes do que estava há mais de cinquenta anos atrás. A democracia brasileira se encontra mais consolidada, apesar de continuarmos a viver com enormes disparidades econômicas e sociais. Contra Dilma, os grupos do ódio apenas regurgitam a acusação, diga-se bem claro, sem provas, de que ela seja “corrupta, feia e boba”. Uma consistência tão firme tal como geleia de miolos moles! É na aposta da fraseologia infantil e da pouca aderência da memória histórica que a Grande Mídia e setores mais reacionários apostam suas fichas golpistas.
  1. A verdadeira crise sem retoques
A atual crise econômica é o resultado de um modelo que sofre duplo impacto: o desgaste em apostar na famigerada opção quase que estritamente neoliberal com algum viés social e a difícil conjuntura externa (ainda arregimentada pelo lastro da grande crise internacional de 2008). O Brasil conseguiu se “blindar” como pode da crise que grassou por todos os Estados Unidos e Europa, só que nenhum país da periferia capitalista consegue resistir por muito tempo, apesar dos avanços da economia brasileira dos últimos dez anos. A demanda reprimida deu fôlego ao consumismo do mercado interno com ajuda de diversos incentivos por parte do Governo Federal nas gestões dos dois mandatos de Lula e o primeiro mandato de Dilma. O resultado do esgarçamento da fórmula adotada de um modelo econômico abalado por crises internas e externas é a opção de Dilma foi apostar numa equipe do Ministério da Fazenda neoliberal e adoção de medidas impopulares, queixas generalizadas e de curto fôlego diante do quadro presente. Na falta de horizontes, optou-se pelo caminho requentado mais simples e o resultado é o que já se esperava: insatisfação popular e baixo crescimento econômico.
O golpista mote de Grande Mídia foi se apegar no caso da Petrobras. Os interesses por detrás de empresa estatal são tão enormes quanto profundamente obscuro. A pressão para que ela seja vendida não é de agora e muito já se tentou fazer a sua entrega para a tal “iniciativa privada”, principalmente nos dois governos do ex-presidente tucano, Fernando Henrique Cardoso. Sintomático que o mesmo partido, o PSDB, que mais queria entregar à estatal a preços de banana para a iniciativa privada se diz hoje tão preocupada com sua defesa da empresa. Curiosamente, a questão da novela mexicana em torno da corrupção envolvendo a Petrobras é apenas a cereja do bolo do mote de destruição política das estruturas de governo de Dilma atrelada a uma matilha eleita pelos próprios brasileiros dos piores congressistas dos últimos tempos. Dilma, na prática se encontra em dificuldades nas duas casas legislativas presididas por figuras do esgoto da política nacional.
Os recentes ataques especulativos através da alta crescente do dólar é um sintomático mecanismo de entender que o cafetão capitalismo financeiro do vampirismo rentista aposta da desestabilização do governo Dilma. A virtualidade do mundo financeiro contra a materialização do mundo dos que trabalham e sustentam este ciclo de operações de extorsões econômicas.
Ao invés de taxar grandes fortunas, o atual modelo econômico defendido pelo ministro Joaquim Levy é de preferir fazer o autista modelo de sobrecarregar com impostos os trabalhadores, cortar gastos sociais e recuar trabalhistas e, depois, redistribuir com serviços incipientes (para isto, dão o nome de “austeridade fiscal”). Paradoxalmente, quem mais deveria estar indignado com as políticas neoliberais de Dilma seriam setores à esquerda do espectro político, e não como acontece hoje, à direita e seus extremos insanos que sempre apoiou medidas de austeridade econômica que prejudicam sempre os trabalhadores em detrimento do desenvolvimento nacional. Daí a certeza que o movimento não é contra a economia do país, mas contra a figura política do grupo que atualmente está ocupando o poder (mesmo que não consegue governar sozinho).
  1. A campanha midiática de excitação ao ódio
Sobre as tais passeatas e os ódios expurgados nas redes sociais pedindo “impeachment” da presidenta é a prova da demência política que vem ecoando em setores mais extremos, antidemocráticos e estúpidos da sociedade. O PT deixou de ser um partido de esquerda do início dos anos 1980 para ser o maior partido ideológico dos anos 2000 de todo o continente americano. A vitória nas urnas e a ocupação de ciclo de poder no Planalto o tornaram vulnerável às intempéries inatas do poder e o natural desgaste da imagem do partido, levando em consideração a incessante campanha de destruição da imagem partidária perante um avançado monopólio de informações da grande elite econômica que forma o que chamamos de Grande Mídia. Em nome da tal “liberdade de expressão”, a permissão para expelir mentiras, falsas acusações e produzir toda uma campanha de excitação histérica de apelo ao ódio primitivo.
A arte de “ser governo” empurrou o PT para o minado campo de alianças com setores mais atrasados e reacionários do país. A aliança com o PMDB, o maior partido do país deriva de um emaranhado de interesses da elite dominante, foi o maior exemplo do retro-desenvolvimentismo petista e a opção por um governo cada vez mais dócil, conservador e passivo com os interesses que não estavam em suas bases históricas.
Sim, o PT tem culpa da crise que se atolou e deve refletir a respeito dos seus erros crassos. Mas não é exclusivamente culpado por todos os fracassos, fato este seria de uma extrema falta de senso político! O messianismo político é uma patologia dentro do imaginário popular o qual apenas resulta em ressentimentos, ódios e niilismos inúteis.
Se formos apontar erros do PT enquanto governo, certamente a opção pela “revolução cosmética” sem mexer nas estruturas fundamentais da sociedade brasileira foi um dos maiores erros do partido ao acreditar que fazer alianças com setores da direita e de grandes especuladores vampirescos, por si somente, seria garantia de estabilidade, lealdade e governabilidade. O preço da ilusão da “governabilidade indolor” foi a da fragmentação da legenda e a erosão do patrimônio ético e político do partido. As consequências são notórias e o desânimo de sua militância se tornou visível na dispersão de legendas de elementos que saíram de suas fileiras.
É fundamental ainda lembrarmos que no Brasil vive sob a égide do “presidencialismo de coalizão”, ou seja, nenhum partido governa sozinho e não consegue impor sua vontade se não angariar forças políticas (leia-se, aderência ao clientelismo fisiológico imediatista). Daí a dificuldade concreta entre o sonho idílico do “Lula lá” e a realidade do mote conservador do “Lulinha, Paz e Amor” (em alusão à flexibilidade de Lula para compor alianças políticas).
Diante de mais um horizonte com ares golpista no Brasil, é claro, que somente com o apelo à um carnaval da demência histórica promovido pela Grande Mídia para reviver um clima de 1954 e 1964 visando quebrar a norma democrática e jorrar ódios histéricos contra Dilma e o PT. É importante ressaltar que nenhum erro de Dilma, a figura da presidenta, até agora, justifica qualquer pedido de “impeachment” de um governo recém-reeleito pela maioria dos brasileiros. O campo das elites dominantes que nunca se conformaram com o PT no poder (a intolerância pelo seu significado simbólico), mesmo que o partido tenha feito concessões ao limite do inimaginável e os ganhos desta flexibilidade petista. Sendo assim, é mais fácil canalizar o ódio para uma pessoa um dado segmento social bem específico, ou seja, no caso, a presidenta e seu partido.
Todavia, é sintomático o ridículo de todo o teatro da burguesia que quer empurrar ideologicamente para a adoção de um pensamento reacionário sectário uma classe média desnorteada e abalada psicologicamente. Muito sintomático é o fato explícito dos veículos da Grande Mídia poupar todos os demais partidos políticos de direita e políticos mais reacionários do poder (como é o caso do mineiro ex-presidenciável Aécio Neves e o “queridinho” da Grande Mídia paulista, o governador Geraldo Alckmin), em particular, é visível a canonização política do PSDB como sendo a nova UDN golpista do momento.
Ainda que incipientes, as significativas conquistas sociais e o acesso a uma parcela que saiu da pobreza extrema para o consumo é, por si mesma, motor de um tipo de ódio narcísico e perverso da Casa Grande. Ademais, é sintomático que em parcela de emergentes narcíseos, a memória histórica do ambiente o que o sujeito surgiu é apagada por uma sanha de “novos tempos de bonança”. Em tempos de crise econômica, o medo de voltar ao estágio inicial de sua escalada diante da pobreza repercute de forma histérica e reproduz tons de brutalidade e ódio. Portanto, diante da crise, todos os gatos uivam como lobos. As queixas são desnorteadas e escorrem para o ralo de um autismo político que não geram demanda política com consistência: ao sabor dos ventos da manipulação midiática, o sujeito grita o que não entende e balança a cabeça pelo que menos entende ainda. É um ciclo do analfabetismo político explícito e patológico.
  1. Um turvo horizonte e saídas para a crise
Relembrando o grande pensador alemão da Escola de Frankfurt, Theodor Adorno, e a educação para evitarmos a barbárie. A falência da educação é a construção exponencial de “homens de bens” (a farsa conservadora do bom-mocismo) em ejaculadores de ódios, anteparos de fobias e carniceiros de sua própria existência. Neste fosso do autismo político, toda uma Alemanha bem esclarecida caiu no desejo de reconstruir sua estrutura narcísica e a canalização por parte um exímio orador, como Adolf Hitler e o seu grupo desfraldando uma bandeira pintada com uma suástica nos anos 1920 até final de 1940 (e ainda continua vivíssimo no imaginário e ações políticas do Velho Continente)! A crise alemã que desencadeou após a Primeira Guerra (1914-1918) foi fundamental para a histeria nazista tomasse corações e mentes de um povo que era considerado um dos mais cultos de toda a Europa.
As lições da história estão aí para serem aprendidas e, principalmente, refletidas. O autismo político às replicam no ápice da histeria e da demência do fanatismo social sempre em nome de uma elite que quase nunca sai dos alicerces reais do poder. A aposta de uma sociedade consumista sem lastro de cidadania construiu uma horda de brasileiros com concepções niilistas, uma passividade acrítica e de fácil mimetização aos discursos perversos de golpismos sem maiores reflexões jorrados pelas elites através dos seus mecanismos de comunicação.
Um exemplo da falência da Educação e da ação crítica de um povo, entre outras várias opções do estilhaçamento da cultura poderá ser visto nas estéreis e estúpidas programações televisivas, a cultura do hiperconsumo descartável e a histeria sintomática de pessoas e grupos alienados e motivados por informações deturpadas nas redes sociais. Ao contrário do que imaginava os mais eufóricos, a internet e as redes sociais não são “a revolução da informação”, mas sim, a extensão das mentiras, limitações e debilidades coexistentes nas caducas programações televisivas midiáticas nas mãos dos grandes grupos de ideologia dominante.
A manipulação de desejos e ódios continua tão viva e catastrófica tal como foi arregimentada no passado. Do ponto de vista político, Sem um acordo que busque uma coalização dos grupos mais progressistas e uma guinada para atender os anseios dos mais precisam do Pode Público, a crise poderá se estender com resultados mais desastrosos. O chamado “pacto social” dentro de uma democracia como a brasileira ainda é um dos mecanismos a serem operados em momentos de crise. Todavia é necessário, mais uma vez, que o Governo Dilma busque um novo pacto social levando em consideração as reais demandas dos brasileiros e as necessidades vitais daqueles que mais precisam ser cuidados e amparados e, fundamentalmente, buscando setores à esquerda, sindicais, movimentos sociais e setores mais progressistas da sociedade.
A selvageria em jogar grupos frágeis na esteira da crise econômica é o pior dos caminhos e o que repercutirá inevitavelmente em sintomas sociais de extrema gravidade de violência e marginalidade. A este respeito, temos na América do Sul, oriundo dos sinais visíveis dos nossos vizinhos, que tanto a Venezuela quanto a Argentina começam a sofrer diante das suas respectivas crises dentro de suas limitações de poder, forte insatisfação das elites econômicas locais com ares golpistas e problemas da produção interna e circulação da riqueza na economia.
É preciso que haja a calma necessária e a ação política mais enfática do Governo Federal, que busque se aproximar das esquerdas e dos movimentos sociais mais democráticos e legítimos, para que a profundidade do fosso não se torne um túmulo. As medidas necessárias ainda passam também pela democratização da mídia e a quebra do monopólio destas verdadeiras cadeias de comunicações reacionárias que expelem ódios primitivos e desinformação para toda a sociedade.
* menezesWELLINGTON FONTES MENEZES é Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Bacharel e Licenciado em Física pela Universidade de São Paulo (USP), Professor universitário e de ensino médio.