quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

LADISLAU DOWBOR

crescimento das desigualdades no mundo, o agravamento da crise climática, o caos político generalizado e a projeção da Organização das Nações Unidas – ONU de que em 2050 a população mundial chegará a 9,7 bilhões de pessoas exigem uma reorientação do sistema político-econômico global. Na prática, isso significa, entre outras coisas, que é preciso “orientar a economia para o bem-estar das famílias, não para o bem-estar dos mercados que geram mais Wall Street, mais paraísos fiscais e coisas do gênero”, diz o economista Ladislau Dowbor à IHU On-Line.



Ladislau Dowbor: ''Não há razão para haver tanta miséria. Precisamos construir novos caminhos''
cartamaior15 de janeiro de 2020 11:41
Créditos da foto: (Agência Brasil)

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O crescimento das desigualdades no mundo, o agravamento da crise climática, o caos político generalizado e a projeção da Organização das Nações Unidas – ONU de que em 2050 a população mundial chegará a 9,7 bilhões de pessoas exigem uma reorientação do sistema político-econômico global. Na prática, isso significa, entre outras coisas, que é preciso “orientar a economia para o bem-estar das famílias, não para o bem-estar dos mercados que geram mais Wall Street, mais paraísos fiscais e coisas do gênero”, diz o economista Ladislau Dowbor à IHU On-Line.
Ao propor uma mudança na governança global, ele acentua que um dos principais desafios da economia neste século é resolver o problema das desigualdades. Somente no Brasil, informa, 206 bilionários “aumentaram as suas fortunas em 230 bilhões de reais” no último ano, em que a economia esteve praticamente estagnada. Enquanto isso, lamenta, programas sociais como o “Bolsa Família consomem 30 bilhões”. No atual estágio do capitalismo, assegura, “não há nenhuma razão para haver miséria no planeta. Se dividirmos os 85 trilhões de dólares que temos de PIB mundial pela população, isso equivale a 11 mil reais por mês, por família de quatro pessoas. Isso é amplamente suficiente para todos viverem de maneira digna e confortável”.
Na entrevista a seguir, concedida por WhatsApp à IHU On-Line, o economista também comenta a proposta do papa Francisco de que jovens economistas reflitam sobre as possibilidades de desenvolver uma “economia diferente”, que “inclui”, “humaniza” e “cuida da criação”. “Nós temos que ampliar o debate e essa é a motivação central do Papa nesse processo, porque estamos enfrentando um caos político generalizado, e a desigualdade, em particular, gerou uma imensa insegurança nas populações”, pontua.
Ladislaw Dowbor (Simpro Minas)
Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Além disso, é consultor de diversas agências das Nações Unidas.
Confira a entrevista.
Como o senhor interpreta a convocação do Papa para que jovens economistas reflitam sobre as possibilidades de uma nova economia?
O fato de chamar jovens ajuda muito, pois temos que investir na generalização de novas visões. Estão também convidando diversos países, o que é muito bom, pois tem país rico, pobre, e pessoas de diversas áreas que, evidentemente, não são apenas economistas, mas pessoas das ciências sociais, engenheiros, empresários. Ou seja, é um ambiente que permite construir novas visões. Nós temos que ampliar o debate e essa é a motivação central do Papa nesse processo, porque estamos enfrentando um caos político generalizado, a desigualdade, em particular, gerou uma imensa insegurança nas populações e essa insegurança está sendo aproveitada por demagogos do tipo [DonaldTrump, [JairBolsonaro, [Recep Tayyip] Erdogan, na Turquia, e [Rodrigo] Duterte, nas Filipinas; o caos está se generalizando. Nós precisamos — no sentido mais forte — construir novos caminhos, porque esse sistema não está funcionando.
Em que contexto surge a proposta do Papa e quais são as razões que o motivam a discutir uma nova economia no atual momento histórico?
Na realidade, não há muitas divergências quanto ao desastre que se criou. Nós somos 7,7 bilhões de habitantes. Todo mundo está querendo consumir mais e isso não está funcionando. Os efeitos disso são o aquecimento global, a liquidação da cobertura florestal do planeta, da vida nos mares e dos insetos, enfim, é só ver o muro das lamentações que os diversos cientistas de diversas áreas estão criando. Em termos ambientais, o fato é que estamos destruindo o planeta.
O segundo ponto é que estamos destruindo o planeta para uma minoria e a desigualdade está atingindo níveis absolutamente insustentáveis. Não há razão para haver tanta miséria, para haver, por exemplo, 850 milhões de pessoas passando fome, porque só de cereais produzimos mais de um quilo por dia por habitante. Então, o nosso problema é de organização social, de governança. Veja bem: não há nenhuma razão para haver miséria no planeta. Se dividirmos os 85 trilhões de dólares que temos de PIB mundial pela população, isso equivale a 11 mil reais por mês, por família de quatro pessoas. Isso é amplamente suficiente para todos viverem de maneira digna e confortável, mesmo sem precisar de uma igualdade opressiva. Basta reduzir um pouco essa desigualdade obscena que existe.
O terceiro elemento dessa situação crítica é que não existe falta de recursos, pois o planeta tem, em paraísos fiscais, cerca de 20 trilhões de dólares. Isso é 200 vezes aqueles 100 bilhões que a Conferência de Paris decidiu alocar para salvar o planeta do desastre ambiental. O problema é de organização social; não é econômico.
O Papa propõe uma economia “que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a depreda” e afirma que é preciso “re-almar a economia”. Ele propõe também a necessidade de “corrigir os modelos de crescimento incapazes de garantir o respeito ao meio ambiente, o acolhimento da vida, o cuidado da família, a equidade social, a dignidade dos trabalhadores e os direitos das futuras gerações”. Em termos econômicos, o que essa iniciativa implica? Que alterações precisam ser feitas nos modelos econômicos para seguir a proposta do Papa?
É preciso uma alteração sistêmica, porque estamos organizando as corporações, os governos e todas as atividades em função do enriquecimento de grupos financeiros, os chamados mercados, que geram fortunas, mas não resolvem os problemas. Então, o eixo de orientação é relativamente simples: temos que usar os imensos recursos financeiros que são essencialmente improdutivos e estão nas mãos dos grandes grupos financeiros, como bancos e investidores institucionais, para financiar a mudança da política ambiental. Isso significa mudar a matriz energética, a matriz de transporte, criar uma agricultura menos destrutiva e também reduzir e enfrentar de maneira direta a desigualdade, o que implica, essencialmente, organizar a inclusão produtiva das pessoas. Nós temos os recursos financeiros, temos as tecnologias, sabemos onde estão os problemas; é uma questão de reorientação.
Para mim, as ações prioritárias são, primeiro, gerar a transparência dos fluxos financeiros, dos estoques em paraísos fiscais e coisas do gênero. Isto é, saber onde estão os recursos e como estão sendo utilizados. Segundo, temos que gerar impostos sobre o capital improdutivo, impostos sobre os capitais parados, sobre os imensos patrimônios acumulados. Por meio de Thomas Piketty e um conjunto de economistas, sabemos precisamente o que deve ser feito.
Quando olhamos os estudos sobre as grandes fortunas no Brasil — 206 bilionários —, vemos algo simplesmente ridículo, pois um homem como Joseph Safra tem, por exemplo, 95 bilhões de reais que poderiam ser investidos em uma coisa útil e servem apenas para especulação financeira. Só nos últimos 10, 12 meses, ele aumentou sua fortuna em 19 bilhões. A família Marinho atrasa seus impostos e tem uma fortuna acumulada de 33 bilhões de reais — isso é mais que a totalidade do Bolsa Família para 45 milhões de pessoas.
Então, gerar essa transparência, gerar um imposto sobre o capital improdutivo e descentralizar o financiamento de maneira que em cada cidade, em cada comunidade haja uma reapropriação do controle sobre o uso dos recursos financeiros e tecnológicos, é fundamental. Isso funciona na Alemanha, na China, no Canadá e na Suécia. Não é preciso inventar grandes coisas e nem grandes “ismos ideológicos”; basta simplesmente tornar os recursos úteis.
O Papa também convida todos nós a revermos “nossos esquemas mentais e morais, para que possam estar mais em conformidade com os mandamentos de Deus e com as exigências do bem comum”. Em relação à economia, quais são os esquemas mentais e morais que a fundamentam e precisam ser superados?
Há um deslocamento ético radical que é o seguinte: nós devemos deslocar o conceito de sucesso de quem “arranca mais” e fica demonstrando quantos bilhões tem e passar para algo básico. Luiz Pasteur é reconhecido mundialmente não porque conseguiu “arrancar” mais para si, mas, sim, porque conseguiu contribuir mais para o planeta. Então, o deslocamento de atitude ética fundamental é passarmos dessa ideia de sucesso como capacidade de “arrancar”, de ser mais esperto, para o sucesso visto como a pessoa que mais contribui para a nossa espaçonave Terra, para que vivamos melhor.
Um segundo eixo é que estamos na era da economia do conhecimento e o conhecimento é diferente da máquina ou do produto físico: se passo o conhecimento para alguém, continuo com ele. Por exemplo, toda a pesquisa mundial sobre genoma se faz de maneira colaborativa entre centenas de laboratórios, porque na era do conhecimento os sistemas colaborativos são muito mais produtivos do que a competição, em que cada um tenta esconder sua produção e tenta reinventar a roda; esse deslocamento é fundamental para a sociedade.
A atitude ética básica de que o merecimento se deve para a pessoa que mais contribui e não para a pessoa que mais “arranca”, e que temos que nos deslocar da filosofia da competição e da guerra de todos contra todos para a filosofia da colaboração para o bem-estar das populações e do planeta, é o deslocamento efetivo que precisamos em termos de visão de mundo.
Que tipos de critérios determinariam, na sua avaliação, uma sociedade economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente sustentável?
Os critérios nós já sabemos: é uma sociedade ambientalmente sustentável, socialmente justa e economicamente viável. Para isso, nós tivemos imensas reuniões planetárias com cientistas, políticos e empresas e se chegou aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável - ODS, a chamada Agenda 2030. Esses objetivos são perfeitamente atingíveis, mas exigem a reorganização de como se governa. Em termos práticos, para atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, temos que orientar a economia para o bem-estar efetivo das famílias, e não para o bem-estar dos mercados que geram mais Wall Street, mais paraísos fiscais e coisas do gênero. E o que é o bem-estar das famílias? É, de um lado, ter dinheiro no bolso para conseguir pagar o transporte, o aluguel e comprar a camisa e ter, também, acesso aos bens de consumo coletivo: a pessoa não compra seu hospital e sua escola, ela tem que ter acesso a bens públicos de acesso gratuito e universal, porque isso simplesmente é mais produtivo. Isso não é complicado: nós podemos aumentar o bem-estar das famílias sem gerar desastre ambiental, porque aumentar o bem-estar não significa comprar mais pás de plástico e coisas do gênero, mas, sim, ampliar o acesso à saúde, à educação e à cultura, ou seja, todos esses bens que enriquecem as nossas vidas sem destruir o meio ambiente. Isso significa mudar a contabilidade, porque o PIB calcula apenas o ritmo de uso dos recursos no planeta, mas não calcula nem os impactos ambientais nem os impactos em termos de bem-estar das famílias.
O objetivo dessa reorientação nos leva a mudar as contas nacionais, e o melhor exemplo é justamente o trabalho de Kate Raworth, que está publicado no Brasil sob o título “Economia Donut: uma alternativa ao crescimento a qualquer custo” [1ª edição. Rio de Janeiro: Zahar, 2019. Tradução: George Schlesinger], que é uma forma de contabilização dos resultados e não apenas do ritmo de atividade econômica. No conjunto, saber os ODS, nos orientarmos para o bem-estar das famílias, tanto no que diz respeito à renda como no acesso a bens de consumo coletivo, e adequar o sistema de contabilidade correspondente é o que traça um norte perfeitamente compreensível.
Os economistas favoráveis ao capitalismo alegam que ele foi o sistema que mais possibilitou a criação e a distribuição de riquezas. Os críticos, por sua vez, argumentam que esse sistema não consegue distribuir as riquezas e gera inúmeras desigualdades sociais. Como avalia o processo de desenvolvimento da economia capitalista? Quais são seus pontos positivos, limites e desafios?
O capitalismo se tornou global, enquanto os governos são nacionais: se um governo decide fazer uma mudança de impostos ou de taxas de juros, os capitais fogem, se movimentam internacionalmente e vão para paraísos fiscais, os governos se desarticulam e essa impotência gera também o caos político. O que temos de compreender é que o capitalismo mudou, porque ainda temos na cabeça a ideia de um investidor de verdade — não o que faz aplicações financeiras, mas o que investe em produtos —, que compra máquinas para produzir sapatos, por exemplo, pega crédito para financiar a produção, contrata mão de obra, portanto está gerando empregos, está produzindo sapatos que poderão ser usados e está pagando impostos com os quais o governo vai poder financiar as infraestruturas e o acesso à saúde, à escola e aos bens públicos de acesso universal — isso é o que as pessoas pensam quando falam em capitalismo. O que elas não veem é que o sistema mudou: não é mais o lucro sobre a produção; é o rentismo sobre a especulação. Os imensos capitais que estão nas mãos de Wall Street, nos grandes paraísos fiscais, como SuíçaHolandaIlhas Cayman, no Panamá, rendem para os especuladores.
Tem uma coisa básica que Piketty ajudou a entender claramente: produzir exige esforço, então, o crescimento no mundo de bens e serviços é na ordem de 2%, 2,5% ao ano. Agora, quem aplica seu dinheiro em títulos de dívidas de diversos papéis financeiros, em commodities e coisas do gênero, tem tido um rendimento de 7% a 9% nas últimas décadas.
O que faz o capitalista que enriqueceu? Todos aqueles que têm reservas financeiras hoje em dia, em vez de investir, que é arriscado, trabalhoso, tem que produzir, simplesmente compram papéis. Inúmeras instituições, bancos, holdings, financeiras e todo o sistema Shadow banking ajudam as pessoas a investir, mas isso não é investimento; é aplicação financeira. Na realidade, se desviam os recursos para sistemas especulativos. Esta é uma mudança radical: onde se tinha produção material de bens e serviços e lucro, hoje se tem, essencialmente, especulação e rentismo; isso desfigurou o capitalismo. Ele foi produtivo, sim, mas não está mais sendo produtivo. Hoje temos enriquecimento improdutivo, um crescimento pífio, desigualdade e destruição ambiental, portanto esse sistema não está funcionando.
Que desafios as mudanças climáticas impõem ao atual modelo econômico-político-social?
mudança climática é típica dos novos desafios, porque nossos problemas eram locais, regionais ou nacionais, as economias eram nacionais ou locais e tínhamos o comércio exterior para as trocas. Agora não; nós temos um sistema global e as emissões de dióxido de carbono ou gás de efeito estufa dos Estados Unidos ou da China vão impactar o planeta todo. A destruição da Amazônia, a liquidação da vida nos mares e a acidificação dos oceanos impacta todo o planeta. Nós estamos, de certa maneira, desafiados a enfrentar problemas que são globais, enquanto estamos divididos em 193 nações, cada uma tentando puxar para o seu lado. Isso, obviamente, é um disfuncionamento sistêmico. O que precisamos introduzir e o que temos dificuldade como seres humanos, porque temos a tendência de pensar no curto prazo e num problema de cada vez, de forma fracionada, é pensar de maneira sistêmica e no longo prazo. Para nós, 2050 é lá longe; não é. Ou seja, os dados do desastre que será 2050 já estão na rua, já estão irrecuperáveis e, em grande parte, 2050 já está determinado.
Então, essa mudança é absolutamente essencial: é preciso uma visão de longo prazo, que pense de maneira sistêmica e conjuntamente os sistemas e os impactos não só econômicos, mas sociais e culturais. Uma segunda dimensão desse processo é o resgate da governança correspondente para enfrentarmos isso, o que implica, em primeiro lugar, democratizar o processo decisório. Como é que nós, no planeta, decidimos nosso futuro? Por enquanto, são as grandes corporações que fazem o que querem através de movimentações financeiras, mas nós temos que democratizar as decisões, temos que assegurar transparência dos fluxos para que a população possa estar informada e temos que gerar sistemas de comunicação que permitam que se criem processos de produção de consensos democráticos; é o caminho que se tem pela frente, o resto leva ao desastre.
Ao refletir sobre a proposta do Papa, o senhor disse recentemente que “o grande desafio é o da governança do sistema, desafio sem dúvida técnico, mas sobretudo ético e político”. Pode explicar essa ideia? Por que a governança do sistema é o ponto central a ser enfrentado, na sua avaliação?
O ponto central é que temos uma economia mundializada e os governos são nacionais, logo, há um desajuste entre os meios e os fins. Nós não temos um governo planetário, apesar de termos problemas planetários. Um segundo eixo é que o poder dominante, hoje, é corporativo. Quando vemos um desastre em Mariana com a Samarco, se pensa: “Como isso é possível?”. A Samarco é riquíssima, transfere milhões para as empresas controladoras, para os grandes grupos financeiros, seja da BHP Billiton, do Bradesco e da Vale. O Brasil construiu Itaipu, nós temos engenheiros e pessoas que entendem desse processo, mas quem manda não são os engenheiros, são os grupos financeiros que controlam as empresas, e os conselhos de administração das empresas recebem seu bônus em função não de quanto investem no futuro da empresa, mas baseado no quanto conseguem extrair para os acionistas, e em função de quanto os acionistas ganham é que será calculado o bônus.
Esse sistema é disfuncional porque essas grandes corporações, hoje, são dominantes no planeta e são dominadas, essencialmente, por um grupo de 28 bancos, que chamamos internacionalmente de Systemically Important Financial Institution - SIFIs, que têm ativos que se aproximam do PIB mundial, ou seja, quem manda realmente não é o governo, quem manda no governo são os lucros financeiros. Os americanos têm uma excelente expressão para isso: “hoje é o rabo que abana o cachorro”. Antes, as finanças eram um complemento que ajudava a dinamizar e financiar a produção; hoje, tornou-se um sistema extrativo, capitalismo extrativo. O que nós temos — isso é estudado por [Joseph] Stiglitz e vários outros cientistas — não é um embate entre o Estado e as empresas, mas sim uma apropriação do poder político pelas próprias empresas, pelas grandes corporações financeiras. A partir de certo grau de poder financeiro, o poder político tem que se submeter, o que naturalmente está liquidando o pouco que nos resta de democracia.
Do ponto de vista das faculdades de economia, que programas podem ser adotados para repensar a economia nos moldes que o Papa propõe?
Nós temos uma forma de ensino da economia que é pré-histórica, corresponde a outro tipo de capitalismo, a outro sistema e a outro tempo. Precisamos trabalhar menos por disciplinas e mais de maneira integrada e por problemas. Na Finlândia, na escola secundária, já não se trabalha por disciplina, mas sim por problemas-chave. A resolução de um problema demográfico, cultural ou ambiental tem dimensões políticas, financeiras, jurídicas e sociais. Portanto, aprender a cruzar essas diversas áreas é fundamental. Por exemplo, o direito não estuda a economia e a economia não estuda o direito? O que é o direito? São as regras do jogo e a economia funciona de acordo com as regras do jogo. Então, não faz nenhum sentido separarmos de forma que uns estudem os mecanismos na economia e outros estudem as regras no direito e um não saiba qual se aplica a qual. Nós temos que, inclusive, juntar áreas científicas, como medicina e estudos climáticos, para que a economia passe a ser um instrumento muito mais rico, porque a economia não é uma área em si, não é indústria nem comércio, é uma dimensão de cada área. A segurança tem uma dimensão econômica, assim como construir casas e as transformações do uso do solo têm uma dimensão econômica. De certa forma, temos que reaproximar a economia dos problemas aos quais ela precisa ajudar a responder.
Eu trabalharia, portanto, por problemas, de forma interdisciplinar e interinstitucional. Hoje estamos todos conectados no mundo e podemos perfeitamente organizar cada faculdade, universidade, instituição ou grupo de trabalho sob um problema-chave e ver como esse problema-chave está sendo trabalhado em Tóquio, em Frankfurt ou em qualquer parte do mundo. Inclusive, os tradutores online estão se tornando perfeitamente aceitáveis, ou seja, é uma outra dimensão da construção científica que temos pela frente.
Entre os pesquisadores das áreas econômica e ambiental que participarão do evento “Economia de Francisco”, destacam-se nomes como Jeffrey Sachs, Joseph Stiglitz, Amartya Sen, Vandana Shiva, Muhammad Yunus e Kate Raworth. O que esses teóricos têm em comum e que contribuições podem oferecer à proposta do Papa?
O que eles têm em comum — não são pessoas de esquerda ou com afinidade ideológica — é que são pessoas de bom senso. Joseph Stiglitz foi economista-chefe do Banco Mundial e do governo [BillClinton e se deu conta de que esse sistema não funciona. Hoje ele tem um Nobel de Economia, mas o essencial é que ele tem uma visão de conjunto. O livro dele chamado “People, Power, and Profits: Progressive Capitalism for an Age of Discontent” redimensiona a articulação das transformações da sociedade.
Jeffrey Sachs trabalha mais os problemas da desigualdade. No início de sua produção, ele não era muito recomendável e hoje se tornou um batalhador extremamente confiável por uma economia que funcione.
Amartya Sen nos trouxe a imensa transformação da compreensão de que não se trata apenas de pobreza e, portanto, de dar um dinheirinho para os pobres, mas de assegurar a cada pessoa a oportunidade para construir a vida que ela deseja. É uma visão muito mais complexa da exclusão que a pobreza está criando; trata-se de gerar essa dimensão humana de direito de construção da sua própria vida.
Vandana Shiva trabalha de maneira extremamente forte o problema do conflito entre as necessidades humanas e o desajuste profundo que as corporações estão criando, que simplesmente querem arrancar o que podem e estão apenas recentemente começando a fazer proclamações de que devem se preocupar com os impactos ambientais, sociais e econômicos do que fazem.
Muhammad Yunus descobriu que um pouco de crédito muito barato — não com juros extorsivos — na base da sociedade dinamiza a economia de maneira radical, inclusive, em particular, ao dinamizar as capacidades econômicas das mulheres. O Grameen Bank é um exemplo mundial. Yunus também recebeu um Prêmio Nobel. Aliás, é característico que deram um Nobel da Paz para ele e não um de Economia, porque nunca os economistas dariam um Prêmio Nobel para alguém que está dizendo que o dinheiro na base da sociedade é mais produtivo do que o dinheiro nos cofres dos banqueiros.
Kate Raworth nos traz com o livro “A Economia Donut”, que já existe em português, uma excelente visão de como fazer contas nacionais que façam sentido. Em vez de fazer do PIB uma arma essencialmente ideológica, ela sugere pegar o que são os excessos que precisamos reduzir, por exemplo, emissões de gases de efeito estufa e destruição florestal e, por outro lado, as coisas que são insuficientes, como pessoas subnutridas — temos 850 milhões de pessoas que passam fome —, e reduzir os excessos e compensar as insuficiências. Isso nos permite ter, no conjunto, 23 elementos de contas que põem a contabilidade nacional de pé, porque hoje essencialmente ela está de ponta-cabeça.
Nós temos que criar economistas que entendam não de modelos econômicos, mas da dinâmica complexa que gera os desafios para poder propor soluções e não apenas para explicar, depois do desastre, por que determinado modelo não funcionou.
Como o evento proposto pelo Papa tem repercutido entre os economistas que o senhor conhece? O senhor tem visto reações favoráveis e contrárias à proposta?
No conjunto, pessoas que estudaram de forma muito clássica ou são muito ligadas aos mercados ou aos interesses do sistema financeiro reagem de maneira ideológica, porque estão muito centradas na ideologia do enriquecimento das grandes fortunas. Agora, no geral, e sobretudo na nova geração, tenho encontrado muita receptividade. Ou seja, há uma redescoberta entre os economistas de que cada problema econômico tem dimensões políticas, sociais, ambientais e éticas. O conceito de função de economia está penetrando e, para muitos na área dos economistas que pensam de maneira tradicional, é um desafio ver personagens como StiglitzJeffrey Sachs e Kate Raworth mudando radicalmente os rumos. Isso porque se sentem, de repente, sem base naqueles modelinhos que estavam baseados, essencialmente, numa simplificação do ser humano, de que o ser humano é um maximizador racional de vantagens individuais e que o enriquecimento significava apenas um objetivo individual. Isto é, esse deslocamento de que os indivíduos são complexos têm dimensões de generosidade, de competição e de colaboração, e temos que trabalhar com as pessoas realmente existentes e com o conjunto de enriquecimento social, porque na realidade hoje ninguém mais vai viver feliz sozinho.
Como podemos repensar a economia brasileira à luz da proposta do papa Francisco?
Eu trabalharia justamente elencando os problemas-chave. Quais são os desafios-chave da nossa economia? No Brasil é evidente: a desigualdade. Nós temos 206 bilionários que, nos últimos 12 meses, segundo a revista americana Forbes, aumentaram as suas fortunas em 230 bilhões de reais — isso com a economia parada. Só lembrando: o Bolsa Família consome 30 bilhões de reais. Logo, não é o Bolsa Família e a aposentadoria dos velhinhos que estão prejudicando a economia, e sim a enorme extração de recursos por parte desses grandes grupos financeiros que não produzem, mas são, essencialmente, aplicadores financeiros.
Em 2012, quando começou o embate contra a Dilma [Rousseff], nós tínhamos 74 bilionários; hoje, são 206. Esse sistema não está funcionando para a economia e para a população, mas para alguém está funcionando. Essas famílias — não estamos falando do valor das empresas, mas dos grupos pessoais, que, aliás, não pagam impostos no Brasil porque lucros e dividendos distribuídos são isentos — tinham uma fortuna, em 2012, de 346 bilhões de reais e, em 2019, passaram a ter uma fortuna de 1 trilhão e 206 bilhões de reais. Isso é um problema ético, porque não foram os pobres que criaram a forma de funcionamento desse sistema. O problema ético está do lado dos ricos, porque os ricos estão enriquecendo sem produzir e sem merecimento. Então, o eixo central é uma reorganização de como usamos os recursos e de como usamos a política.
enriquecimento improdutivo é a nossa principal deformação econômica, social e política. Por que tiraram a CPMF? Não é pelo ridículo 0,38% sobre as transações financeiras, é porque gerava transparência, mostrava quem transferia para quem, como eram os fluxos de capitais. Nós temos que resgatar o controle dos fluxos, fazer uma reforma tributária porque, por exemplo, eu como professor pago 27,5% sobre o meu salário, já o Joseph Safra, sem produzir nada, ganhou nos últimos 12 meses 19 bilhões de reais e não paga imposto; esse sistema é simplesmente uma aberração. Precisamos taxar as grandes fortunas, tornar real o Imposto Territorial Rural - ITR, que é uma ficção, e taxar, em particular, o capital improdutivo, coisa que está sendo amplamente discutida hoje no mundo, porque é uma das medidas centrais. Nós temos que passar a taxar quem acumula um monte de dinheiro sem produzir nada, porque se tem um imposto que começa a reduzir o capital do indivíduo, talvez ele pense em fazer algo útil com o dinheiro porque o capital está sendo reduzido. Essa é a visão para tornar a sociedade produtiva. Com as tecnologias e a riqueza financeira que temos, ter as economias paradas é ridículo.
Além disso, temos, evidentemente, uma dimensão ética. Lembro de um cartaz que vi na Av. Paulista: um senhor curiosamente com uma bandeira do Brasil e com um cartaz dizendo “evasão fiscal não é roubo”. Ele diz que não é roubo, não paga impostos, mas gosta de ter o filho estudando numa federal ou na USP, estudando com o dinheiro dos outros, gosta de ter a rua asfaltada com o dinheiro dos outros. Do que se trata? Isso não são ideologias, é realmente pensar a economia que funcione e a própria economia tem que mudar o rumo da forma como é ensinada e aplicada.
Deseja acrescentar algo?
Eu acrescentaria algo básico que ajuda as pessoas a entender os processos. Trata-se de algo que sabemos que funciona: funcionou no Brasil de 2003 a 2013, funcionou nos Estados Unidos de Roosevelt com o New Deal, funcionou na Europa com o que se chamou de Estado de bem-estar social (Welfare State), funciona até hoje na China, na Coreia do Sul, no Canadá, na Suécia e na Alemanha. O que têm essas referências em comum? Elas controlam o sistema financeiro, orientam os recursos para o bem-estar das famílias, de um lado, assegurando um bom salário mínimo e a renda no bolso das famílias e, por outro lado, assegurando sistemas públicos, universais e gratuitos de saúde, educação e cultura, porque isso é investimento nas pessoas, não é gasto. Quando um país usa seus recursos para o bem-estar das pessoas, isso gera mais capacidade de compra das famílias, o que gera mais demanda frente às empresas. Isso gera inflação? Não, porque no Brasil, por exemplo, as empresas estão trabalhando com menos de 70% da sua capacidade.
Um empresário estava dizendo que está mais barato e mais fácil contratar hoje, mas que não tem por que contratar se não tem para quem vender. Como a empresa funciona? Para funcionar, a empresa tem que ter mercado para quem vender e tem que ter juro barato para poder investir; no Brasil nós não temos nenhuma coisa nem outra. Agora, como se viu no Brasil entre 2003 e 2013, se investe com aumento de salárioBolsa FamíliaLuz para Todos. Foram criados 149 programas sociais. Por que a economia cresceu e não gerou déficit? Porque dinamizou as empresas e o consumo. Para ver o resultado, basta olhar no Banco Central e verificar que nos anos dos governos Lula e Dilma não houve déficit. O déficit é gerado na fase [MichelTemer e Bolsonaro, quando há a paralisia da economia. O atual governo diz que está consertando a economia, mas quem destruiu o sistema é quem está hoje no poder e isso explica a nossa paralisia. Temos que voltar ao bom senso de orientar a economia para as famílias, para as empresas, e para o Estado poder investir nas infraestruturas e nas políticas sociais.
*Publicado originalmente em IHU On-Line



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AS MAIS FAKE NEWS - MENTIRAS - DE D. TRUMP, J. BOLSONARO E R. GLOBO

O economista britânico John Maynard Keynes tinha uma máxima segunda qual “a longo prazo todos nós estaremos mortos”. E é isso que a Globo e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) resolveram prometer a milhões de brasileiros sem emprego e renda.
A nova velhacaria diz respeito à suposta entrada do Brasil na Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um grupo formado por 36 países mais ricos do planeta cuja sede fica em Paris, na França. O objetivo do órgão é perpetuar o capitalismo por meio de práticas do livre comércio, blá, blá, blá.


OCDE é um "terreno na Lua" que Bolsonaro comprou de Trump
Blog do Esmael16 de janeiro de 2020 05:30

O economista britânico John Maynard Keynes tinha uma máxima segunda qual “a longo prazo todos nós estaremos mortos”. E é isso que a Globo e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) resolveram prometer a milhões de brasileiros sem emprego e renda.
A nova velhacaria diz respeito à suposta entrada do Brasil na Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um grupo formado por 36 países mais ricos do planeta cuja sede fica em Paris, na França. O objetivo do órgão é perpetuar o capitalismo por meio de práticas do livre comércio, blá, blá, blá.
Explicado que bicho é esse, a tal OCDE, o governo Bolsonaro estima que daqui a dois anos o País será admitido no grupo dos ricos. Não há nenhum documento que comprove isso, mas é a fake news do momento que a Globo dissemina para aliviar a barra do “Capetão” — como dizem os petistas.
No primeiro semestre, Bolsonaro havia dito e tuitado que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tinha assumido o compromisso de apoiar o Brasil na OCDE. Seria uma espécie de paga pela subserviência do colega brasileiro que se comporta como um poodle na diplomacia mundial, motivo de chacotas aqui e alhures.
O diabo é que Trump chifrou Bolsonaro com a Argentina meses depois.
Para azedar ainda mais o arroz doce, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, rejeitou um pedido para discutir uma nova ampliação da OCDE, de acordo com a cópia de uma carta enviada ao secretário-geral da entidade, Angel Gurria, em 28 de agosto.
Na carta, o secretário de Estado americano deixou claro que Washington apoia apenas as candidaturas de adesão de Argentina e Romênia.
Entretanto, no contexto da agressão ao Irã, Trump volta a vender “terreno da Lua” para Bolsonaro. Parece que o “Capetão”, com a chancela da Globo, resolveu comprar a parada outra vez. É o factoide do momento, que, na prática, não gera um único emprego “bom” no Brasil.

O INFERNO DA TEOCRACIA MACEDO BOLSONARO

Teocracia (do grego Teo: Deus + cracia: poder) é o sistema de governo em que as ações políticas, jurídicas e policiais são submetidas às normas de algumas religiões. O poder teocrático pode ser exercido direta ou indiretamente pelos clérigos de uma religião (Wikipédia).


A teocracia miliciana: Bolsonaro ou Edir?
altamiroborges15 de janeiro de 2020 18:49


Teocracia (do grego Teo: Deus + cracia: poder) é o sistema de governo em que as ações políticas, jurídicas e policiais são submetidas às normas de algumas religiões. O poder teocrático pode ser exercido direta ou indiretamente pelos clérigos de uma religião (Wikipédia).
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Edir Macedo e sua turma tinham um projeto de poder e chegaram lá com Bolsonaro, antes do que eles poderiam imaginar.
Está tudo no livro do jornalista Gilberto Nascimento: “O reino: a história de Edir Macedo e uma radiografia da Igreja Universal” (Companhia das Letras), que acaba de ser lançado.
Os evangélicos fundamentalistas neopentecostais, antigamente chamados de “crentes”, já mandam mais no governo e no país do que os militares, de quem o presidente vem se afastando e vice-versa.
São os exércitos dessas igrejas que estão recolhendo assinaturas para o novo partido do capitão-presidente, a Aliança pelo Brasil.
No fim de semana, no Rio, centenas de ônibus vindos de todas as cidades fluminenses congestionaram o transito perto dos templos onde eram recolhidas assinaturas.
Resta saber quem é o verdadeiro aiatolá e quem é o laranja nessa teocracia miliciana instalada no Brasil.
Com o Congresso e o Executivo dominados, resta agora apenas conquistar o STF, para onde Bolsonaro já ameaçou mandar um “ministro terrivelmente evangélico”.
Para virar um aiatolá completo, só falta o capitão deixar crescer a barba. Edir já fez isso.
O culpado, claro, é o PT, que obrigou os eleitores a votar em Bolsonaro e alimentou o ódio silencioso dos “isentões”.
Elegeram um presidente ligado às milícias cariocas e a variadas igrejas, que quer transformar o Brasil num grande Irã, sob a inspiração do bispo Edir e da plêiade de templos que não param de brotar por todos os cantos do país.
Duas cartas de leitores publicadas hoje na Folha, sob o título Lobby de igrejas, chamam a atenção para o fenômeno teocrático-miliciano.
“Interessante a posição das igrejas tentando eliminar a possibilidade de pagar impostos (“Igrejas fazem lobby com Bolsonaro para evitar taxas e desafiam plano de Guedes”, Mercado, 11/1). Vemos igrejas semeando templos luxuosos por todo o Brasil, sem que contribuam para o equilíbrio fiscal (…)” – Antonio Dilson Pereira (Curitiba, PR).
“Igrejas, templos, etc., sob o ponto de vista do Estado laico, são negócios e organizações como quaisquer outros. Tem que pagar conta de luz e imposto (…)” – Antonio de Oliveira (Vila Velha, ES).
Em apenas um ano de governo Bolsonaro, na prática, o Brasil deixou de ser um Estado laico, sem que tenha sido mudada a Constituição.
Impossível viajar para qualquer biboca desse país sem encontrar templos suntuosos ou mini-igrejas nas garagens dos pastores, muito mais do que botecos e farmácias.
Deve mesmo ser um bom negócio. Com as mais diferentes denominações, novas igrejas são abertas todos os dias e o país já nem sabe mais quantos pastores e bispos recebem dízimos do gado de fiéis bolsonaristas.
Essa contabilidade é secreta porque eles já estão isentos de pagar impostos e taxas como os simples mortais, e agora querem que o governo pague também suas contas de luz.
Juntando-se essas milícias clericais, às digitais e àquelas armadas até os dentes com licença para matar, chegamos cada vez mais perto do Irã e mais longe da civilização.
Acho que a maioria das pessoas ainda não se deu conta do perigo que estamos correndo nas mãos dessa gente ignara e belicosa, sem noção e sem limites, que está nos levando para o buraco.
Se, em algum momento, eles não forem barrados em sua ofensiva contra a democracia, nunca mais teremos eleições livres no Brasil pois a luta é muito desigual.
Basta dar uma navegada pelas redes sociais. Todos os dias recebo no Facebook pedidos para participar de “grupos sugeridos”, todos eles de bolsonaristas e moristas, em campanha permanente.
Veio convite até da “doutora Damares” e do Álvaro Dias. Seus seguidores são milhares, milhões, e se multiplicam como coelhos soltos no mato.
Os parâmetros legais do Estado de Direito estão indo para o espaço e todo mundo finge que tudo continua normal.
Leiam o livro do Gilberto Nascimento para ver como o “reino” se formou e aonde quer chegar.
Se alguém ainda tiver alguma dúvida, pode assistir também ao documentário “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, que mostra o golpe de 2016 por dentro.
A boa notícia é que hoje o filme da Petra foi indicado para o Oscar, o que já colocou o gado das milícias em polvorosa.
Vida que segue.

ATURANDO O GENOCIDA "PRESIDENTE", ATÉ QUANDO?!!

Brasil, um país cujas raízes escravocratas e colonialistas legaram ao início do alvorecer republicano uma taxa de 75% de analfabetismo.
E que hoje, ainda, amarga os graves índices de quase 7% de analfabetismo absoluto e 29% de analfabetismo funcional.


Bolsonaro, minha avó e muita coisa escrita…
revistaforum16 de janeiro de 2020 01:01

“Os livros hoje em dia, como regra, é um amontoado. Muita coisa escrita, tem que suavizar aquilo”, disse o presidente, em entrevista concedida na saída do Palácio da Alvorada. “ (Veja, 3 de janeiro)
A epígrafe, publicada e repercutida em vários veículos da mídia grande, é da fala do atual ocupante do cargo de Presidente da República do Brasil.
Brasil, um país cujas raízes escravocratas e colonialistas legaram ao início do alvorecer republicano uma taxa de 75% de analfabetismo.
E que hoje, ainda, amarga os graves índices de quase 7% de analfabetismo absoluto e 29% de analfabetismo funcional.
Há uma tarefa imensa a ser cumprida e ela depende de esforço, persistência e investimento da nação brasileira.
Mas, fundamentalmente, depende de vontade política e firme propósito.
Contudo, quando o ocupante do cargo de presidente acha que os livros têm muita coisa escrita, ele revela não só um profundo desprezo com a cultura letrada, mas especial e, fundamentalmente, um escárnio para com todos aqueles que desejariam muito poder decifrar, compreender e transitar naquele universo do “amontoado de coisa escrita”.
Quem conviveu com gente analfabeta pode entender o quão cruel é a fala do atual presidente; quem já alfabetizou e viu o brilho nos olhos da primeira leitura pode divisar o quanto é obtusa esta declaração do presidente de ocasião.
Tal fala afrontosa me choca não somente como professora e pesquisadora de políticas educacionais mas, cala fundo na memória de um dos maiores traumas inscritos na minha história familiar.
Minha avó foi impedida pelos pais de ir à escola e castigada quando tentou driblar a proibição. Possivelmente, por conta disto, nem minha mãe, nem eu e minha irmã –todas pedagogas- conseguimos alfabetizá-la.
Possivelmente, também, pela força desta dor nos tornamos militantes e profissionais da educação.
Entre tantas histórias gravadas da limitação que o analfabetismo trazia à minha avó, não obstante sua galhardia e criatividade para superar os obstáculos, uma delas é a mais forte no painel das minhas lembranças.
Estava eu no primeiro ano da graduação de Pedagogia e havia feito o primeiro trabalho de mais fôlego teórico, que até hoje guardo. Recebera um 10 e mostrava a todos os familiares com orgulho.
Ao longe, minha avó ucraniana, que imigrara para este país na infância, observava meu entusiasmo com o texto nas mãos.
Eis que ela pede para vê-lo. Eu o mostro, meio constrangida, pois sabia que ela não poderia ler ou entender.
Ela toma o trabalho encadernado nas mãos, folheia e comenta:
“Que bonito! É bem limpo”.
Era o que ela podia dizer do “amontoado de letras” que a neta escrevera.
Ainda assim, ela queria compartilhar da admiração e da comemoração e o fez do lado de fora de um universo que ela não habitava: o da cultura letrada.
Como ela, muitas senhoras e senhores, ainda hoje, são alijados deste mundo.
Muitos deles vão buscar as classes de educação de jovens adultos e entre tantos estão os que têm como motivação primeira a leitura da bíblia, aquele amontoado de coisa escrita. Outros, chegam lá pelas mãos dos filhos e netos.
Para quem é analfabeto/a, o mundo das muitas coisas escritas é o universo a ser explorado, desvendado e conquistado.
E por isto mesmo, é tão doloroso e repugnante ver que alguém que ocupa uma condição que poderia prover meios hábeis para permitir que este universo seja acessível a todos, escarneça e despreze a importância da cultura letrada e dos livros.

MEDO D'O QUÊ?!

O vertiginoso destino de um presidente fake
sul2115 de janeiro de 2020 16:57


Jair Bolsonaro (Foto: Marcos Corrêa/PR)
Sergio Araujo (*)
Petra Costa – Democracia em Vertigem
O que a ausência de Jair Bolsonaro em Davos, onde a devastação da mata amazônica será uma das pautas, e o filme Democracia em Vertigem tem em comum? Em ambos os casos o presidente brasileiro classifica-os como ficção. Pior, nega suas existências, no caso a exploração predatória da imensa floresta e o golpe que desencadeou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Nada de surpreendente, aja visto ter feito o mesmo por diversas vezes, sendo o de maior destaque a negação ao golpe militar de 64.
Nessa lógica narcisista de achar feio o que não é espelho, Bolsonaro só vê e acredita naquilo que é do seu interesse. Por isso age como um inquisidor que não se importa em jogar o país numa era de trevas. Por isso idolatra torturadores como Brilhante Ustra e abomina defensores ambientais como a “piralha” Greta Thunberg que, responsável e destemidamente, já garantiu presença em Davos.
Ao tentar ridicularizar junto a sua bolha de fanáticos seguidores o documentário produzido pela cineasta Petra Costa, dizendo que a película “para quem gosta do que urubu come é um bom filme”, Bolsonaro procura minimizar sua grotesca participação na obra cinematográfica. Livrar a sua cara, é só isso que ele se preocupa. Tudo o mais no filme é secundário.
Obcecado pela reeleição e cada vez mais encastelado pelos seus temores e pelos “débitos” assumidos com seus apoiadores, Bolsonaro se comporta como um medroso metido a valentão que morre de inveja dos corajosos, por ver neles virtudes que não encontra em si.
Por isso ele chama o documentário de Petra de carniça. Por não aceitar o papel de vilão num filme onde os protagonistas são Lula e Dilma. Por isso não concorda em dividir o debate sobre questões ambientais com quem domina o assunto melhor do que ele, mesmo que seja uma adolescente sueca. Por isso parte para o ataque pessoal sempre que se considera afrontado por perguntas indigestas, praticadas por representantes da imprensa.
Tal qual o irmão caçula que chama o irmão mais velho para defendê-lo numa briga de rua, Bolsonaro se cerca de generais no primeiro escalão do seu governo, privilegia as bancadas do boi, da bala e dos evangélicos, e se esconde sob o topete de Donald Trump, para se proteger e garantir que não será deposto do cargo.
Esta sim é a verdade disfarçada de ficção. Essa é que é a dissimulação promovida pelo presidente que ele procura transferir para outros agentes. Ele sabe das suas graves limitações e faz um esforço hercúleo para se mostrar maior do que efetivamente é. Até quando e a que custo não se sabe. O certo, porém, é que numa democracia a falsidade e a desfaçatez tem pernas curtas e a queda, inevitável, quando acontece, é sempre vertiginosa.
Para quem não assistiu “Democracia em Vertigem” transcrevo a narrativa final do documentário. Vale a pena ler até o fim.
“Um escritor grego disse que uma democracia só funciona quando os ricos se sentem ameaçados, caso contrário a oligarquia toma o poder. De pai para filho, de filho para neto, de neto para bisneto e assim sucessivamente.
Somos uma República de famílias. Umas controlam a mídia. Outras, os bancos. Elas possuem a areia, o cimento, a pedra e o ferro. E de vez em quando acontece delas se cansarem da democracia e do estado de direito.
Como lidar com a vertigem de ser lançado a um futuro que parece tão sombrio quanto nosso passado mais obscuro?
O que fazer quando a máscara da civilidade cai e o que se revela é uma imagem mais assustadora de nós mesmos?
De onde tirar forças para caminhar entre as ruínas e começar de novo?”
(*) Jornalista
§§§
As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

COMUNISMO É...

Comunista vem de comum, de coletivo, de comunhão, de comunitário
vermelho15 de janeiro de 2020 20:26


Foto: Aldarey Tamandaré
Comunista vem de comum, do latim communis que também quer dizer universal.
Comum vem de pertencente a todos ou a muitos.
Comum tem por sinônimos: coletivo, conciliatório, conjunto.
Comum é a origem de comungar, comunhão, comunicação, comunitário.
Comunismo pode ser participação, copropriedade (aí mora o medo!), cooperativismo, colaboração, solidariedade, condomínio (quem diria), segundo o precioso “Dicionário Analógico da Língua Portuguesa”, de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo.
Os primeiros comunistas da história são da pré-história: os caçadores-coletores, aqueles valentes que viviam do que caçavam e colhiam. São os tataravós da humanidade, que tanto têm pra nos ensinar.
Os homo sapiens foram caçadores-coletores durante 90% da sua existência. Somos geneticamente comunistas, portanto.
Os povos indígenas isolados são comunistas e mesmo os que mantêm cuidadoso e restrito contato com os não-índios (nós), mesmo eles vivem em estado de comunismo.
No tempo histórico, só a meros 20 mil anos deixamos de ser comunistas – por isso, muito cuidado da próxima vez que olhar no espelho, vai que encontra o comuna que se esconde dentro de você? Ele está louco pra se libertar, não aguenta mais a pressão de ter que ser o que não é, de querer ter o que não precisa e de sacrificar a vida para deixar os ricos mais ricos. E de, podre de rico, ter milhões de infelicidades.
Comunista não tem propriedade. O que é dele é de todos. E cada um ganha de acordo com a sua necessidade.
O mérito, no comunismo, é um valor coletivo. Não tem essa de “eu mereço”. Todos merecem.
No comunismo, o trabalho é a afirmação do prazer.
Tudo ia maravilhosamente bem, apesar dos trancos da vida (e da Terra bravia), até que um dia um infeliz decidiu que era preciso parar, dominar a natureza e acumular – com a desculpa de que era razoável guardar provisões para os dias de seca, de chuva, de neve. (Parece que a preguiça inventou o capitalismo, olha a contradição).
Muito tempo depois, um francês chamado Jean-Jacques Rousseau disse que o grande erro dos nossos tataravós pré-históricos foi não impedir o primeiro homem de cercar um terreno e dizer “é meu”. Alguém tinha de ter levantado e gritado: “Defendei-vos de ouvir esse impostor, estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém” (Rosseau).
Mais adiante, outro esperto acreditou que a tecnologia iria nos salvar do trabalho. A roda, a máquina, o computador ralariam por nós, a produção de bens aumentaria e todos iríamos ter mais tempo para o melhor da vida.
Quando viu o que a tecnologia tinha feito com os humanos, que tinha nos transformado em escravos das máquinas, um barbudo chamado Karl Marx imaginou que era possível mudar o jogo, criar uma sociedade igualitária, sem classes sociais, sem Estado, sem propriedade privada.
Voltaríamos a ser caçadores-coletores, só que com roupas, carros, computadores, passagem aérea e hospedagem em igualdade de condições para todos. E uns pajés pra nos conectar com o mistério e a natureza para nos alumbrar. Não deu certo.
E pensar que nós, os homo sapiens, fomos tão felizes e por uns 180 mil anos!
Conceição Freitas é repórter, cronista e dona de uma banquinha de afetos brasilienses.