Isso é num Brasil que falaciosamente
dizem ser uma democracia sólida. Democracia em um “Estado Democrático de Direito”.
E “é verdade”! só falta ser de FATO!!
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"Não há democracia com fome, nem
desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade", afirma Papa
Francisco
06 Junho 2019
"O
lawfare, além de colocar em sério risco a democracia dos
países, geralmente é utilizado para minar os processos políticos emergentes e
propor a
violação sistemática dos direitos sociais. Para
garantir a qualidade institucional dos Estados é fundamental detectar e
neutralizar esse tipo de práticas que resultam da imprópria atividade judicial
em combinação com operações multimidiáticas paralelas", afirma o
papa
Francisco, em intervenção na
Cúpula Pan-Americana de
Juízes, em 04-06-2019, promovida pela
Pontifícia Academia de
Ciências Sociais, no Vaticano sobre o tema: "
Direitos sociais
e doutrina franciscana”. A tradução é de
Wagner Fernandes de
Azevedo.
Eis o discurso.
Senhoras e senhores, é motivo de alegria e
também de esperança encontra-los nessa
Cúpula, na qual deram
uma citação que não se limite somente a vocês, mas sim que evoca o trabalho que
realizam conjuntamente com advogados, assessores, fiscais, defensores,
funcionários e evoca também aos seus povos com o desejo e a busca sincera para
garantir a justiça, e especialmente a
justiça social, para que
possa chegar a todos. Vossa missão, nobre e pesada, pede para se consagrar ao
serviço
da justiça e do bem-comum com o chamado constante a que os direitos
das pessoas e especialmente dos mais vulneráveis sejam respeitados e
garantidos. Dessa maneira, vocês ajudam aos Estados que não renunciem a sua
mais excelsa e primária função: fazer-se serviço do
bem-comum do seu
povo. “A experiência ensina que – assinalava
João XXIII – quando falta uma ação apropriada dos
poderes públicos no econômico, o político ou o cultural, se produz entre os
cidadãos, sobretudo em nossa época, um maior número de desigualdades em setores
cada vez mais amplos, resultando assim que os direitos e deveres da pessoa
humana carecem de toda eficácia prática” (
Pacem in Terris, 63).
Celebro essa iniciativa de se reunir,
assim como a realizada o ano passado na cidade de Buenos Aires, na qual mais de
300 magistrado e funcionários judiciais deliberaram sobre os Direitos Sociais,
à luz da
Evangelii Gaudium,
Laudato Si’ e o discurso aos
Movimentos Populares em Santa Cruz de la Sierra. Dali saiu
um conjunto interessante de vetores para o
desenvolvimento da missão
que tem entre mãos. Isso nos recorda a importância e, porque não, a necessidade
de se encontrar para enfrentar os problema de fundo que vossas sociedades estão
atravessando e, como sabemos, não podem ser resolvidos simplesmente por
ações
isoladas ou
atos voluntários de uma pessoa ou de um
país, mas sim que reivindica a geração de uma nova atmosférica; isso é, uma
cultura marcada pelas
lideranças compartilhadas e valentes que
saibam envolver outras pessoas e outros grupos até que frutifiquem em
importantes acontecimentos históricos (cf.
Evangelii Gaudium, 223)
capazes de abrir caminhos às gerações atuais, e também às futuras, semeando
condições para superar as
dinâmicas de exclusão e segregação
de modo que a desigualdade não tenha a última palavra (cf.
Laudato Si’,53.164).
Nossos
povos reivindicam esse tipo de iniciativas que ajudem a
deixar todo tipo de atitude passiva ou espectadora como se a história presente
e futura tivesse que ser determinada e contada por outros.
Nos toca viver uma etapa histórica de
transformações onde se põe em jogo a alma de nossos povos. Um
tempo de crise – crise: o
caráter chinês, riscos, perigos e oportunidades, é
ambivalente, muito sábio isso –
tempo de crise – na qual se
verifica um paradoxo: por um lado, um
fenomenal desenvolvimento
normativo, por outro uma
deterioração no gozo efetivo dos
direitos consagrados globalmente. É como início dos
nominalismos, sempre começam assim. É mais, cada vez, e com
maior frequência, as sociedades adotam formas anômicas de fato, sobretudo em
relação às leis que regulam os direitos sociais, e o fazem com diversos
argumentos. Essa anomia está fundamentada por exemplo em carências
orçamentárias, impossibilidade de generalizar benefícios ou o
caráter-programático mais que o operativo dos mesmos.
Preocupa-me constatar que se levantam
vozes, especialmente de alguns “doutrinários”, que tratam de
“explicar” que os direitos sociais já são “velhos”, estão fora de moda e não
tem nada que contribuir a nossas sociedades. Desse modo, confirmam políticas
econômicas e sociais que levam a nossos povos à aceitação e
justificativa da desigualdade e da indignidade. A injustiça e
a falta de oportunidades tangíveis e concretas por trás de
tantas análises incapazes de se colocar aos pés do outro – e digo pés, não
sapatos, porque em muitos casos essas pessoas não têm –, é também uma forma de
gerar violência: silenciosa, porém violenta ao fim. A normatividade excessiva
nominalista, independentista, desemboca sempre na violência.
“Hoje vivemos em imensas cidades que se
mostram modernas, orgulhosas e até vaidosas. Cidades – orgulhosas de sua
revolução tecnológica e digital – que oferecem inumeráveis prazer e bem-estar
para uma minoria feliz..., porém os nega o teto a milhares de vizinhos e irmãos
nossos, inclusive crianças, e se os chama, elegantemente, 'pessoas em situação
de rua'. É curioso como no mundo das injustiças, abundam os
eufemismos” (Encontro Mundial dos Movimentos Populares, 28-10-2014).
Parecia que as Garantias Constitucionais e os Tratados
Internacionais ratificados, na prática, não tem valor universal.
A “
injustiça social naturalizada”
– ou seja, como algo natural – e, portanto, invisibilizada que somente
recordamos ou reconhecemos quando “alguns fazem barulho nas ruas” e são
rapidamente catalogados como perigosos ou molestados, termina por silenciar uma
história de postergações e esquecimentos. Permitam-me dizer, isso é um dos
grandes obstáculos que encontra o pacto social e que debilita o
sistema democrático. Um sistema político-econômico, para
seu desenvolvimento saudável, necessita garantir que a
democracia
não seja somente nominal, mas sim que possa se ver moldada em ações concretas
que velem pela dignidade de todos os seus habitantes sob a
lógica do bem-comum, em um chamado à solidariedade e uma
opção preferencial pelos pobres (cf.
Laudato si’, 158). Isso exige os
esforços das máximas autoridades, e por certo do poder judicial, para reduzir a
distância entre o reconhecimento jurídico e a prática do mesmo. Não há
democracia com fome, nem
desenvolvimento com pobreza, nem
justiça na desigualdade.
Quantas vezes a igualdade nominal de
muitas das nossas declarações e ações não faz mais que esconder e reproduzir
uma desigualdade real e subjacente, que esconde que se está diante de uma ordem
fictícia. A economia dos papeis, a democracia adjetiva, e a
mídia concentrada geram uma bolha que condiciona todos os olhares e opções
desde o amanhecer até o pôr do sol [1]. Ordem fictícia que
iguala em sua virtualidade, porém que, no concreto, amplia e aumenta a lógica e
as estruturas da exclusão-expulsão porque impede um contato e
compromisso real com o outro. Impede o concreto, a tomada do controle do que é
concreto.
Nem todos partem do mesmo lugar na hora de
pensar a ordem social. Isso nos questiona e nos exige pensar novos caminhos
para que a igualdade ante a lei não degenere na propensão da injustiça. Em um
mundo de virtualidades, mudanças e fragmentação – estamos na época do virtual
-, os Direitos sociais não podem ser somente exortativos ou
apelativos, nominais, mas sim sejam farol e bússola para a estrada porque “a
saúde das instituições de uma sociedade tem consequências no meio ambiente e na
qualidade de vida humana” (Laudato si’, 142).
Se nos pede lucidez de diagnóstico e
capacidade de decisão diante o conflito, se nos pede não nos
deixarmos dominar pela inércia ou pela atitude estéril
como quem os olha, os nega ou os anula e segue adiante, como se nada passasse,
lavam as mãos para poder continuar com suas vidas. Outros entram de tal maneira
no conflito que ficam prisioneiros, perdem
horizontes e projetam nas instituições as próprias confusões e insatisfações. O
convite é olhar de frente para o conflito, sofrê-lo e
resolvê-lo transformando-o no enganche de um novo processo (Evangelii
Gaudium, 227).
Assumindo que o conflito
é claro que o nosso compromisso é o de nossos irmãos para dar
operacionalidade aos direitos sociais com o compromisso de
buscar a desmantelar todos os argumentos que prejudicam a sua concretude, e
isso através da aplicação ou a criação de uma legislação capaz de levantar as
pessoas no reconhecimento da sua dignidade. As lacunas legais, tanto em termos
de legislação adequada como de acessibilidade e cumprimento,
desencadearam círculos viciosos que privam as pessoas e as famílias das
garantias necessárias para o seu desenvolvimento e bem-estar.
Essas lacunas são geradoras de corrupção que encontram nos pobres e no meio
ambiente os primeiros afetados.
Nós sabemos que o direito não é apenas a
lei ou as regras, mas também uma prática que configura as ligações,
o que os transforma de algum modo, "praticantes"
do direito sempre que confrontado com as pessoas e realidade. E isso
convida a mobilizar toda a imaginação legal para repensar as
instituições e lidar com as novas realidades sociais que estão sendo vivida
[2]. É muito importante neste sentido, que as pessoas que alcançam as mesas de
você e seus bancadas sentir que vieram antes deles, que você vir em primeiro
lugar, que você conhecê-los e entendê-los na sua situação particular, mas
especialmente reconhecê-los em sua plena cidadania e em seu potencial para
serem agentes de mudança e transformação. Nunca perca de vista
os setores populares não são primariamente um problema, mas uma parte ativa da
face de nossas comunidades e nações, eles têm todo o direito de participar na
busca de soluções e construindo inclusive. "O quadro político e
institucional não é apenas para evitar más práticas, mas também para
incentivar as melhores práticas, estimular a criatividade buscando novas
maneiras de facilitar as iniciativas pessoais e coletivas"
(cf. Laudato si', 177).
É importante incentivar que desde o início
da formação profissional, os operadores legais possam fazer contato real com as
realidades, conhecendo em primeira mão e compreendendo as injustiças quais um
dia terão de enfrentar. É também necessário encontrar todos os meios e
mecanismos para que os
jovens em situações de exclusão ou
marginalização possam ser treinados para que possam desempenhar o papel
necessário. Muito tem sido dito para eles, também precisamos ouvi-los e
dar-lhes voz nessas reuniões. O
leitmotiv implícito de todo o
paternalismo
jurídico-social vem à mente: tudo para o povo, mas nada com o povo.
Tais medidas nos permitirão estabelecer uma
cultura do encontro "porque nem conceitos
nem ideias se amam [...]. A entrega, a verdadeira entrega, surge do amor de
homens e mulheres, crianças e idosos, povos e comunidades ... rostos, rostos e
nomes que enchem o coração "(
II Encontro Mundial dos Movimentos
Populares, Santa Cruz de la Sierra, 9 de julho de 2015).
Aproveito esta oportunidade de reunir-me
convosco para manifestar a minha preocupação por uma nova forma de intervenção
exógena nos cenários políticos dos países através do uso indevido de
procedimentos legais e tipificações judiciais. O
lawfare, além de colocar a democracia dos países em sério
risco, é geralmente usado para minar os processos políticos emergentes e tender
para a
violação sistemática dos direitos sociais. A fim de
garantir a
qualidade institucional dos Estados, é fundamental
detectar e neutralizar este tipo de práticas que resultam de uma atividade
judicial imprópria em combinação com operações multimídia paralelas. Sobre isso
eu não paro, mas o julgamento anterior da mídia é conhecido por todos.
Isso nos lembra que, em muitos casos, a
defesa ou a
priorização dos direitos sociais sobre outros
tipos de interesses, vocês vão lidar não apenas com um
sistema injusto,
mas também com um
sistema de comunicação poderoso, que distorce muitas vezes
o âmbito de suas decisões, vai questionar a sua honestidade e também a sua
probidade, eles podem até mesmo julgá-lo. É uma
batalha assimétrica e
erosiva em que para superá-lo é necessário manter não só a força, mas
também a criatividade e uma elasticidade adequada. Quantas vezes os
juízes
enfrentam na solidão as paredes da
difamação e da
reprovação,
se não da
calúnia! Certamente, requer uma grande força para
lidar. "Felizes são aqueles que são perseguidos por praticar a justiça,
porque a eles pertence o Reino dos Céus" (Mt 5,10), disse
Jesus.
A este respeito, estou satisfeito que um dos objetivos desta reunião é a
criação de um
Comitê Permanente Pan-Americano de Juízes e Juízas pelos
Direitos Sociais, que tenha um dos objetivos superar a solidão na
magistratura, fornecendo apoio e assistência mútua para revitalizar o exercício
de sua missão. A
verdadeira sabedoria não é alcançada com um
mero acúmulo de dados - que é enciclopedismo - uma acumulação que acaba
saturando e obscurecendo uma espécie de
poluição ambiental,
mas com a reflexão, o diálogo e o generoso encontro entre as pessoas, aquele
confronto adulto, saudável, faz nós todos crescermos (cf. Laudato Si', 47).
Em 2015, eu dizia aos membros dos movimentos
populares: “Vocês têm um papel essencial, não apenas exigindo e
reivindicando, mas fundamentalmente criando. Vocês são poetas sociais:
criadores de obras, construtores de casas, produtores de alimentos,
especialmente para os descartados pelo mercado mundial" (II Encontro
Mundial de Movimentos Populares, Santa Cruz de la Sierra, 9 de julho de
2015). Queridos magistrados: Você tem um papel essencial: deixem-me dizer-lhe
que também são poetas, são poetas sociais
quando não têm medo de "serem protagonistas na transformação do
sistema judicial, baseado na coragem, na justiça e na primazia da
dignidade da pessoa humana"[3] sobre qualquer outro tipo de interesse ou
justificativa. Eu gostaria de concluir dizendo: "Felizes são aqueles que
têm fome e sede de justiça; felizes são aqueles que trabalham pela paz
"(Mt 5,6,9). Muito obrigado!
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