segunda-feira, 22 de julho de 2019

A Perversão eleita por perversos

Escondido e minimizado na eleição, lado "real" de Bolsonaro ressurge com força

Yahoo Notícias
O presidente Jair Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro

“Faz muito tempo”, “ele não pensa mais assim” e “não é de coração” foram, provavelmente, as frases mais repetidas pelos brasileiros entre setembro e novembro de 2018.

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Naquele momento, a conversa começava a se desenhar em gráficos de pesquisas eleitorais que indicavam a vitória, nas urnas, de um dos mais perversos personagens já paridos pela política nacional.
Em tempos de avalanche de informação e desencanto com o mundo real, que catapultou e produziu também desinformações em velocidade inédita pelas redes, essa perversidade passou a ser interpretada como coragem para enfrentar problemas sobre os quais Jair Bolsonaro jamais se debruçou com seriedade em três décadas de carreira política, sobretudo a questão da segurança pública.

Leia mais no blog do Matheus Pichonelli


Às vésperas da posse, um motorista de Uber me justificava o voto com uma grande esperança: “o velho Bolsonaro era um personagem pra chamar a atenção. Pode anotar aí: assim que ele assumir, vai ser outra pessoa. Vai se comportar como presidente e parar de graça”.
A fala era recorrente. Do meu circulo de relacionamento, muita gente dizia votar no capitão APESAR de seu histórico até então classificado como “polêmico”, e não POR CAUSA desse histórico.
Não que não houvesse, como há, entusiastas da versão mais furiosa do personagem. Em um país mediado por exclusões e preconceitos, era clara a identificação de certos grupos com o discurso bolsonarista, como a defesa do armamento da população e o desprezo, mal disfarçado, sobre feministas, movimentos negros, população LGBT e quem quer que discordasse de sua visão torta da realidade, automaticamente associada ao lado de lá da cortina de ferro derrubada em 1989.
Mas só o apoio desse grupo não era suficiente para ganhar a eleição. Era preciso convencer os eleitores de centro - avessos, cansados ou empobrecidos pela crise econômica iniciada no governo Dilma - de que a projeção do poder traria também noções básicas de respeito ao cargo que aquele candidato “polêmico” ocuparia em breve. Isso exigiria uma capacidade de convívio com o contraditório e um espírito republicano que ele jamais havia demonstrado na vida púbica. Não custava torcer, diziam os esperançosos.
Já de olho nas eleições, uma das últimas aparições do Bolsonaro-raiz aconteceu em 2017, quando discursou no clube Hebraica, no Rio de Janeiro. Entre outras pérolas, o então deputado disse que o Brasil não poderia “abrir as portas para todo mundo” e questionou: “Alguém já viu algum japonês pedindo esmola? É uma raça que tem vergonha na cara!”.
No auge da campanha, quando as chances de vitória eram palpáveis, entrou em cena um candidato mais discreto e avesso à verborragia. Que não só evitava divididas como censurava o candidato a vice, general Mourão, quando entrava em temas polêmicos.
O atentado a faca, em Juiz de Fora, no auge da campanha, deu a Bolsonaro uma trégua na demonização desenhada por adversários (Geraldo Alckmin, do PSDB, puxava a fila) e o impediu de participar de debates. Em um deles, pré-atentado, ele havia tomado uma lambada de Marina Silva (Rede) ao se meter num assunto que diz conhecer: religião.
O fato é que, durante boa parte da eleição, o Bolsonaro real ficou de escanteio, por oportunismo ou pelas condições atípicas da disputa.
De alguma forma, ele parecia ser o postulante adequado para a disrupção exigida pelos eleitores por supostamente ser diferente de todos - essa distância, na verdade, era só a desfaçatez de quem desancava, para delírio da plateia, a classe política da qual fazia parte havia três décadas.
Eleito, recuperado, confiante e com moral após da reforma da Previdência, uma das poucas condições impostas pelos investidores em seu apoio, Bolsonaro voltou a se comportar, dez meses depois, como o deputado do baixo clero que profere barbaridades como quem faz piada em velório. Virou o que boa parte dos eleitores temia ou se negava a temer: um touro na loja de cristais.
Na última semana, ele engatou um sprint e produziu barbaridades que sequer os mais notáveis opositores tiveram tempo de assimilar, reproduzir, comentar.
Em poucas horas, ele se referiu aos governadores do Nordeste como “paraíbas” e declarou que “o pior deles” era Flávio Dino, do Maranhão. (Depois tentou se justificar, mas o remendo, com outra grosseria sobre a repórter que lhe questionara, saiu pior que o estrago: “Pelo amor de Deus, né. Se eu te chamar de feia agora, acabou o mundo. Todas as mulheres vão estar contra mim”).
Ele disse que era uma piada dizer que alguém passa fome no Brasil, defendeu o fim da multa de 40% sobre FGTS em caso de demissão do trabalhador sem justa causa, mas negou que haja um projeto, somente um estudo, sobre o assunto.
Também disse que quer beneficiar o filho, sim, ao comentar a chance de nomear Eduardo Bolsonaro embaixador nos EUA, agrediu gratuitamente os produtores do filme “Bruna Surfistinha” e flertou com a censura ao dizer que se a agência nacional de cinema não puder ter filtro, será extinta ou privatizada.
Como se fosse pouco, ele decidiu caluniar uma das mais respeitadas jornalistas do país, inventando a história de que Miriam Leitão queria aderir à guerrilha do Araguaia para implantar uma ditadura esquerdista no Brasil, e ouviu um sermão da TV Globo em rede nacional.
Por fim, contestou dados de desmatamento registrados pelo Inpe, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que estaria “a serviço de algumas ONGs”.
As respostas do presidente do instituto, Ricardo Magnus Osório Galvão, são dignas de quem tem alguma visão aérea sobre a devastação mental por que passa o Brasil: "Ao fazer acusações sobre os dados do Inpe, na verdade ele faz em duas partes. Na primeira, ele me acusa de estar a serviço de uma ONG internacional. Ele já disse que os dados do Inpe não estavam corretos segundo a avaliação dele, como se ele tivesse qualidade ou qualificação de fazer análise de dados".
“Ele tomou uma atitude pusilânime, covarde, de fazer uma declaração em público talvez esperando que peça demissão, mas eu não vou fazer isso.”
Para Galvão, Bolsonaro tem tido um comportamento típico de um garoto de 14 anos demonstra não respeitar “a dignidade e liturgia da Presidência”.
A análise é compartilhada pelos eleitores ouvidos pelo Datafolha no começo do mês. Apenas 22% acreditam que Bolsonaro age como um presidente deveria se comportar. Um em cada quatro entrevistados dizem o contrário.
Mais: para 4 em cada 10 brasileiros, ele não fez nada de muito positivo ou que mereça destaque em seus seis meses de governo.
Querendo ou não, o presidente do Inpe vocacionou o que os institutos de pesquisa começam a apontar - e explicou as razões. Em poucas palavras, Bolsonaro foi chamado de ignorante, covarde e pusilânime por um servidor que se tornou alvo de sua verborragia – tudo isso poucos dias antes de vazar a conversa de procuradores da Lava Jato sobre como ficaria o discurso anticorrupção de Sergio Moro após a descoberta de que esse discurso poderia acertar o filho do chefe e o próprio chefe.
Como resumiu o jornalista Leandro Beguoci, em sua conta no Twitter, Bolsonaro não quer presidir o Brasil. Ele quer presidir uma versão que ele criou do país. “Nesta versão, não tem fome, nepotismo é liberado, floresta é pra cortar e os maiores problemas nacionais são as propagandas do BB, o filme da Bruna Surfistinha e a tomada.”
A realidade paralela de Bolsonaro é parte do pacote da versão real do presidente que, escondida nas eleições, agora não vem a público mostrar que é o que sempre foi.

Os Demônios chegam dos EE.UU.

Evangélicos X Esquerda (Os demônios descem do Norte), por Armando Coelho Neto
GGN22 de julho de 2019 09:58


Evangélicos X Esquerda (Os demônios descem do Norte)

por Armando Rodrigues Coelho Neto

Os templos evangélicos nas periferias, favelas e rincões do país afora, por serem tantos, já concorrem com botequins. Exageros à parte, devido à acidez desse texto contra o lado podre religioso, é imprescindível preservar a imagem de missionários bem intencionados. Destacar o papel na reinserção social de presos e dependentes químicos ou mesmo lembrá-los controvertidos “prontos socorros de Jesus” – abertos durante a madrugada para acolher desesperados. Quem acolheria psicológica e espiritualmente essa gente naquelas circunstâncias? Ressalva feita…
Jogo sujo. Em 17 de dezembro de 2016 conversei com uma pessoa muito próxima ao tucanato. Lembro da data por ser festa de aniversário de minha formatura em Direito. Lá pras tantas, a conversa resvalou para a política e meu interlocutor disse: “Não temos a menor preocupação com Lula. Esse, a gente tira de cena na hora que a gente quiser. Nossa preocupação é a união em curso entre Bozo e os evangélicos”. O tucano não usou a palavra Bozo. Mas minha mãe me ensinou a não tratar satanás pelo nome para não atrair maus fluidos.
A temida união aconteceu. Bozo era, e é, o candidato do golpe, mas a mídia entreguista pensou que ridicularizando o Coiso e demonizando Lula elegeria um tucano. Mas, na eleição fraudulenta (não necessariamente por contagem de votos, mas no processo em si), Bozo sagrou-se vitorioso. Sobre isso, publiquei neste GGN o papel dos evangélicos, lembrando que o IBGE projetou para 2018 um total de 38,6 milhões de eleitores evangélicos. Já a pesquisa do Datafolha atestou ou sugeriu que certamente metade dos evangélicos votaria no Bozo. Ou seja, mais de 19 milhões de votos.
Abertas as urnas, com apoio dos evangélicos, o Coiso “venceu” formalmente Haddad por 11 milhões de votos.
Volto ao assunto por ter em mãos a obra ‘Os Demônios Descem do Norte’, escrito por Decio Monteiro de Lima (Livraria Francisco Alves Editora S\A, 1991), que já à época trazia preocupante informação. “Só em São Paulo existe um prédio, o mesmo que abriga o Missionary Information Bureau… quase inteiramente ocupado por sede de organizações americanas que se dedicam a …ampla ofensiva político-partidária”. O Brasil já contava naqueles tempos com 59 grupos transconfessionais dos Estados Unidos. Ele cita grupos nacionais com o equivalente americano.
A obra detalhista revela que “Todas as transconfessionais americanas estabelecidas no Brasil adotam a mesma estratégia marcada por assistencialismo, proselitismo de viés conservador, sentimento anticomunista, tendo os Estados Unidos como maior referência. As populações mais carentes são os alvos, e sequer as comunidades indígenas escapam. Com dados da época, revela que, pelo menos, 25 agências religiosas protestantes se dedicavam à conversão de índios. O movimento religioso teria ou tem por trás não apenas grandes empresas internacionais, mas também agências de espionagem.
No caso da população indígena a meta essencial seria introjetar valores inerentes ao ‘american way of life’, com reflexos “conturbadores da ordem tribal”. Pelo menos na área indígena, uma organização religiosa fundamentalista de nome “Instituto Linguístico Verão” teve papel importante. Segundo o autor, tal entidade com sede na Califória (EUA) teve problemas com os governos do Peru, México, Colômbia e Venezuela entre outros, acusada de adulterar textos bíblicos para facilitar a dominação ideológica e econômica, bem como de cooperar com militares na repressão às guerrilhas naqueles países.
O Instituto Verão teria experiência na tradução da Bíblia para centenas de línguas e dialetos, em mais de 40 países, desde 1934. Com base em Brasília, contando com uma frota de aviões e missionários profissionais no Brasil, é fácil o deslocamento até para áreas remotas. Para o autor, a presença de biólogos, geólogos, engenheiros, topógrafos e outros técnicos em áreas indígenas sugerem interesses estranhos, numa área rica fonteiriça com Colômbia, Venezuela… Parte das terras, diz o autor, já compradas por multinacionais.
Em ‘Os demônios descem do norte’, Delcio Monteiro de Lima enfatiza o papel do fundamentalismo religioso, não apenas em áreas indígenas, mas também e sobretudo em áreas carentes. Com foco na política e na economia, grupos evangélicos teriam financiamento externo, capazes de manter unidades educacionais primárias, secundárias, superiores, além de editoras de livros, jornais. Com capital de grande porte, controla hospitais, clínicas, mantém lanchas, aviões… Como contribuição pessoal, ouso registrar a presença dos evangélicos em rádios e televisões, inclusive comunitárias, além daquelas que a PF chama de “piratas”.
O autor ressalva o papel dos missionários íntegros, mas repudia grupos fundamentalistas vindos dos Estados Unidos que confundem cristianismo com americanismo, muitos dos quais sem que se saiba quem os financia. E aqui, tomo a liberdade de falar dos templos faraônicos, em cujos topos posam helicópteros, e engravatados já foram vistos saindo com malas que se presumem conter dinheiro.
O teor da obra provoca revolta, espanta pessimistas, mas abre caminho para realistas. De há muito interesses estranhos infiltrados em missões religiosas se consolidam no país. Há um casamento entre o governo do golpe e os geólogos e biólogos em solos que escondem de ouro a nióbio. É como se tivesse chegado a hora de recuperar o investimento feito. A obsessão do Bozo em entregar o Brasil soa como amarração de pontas. E o beijo na bandeira americana pode ter sido o sinal de que efetivamente os demônios descem do Norte.
O pleito eleitoral do ano passado deixa claro o desafio da esquerda satanizada na batalha eleitoral. A direita sempre deteve o capital, as armas, controle ideológico das instituições. Se tem a grande mídia e um contingente religioso absolutamente manipulável, por que estaria a perder eleições?
O sentimento antipetista está consolidado, e nem as revelações do The Intercept são capazes de abalar o curso das coisas, a escalada fascista. O destino político do Brasil pode depender de um percentual de evangélicos que é voto de cabresto. Nessa condição de fiel da balança, está claro o desafio dos partidos de esquerda. Para a esquerda está um pouco tarde, mas talvez ainda valha a pena começar criando prontos socorros de Jesus, ou quem sabe…
Armando Rodrigues Coelho Neto – advogado e jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo.
e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.