terça-feira, 16 de julho de 2019

Condeno bolsonaro a passar por um castigo indigena




16/07/2019

Governo Bolsonaro busca impedir maior participação de indígenas na ONU

Em Genebra, representação do governo brasileiro busca emperrar debate sobre participação direta de indígenas no Conselho de Direitos Humanos da ONU
Foto: Evan Schneider/ONU
Foto: Evan Schneider/ONU
POR TIAGO MIOTTO, DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI
O governo Jair Bolsonaro, em manifestação na Organização das Nações Unidas (ONU), buscou emperrar a discussão sobre uma maior abertura à participação de indígenas no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Na prática, ao defender que a discussão seja adiada, o governo tenta inviabilizar a participação indígena no Conselho.
Nesta segunda (15), o tema foi objeto de debate durante a 12ª sessão do Mecanismo de Peritos da ONU sobre o Direito dos Povos Indígenas (EMRIP, na sigla em inglês), que ocorre entre os dias 15 e 19 de julho, em Genebra, na Suíça. Há algum tempo, indígenas e organizações de apoio vêm lutando para que os povos originários possam ter representação direta no Conselho de Direitos Humanos da ONU, com uma metodologia que respeite suas particularidades culturais e formas próprias de organização.
Atualmente, organizações indígenas conseguem participar diretamente dos debates apenas em espaços específicos da ONU. É o caso da Relatoria Especial sobre Direitos dos Povos Indígenas, do Fórum Permanente sobre Assuntos Indígenas da ONU, sediado em Nova York, e do Mecanismo de Peritos sobre o Direito dos Povos Indígenas, que se reúne anualmente em Genebra.
“Diferente do que acontece no Fórum Permanente ou mesmo no Mecanismo de Peritos, que reconhece as organizações indígenas como suficientes e legítimas para participar, no Conselho de Direitos Humanos podem participar somente organizações com  status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social da ONU”, explica Flávio Vicente Machado, missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) regional Mato Grosso do Sul.
“Isso inviabiliza a participação destes povos em discussões que lhes são de extrema importância, como resoluções específicas, debates com relatores, criando uma série de burocracias e obrigando-os a trejeitos de participação que, na prática, acabam por desrespeitar inclusive o direito de consentimento destes povos em temas que lhe são de interesses”, afirma o missionário.
Pouquíssimas organizações indígenas tradicionais conseguem participar e contribuir com o Conselho de Direitos Humanos. A grande maioria dos indígenas que conseguem acessar a sessão o fazem por espaços cedidos por organizações não indígenas da sociedade civil.
“Fazendo frente a esta situação, o Cimi tem aberto seu espaço às lideranças, cedendo sua fala para elas, mas entendemos que isso está muito aquém do que é necessário. Defendemos que o Conselho de Direitos Humanos, órgão máximo que discute esse assunto na ONU, precisa assumir a representatividade indígena”, defende Machado.
A demanda tem sido apoiada pela União Europeia e por países como Suécia, Finlândia, Peru, México, Canadá, Bolívia, Austrália e Nova Zelândia, aponta o jornalista Jamil Chade. Na contramão, a representação do Brasil defendeu que o tema já está sendo discutido pela Assembleia Geral da ONU, em Nova York, e que é necessário “evitar a proliferação de negociações em diferentes fóruns”.
A representação brasileira no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas apontou, ainda, que acha melhor que se busque “uma solução sistêmica” e que, no debate sobre a participação indígena, é necessário levar em conta “as discussões em curso acerca da promoção da eficiência” no Conselho – uma indicação de que, para o governo Bolsonaro, a participação direta de indígenas seria pouco eficiente.
“O Brasil não quer a participação dos povos indígenas no Conselho de Direitos Humanos. Isso é muito preocupante, diante de todos os processos de violação que a gente já vem passando”

Durante sua manifestação na sessão do Mecanismo de Peritos, no mesmo dia, o Cimi apontou propostas para a superação do que considera serem “obstáculos sérios” à participação dos povos indígenas no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Entre esses obstáculos estão as línguas oficiais da ONU, que são apenas seis e “não são faladas por grande parte dos povos indígenas”, e o fato de que a obtenção do status consultivo nas Nações Unidas é especialmente difícil para as organizações indígenas.
“As formas próprias por meio das quais os povos indígenas se organizam para lutar por seus direitos devem estar refletidas nos processos de participação no Conselho”, afirmou, em nome do Cimi, o representante da entidade em Genebra, Paulo Lugon Arantes.
O Cimi defendeu, ainda, que o Conselho trabalhe de forma mais detalhada no assunto, para avançar no desenvolvimento de mecanismos que facilitem a participação dos povos originários e, inclusive, permitam seu diálogo e incidência nos espaços informais do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra.
“Encorajamos o desenvolvimento de uma metodologia específica, em conjunto com os povos indígenas, identificando os principais desafios para a participação, respeitando o protagonismo indígenas, de acordo com suas necessidades culturais e espirituais específicas e prioridades de participação no Conselho”, apontou a entidade.
A indígena Rayanne Baré, que está em Genebra representando a Rede de Juventude Indígena (Rejuind) durante as atividades do Mecanismo de Peritos da ONU, avalia que a posição do governo brasileiro é preocupante. “O Brasil não quer a participação dos povos indígenas dentro desse espaço do Conselho de Direitos Humanos. Isso é muito preocupante, diante de todos os processos de violação que a gente já vem passando”.

12ª SESSÃO DO MECANISMO DE PERITOS DA ONU SOBRE O DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS15-19 DE JULHO DE 2019
Intervenção Oral do Conselho Indigenista Missionário – Cimi
Por Paulo Lugon Arantes

Senhora Vice-Presidente,
Saudamos a realização deste importante diálogo interativo.
Reconhecemos e agradecemos o trabalho de Erika Yamada na presidência do Mecanismo e continuamos a apoiar seu trabalho agora como membra desse órgão.
De nossa experiência no Conselho de Direitos Humanos, há obstáculos sérios para uma participação direta dos povos indígenas. Por um lado, as seis línguas oficiais das Nações Unidas não são faladas por grande parte dos povos indígenas. Por outro lado, se a obtenção do estatuto Ecosoc torna-se cada vez mais difícil em um contexto de restrição do espaço da sociedade civil, as dificuldades de sua obtenção para as organizações indígenas são multiplicadas, com apenas poucas destas organizações conseguindo a sua obtenção.
Não obstante, embora estes obstáculos sejam hipoteticamente superados, as formas próprias por meio das quais os povos indígenas se organizam para lutar por seus direitos devem estar refletidas nos processos de participação no Conselho.
Valorizando os passos já tomados, cremos ser oportuno que as instituições de Genebra trabalhem mais detalhadamente sobre tal processo de facilitação. Concretamente, encorajamos o desenvolvimento de uma metodologia específica, em conjunto com os povos indígenas, identificando os principais desafios para a participação, respeitando o protagonismo indígenas, de acordo com suas necessidades culturais e espirituais específicas e prioridades de participação no Conselho, incluindo participação nas negociações informais e modalidades de credenciamento. Também seria importante considerar maneiras de facilitar a participação intersecional indígena, para que sua incidência seja sustentável e de longo prazo. O Mecanismo de Povos Indígenas e o Fórum Permanente são experiências exitosas que podem inspirar o Conselho.
Muito obrigado.

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O determinismo juspolidireitismo

Vaza Jato: Suspeição é nulidade absoluta, diz jurista
Brasil de Fato16 de julho de 2019 11:04


Streck: “as pessoas foram se acostumando com a ideia de que os fins justificam os meios” / Foto: reprodução TVT
Uma das vozes mais críticas à politização do Judiciário, o jurista Lenio Streck, professor titular da Unisinos/RS e da Universidade Estácio de Sá/RJ, questiona a tradição jurídica autoritária brasileira.
Lenio Streck observa que o punitivismo embalou com o Mensalão e encontrou “a tempestade perfeita” na Lava-Jato. Respondendo sobre Sérgio Moro e os diálogos publicados por The Intercept Brasil, repara que a suspeição do juiz implica em “nulidade absoluta” do processo. Acentua que os magistrados não podem interpretar a Constituição ao seu bel prazer, sugere ao STF exercer, de fato, seu papel de guardião da Lei Maior e avisa que os juristas que, no passado, defenderam o autoritarismo simplesmente desapareceram. Adverte, ainda, que uma História verdadeira costuma castigar quem se coloca contra a democracia.
Brasil de Fato - Em que momento da vida jurídica brasileira o garantismo perdeu a parada para o punitivismo? Como se chegou a isso e como o Brasil vai sofrer as consequências?
Lenio Streck - A pergunta é: algum dia o garantismo havia triunfado? Há nichos garantistas, contudo, o grosso das práticas judiciais ainda é punitivista. Trata-se de uma tradição jurídica autoritária que nunca se tornou garantista, tendo, apenas, inclusões pontuais de concretizações garantistas. Uma breve digressão histórica demonstra que desde as Ordenações Filipinas, passando pelos códigos processuais penais estaduais e pelo vigente código de processo penal de 1941, produto legislativo do autoritário Estado Novo e inspirado pelo Código Rocco italiano - feito em plena ditadura de Mussolini, há essa tradição. Não vivemos em um período ditatorial, contudo, há brechas dentro do sistema criminal pelas quais transpassam atos autoritários que impedem a realização dessa concepção democrática. Por garantismo, quero dizer: fazer democracia e processo por meio do direito. A lei só pode ser aplicada se for constitucional. Contudo, vige um ideal de Direito Processual Penal máximo e de um Direito Penal de combate, voltado à punição de crimes graves. Nesse contexto, há um imaginário punitivista que ganhou fôlego com o Mensalão. Na verdade, o direito brasileiro, como escrevi à época, é AM-DM (antes do mensalão e depois do mensalão). Depois veio a Lava Jato, que encontrou uma tempestade perfeita. As pessoas foram se acostumando com a ideia de que os fins justificam os meios. As consequências disso são terríveis: a normalização do desrespeito das garantias.
BdF - O que restará do Judiciário brasileiro após a publicação, daqui há algumas semanas ou meses, da última reportagem de The Intercept Brasil? É algo que não se refere apenas ao ex-juiz Sérgio Moro, mas acaba envolvendo outros juízes de 1ª instância, o TRF4, o STJ, o STF, etc.
Streck - Bom, não sou pitonisa. Caso fosse, ganharia na loteria. Diria que já existem elementos que mostram que o juiz não agiu com imparcialidade. Ele e o MP, em conjunto, praticaram lawfare, que é o uso político do direito contra adversários. Já escrevi muito sobre isso.

Nas democracias, depois que a constituição e as leis estão votadas e aprovadas, o intérprete não pode interpretar esse "produto" do modo que quiser. Juízos morais e políticos não podem corrigir o direito. Claro que se a lei for inconstitucional, o juiz não deve aplicá-la.
BdF - O STF ainda pode salvar a si mesmo e salvar o Judiciário brasileiro? O que precisaria fazer para tanto?
Streck - O STF precisa fazer uma coisa simples: assumir uma interpretação ortodoxa da Constituição. Não se trata de salvar ninguém. Trata-se de ser, efetivamente, o guardião da nossa Carta Magna. Esse, inclusive, é o caminho adequado para concretizarmos a postura garantista da questão anterior. A Constituição constitui, falei há mais de 20 anos em um congresso no Rio de Janeiro.
BdF - Depois de tantas soluções sinuosas do Judiciário, sobretudo da corte suprema, condenando ou absolvendo de acordo com o réu, a Constituição de 1988 ainda comanda o país ou a "lei maior" deriva dos humores e pendores dos juízes, desembargadores e ministros?
Streck - O Direito é produto das injunções morais, políticas e econômicas da sociedade. Desses desacordos nasce a lei e a Constituição. Qual é o problema? Nas democracias, depois que a constituição e as leis estão votadas e aprovadas, o intérprete não pode interpretar esse "produto" do modo que quiser. Juízos morais e políticos não podem corrigir o direito. Claro que se a lei for inconstitucional, o juiz não deve aplicá-la. Entretanto, se a lei é constitucional, o juiz não só pode como deve aplicá-la. Por exemplo, o artigo 283 do Código de Processo Penal diz, claramente, que todos os acusados possuem direito à presunção da inocência. No entanto, a interpretação que o STF vem dando é mais moral e política do que jurídica.
BdF - Sei que, a exemplo do general Heleno, o senhor não tem bola de cristal, mas arriscaria prever qual o papel que a História atribuirá ao Judiciário brasileiro e ao MPF nos acontecimentos desta década no futuro
Streck - Hum, hum. A história é uma ciência implacável, desde que ela não seja substituída por pós-verdades. Em tempos de fakenews, a cada dia a história vem sendo reescrita. Golpe vira movimento, tortura vira "ameaça necessária", nazismo vira movimento de esquerda, etc. Uma história autêntica castiga aqueles que se colocam contra a democracia. No direito, quem viola as garantias constitucionais recebe duro tratamento. Veja-se alguns juristas brasileiros defensores do autoritarismo que desapareceram. Alguns ministros de cortes superiores, passados há tão poucos anos, face às suas posturas autoritárias, já vem sendo esquecidos pelas pessoas. Mas são registrados pela história.
BdF - Qual foi sua reação ao ler os diálogos de Sergio Moro com os procuradores? Ou não ficou nem um pouco surpreso?
Streck - Nós já sabíamos. Jornalistas e jornaleiros já sabiam de tudo. Não me surpreendi.
BdF - Os diálogos publicados por The Intercept demonstram, em muitos momentos, que Sergio Moro foi, no mínimo, um juiz suspeito. Neste caso, suas decisões são nulas
Streck - O Código de Processo Penal, que ainda vale (risos), diz que suspeição é nulidade absoluta. Simples assim. Não se diga que, por serem os diálogos fruto de prova ilícita (diz-se, mas não está ainda comprovado que foram produtos de hackeamento), essa prova não serve para beneficiar o acusado. Desde décadas a justiça aceita prova ilícita em favor do réu. Simples assim.
Edição: Marcelo Ferreira
Este conteúdo foi originalmente publicado na versão impressa (Edição 17) do Brasil de Fato Rio Grande do Sul.