terça-feira, 18 de junho de 2019

Cartas Proféticas

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Moro em defesa de FHC


https://theintercept.com/2019/06/18/lava-jato-fingiu-investigar-fhc-apenas-para-criar-percepcao-publica-de-imparcialidade-mas-moro-repreendeu-melindra-alguem-cujo-apoio-e-importante/


Terça-feira, 18 de junho de 2019
Lava Jato fingiu investigar FHC apenas para criar percepção pública de ‘imparcialidade’, mas Moro repreendeu: ‘Melindra alguém cujo apoio é importante’
Um trecho do chat privado entre Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol revela que o ex-juiz discordou de investigações sobre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na Lava Jato porque, nas palavras dele, não queria “melindrar alguém cujo apoio é importante”. O diálogo ocorreu em 13 de abril de 2017, um dia depois do Jornal Nacional ter veiculado uma reportagem a respeito de suspeitas contra o tucano.

Naquele dia, Moro chamou Deltan Dallagnol em um chat privado no Telegram para falar sobre o assunto. O juiz dos processos da Lava Jato em Curitiba queria saber se as suspeitas contra o ex-presidente eram “sérias”. O procurador respondeu acreditar que a força-tarefa – por meio de seu braço em Brasília – propositalmente não considerou a prescrição do caso de FHC e o enviou ao Ministério Público Federal de São Paulo, segundo ele, “talvez para [o MPF] passar recado de imparcialidade”.

À época, a Lava Jato vinha sofrendo uma série de ataques, sobretudo de petistas e outros grupos de esquerda, que a acusavam de ser seletiva e de poupar políticos do PSDB. As discussões haviam sido inflamadas meses antes, quando o então juiz Moro aparecera sorrindo em um evento público ao lado de Aécio Neves e Michel Temer, apesar das acusações pendentes de corrupção contra ambos.

Moro – 09:07:39 – Tem alguma coisa mesmo seria do FHC? O que vi na TV pareceu muito fraco?
Moro – 09:08:18 – Caixa 2 de 96?
Dallagnol – 10:50:42 – Em pp sim, o que tem é mto fraco
Moro – 11:35:19 – Não estaria mais do que prescrito?
Dallagnol – 13:26:42 – Foi enviado pra SP sem se analisar prescrição
Dallagnol – 13:27:27 – Suponho que de propósito. Talvez para passar recado de imparcialidade
Moro – 13:52:51 – Ah, não sei. Acho questionável pois melindra alguém cujo apoio é importante

FHC foi citado na Lava Jato pelo menos nove vezes (1, 2, 3, 4 e 5, 6, 7, 8 e 9). Caso fossem investigados e comprovados, nem todos os possíveis crimes cometidos pelo ex-presidente estariam prescritos.

Naquele dia, antes de responder a Moro, Dallagnol encaminhou a dúvida do juiz para um chat em grupo chamado Conexão Bsb-CWB, no qual estavam procuradores das duas cidades. Foi de Brasília, onde o caso tramitava, que ele recebeu a resposta de que a documentação foi encaminhada a São Paulo sem a análise sobre a prescrição.

Dallagnol – 11:42:54 – Caros o fato do FHC é só caixa 2 de 96? Não tá prescrito? Teve inquérito? Sérgio Bruno Cabral Fernandes – 11:51:25 – Mandado pra SP
Sérgio Bruno Cabral Fernandes –11:51:44 – Não analisamos prescrição
Dallagnol – 13:26:11 – 👍👍😉

A acusação que Dallagnol classificou como "recado de imparcialidade" já era de conhecimento interno do Ministério Público desde o final de 2016, graças à delação de Emílio Odebrecht, que afirmou que deu "ajuda de campanha" a FHC para as eleições vitoriosas de 1994 e 1998. “Ajuda de campanha eu sempre dei a todos eles. E a ele também dei. E com certeza teve a ajuda de caixa oficial e não oficial", afirmou o empresário, falando sobre caixa dois. "[E]u dava e dizia que era para atender mesmo. Então vai fulano de tal lhe procurar, como eu dizia também para Marcelo, e eles então operacionalizavam. Ele me pediu. Todos eles.” O valor dos pagamentos não foi divulgado.

O depoimento permaneceu em segredo de justiça até abril de 2017, quando foi enviado para ser investigado pela Procuradoria da República de São Paulo e virou notícia. Mas já nasceu morto: os fatos estavam prescritos, e a investigação não poderia terminar em uma denúncia formal. Foi arquivada pela Justiça três meses depois.

Essas revelações sugerem mais uma vez a parcialidade na Lava Jato, que tanto Moro quanto a força-tarefa negam veementemente. Na nota oficial divulgada pela força-tarefa em resposta à primeira série de reportagens do Intercept no último domingo, por exemplo, eles insistiram que seu trabalho sempre foi movido pela “imparcialidade da atuação da Justiça”. Em entrevista ao Estadão na semana passada, o ministro Moro disse que não via "[n]enhum viés político nas mensagens que me foram atribuídas."

Mas, aqui, Moro estava explicitamente preocupado com investigações da Lava Jato contra um apoiador político de seu trabalho. E Dallagnol admitiu acreditar que outros procuradores da força-tarefa passaram adiante uma investigação que sabidamente não resultaria em processo, a fim de fabricar uma falsa percepção pública de "imparcialidade", sem, no entanto, colocar FHC em risco.

As conversas agora reveladas fazem parte de um lote de arquivos secretos enviados ao Intercept por uma fonte anônima (leia nosso editorial e entenda). Os arquivos publicados até agora mostram, entre outras coisas, que a Lava Jato sempre teve muita preocupação com sua imagem pública, e seguia conselhos informais do então juiz Moro, o que é ilegal.


'Porra bomba isso'


Para os procuradores, era importante incluir o PSDB no rol de investigados para acalmar o ânimo dos críticos. Eles já falavam sobre isso muito antes de Moro alertar Dallagnol sobre evitar “melindrar” FHC.

Em uma conversa no dia 17 de novembro de 2015, o procurador Roberson Pozzobon mandou uma sugestão em um grupo do Telegram chamado FT MPF Curitiba 2: investigar, num mesmo procedimento, pagamentos da Odebrecht aos institutos de Lula e FHC. “Assim ninguém poderia indevidamente criticar nossa atuação como se tivesse vies partidário”, justificou Pozzobon. “A da LILS [empresa que agencia as palestras de Lula] vocês já sabem os indícios para a investigação, mas vejam essa fratura expostas da Fundação iFHC”, disse ao grupo. Nesse caso – diferentemente daquele que virou notícia na imprensa sobre caixa 2 nos anos 1990 –, os pagamentos ao iFHC aos quais Pozzobon se referia não estariam prescritos, caso fossem propina.

Depois de comentar sobre o instituto de FHC, Pozzobon postou duas imagens no grupo.

A primeira é uma troca de e-mails de 2014 entre a secretária de FHC e dois interlocutores: um representante da Associação Petroquímica e Química da Argentina, a Apla, identificado como Manuel Diaz, e um empresário do ramo cultural, Pedro Longhi. A secretária fala para verificarem com a Braskem – empresa do ramo petroquímico controlada pela Odebrecht – qual a "melhor maneira para [a empresa] fazer a doação [para o iFHC]".


A secretária dá duas opções para o que ela chama de "doação". Uma delas seria fazer uma doação direta, ou seja, depositar dinheiro na conta bancária do instituto. A outra seria a contratação de um serviço não especificado. “Não podemos citar que a prestação de serviço será uma palestra do presidente”, afirmou. Manuel respondeu que poderia fazer ser doação direta. Poucos dias depois, Helena Gasparian, então assessora de FHC, enviou outro e-mail à Braskem dizendo que o ex-presidente não iria comparecer ao evento.


A segunda imagem encaminhada por Pozzobon era de um laudo da Polícia Federal daquele mesmo ano, que mostrava que a Odebrecht havia feito pagamentos mensais que somaram R$ 975 mil ao iFHC entre dezembro de 2011 e de 2012.


Os policiais federais que fizeram o relatório explicaram que não foram atrás desses pagamentos ao iFHC porque os dados da Braskem não foram colocados à disposição deles. Mas ressaltaram: "É possível que outros pagamentos tenham sido feitos e não tenham sido encontrados" por causa das limitações dos dados ou caso tenham sido feitos por "meio de triangulação entre Grupo Odebrecht, o contratante do serviço (exemplo do evento APLA) e o Instituto Fernando Henrique Cardoso".

Após enviar as imagens, Pozzobon sugeriu ao grupo aprofundar a investigação sobre as doações. Ao contrário da investigação referente aos recursos recebidos nos anos 90, esses fatos, se investigados, não estariam prescritos e poderiam apontar caixa 2 em campanhas do PSDB. Os procuradores reagiram com empolgação:

Paulo Galvão – 20:35:08 – porra bomba isso
Roberson – 20:35:20 – MPF Pois é!!!
Roberson – 20:35:39 – O que acha da ideia do PIC?
Roberson – 20:35:47 – Vai ser massa!
Paulo Galvão – 20:35:51 – Acho excelente sim Robinho
Roberson – 20:36:47 – Legal! Se os demais tb estiverem de acordo, faço a portaria amanha cedo
Roberson – 20:38:08 – Acho que vale até uma BA na Secretaria da iFHC que mandou o email. Ela é secretária da Presidencia!
Laura Tessler – 20:38:36 – Sensacional esse email!!!!
Roberson – 20:38:48 – Mais, talvez pudessemos cumprir BA nos três concomitantemente: LILS, Instituto Lula e iFHC

A euforia durou pouco, e os procuradores começaram a ponderar que o caso teria chance de ser enquadrado apenas como crime tributário – e que os argumentos de defesa de FHC poderiam também ser usados por Lula. O argumento: Lula também poderia alegar que os pagamentos feitos ao Instituto Lula e à LILS, sua empresa de palestras, não escondiam propinas ou caixa dois.

Diogo – 21:44:28 – Mas será q não será argumento pra defesa da lils dizendo q eh a prova q não era corrupção?
Welter – 21:51:24 – 149967.ogg
Roberson – 22:07:24 – Pensei nisso tb. Temos que ter um bom indício de corrupção do fhc/psdb antes
Dallagnol – 22:14:24 – Claro
Dallagnol – 22:18:00 – Será pior fazer PIC, BA e depois denunciar só PT por não haver prova. Doação sem vinculação a contrato, para influência futura, é aquilo em Que consiste TODA doação eleitoral

Quase um ano e meio depois dessa conversa, o fim do sigilo da delação de Marcelo Odebrecht, filho de Emílio, mostraria que o esquema de remessa de dinheiro aos institutos de FHC e de Lula tinha um modus operandi semelhante. A Fundação FHC – ex iFHC – disse ao Intercept que os valores recebidos foram regularmente contabilizados e que "não tem conhecimento de qualquer investigação ou denúncia do MPF tendo por base as doações feitas pela Odebrecht".


'Dará mais argumentos pela imparcialidade'


No ano seguinte às conversas do procuradores, em 2016, FHC ainda apareceria em outras três delações (1, 2, 3). Em uma delas, ele apareceu na boca do operador ligado ao MDB Fernando Baiano, por causa do suposto beneficiamento da empresa de um filho do ex-presidente, Paulo Henrique Cardoso, em contratos com a petroleira. Em junho, o caso do filho de FHC foi mencionado no chat FT MPF Curitiba 3. A preocupação dos procuradores era, novamente, criar a percepção pública de imparcialidade da Lava Jato:

Dallagnol – 09:54:59 – Viram do filho do FHC?
Dallagnol – 09:55:01 –  http://pgr.clipclipping.com.br/impresso/ler/noticia/6092614/cliente/19
Dallagnol – 09:56:20 – Creio que vale apurar com o argumento de que pode ter recebido benefícios mais recentemente, inclusive com outros contratos ... Dará mais argumentos pela imparcialidade... Esses termos já chegaram, Paulo? Esse já tem grupo?
Paulo Galvão – 10:00:38 – Chegaram vários do Cervero, mas não sei se esse especificamente desceu
Paulo Galvão – 10:00:59 – Nos temos de qq forma todos os depoimentos na pasta
Dallagnol – 10:24:20 – Algum grupo se voluntaria? Eu acho o caso bacanissimo, pelo valor histórico. E recebendo naquela época pode ter lavagem mais recente pela conversão de ativos ou outro método como compra subfaturada de imóvel o que é mto comum.... Seria algo para analisar
Paulo Galvão – 10:26:33 – Deixa ver antes se desceu. Pode ter sido mandado p outro lugar, como os que foram p o rio (e isso é um dos temas q eu quero tratar na reunião)

Três dias depois, no mesmo grupo, o assunto voltou a ser discutido.

Paulo Galvão – 11:42:39 – Mas vejo que, sobre o filho do FHC, é um termo que ficou no STF por conta do Delcídio e teria vindo para cá por cópia. É o mesmo termo que trata da GE, lembrando que a GE protocolou petição querendo colaborar e está fazendo investigação interna
Dallagnol – 12:04:38 – se veio pra cá, é nosso
Dallagnol – 12:04:40 – se veio pra cá com cópia, é nosso
Dallagnol – 12:04:46 – se pensaram em mandar pra cá, é nosso tb

Nós perguntamos ao Ministério Público Federal do Paraná, sede da força-tarefa da Lava Jato, quais são os ex-presidentes investigados e em que fase está cada um dos procedimentos. Também questionamos quais fatos envolvendo os ex-presidentes foram mandados para outros órgãos. Eles não responderam aos questionamentos e se limitaram a enviar as notas já divulgadas pela instituição, que dizem que não há ilegalidade nas trocas de mensagens reveladas pelo Intercept.

Em uma conversa com os procuradores Paulo Galvão e Carlos Fernando Santos Lima, em 20 de maio do ano passado, no entanto, Deltan Dallagnol relembrou quais foram os ex-presidentes investigados pela operação. Dilma Rousseff e FHC são os únicos que ficam de fora:

Dallagnol – 01:46:42 – CF, só tem 2 (ex) presidentes presos: Lula e Humala no peru
Dallagnol – 01:48:12 – Opa o Jorge Glas no equador tb
Dallagnol – 01:48:38 – No BR, vou considerar como investigados Temer, Collor, Sarey e Lula
Dallagnol – 01:49:07 – (excluindo Dilma e FHC - não lembro de investigações sobre eles fora o que tá bem sigiloso da dilma, sem conclusão)

Antes da publicação desta reportagem, o Intercept procurou as assessorias do ministro Sergio Moro, do MPF no Paraná e em São Paulo, da Procuradoria Geral da República e da Fundação Fernando Henrique Cardoso, antigo iFHC.

A PGR disse que não vai se manifestar.
A assessoria de Moro respondeu que ele "não comenta supostas mensagens de autoridades públicas colhidas por meio de invasão criminosa, que podem ter sido adulteradas e editadas e que sequer foram encaminhadas previamente para análise. Cabe esclarecer que o caso supostamente envolvendo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nunca passou pelas mãos do Ministro, então juiz da 13 Vara Federal de Curitiba, sendo encaminhado diretamente pelo  Supremo Tribunal Federal a outros fóruns de justiça. Então, nenhuma interferência do então juiz seria sequer possível e nenhuma foi de fato feita".

Já o MPF do Paraná, em um segundo contato, afirmou que "a divulgação de supostos diálogos obtidos por meio absolutamente ilícito, agravada por um contexto de sequestro de contas virtuais, torna impossível aferir se houve edições, alterações, acréscimos ou supressões no material alegadamente obtido.” Para o MPF, os diálogos inteiros podem ter sido “forjados pelo hacker”. Eles disseram também que “um hackeamento ilegal traz consigo dúvidas inafastáveis quanto à sua autenticidade, o que inevitavelmente também dará azo à divulgação de fake news”, dizendo que há uma “uma agenda político-partidária” nas reportagens.

O Intercept reafirma que as reportagens da série são publicadas assim que produzidas, editadas e checadas dentro de princípios editoriais rigorosos, e que o material é autêntico.

Na época em que foi citado na delação de Emílio Odebrecht, Fernando Henrique Cardoso disse que não tinha "nada a temer" e defendeu a operação Lava Jato. "O Brasil precisa de transparência. A Lava Jato está colaborando no sentido de colocar as cartas na mesa", afirmou. Ao Intercept, o ex-presidente disse, por meio de sua assessoria, que não teve conhecimento de nenhum inquérito ou denúncia relacionados à delação de Cerveró. Também afirmou desconhecer as menções sobre seu filho e a compra de votos nas eleições – por isso, "não sabe se teriam resultado em investigação ou denúncia". A única confirmada pelo ex-presidente foi a investigação que terminou arquivada.

Após a divulgação da primeira leva de reportagens sobre as mensagens secretas da Lava Jato, FHC fez uma defesa pública de Moro: “O vazamento de mensagens entre juiz e promotor da Lava-Jato mais parece tempestade em copo d’água. A menos que haja novos vazamentos mais comprometedores...”, disse.

Condenado por ato de ofício indeterminado

NÃO EXISTE CASO SIMILAR NO MUNDO EM QUE ALGUÉM É CONDENADO POR "ATO DE OFÍCIO INDETERMINADO". LULA FOI CONDENADO SEM QUE TENHA SIDO APONTADA UMA PROVA SEQUER DO CRIME COMETIDO... https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=1566525670144079&id=100003599824

O que diz Francisco, o Papa

Isto é FATO!!

Isto e VERDADE!!

"Não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade", afirma Papa Francisco



Isso é num Brasil que falaciosamente dizem ser uma democracia sólida. Democracia em um “Estado Democrático de Direito”. E “é verdade”! só falta ser de FATO!!
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"Não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade", afirma Papa Francisco

06 Junho 2019
"O lawfare, além de colocar em sério risco a democracia dos países, geralmente é utilizado para minar os processos políticos emergentes e propor a violação sistemática dos direitos sociais. Para garantir a qualidade institucional dos Estados é fundamental detectar e neutralizar esse tipo de práticas que resultam da imprópria atividade judicial em combinação com operações multimidiáticas paralelas", afirma o papa Francisco, em intervenção na Cúpula Pan-Americana de Juízes, em 04-06-2019, promovida pela Pontifícia Academia de Ciências Sociais, no Vaticano sobre o tema: "Direitos sociais e doutrina franciscana”. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

Eis o discurso.

Senhoras e senhores, é motivo de alegria e também de esperança encontra-los nessa Cúpula, na qual deram uma citação que não se limite somente a vocês, mas sim que evoca o trabalho que realizam conjuntamente com advogados, assessores, fiscais, defensores, funcionários e evoca também aos seus povos com o desejo e a busca sincera para garantir a justiça, e especialmente a justiça social, para que possa chegar a todos. Vossa missão, nobre e pesada, pede para se consagrar ao serviço da justiça e do bem-comum com o chamado constante a que os direitos das pessoas e especialmente dos mais vulneráveis sejam respeitados e garantidos. Dessa maneira, vocês ajudam aos Estados que não renunciem a sua mais excelsa e primária função: fazer-se serviço do bem-comum do seu povo. “A experiência ensina que – assinalava João XXIII – quando falta uma ação apropriada dos poderes públicos no econômico, o político ou o cultural, se produz entre os cidadãos, sobretudo em nossa época, um maior número de desigualdades em setores cada vez mais amplos, resultando assim que os direitos e deveres da pessoa humana carecem de toda eficácia prática” (Pacem in Terris, 63).
Celebro essa iniciativa de se reunir, assim como a realizada o ano passado na cidade de Buenos Aires, na qual mais de 300 magistrado e funcionários judiciais deliberaram sobre os Direitos Sociais, à luz da Evangelii Gaudium, Laudato Si’ e o discurso aos Movimentos Populares em Santa Cruz de la Sierra. Dali saiu um conjunto interessante de vetores para o desenvolvimento da missão que tem entre mãos. Isso nos recorda a importância e, porque não, a necessidade de se encontrar para enfrentar os problema de fundo que vossas sociedades estão atravessando e, como sabemos, não podem ser resolvidos simplesmente por ações isoladas ou atos voluntários de uma pessoa ou de um país, mas sim que reivindica a geração de uma nova atmosférica; isso é, uma cultura marcada pelas lideranças compartilhadas e valentes que saibam envolver outras pessoas e outros grupos até que frutifiquem em importantes acontecimentos históricos (cf. Evangelii Gaudium, 223) capazes de abrir caminhos às gerações atuais, e também às futuras, semeando condições para superar as dinâmicas de exclusão e segregação de modo que a desigualdade não tenha a última palavra (cf. Laudato Si’,53.164). Nossos povos reivindicam esse tipo de iniciativas que ajudem a deixar todo tipo de atitude passiva ou espectadora como se a história presente e futura tivesse que ser determinada e contada por outros.
Preocupa-me constatar que se levantam vozes, especialmente de alguns “doutrinários”, que tratam de “explicar” que os direitos sociais já são “velhos” - Papa Francisco
Nos toca viver uma etapa histórica de transformações onde se põe em jogo a alma de nossos povos. Um tempo de crise – crise: o caráter chinês, riscos, perigos e oportunidades, é ambivalente, muito sábio isso – tempo de crise – na qual se verifica um paradoxo: por um lado, um fenomenal desenvolvimento normativo, por outro uma deterioração no gozo efetivo dos direitos consagrados globalmente. É como início dos nominalismos, sempre começam assim. É mais, cada vez, e com maior frequência, as sociedades adotam formas anômicas de fato, sobretudo em relação às leis que regulam os direitos sociais, e o fazem com diversos argumentos. Essa anomia está fundamentada por exemplo em carências orçamentárias, impossibilidade de generalizar benefícios ou o caráter-programático mais que o operativo dos mesmos.
Preocupa-me constatar que se levantam vozes, especialmente de alguns “doutrinários”, que tratam de “explicar” que os direitos sociais já são “velhos”, estão fora de moda e não tem nada que contribuir a nossas sociedades. Desse modo, confirmam políticas econômicas e sociais que levam a nossos povos à aceitação e justificativa da desigualdade e da indignidade. A injustiça e a falta de oportunidades tangíveis e concretas por trás de tantas análises incapazes de se colocar aos pés do outro – e digo pés, não sapatos, porque em muitos casos essas pessoas não têm –, é também uma forma de gerar violência: silenciosa, porém violenta ao fim. A normatividade excessiva nominalista, independentista, desemboca sempre na violência.
“Hoje vivemos em imensas cidades que se mostram modernas, orgulhosas e até vaidosas. Cidades – orgulhosas de sua revolução tecnológica e digital – que oferecem inumeráveis prazer e bem-estar para uma minoria feliz..., porém os nega o teto a milhares de vizinhos e irmãos nossos, inclusive crianças, e se os chama, elegantemente, 'pessoas em situação de rua'. É curioso como no mundo das injustiças, abundam os eufemismos” (Encontro Mundial dos Movimentos Populares, 28-10-2014). Parecia que as Garantias Constitucionais e os Tratados Internacionais ratificados, na prática, não tem valor universal.
Não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade - Papa Francisco
A “injustiça social naturalizada” – ou seja, como algo natural – e, portanto, invisibilizada que somente recordamos ou reconhecemos quando “alguns fazem barulho nas ruas” e são rapidamente catalogados como perigosos ou molestados, termina por silenciar uma história de postergações e esquecimentos. Permitam-me dizer, isso é um dos grandes obstáculos que encontra o pacto social e que debilita o sistema democrático. Um sistema político-econômico, para seu desenvolvimento saudável, necessita garantir que a democracia não seja somente nominal, mas sim que possa se ver moldada em ações concretas que velem pela dignidade de todos os seus habitantes sob a lógica do bem-comum, em um chamado à solidariedade e uma opção preferencial pelos pobres (cf. Laudato si’, 158). Isso exige os esforços das máximas autoridades, e por certo do poder judicial, para reduzir a distância entre o reconhecimento jurídico e a prática do mesmo. Não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade.
Quantas vezes a igualdade nominal de muitas das nossas declarações e ações não faz mais que esconder e reproduzir uma desigualdade real e subjacente, que esconde que se está diante de uma ordem fictícia. A economia dos papeis, a democracia adjetiva, e a mídia concentrada geram uma bolha que condiciona todos os olhares e opções desde o amanhecer até o pôr do sol [1]. Ordem fictícia que iguala em sua virtualidade, porém que, no concreto, amplia e aumenta a lógica e as estruturas da exclusão-expulsão porque impede um contato e compromisso real com o outro. Impede o concreto, a tomada do controle do que é concreto.
Nem todos partem do mesmo lugar na hora de pensar a ordem social. Isso nos questiona e nos exige pensar novos caminhos para que a igualdade ante a lei não degenere na propensão da injustiça. Em um mundo de virtualidades, mudanças e fragmentação – estamos na época do virtual -, os Direitos sociais não podem ser somente exortativos ou apelativos, nominais, mas sim sejam farol e bússola para a estrada porque “a saúde das instituições de uma sociedade tem consequências no meio ambiente e na qualidade de vida humana” (Laudato si’, 142).
Se nos pede lucidez de diagnóstico e capacidade de decisão diante o conflito, se nos pede não nos deixarmos dominar pela inércia ou pela atitude estéril como quem os olha, os nega ou os anula e segue adiante, como se nada passasse, lavam as mãos para poder continuar com suas vidas. Outros entram de tal maneira no conflito que ficam prisioneiros, perdem horizontes e projetam nas instituições as próprias confusões e insatisfações. O convite é olhar de frente para o conflito, sofrê-lo e resolvê-lo transformando-o no enganche de um novo processo (Evangelii Gaudium, 227).
Assumindo que o conflito é claro que o nosso compromisso é o de nossos irmãos para dar operacionalidade aos direitos sociais com o compromisso de buscar a desmantelar todos os argumentos que prejudicam a sua concretude, e isso através da aplicação ou a criação de uma legislação capaz de levantar as pessoas no reconhecimento da sua dignidade. As lacunas legais, tanto em termos de legislação adequada como de acessibilidade e cumprimento, desencadearam círculos viciosos que privam as pessoas e as famílias das garantias necessárias para o seu desenvolvimento e bem-estar. Essas lacunas são geradoras de corrupção que encontram nos pobres e no meio ambiente os primeiros afetados.
Aproveito essa oportunidade para manifestar minha preocupação por uma nova forma de intervenção exógena nos cenários políticos dos países através do uso indevido dos procedimentos legais e tipificações judiciais - Papa Francisco
Nós sabemos que o direito não é apenas a lei ou as regras, mas também uma prática que configura as ligações, o que os transforma de algum modo, "praticantes" do direito sempre que confrontado com as pessoas e realidade. E isso convida a mobilizar toda a imaginação legal para repensar as instituições e lidar com as novas realidades sociais que estão sendo vivida [2]. É muito importante neste sentido, que as pessoas que alcançam as mesas de você e seus bancadas sentir que vieram antes deles, que você vir em primeiro lugar, que você conhecê-los e entendê-los na sua situação particular, mas especialmente reconhecê-los em sua plena cidadania e em seu potencial para serem agentes de mudança e transformação. Nunca perca de vista os setores populares não são primariamente um problema, mas uma parte ativa da face de nossas comunidades e nações, eles têm todo o direito de participar na busca de soluções e construindo inclusive. "O quadro político e institucional não é apenas para evitar más práticas, mas também para incentivar as melhores práticas, estimular a criatividade buscando novas maneiras de facilitar as iniciativas pessoais e coletivas" (cf. Laudato si', 177).
É importante incentivar que desde o início da formação profissional, os operadores legais possam fazer contato real com as realidades, conhecendo em primeira mão e compreendendo as injustiças quais um dia terão de enfrentar. É também necessário encontrar todos os meios e mecanismos para que os jovens em situações de exclusão ou marginalização possam ser treinados para que possam desempenhar o papel necessário. Muito tem sido dito para eles, também precisamos ouvi-los e dar-lhes voz nessas reuniões. O leitmotiv implícito de todo o paternalismo jurídico-social vem à mente: tudo para o povo, mas nada com o povo. Tais medidas nos permitirão estabelecer uma cultura do encontro "porque nem conceitos nem ideias se amam [...]. A entrega, a verdadeira entrega, surge do amor de homens e mulheres, crianças e idosos, povos e comunidades ... rostos, rostos e nomes que enchem o coração "(II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, Santa Cruz de la Sierra, 9 de julho de 2015).
O lawfare, além de colocar em sério risco a democracia dos países, geralmente é utilizado para minar os processos políticos emergentes e propor a violação sistemática dos direitos sociais - Papa Francisco
Aproveito esta oportunidade de reunir-me convosco para manifestar a minha preocupação por uma nova forma de intervenção exógena nos cenários políticos dos países através do uso indevido de procedimentos legais e tipificações judiciais. O lawfare, além de colocar a democracia dos países em sério risco, é geralmente usado para minar os processos políticos emergentes e tender para a violação sistemática dos direitos sociais. A fim de garantir a qualidade institucional dos Estados, é fundamental detectar e neutralizar este tipo de práticas que resultam de uma atividade judicial imprópria em combinação com operações multimídia paralelas. Sobre isso eu não paro, mas o julgamento anterior da mídia é conhecido por todos.
Isso nos lembra que, em muitos casos, a defesa ou a priorização dos direitos sociais sobre outros tipos de interesses, vocês vão lidar não apenas com um sistema injusto, mas também com um sistema de comunicação poderoso, que distorce muitas vezes o âmbito de suas decisões, vai questionar a sua honestidade e também a sua probidade, eles podem até mesmo julgá-lo. É uma batalha assimétrica e erosiva em que para superá-lo é necessário manter não só a força, mas também a criatividade e uma elasticidade adequada. Quantas vezes os juízes enfrentam na solidão as paredes da difamação e da reprovação, se não da calúnia! Certamente, requer uma grande força para lidar. "Felizes são aqueles que são perseguidos por praticar a justiça, porque a eles pertence o Reino dos Céus" (Mt 5,10), disse Jesus. A este respeito, estou satisfeito que um dos objetivos desta reunião é a criação de um Comitê Permanente Pan-Americano de Juízes e Juízas pelos Direitos Sociais, que tenha um dos objetivos superar a solidão na magistratura, fornecendo apoio e assistência mútua para revitalizar o exercício de sua missão. A verdadeira sabedoria não é alcançada com um mero acúmulo de dados - que é enciclopedismo - uma acumulação que acaba saturando e obscurecendo uma espécie de poluição ambiental, mas com a reflexão, o diálogo e o generoso encontro entre as pessoas, aquele confronto adulto, saudável, faz nós todos crescermos (cf. Laudato Si', 47).
Em 2015, eu dizia aos membros dos movimentos populares: “Vocês têm um papel essencial, não apenas exigindo e reivindicando, mas fundamentalmente criando. Vocês são poetas sociais: criadores de obras, construtores de casas, produtores de alimentos, especialmente para os descartados pelo mercado mundial" (II Encontro Mundial de Movimentos Populares, Santa Cruz de la Sierra, 9 de julho de 2015). Queridos magistrados: Você tem um papel essencial: deixem-me dizer-lhe que também são poetas, são poetas sociais quando não têm medo de "serem protagonistas na transformação do sistema judicial, baseado na coragem, na justiça e na primazia da dignidade da pessoa humana"[3] sobre qualquer outro tipo de interesse ou justificativa. Eu gostaria de concluir dizendo: "Felizes são aqueles que têm fome e sede de justiça; felizes são aqueles que trabalham pela paz "(Mt 5,6,9). Muito obrigado!

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DIÁRIO DE TEMPOS ESTRANHOS
 

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Em SP, paralisação parcial do transporte minguou a adesão massiva à greve geral. Já na Av. Paulista, diversos coletivos e movimentos políticos reuniram-se na tentativa de construir uma resistência no novo “chão de fábrica”: a cidade
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América Latina e os reflexos de uma guerra comercial

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Quando o Estado assassina sua juventude

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Fim da Reserva Legal e o agronegócio “fora da coleira”

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Novo Mais Médicos: alternativas e dúvidas

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segunda-feira, 17 de junho de 2019

Generais ontem. Generais hoje

Generais nacionalistas são uma espécie em extinção, por Evilázio Gonzaga
revistaforum17 de junho de 2019 18:29


Por Evilázio Gonzaga*
A patética demonstração de puxa-saquismo, disfarçada de ataque histérico, do general Heleno foi uma das cenas mais constrangedoras da história do Brasil. O general é um exemplo da degeneração dos militares brasileiros. A cena sinistra prova que oficiais de hoje são medíocres, mesmo quando comparados aos responsáveis pelo golpe de 1964.
Os militares da ditadura eram autoritários, violentos e simpáticos ao fascismo, porém na sua maioria os oficiais daquela geração mantinham forte sentimento patriótico e desenvolvimentista. A geração atual de militares mantém inabalável o comportamento autoritário e avesso à democracia, porém o nacionalismo e o desenvolvimentismo entre eles são coisas raríssimas.
Os nacionalistas, que estão em rápida extinção, são perseguidos e abatidos, como o general Juarez Aparecido de Paula Cunha, que presidia os Correios. Paula Cunha foi demitido por ter se oposto ao modelo entreguista de privatização selvagem da organização que comandava, o que vai abrir o bilionário mercado de entregas do Brasil para os competidores internacionais.
Entretanto, a principal vítima da degeneração que corrói as Forças Armadas na atualidade foi o general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Um dos mais cultos e preparados oficiais brasileiros, Santos Cruz fala várias línguas e foi o único oficial brasileiro a exercer um comando de tropas de paz da ONU, no qual as tropas brasileiras não tinham relevância, quando coordenou, durante dois anos, mais de 23 mil militares de 20 países, na República Democrática do Congo. Após exercer o comando na África, o general brasileiro contribuiu para a organização e o treinamento de tropas, que iriam servis em diversas missões de paz coordenadas pela ONU.
Sem sombra de dúvida, o general Santos Cruz é o militar brasileiro mais reconhecido e respeitado internacionalmente.
Disciplinado, o general não fez maiores comentários sobre a sua demissão, mas segundo a velha mídia brasileira, “fontes do Palácio do Planalto informaram que o oficial foi exonerado por divergências com o núcleo duro do governo”. Ou seja, Santos Cruz foi demitido por diferenças ideológicas, em um governo que, na propaganda, afirmava “combater o viés ideológico.
Subordinação e entreguismo: o núcleo ideológico do governo
O centro da visão ideológica do governo atual é a subordinação a uma potência estrangeira e um entreguismo irresponsável do patrimônio nacional. Tudo o mais é periférico ou propaganda.
A subordinação é explícita, no alinhamento automático do Brasil aos Estados Unidos, nas guerras que aquele país move contra praticamente o mundo inteiro. O governo brasileiro só deixou de sacrificar seus jovens em uma sangrenta aventura militar, inconsequente e criminosa, contra a Venezuela, porque as Forças Armadas brasileiras estão defasadas belicamente.
O entreguismo é mais evidente nas privatizações anárquicas, selvagens e subfaturadas, que estão ocorrendo; porém há também artimanhas nesse sentido, que são menos perceptíveis para a maioria dos cidadãos comuns, como é o caso da reforma da Previdência. Sem que a população perceba, o governo entreguista se prepara para transferir trilhões para os cofres dos grandes bancos internacionais, através da adoção da capitalização, como modelo principal da aposentadoria no país. Isso também é privatizar dinheiro da população e entregar para bancos estrangeiros.
Dessa forma, o governo suga imensos recursos do mercado consumidor interno e transfere para o sistema financeiro comandado pelas instituições de Wall Street e da City de Londres. Será uma privatização entreguista colossal, que escapa ao observador comum.
Todo o resto – caça aos extintos comunistas, demonização da política, homofobia, machismo, exaltação da violência, preconceito, fundamentalismo religioso, chauvinismo, apologia à ignorância, rejeição ao saber, negação da cultura, racismo, descaso com o meio ambiente e outros retrocessos civilizatórios – é irrelevante e secundário. Serve apenas para distrair a atenção para os objetivos centrais do núcleo instalado no poder.
A distração é uma tática militar: os comandantes mandam tropas secundárias atacar um ponto, para atrair o inimigo, quando na verdade o alvo verdadeiro é outro e, pelo movimento de distração, ficará menos protegido.
É um indício de dedos militares no comando das grandes movimentações do governo bolsonarista. Isso significa que Bolsonaro, seu núcleo duro e o grupo de militares que têm poder de fato (comandados pela dupla Villas Bôas e Heleno) estão extremamente próximos ideologicamente no propósito de subordinação à uma potência estrangeira e de entreguismo do patrimônio brasileiro.
O processo de liquidação em curso inclui os ativos militares, como a Embraer, os segredos da tecnologia de refino nuclear e a Orbisat, que eram tão valorizados pelos antigos oficiais nacionalistas.
Os militares nacionalistas que restam são raros
Uma alta autoridade do período do governo Lula, no Ministério da Defesa, disse que ainda existem militares com bom nível de preparo intelectual, defensores da soberania, adeptos do desenvolvimento e confiantes na possibilidade de o Brasil ser uma potência de classe mundial, a exemplo da China, Índia, Japão ou Coreia. Mas “eles são minoria”, segundo esse funcionário público de alto escalão, hoje afastado.
“Além de serem poucos”, continua o observador privilegiado, que acompanhou o surgimento do Ministério da Defesa, “os militares nacionalistas e desenvolvimentistas estão desarticulados e o governo dispersa esses oficiais, oferecendo a eles postos bem remunerados, porém afastados do poder, em diretorias e conselhos das estatais, como Petrobras, Furnas, Eletrobras e outras”. Dessa forma, avalia, “eles não conseguem se organizar, para influir nos rumos do governo. Com isso, a maioria acaba se concentrando na própria sobrevivência”.
O caso dos Correios confirma essa informação. Quando um desses militares questionou as diretrizes subalternas e entreguistas do governo bolsonarista, foi imediatamente demitido.
Para entender como a maioria dos militares brasileiros deixou de lado posições nacionalistas e desenvolvimentistas, que caracterizaram as Forças Armadas no passado, para adotar um comportamento antipatriótico e entreguista, é preciso percorrer rapidamente a trajetória histórica das Forças Armadas brasileiras.
Exército brasileiro nasce das forças militares de Portugal
Diferentemente do que pensa o senso comum, as Forças Armadas brasileiras não surgiram na revolta contra a ocupação holandesa do Nordeste. A adoção da Batalha de Guararapes como marco inicial do Exército brasileiro foi uma invenção da propaganda getulista, que pretendia criar símbolos nacionalistas, para estimular o patriotismo em torno do governo e de suas instituições. Foi nessa época também – e pelos mesmos motivos – que o culto a Tiradentes foi fortalecido.
O Exército brasileiro, na verdade, surgiu como uma continuação das forças portuguesas, que acompanharam a monarquia de Portugal, quando a corte de Dom João VI fugiu de Napoleão Bonaparte.
O exército português, por sua vez, tem sua origem na revolta estimulada pelos britânicos, para separar Portugal da coroa espanhola. Como se sabe, os reinos de Portugal e Espanha foram unidos desde 1580, quando morreu Dom Sebastião, da prestigiosa dinastia de Avis; até 1640, época em que os ingleses, em guerra contra a Espanha, levaram ao trono um nobre da obscura família Bragança, Dom João II. A partir de então e até a Revolução dos Cravos, Portugal permaneceu como uma semicolônia britânica. O país passou a contar com a proteção das forças do Reino Unido e o exército português se organizou com uma força auxiliar do Império Britânico.
O Brasil, então, passou a ser uma colônia de uma colônia.
A própria fuga da família real para o Brasil ocorreu a bordo de navios da marinha do Reino Unido.
Na América do Sul, as forças portuguesas que vieram com o rei se dedicaram a cumprir missões determinadas pelos interesses do governo inglês, como a invasão da Guiana Francesa, em 1809, e os ataques ao Uruguai, em 1811. Ambas as operações seguiam diretrizes da coroa britânica, que pretendia impedir a França de obter bases de apoio para a sua marinha.
Quando os membros da monarquia lusitana fizeram o acordo familiar, que garantiu a independência do Brasil, o Reino Unido atuou como fiador e o Império do Brasil se instalou sob a proteção britânica. O Brasil, portanto, foi constituído como uma espécie de protetorado britânico, situação que durou até o enfraquecimento do Reino Unido, na Primeira Guerra Mundial. As guerras travadas pelo Brasil no período, inclusive o difícil conflito contra o Paraguai, atendiam aos interesses econômicos do Império Britânico. Outras operações militares do Brasil, na época, visaram reprimir movimentos políticos e populares internos.
As operações de repressão, especialmente contra os adeptos do beato Antônio Conselheiro, no povoado nordestino de Canudos, já na etapa republicana, entre 1896 e 1897, denunciaram a fragilidade do Exército brasileiro.
A defasagem técnica e doutrinária; evidenciada nas fracassadas operações de repressão interna; impediu a participação de forças terrestres brasileiras na Primeira Guerra Mundial, apesar da declaração de guerra contra as potencias centrais – Alemanha e Áustria-Hungria.
Logo que terminou o conflito, com características técnicas, táticas e um morticínio nunca visto antes na história, o governo brasileiro decidiu modernizar as Forças Armadas. Enquanto a Marinha continuou sob forte influência inglesa, o Exército contratou uma missão do país que fora o principal responsável pela vitória aliada nos campos de batalha: a França.
Franceses modernizam o Exército e estimulam o nacionalismo
A primeira missão francesa chegou um ano após o fim da guerra, em 1919, e ficou 20 anos no Brasil, somente encerrando suas atividades em 1940, quando a França foi derrotada e ocupada na Segunda Guerra Mundial.
Animados pelo importante papel da França na Primeira Guerra Mundial (os exércitos do país foram os principais responsáveis pela vitória aliada), os franceses procuraram aumentar o seu peso mundial. Uma das estratégias foi estimular o nacionalismo republicano nos novos estados nacionais, principalmente nas Américas Central e do Sul, para competir com a influência britânica e dos EUA. Dessa forma, as missões militares francesas resultaram em milionárias encomendas de armamento fabricado na França.
No Brasil não foi diferente, porém aqui o principal legado dos militares gauleses foi a formação de gerações de oficiais simpatizantes do republicanismo nacionalista e do desenvolvimento, para modernizar o país.
A qualidade da formação técnica oferecida pelos franceses era de nível excelente. Uma conversa com o falecido general Albuquerque, formado pela Missão Francesa, ilustra a qualidade técnica transmitida pelos instrutores gauleses. O general serviu como capitão de artilharia na Força Expedicionária Brasileira, que lutou na Europa. A artilharia brasileira adotava a doutrina francesa, segundo o então capitão, muito mais eficiente do que suas analogas estadunidense e britânica. Conforme lembra o general, “os americanos e ingleses desperdiçavam muita munição; pois ficavam disparando salvas de artilharia, durante horas ou dias e não acertavam o alvo”. “Nós dávamos três tiros, antes de começar a barragem de artilharia”, explica ele, “se o primeiro fosse muito atrás, corrigíamos a pontaria, caso o segundo atingisse adiante do alvo, bastava regular o ângulo da balística e o terceiro disparo com certeza ia na mosca; então começava a barragem e todos os obuses acertavam o alvo, sem desperdício de munição”.
Os alunos da missão francesa tiveram importante papel em todos os principais acontecimentos do país, desde o tenentismo, um movimento modernizador; passando pela revolução desenvolvimentista de 1930; as marchas nacionalistas que criaram a Petrobras, na década de 1950, até o golpe militar de rendição aos Estados Unidos de 1964.
Mesmo durante a ditadura militar, que foi produto do golpe de 1964, o núcleo de comando das Forças Armadas brasileiras, apesar do autoritarismo brutalmente repressivo, manteve um comportamento nacionalista e desenvolvimentista.
Doutrina dos EUA substitui a francesa e elimina o nacionalismo
O fim da missão francesa e a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial foi um demarcador de mudanças nas Forças Armadas do Brasil. A partir do maior conflito da história, os oficiais brasileiros passaram a ser formados pelos militares norte-americanos. Todas as concepções republicanas, nacionalistas e desenvolvimentistas trazidas pelos franceses foram abandonadas, sendo substituídas por um doutrinamento determinado pela Guerra Fria.
Na nova doutrina introduzida na jovem oficialidade brasileira, pelos seus mestres estadunidenses, não havia espaço para nacionalismos, o país deveria se alinhar a uma potência hegemônica, que liderava uma luta mundial contra um centro de poder hostil. O desenvolvimentismo também foi deixado de lado, pois na nova ordem os países deveriam cumprir determinadas funções e o papel do Brasil seria o de fornecedor de comida e matérias primas. Projetos como industrialização, autonomia tecnológica e parque bélico independente – coisas tão caras aos militares das gerações anteriores, inclusive os que governaram na ditadura – passaram ser ideias obsoletas.
A concepção de posicionar o Brasil como um país dependente, com uma economia meramente complementar, em um arranjo mundial hegemonizado pelos Estados Unidos, foi inclusive teorizado por intelectuais, como Fernando Henrique Cardoso, com a sua formulação particular da Teoria da Dependência, bastante distinta de seus criadores originais, como Theotônio dos Santos.
Os militares brasileiros que ascenderam ao poder com Bolsonaro, um mau militar, como o definiu o General Geisel, são imbuídos da concepção de que o mundo vive uma nova Guerra Fria. Com uma visão confusa da geopolítica, os oficiais das Forças Armadas do Brasil parecem acreditar que há uma guerra de civilizações, que coloca de um lado os Estados Unidos e, de outro, países como a China, Rússia, Irã, Cuba e Venezuela. A formação que receberam nas escolas militares, sob forte influência das doutrinas estadunidenses, leva os soldados brasileiros a acreditarem que o país deve escolher um lado nesse conflito mundial.
Definido o lado, obviamente o dos seus mentores, não há espaço para a preocupação com a manutenção de uma indústria bélica independente, pois pelo que aprenderam nas escolas militares que estudaram, as Forças Armadas brasileiras serão supridas com armamento das indústrias de seu aliado líder – obviamente, equipamentos obsoletos, como os Estados Unidos sempre fazem até mesmo com seus principais “aliados”.
A repressão ao “inimigo interno” é parte da nova doutrina
Para essa geração de militares, combater a centro esquerda e os movimentos populares está na essência dessa guerra. Na visão míope desses oficiais, somente os neoliberais e conservadores podem ser considerados “aliados”; todos os demais são inimigos, inclusive os democratas liberais e conservadores civilizados.
Os militares brasileiros são doutrinados, por seus mestres dos EUA, a ver o Brasil como um país minúsculo, que jamais terá um lugar entre as maiores nações do planeta. A doutrina da guerra de civilizações também exige que eles considerem grande parte da população como composta por inimigos a serem derrotados e controlados.
Com uma instituição importante como as Forças Armadas mantendo essa visão equivocada e deformada do mundo, o Brasil terá muitas dificuldades para consolidar sua democracia.
Dessa forma, no difícil trabalho de recuperação da democracia no Brasil, uma das principais preocupações a serem pautadas deverá ser a reorganização das Forças Armadas, que exige um novo paradigma de formação dos oficiais em novas bases independentes de qualquer influência externa, mais civilizadas, sofisticadas do ponto de vista geopolítico, democráticas e comprometidas com o Brasil.
*Evilázio Gonzaga é jornalista, publicitário, especialista em marketing e comunicação digital
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.