O mito do livre-mercado: o caso inglês
Na postagem anterior (O mito do livre-mercado: os casos sul-coreano e japonês)
vimos os casos mais recentes de Coreia do Sul e Japão; hoje vamos
conhecer um caso mais antigo, de uma das nações que se autoproclamaram o
berço do livre-mercado mundial: a Inglaterra.
Livre-comércio só quando convém
No livro, Defoe mostra como, no final do século XV, a dinastia dos Tudor usou o protecionismo, os subsídios, a distribuição de monopólios, a espionagem industrial
financiada pelo governo, entre outras intervenções, para desenvolver a
incipiente e fraca indústria de lã da Inglaterra — a indústria de ponta
da época.
Antes dos Tudor, a economia inglesa se
resumia basicamente à produção de lã bruta para exportação. Os Países
Baixos dominavam o processamento da lã através de suas modernas
manufaturas. Eles sabiam que comprar a lã e transformá-la em roupas dava
muito mais lucros.
Henrique VII, rei inglês, queria reverter essa situação. Apesar da “vocação”
do seu país para a produção bruta de lã, ele queria entrar no ramo
dominado pelos Países Baixos (Bélgica e Holanda) de produção de roupas.
Para isso, ignorou os sinais do mercado de que seu país era um bom
produtor de lã e que poderia ter continuado assim. Primeiro aumentou a taxa sobre as
exportações de lã, a fim de desestimulá-las. Assim ele queria que o processamento da lã fosse feito por ingleses internamente, favorecendo o fortalecimento das próprias indústrias. Por fim, 100 anos depois, quando as indústrias de lã inglesas se tornaram fortes o suficiente, a rainha Elizabeth I (imagem à esquerda) suspendeu totalmente
as exportações de lã do país, levando as indústrias dos Países Baixos à
falência. Com a riqueza do comércio das manufaturas de lã, a Inglaterra
pôde levar adiante o processo que levaria à Revolução Industrial.
O livro de Daniel Defoe mostra com clareza que não foi a livre concorrência, e sim a proteção do governo e os subsídios que favoreceram a nascente indústria inglesa.
E essa política não se resumiu apenas ao século XV. A Inglaterra se
manteve um país altamente protecionista até a metade do século XIX, além
de impedir que suas colônias desenvolvessem indústrias, incentivando a
produção de matérias-primas nestas regiões.
A
partir de meados do século XIX, as indústrias inglesas estavam tão
fortes e eficientes, sem encontrar concorrência no mundo inteiro, que os
industriais perceberam corretamente que então era a hora de incentivar o livre-comércio.
Ou
seja, a Inglaterra só adotou o livre-comércio apenas quando já havia
adquirido a supremacia total sobre os concorrentes por meio das
barreiras tarifárias altas e de longa duração, entre outras medidas
vergonhosas como a abertura forçada de mercados e tratados desiguais de
comércio com outros países.
Na próxima e última postagem vamos ver como o sucessor da Inglaterra na liderança do comércio mundial, os Estados Unidos,
se comportaram historicamente com relação àquilo que eles mais defendem
hoje: o livre-comércio para os países em desenvolvimento como
estratégia de crescimento.
Primeira parte: O mito do livre mercado: os casos sul-coreano e japonês