Mais vagas, mais reprovações. Explosão no número de faculdades não necessariamente vem acompanhada de qualidade - Guito Moreto
RIO
- A última década assistiu a um salto no número de estudantes
matriculados no ensino superior no Brasil. Foram 4,5 milhões a mais nas
faculdades. Desses, 3,3 milhões ingressaram em instituições privadas,
carro-chefe da expansão. O incremento quantitativo, contudo, não veio
necessariamente acompanhado de mais qualidade. Responsáveis por uma
fatia de cerca de 73% no total de novas matrículas, as universidades
privadas respondem por 82% dos cursos de graduação reprovados pelo
Ministério da Educação nos últimos seis anos. E a velocidade de criação
de novas turmas antecipa um quadro preocupante. Só em maio, o MEC
autorizou 269 cursos e 37.950 vagas, de acordo com levantamento do
GLOBO. Aproximadamente 75% deles, em faculdades particulares. Diante de
tal panorama, parte da academia já percebe uma “divisão social das
faculdades”, na qual o trabalho da massificação fica com a iniciativa
privada, e a seletividade, com universidades federais e estaduais.
Os
números reforçam essa tese. Desde 2000, o total de matrículas no ensino
superior foi de 2,6 milhões para quase 7,1 milhões. Mas o avanço foi
desigual: enquanto, nas públicas, o total subiu 113%, nas particulares o
avanço foi de 184%. A pesar de ter se acelerado na última década, o
movimento segue uma tendência de predomínio da iniciativa privada na
educação superior, já observada desde meados do século passado. Em 1933,
quando começaram os primeiros registros, o Estado garantia quase 60%
das matrículas. Já em 1945 o jogo tinha se equilibrado, com metade de
públicas e metade de privadas, numa crescente inversão da balança que
chegou aos 73% de particulares de hoje.
18% DAS INSTITUIÇÕES PAGAS TÊM AVALIAÇÃO RUIMDados
do último Índice Geral de Cursos (IGC), indicador de qualidade de
instituições de ensino superior, mostram que cerca de 18% dos
estabelecimentos pagos tiveram conceitos 1 ou 2, numa escala que vai até
5. Foram, portanto, considerados insatisfatórios pelo Inep, órgão
ligado ao MEC que elabora o IGC e também o Enem. Ao mesmo tempo, 11,4%
das públicas receberam a nota baixa. Em 2010, era pior: 33% das
faculdades privadas foram reprovadas, bem mais que os 18% das públicas.
O
mesmo ocorre com os Conceitos Preliminares de Curso (CPC), recebidos
por cada curso de graduação. A cada ano, a prova avalia macrotemas de
graduações. Em 2010, por exemplo, quando foram avaliadas principalmente
os cursos de Medicina, as faculdades particulares tiveram índice
reprovação de 16,5%, o dobro das públicas, de 8,3%.
Há mais de 20
anos acompanhando a evolução do ensino superior no Brasil, a professora
Helena Sampaio, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), entende que o Estado pretende delegar a instituições
particulares a missão de democratizar o acesso ao ensino, deixando a
qualidade a cabo de cursos em universidades públicas. Mesmo assim, ela
crê que a expansão é positiva, ao beneficiar alunos de baixa renda, com
menos acesso às públicas:
— Você vai falar a uma pessoa que ganha
mal e que teve péssimo estudo que ela não pode cursar o ensino
superior? Temos um enorme preconceito com faculdade particular, mas qual
é a alternativa? Creio que a maioria desses cursos ainda é de baixa
qualidade e, provavelmente, não fará o aluno ascender na pirâmide
social. Mas, pelo menos, a escolaridade geral se eleva. Isso é positivo.
Ao
GLOBO, o secretário de Regulação e Supervisão da Educação Superior,
Jorge Messias, negou que seja política do MEC delegar a expansão ao
setor privado. Segundo ele, o processo conta também com a ajuda das
públicas:
— Quis o constituinte em 1988 que nossa educação fosse
um sistema híbrido. E temos agora a meta do Plano Nacional de Educação
de elevar em 40% as matrículas do ensino superior em uma década.
Contamos com públicas e privadas para isso.
Debruçado sobre o
tema há anos, o coordenador do Projeto Pensar a Educação, Pensar o
Brasil, da UFMG, Luciano Mendes de Faria Filho, é favorável à política
expansionista. Mas classifica como “desastroso” o predomínio absoluto
das privadas.
— A nossa cobertura é pequena, uma das piores do
mundo, perdemos para três ou quatro países. O grave é a baixa
participação pública no ensino superior — diz o educador, que cobra
mecanismos de controle para a expansão das particulares. — O risco é a
queda muito forte na qualidade.
Grandes grupos e até
multinacionais têm transformado os investimentos em Educação em negócio
lucrativo. Renato Hyuda, membro do Grupo de Estudos em Ensino Superior
da Unicamp, classifica esse cenário como exclusivo do Brasil.
—
Em lugar nenhum, exceto aqui, existe um sistema educacional superior que
dê lucro financeiro. A gestão, em geral, é de fundações e entidades sem
fins lucrativos — compara.
FACULDADE EM ITABORAÍ CRITICA CRITÉRIOS DO MECA
baixa qualidade de 79 faculdades, todas privadas, levou o governo a
suspender convênios e vetar novas matrículas por meio do Programa
Universidade Para Todos (ProUni) este mês. A Faculdade Itaboraí, na
Região Metropolitana do Rio, foi uma delas. Com cursos como Pedagogia,
Direito e Administração a pouco mais de R$ 300 mensais, a instituição
passa por uma reestruturação depois de uma fusão com outra instituição. O
MEC exigiu mais professores e melhorias estruturais e alegou
descumprimento do acordo ao puni-la.
— Recebemos com surpresa
essa decisão arbitrária. Estamos fazendo tudo o que eles nos pediram.
Como eu consigo trazer mestres e doutores para trabalhar aqui em
Itaboraí? É muito difícil pagar bem. E, se eu pagar, o MEC fala que não
temos sustentabilidade financeira — defendeu-se o diretor da unidade,
Arthur Chrispino.
Nas salas de aula, alunos da faculdade punida
não concordam com o MEC. Para a educadora infantil Elisabete Pires da
Silva, de 44 anos, que cursa o 4º período de Letras, a instituição só
poderia oferecer mais aulas extras.
— Se quisesse estudar em uma federal, teria de largar o emprego.
Colega de faculdade de Elisabete, o professor de inglês Jonatan Cabral de Oliveira faz coro:
— Professores daqui também dão aula na UFF. Ter faculdade perto de casa é fundamental. Senão não dá para trabalhar.