sexta-feira, 22 de novembro de 2019

SOU DE ESQUERDA

"Eu nasci num berço privilegiado. Tive uma educação conservadora, fui evangelizada nos preceitos do espiritismo, estudei nos melhores colégios particulares de Curitiba e casei com um médico aos 19 anos. Fui bela, recatada e do lar. Votei no Serra. Achava que o sistema de cotas era vitimismo.

Falava que era feminina, jamais feminista. Repetia a máxima: não dê o peixe, ensine a pescar. Já achei Bolsa Família uma máquina de produzir pobres preguiçosos. Já fiz piada sobre nordestinos e baianos e já acreditei em "racismo reverso".

Também já falei que sucesso escolar dependia de escolhas e levantava a bandeira da meritocracia como se ela fosse um mecanismo das leis da natureza, simples assim. Nos almoços de família, sentia minhas teorias sobre a "grande mudança social" validadas por pessoas que pensavam como eu. Os churrascos eram agradabilíssimos.

Um belo dia, aceitei uma proposta de trabalho, lá no interior de Goiás, para fundar e administrar um projeto social que atendia crianças e adolescentes da periferia de Rio Verde. Foi a primeira vez que aquelas teorias vociferadas no churras de domingo foram postas à prova. Era o meu momento de mostrar pro mundo que, com 27 anos, eu sabia exatamente o que estava fazendo. Bom, eu não sabia. E como não temos uma temporada da Netflix pra desenvolver esse post aqui, basta dizer: MINHAS TEORIAS CAÍRAM POR TERRA.

Caíram por terra quando um aluno recém chegado da Paraíba com uma vontade enorme de estudar era obrigado a entregar drogas na vizinhança sob ameaça de que suas irmãs seriam estupradas se ele não o fizesse - a polícia fazia parte do esquema - descobri que esforço pessoal não era o problema desse garoto.

Caíram por terra quando eu encaminhei alunos pra estágio de jovem aprendiz e, de um grupo de 4 adolescentes, somente o menino negro não conseguiu entrar, apesar de ter competências muito semelhantes às dos colegas. Caíram por terra quando um aluno (veja só, também negro) desapareceu pq foi trancado E ESQUECIDO numa sala de aula como método corretivo por não ter copiado a tarefa de matemática. - descobri que o racismo é um fenomeno estrutural e institucionalizado e que as especificidades da população negra exigem políticas de ação afirmativa, como as cotas, que tentam diminuir as desigualdades e restituir direitos negados há seculos.

Caíram por terra quando eu dei colo pra uma menina que só dormia em sala de aula e com péssimo rendimento escolar porque ela fazia todo o trabalho doméstico para os homens da casa, além de ser abusada sexualmente pelo avô todas as noites - descobri que a violência contra meninas é uma questão de gênero e que o olhar feminista é imprescindível para entender e enfrentar esse fenômeno.

Caíram por terra quando eu soube que nenhuma das famílias atendidas havia parado de trabalhar para receber 90 reais de Bolsa FAmília, mas que esse valor era muito importante para complementar a renda no mês - descobri que as exigências educacionais e as condicionalidades na área da saúde eram cumpridas pelas famílias - criança na escola, vacinas em dia e acompanhamento do crescimento no posto de saúde.

Caíram por terra quando fui no hospital visitar 2 alunos, irmãos, negros, atingidos por bala perdida, um deles ficou paraplégico - descobri que jovens negros são exterminados, EXTERMINADOS no Brasil.

Caíram por terra quando minha aluna mais querida caiu nas garras da exploração sexual e passou a cometer delitos, na tentativa de fugir dos abusos que sofria de todos os homens da família dela.

Foram 10 anos de Escola de ser. E foi lá que eu conheci um pouco do mundo como ele é. É muito fácil defender uma visão política toda trabalhada na meritocracia e bem estar individual quando você faz três refeições por dia, tem casa própria, um salário razoável e uma boa perspectiva de futuro. Eu já estive nesse lugar e me sinto profundamente constrangida por isso.
Não sou especialista em Sociologia, Economia, Política e Direito, mas hoje meu posicionamento político é baseado na minha experiência profissional e em todas as leituras que dedico para entender o cenário político atual, de grandes e renomados estudiosos, juristas, pensadores, assim como me interessa ouvir o que as minorias constantemente atingidas pela desigualdade social têm pra falar e reivindicar. Não me sinto a dona da verdade por isso, mas entendo que esse esforço me aproxima de uma visão de mundo mais coerente, realista, responsável e conectada com o coletivo.

O Brasil tem uma história colonialista, escravocrata, conservadora, militarista que mostra uma inclinação antiesquerdista predominante, da qual eu quero distância, nem que isso custe os churrascos com amigos, uma vida mais solitária (porém mais coerente) e xingamentos inbox.
E embora eu não santifique Lula nem venere o PT, eu sou de esquerda. ESQUERDA. Nesse contexto, desde o impeachment de Dilma à prisão de Lula, repudio todo o processo que culminou num golpe que flerta com a ditadura, num despotismo judicial concretizado numa condenação sem provas e na constante ameaça ao Estado democrático de direito.

Eu reafirmo a minha posição: SOU DE ESQUERDA."

Caroline Arcadi

O que é o poder

Frente ao imperialismo é necessário tomar medidas defensivas e que, para os revolucionários, nada é mais importante que manter o poder. Fora do poder não existe possibilidade de mudanças radicais na vida do povo trabalhador. 



Porque Bolívia e Venezuela não tem indústria?
diarioliberdade22 de novembro de 2019 11:01




[Jones Manoel] 
Em 2015 tive a oportunidade de ler uma longa entrevista do filósofo e historiador italiano Domenico Losurdo. A certa altura da entrevista, Losurdo é perguntado sobre a democracia em Cuba e se ele não é crítico “ao partido único” e, ao que o entrevistador chama, de “déficit de democracia”. Losurdo apresenta uma resposta corajosa, ousada e que mudou radicalmente minha forma de ver a política.
O italiano diz abertamente que frente ao imperialismo é necessário tomar medidas defensivas e que, para os revolucionários, nada é mais importante que manter o poder. Fora do poder não existe possibilidade de mudanças radicais na vida do povo trabalhador. Em seguida, Losurdo afirma que os que estão preocupados com a democracia em Cuba, devem defender, em primeiro lugar, o fim do bloqueio, agressões, sabotagens, pressões diplomáticas e afins dos Estados Unidos contra Cuba. O que os Estados Unidos querem, segundo o filósofo, é um sistema político que permita que o poder do dinheiro e dos meios de mídia privados possam ser exercidos na ilha da Revolução. Para Losurdo, criticar os supostos “déficits de democracia” em Cuba fora de um quadro histórico-concreto das agressões imperialistas é uma forma de ceder a ideologia dominante.
Losurdo continua a reflexão e mostra que em toda tradição liberal existe a teoria do Estado de exceção e da ditadura em momentos de emergência. O liberalismo nunca duvidou que “fora do poder, tudo é ilusão”. Ainda afirma que grandes pensadores modernos, como Hegel e Alexander Hamilton, desenvolveram a teoria de que fora de uma situação de segurança geopolítica, isto é, com a ameaça de guerra pairando no horizonte, é impossível imaginar o livre desenvolvimento de formas democráticas. Para Losurdo não resta dúvidas: a burguesia, por trás de toda sua reflexão sobre “limites ao poder” e legalidade, nunca descuidou de construir uma superestrutura jurídica-política, e uma filosofia de justificação correspondente, para garantir o poder em momentos de crise nacional. Por que os trabalhadores, no poder, não poderiam fazer o mesmo?
Aqui entra o aspecto ideológico da questão. A burguesia permite que os trabalhadores chorem por seus mártires mortos, fora do poder. Aliás, uma longa tradição do “Marxismo Ocidental”, diz que seu principal mérito foi não ter exercido o poder, transformado o marxismo em “ideologia de Estado”. Por isso, a burguesia acha lindo chorarmos pelos Allende’s e Rosa’s Luxemburgo’s, mas sofre de horror se reivindicamos Stálin, Mao, Fidel, Kim Il-sung etc. Temos que ser o eterno Davi na luta permanente contra o Golias. Não podemos, nós, termos armas. Devemos sempre, a todo momento, ser o povo do deserto, vagando, sofrendo, oprimido. Temos que louvar um povo destituído de tudo, como o Palestino, mas recusar outro povo com a mesma luta do palestino, mas que tem... uma bomba atômica (falo, é claro, da Coreia Popular).
Não vou julgar ou criticar Evo e os dirigentes do MAS. Não tenho capacidade de avaliar se foi a melhor tática. Mas não podemos nos achar moral e eticamente superiores a burguesia por causa da renúncia de Evo em comparação, por exemplo, com Sebastián Piñera, que se mantém no poder a base de sangue. O poder, em última instância, é a capacidade de impor sua vontade a outras classes e grupos sociais a partir da força. Ele, o poder, não só é a boca de um fuzil, mas é, fundamentalmente, a boca de um fuzil. Em momentos de crise, quem define a exceção, cria a nova regra.
Aprendi com Losurdo que nossos mártires devem ser lembrados e honrados, mas os que vivem e dirigem o nosso povo, merecem o mesmo. Amo Che Guevara, mas amo mais ainda Fidel Castro. No realismo político a moral não é desimportante. Ela é fundamental na luta pela conquista e conservação do poder. Mas só com a moral, sem o poder, tudo é ilusão. Mas não queiram sempre chorar os nossos mortos. Desejem, assim como os bolcheviques, cortar a cabeça da família real. Classe dominante expurgada não realiza golpe de estado.

Petrobrás vende refinarias

A Petrobras iniciou a fase vinculante para a venda de quatro das oito refinarias e logísticas associadas


A Petrobras iniciou a fase vinculante para a venda de quatro das oito refinarias e logísticas associadas ofertadas ao mercado, como parte de um amplo plano para se desfazer de metade de sua capacidade de refino do país, informou a companhia em comunicado nesta sexta-feira.
Nessa primeira etapa, serão vendidas as refinarias Rnest, em Pernambuco; Rlam, na Bahia; Repar, no Paraná; e Refap, no Rio Grande do Sul, assim como seus ativos logísticos correspondentes.
Os potenciais compradores classificados receberão nessa fase vinculante carta-convite com instruções detalhadas sobre o processo de desinvestimento, incluindo orientações para a realização de due diligence e para o envio das propostas.
O desinvestimento é o maior em curso atualmente pela Petrobras, que tem um bilionário programa de venda de ativos que busca levantar recursos para reduzir dívidas, enquanto volta seu foco para ativos de grande rentabilidade, essencialmente as áreas do pré-sal.
Além disso, o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, defende o fim do monopólio da petroleira, que detém quase 100% do mercado de refino brasileiro.
O executivo disse anteriormente que mais de vinte companhias se apresentaram como interessadas na primeira fase do programa de vendas. Alem disso, ele prevê que as vendas possam começar a ocorrer até março de 2020.
As demais refinarias colocadas a venda são Refinaria Gabriel Passos (Regap), em Minas Gerais; Refinaria Isaac Sabbá (Reman), no Amazonas; Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (Lubnor), no Ceará; e Unidade de Industrialização do Xisto (Six) no Paraná.
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quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Colégio é acusado de aplicar prova com conteúdo homofóbico

Entre as 50 questões do questionário, é possível encontrar as seguintes perguntas: “a pessoa nasce ou se torna homossexual?”, “a bíblia condena a relação homossexual?” “homossexualismo tem perdão?”, “como evitar o homossexualismo?”
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Colégio adventista é acusado de aplicar prova com conteúdo homofóbico
Uma prova de Língua Portuguesa aplicada pela Escola Adventista de Correios, em Belém, aos alunos do nono ano do Ensino Fundamental vem causando inquietação nas redes sociais. Entre as 50 questões do questionário, é possível encontrar as seguintes perguntas: “a pessoa nasce ou se torna homossexual?”, “a bíblia condena a relação homossexual?” “homossexualismo tem perdão?”, “como evitar o homossexualismo?”. Continuar lendo →
Weintraub diz que proclamação da República foi “infâmia” contra Pedro II
O ministro Abraham Weintraub classificou a proclamação da República, que completa 130 anos nesta sexta-feira 15, uma “infâmia” contra o imperador Dom Pedro II. Em uma publicação feita em seu Twitter, ele escreveu: “Não estou defendendo que voltemos à Monarquia mas…O que diabos estamos comemorando hoje?”. Continuar lendo →
54 escolas no País farão parte do programa cívico-militar do MEC
O Ministério da Educação anunciou nesta quinta-feira 21 os Estados e municípios contemplados pelo programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, a partir do ano que vem. Serão 54 escolas no País no modelo, 38 estaduais e 16 municipais.
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“A faculdade não está pronta para lidar com a permanência dos alunos cotistas”
Ao andar pelos corredores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a estudante Larissa Alexandre relata um incômodo. “As pessoas brancas vivem o ambiente acadêmico porque ele foi estruturado para elas. Os pretos precisam viver a universidade para se politizar e se preocupar com essas questões.” Continuar lendo →
Contra racismo, professora usa método que valoriza voz ativa do aluno
Foi a partir da experiência de ter sido uma criança negra em um ambiente escolar predominantemente branco e do conhecimento sobre culturas africanas e indígenas obtido na faculdade de História que a professora Priscila Dias decidiu adotar uma metodologia chamada “Círculos Narrativos” para enfrentar o racismo e reequilibrar as histórias orais e escritas no espaço escolar. Continuar lendo →
Enviado por CartaCapital
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A ideologia de classe média americanizada e ressentida

“Bolsonarismo é uma ideologia de classe média americanizada, ressentida”

Enders é professora titular de História Contemporânea da Universidade Paris 8.  Foto: Arquivo pessoal
ENDERS É PROFESSORA TITULAR DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DA UNIVERSIDADE PARIS 8. FOTO: ARQUIVO PESSOAL

Historiadora Armelle Enders comenta os ataques de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes à primeira-dama francesa e descontrói FHC

A historiadora francesa Armelle Enders é apaixonada pelo Brasil, país que visita e estuda há mais de 30 anos. Nesta entrevista a CartaCapital, ela comenta o episódio dos ataques grosseiros desferidos por Jair Bolsonaro e Paulo Guedes à primeira-dama francesa, Brigitte Macron. “O bolsonarismo é uma ideologia de classe média americanizada, ressentida. E tem também a personalidade do Macron, um homem culto, o que para o bolsonarismo é uma coisa que instiga a homofobia deles. Cultura é vista como uma coisa feminina, desprezível, de homossexual.”
A historiadora desconstrói ainda a personagem de Fernando Henrique Cardoso, “que goza de uma reputação de esquerda esclarecida entre franceses de sua geração, mas é, na realidade, um coronel da política brasileira que faz em Paris análises totalmente equivocadas sobre a realidade do País”.
Professora titular de História Contemporânea na Universidade Paris 8 e pesquisadora do Institut d’Histoire du Temps Présent, Armelle Enders publicou, entre outros livros, A História do Rio de Janeiro (Editora Gryphus) e Histoire du Brésil (Chandeigne), que acaba de ganhar a terceira edição, atualizada com a eleição de Bolsonaro.
MACRON E BOLSONARO FOTO: FREDERICO MELLADO / ARG
CartaCapital: Em janeiro deste ano, em Paris, FHC disse que não houve golpe de Estado, as instituições no Brasil funcionavam normalmente e a eleição de Bolsonaro foi a expressão da rejeição da corrupção e da violência.
Armelle Enders: Acho que há um divórcio entre a imagem que o FHC tem na França, por causa das relações que ele tem de amizade com uma certa inteligência francesa da geração dele, e a realidade. Ele tem uma imagem de esquerda esclarecida, esquerda moderna, e na realidade é um coronel da política brasileira. Como historiadora, vejo como uma coisa típica que havia na Primeira República: políticos que tinham posições públicas progressistas e, na verdade, no reduto eleitoral de poder deles, eram muito atrasados, oligarcas tradicionais. A análise dele é equivocada. É a versão do PSDB, surgida antes da campanha de 2014, de que o “lulopetismo era um sistema para se perpetuar no poder”. A propaganda foi massiva e espalhou-se. Pode-se contestar o PT, num contexto democrático isso faz parte da luta política. Mas, com o golpe, a situação política no País virou uma construção diabólica, de destruição do Estado.
CC: Uma construção diabólica?
AE: O PT foi acusado de se corromper para manter um projeto autoritário de poder. Foi isso o que os brasileiros teriam rejeitado. A afirmação de FHC é a consagração dessa lógica, que se desenvolveu num contexto de eleições, mas virou verdade para muita gente. Acabou por abalar as consciências. Outro argumento foi usado no pleito de 2018: o PT e Bolsonaro são dois extremos. Então, ambos devem ser rejeitados. Esses dois temas são desdobramento do contexto eleitoral, mas totalmente equivocados.
FOTO: LUIZ RAMPELOTTO/EUROPA NEWS WIRE/AFP
CC: O escritor chileno Ariel Dorfman afirmou recentemente: “O Brasil continua de costas para seu passado. A impunidade das Forças Armadas brasileiras abriu o caminho para Bolsonaro ser presidente e dizer as barbaridades que pronuncia diariamente”. Concorda?
AE: Na verdade, esse conflito nasce da correlação de forças no final da ditadura. A extrema-direita militar e civil negociou uma transição pretensamente democrática feita por cima, um acordão. O poder estava do lado dos militares, o que estava em jogo era a anistia. Foi preciso escolher: ou a ditadura persiste ou se processa os militares. O preço foi uma anistia negociada, sem punição. O problema sempre surge em função dos militares.
CC: Por que não se revogou a Lei da Anistia, como Néstor Kirchner fez na Argentina?
AE: Essa correlação de poder se manteve. A Comissão Nacional da Verdade desfez o pacto da Anistia, mas sem julgar os torturadores e responsáveis por crimes contra a humanidade.
CC: E essa série de incidentes degradantes e ridículos protagonizada por Bolsonaro, Guedes e outros em relação à França? Houve ofensas à mulher do presidente Macron que envergonham qualquer brasileiro decente.
AE: Analiso em dois níveis. Primeiro, o nível político, da relação do Brasil de Bolsonaro com o governo americano e Trump. Houve atritos entre Trump e o presidente Macron. Logo em seguida, começaram os atritos do Bolsonaro com Macron, o alinhamento era evidente. Foi também uma maneira de Bolsonaro agitar a bandeira da soberania diante das velhas potências europeias. Há ainda um componente cultural. A representação da Europa, e particularmente da França, é o contrário da ideologia dos bolsonaristas. A França é representada pela cultura, sofisticação de uma certa elite brasileira tradicional. O bolsonarismo é uma ideologia de classe média americanizada, ressentida. E tem também a personalidade do Macron, um homem culto, o que para o bolsonarismo é algo que instiga a homofobia. Cultura é vista como uma coisa feminina, desprezível, de homossexual. Macron valoriza a cultura, não é o estilo varonil do russo Vladimir Putin. O casal que ele forma com Brigitte, uma mulher culta e mais velha, representa tudo o que eles odeiam.
CC: Bolsonaro não esconde o interesse de se apropriar das terras indígenas para favorecer o agronegócio e explorar as riquezas do subsolo. Como a comunidade internacional pode ajudar a proteger a biodiversidade da Amazônia, mas também a proteger essas populações?
AE: Políticos populistas, como Trump, Netanyahu ou Putin, desrespeitam totalmente as instituições internacionais. Imagino que Bolsonaro fará a mesma coisa. As ONGs sofrem perseguição do governo brasileiro, e há ainda os consumidores do mundo. O que pode alterar a situação do Brasil da era Bolsonaro são os interesses econômicos. Mas não é fácil, porque muitas empresas multinacionais lucram com o bolsonarismo.
CC: Em artigo publicado no Le Monde, o filósofo Alain Badiou sustentou que o capitalismo é o responsável pela destruição do planeta. E propôs: “Que não exista propriedade privada do que deve ser comum, a saber a produção de tudo o que é necessário à vida”.
AE: Na verdade, a única alternativa que tivemos ao capitalismo foi a União Soviética, que em relação ao meio ambiente também não foi exemplar. É uma crise não só do capitalismo, mas da civilização, do que era a social-democracia. Não acredito também na economia administrada ou num Estado todo-poderoso, que pode acabar sendo predador.
CC: Qual seria a solução?
AE: É uma questão de consentimento das populações. Uma grande parcela apoia a predação. É difícil resolver.
CC: Será resolvido somente quando todos perceberem que estamos à beira do precipício?
AE: Já estamos. Aparentemente, há uma consciência mais nítida do que muitos anos atrás. O Brasil tem uma coisa mais forte, uma tradição escravocrata, que vem da época colonial. E o Bolsonaro refere-se a isso no imaginário da conquista do Oeste. Existe a ideia de que o território do Brasil é infinito. Pode-se explorar as terras à vontade, com permissividade absoluta.

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Fonte: https://www.cartacapital.com.br/politica/bolsonarismo-e-uma-ideologia-de-classe-media-americanizada-ressentida/?fbclid=IwAR1EOmDG403l-fAU5Zaa365kESNaMOGg8Pd39VCiqTtQlKCi_gfMnynpYKc