domingo, 7 de junho de 2020

OS MILITARES GOVERNAM NAS SOMBRAS


Bolsonaro veio para 'causar explosão' e permitir ação 'reparadora' de militares, diz antropólogo

O presidente Jair Bolsonaro em Brasília -
O presidente Jair Bolsonaro em Brasília
Ricardo Ferraz
De São Paulo para a BBC News Brasil
07/06/2020 07h10
Desde o começo dos anos 90, o antropólogo e professor da Universidade Federal de São Carlos Piero Leirner faz pesquisas com militares. Durante esse período, estabeleceu com integrantes das Forças Armadas uma relação que classifica como sendo de "desconfiança mútua".
Apesar das dificuldades, ele conseguiu manter pesquisas que tratam principalmente da hierarquia nas organizações militares do Exército Brasileiro, como a Escola de Comando e Estado Maior.
Em entrevista à BBC News Brasil, ele afirma que a atual escalada do conflito político não é acidental. Para Leirner, ela faz parte do projeto dos militares para o país e inclui Bolsonaro em um papel bem específico: "funcionar como uma espécie de 'para-raios sem fio terra'".
"Ele causa a explosão, para possibilitar a ação reparadora dos bombeiros", diz o antropólogo, que está prestes a publicar um livro sobre guerras híbridas.
Piero Leirner traça um panorama sobre a atuação dos militares no governo Bolsonaro, e afirma que "não é uma questão de se os militares aprovam ou não o governo: eles são o governo".
Leia os principais trechos da entrevista, concedida por e-mail:
Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal
BBC News Brasil - Como os militares embarcaram no governo Bolsonaro?
Piero Leirner - A pergunta poderia ser invertida: "Como Bolsonaro embarcou no governo dos militares?" Vejo matérias e entrevistas com alguns generais que já estavam na reserva, e agora estão no núcleo do governo, dizendo que "aderiram" à candidatura "em cima da hora", em 2018, e fico me perguntando: por que, então, os colegas deles que estavam na ativa começaram a campanha pró-Bolsonaro tão antes?
Embora representasse um risco e até uma ilegalidade, isso era visível desde novembro de 2014. Dias após o segundo turno que reelegeu Dilma Rousseff, Bolsonaro foi à formatura dos cadetes na Academia Militar das Agulhas Negras e fez um discurso se lançando candidato em 2018. Saiu de lá aclamado como "líder!". Esse tipo de ato só é possível se houver autorização do comandante da Academia. E, como Bolsonaro repetiu a visita em 2015, 2016, 2017 e 2018, posso afirmar que ele contou com o conhecimento do Comandante do Exército e com o descaso dos Ministros da Defesa e dos Presidentes da República.
Deixar a política entrar nos quartéis dessa maneira compromete o Estado como um todo. Por um lado, os civis não deram a menor bola para esses eventos, pois não conseguiram pensar o papel da instituição militar no país. De outro, os militares sabem muito bem o que significa um político entrar numa instalação militar e fazer campanha, lobby, articulação etc... Bolsonaro fez tudo isso sozinho? Não. Foi o topo da cadeia de comando que ligou a ignição para um projeto político de, pelo menos, quatro anos.
BBC Brasil - Em linhas gerais, qual é o projeto das Forças Armadas para o país?
Piero Leirner - Trata-se de um projeto de refundação do Estado. Fazendo um paralelo com sistemas de informática, pense na ideia de "reiniciar o sistema", como um "reboot em modo de segurança", ou seja, quando o "administrador" tem total controle sobre o que "roda" e o que "não roda" naquele sistema.
Para isso, ele aciona ferramentas. As principais sempre foram - e tudo indica que continuarão a ser - o Poder Judiciário e o aparato policial. Entram aí também órgãos de controle e fiscalização e "aparelhos ideológicos", que mobilizam setores estratégicos da sociedade.
Os militares têm um jargão próprio para nomear essa interação. É a ideia de "sinergia". O ex-comandante Villas Bôas, por exemplo, falava da "sinergia entre Exército e TRF-4" (Tribunal Regional Federal da quarta região, responsável pelo julgamento dos processos da Lava Jato em segunda instância). Essa "sinergia" está presente no STF (Supremo Tribunal Federal), com os "assessores militares" que apareceram por lá, como os generais Fernando Azevedo (atual ministro da Defesa) e Ajax Porto Pinheiro (assessor da presidência do STF). Mas também existe em lugares menos visíveis, como na Escola Superior de Guerra (ESG), na concessão de medalhas e homenagens, no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e em redes de parentesco.
Toda essa maquinaria permaneceu mais ou menos latente depois do regime militar, mas voltou a rodar seus protocolos em meados dos anos 2000. Galvanizou cada vez mais os militares, com capturas ideológicas nas fileiras das Força Armadas, por volta de 2010, 2011. Mas tudo de forma sutil.
BBC Brasil - Se os militares estão tão presentes no governo, por que aceitam que Jair Bolsonaro dê declarações vistas como estapafúrdias a respeito da pandemia de covid-19 e entre em rota de colisão com os poderes Judiciário, Legislativo e com governadores e prefeitos, em vez de buscar ações que promovam a união nacional para combater a doença?
Piero Leirner - As declarações de Bolsonaro não são estapafúrdias apenas diante da pandemia. São diante de tudo. Seu papel é funcionar como uma espécie de "para-raios sem fio terra". Ele causa a explosão, para possibilitar a ação reparadora dos bombeiros.
Esse foi o modelo escolhido, e foi escolhido justamente por ser assim: Bolsonaro atrai o caos para si, enquanto a "solução da ordem" emerge das "instituições que estão funcionando". Dentre elas, a que se considera mais funcional e que fez um trabalho de convencimento da opinião pública para parecer assim é a instituição militar. Então, não é que os militares "aceitam" o que o Presidente diz ou faz.
De um lado, eles colocam que "não podem fazer nada, pois o jogo democrático não permite que eles intervenham". De outro, eles não só "aceitam" como "operam" essas manifestações. E saem lucrando, reafirmando sua "vocação democrática".
"A partir daí, os outros poderes começam a reagir, invadindo atribuições. E o que começa a aparecer? A ideia de que são os outros poderes que passam dos limites da democracia. E isso de fato ocorre, pois replicam todos os mecanismos da "sinergia" que foram estabelecidos no passado. Há, assim, uma retroalimentação dessas posições. As Forças Armadas jogam nas duas pontas: no "vitimismo bolsonarista" e na "tolerância" e "respeito" ao jogo institucional, reafirmando sistematicamente estarem longe do golpismo.
Como essa sempre foi uma operação baseada em contradições, justamente o que não se busca é a "união nacional". Pelo menos até a hora em que tudo ficar tão insuportável, desorganizado e caótico, que o único jeito será apelar para que eles deem um jeito nessa situação.
BBC Brasil - Como você vê esse embates entre o governo e o poder Judiciário, especialmente com o STF a partir da instauração dos inquéritos das fake news e da investigação das denúncias feitas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro?
Piero Leirner - Em primeiro lugar, é bom observar que isso segue um padrão: o próprio governo cria uma situação que força uma interferência de outro poder no Executivo, e aí eles entram com a ameaça de "interferir na interferência". Ambos os lados acionam seus mecanismos para dizer que estão na "legalidade".
Desde o começo, o governo poderia simplesmente ter se recusado a entregar o vídeo da reunião ministerial e interromper o processo. O que o STF faria? Nada. Como nada fez quando Renan Calheiros se recusou a receber a notificação do STF de afastamento da presidência do Senado, em 2016, e, dois dias depois, o plenário derrubou a decisão monocrática de Marco Aurélio Mello.
Mas, nesse caso, o governo sabia que, para seus propósitos, era melhor escalar o conflito. E o STF? Agora o Tribunal se tornou a força moral de defesa da "civilização contra a barbárie". Todos os que são antigoverno apostam suas fichas no "padrão lavajatista", que voltou a ser acionado com a saída de Moro. A PF age a favor, age contra, e o que sobra? A ideia de que estamos em um embate final entre duas forças contrárias.
Isso, na linguagem militar, é chamado de "operação em pinça". Sabe aquela tática do "bom policial versus mau policial"? No final, quem se rende é o interrogado. Ou seja, todo mundo acaba aceitando o "reboot do Estado" porque não suporta mais essa situação. Ao que tudo indica, os militares vão forçar essa situação. Se não pela ação direta, pela caneta dos juízes.
BBC Brasil - Acho que aqui cabe a pergunta clássica, muito repetida desde a eleição de Bolsonaro: corre-se o risco de um golpe militar no Brasil?
Piero Leirner - Depende de como você está considerando a ideia de "golpe". O que vejo aqui desde 2014? Uma série de intervenções feitas por militares e a construção de uma rede de outros agentes públicos que agiu em cooperação com eles, na tal "sinergia".
Para fazer isso, houve manipulação de informações, ingerências, operações não explícitas, ameaças e, acima de tudo, propaganda e muito bombardeio ideológico. Todo este processo foi executado, até o momento da eleição de Bolsonaro, com a preocupação de manter o discurso de que "as instituições estão funcionando", mas estavam "em risco" por conta do PT e dos "políticos".
Dilma Rousseff foi grampeada falando de dentro do Planalto. Uma falha de segurança no Palácio do Jaburu quase derruba Michel Temer (no grampo de Joesley Batista). Criou-se uma intervenção no Rio de Janeiro que travou o Congresso por quase um ano. Quem fez isso? Sempre parece ter partido de alguém de fora das Forças Armadas, mas os militares sempre estiveram indiretamente envolvidos, na órbita desses eventos.
Note que a invasão de um poder por outros começou lá atrás. Villas Bôas injetava a política dentro dos quartéis, afirmando que o Exército é uma instituição de Estado, não de governo. Isso é a invasão da política no poder armado. Depois, o poder armado instalou uma sucursal no STF, que ainda está presente com um general, o assessor da presidência Ajax Porto Pinheiro.
Agora o padrão se repete, mas Augusto Heleno (ministro-chefe do GSI) diz que isso causa "instabilidade". Então vamos voltar à pergunta: há sentido em se falar em "golpe", se esses movimentos partem dos mesmos setores do Estado que seguem no protagonismo das ações? A palavra "golpe" tem uma eficácia: dizer que há um rompimento institucional. Mas acho que ela também livra a cara de todos os atores que se mexeram nesse sentido até 2018. Ocorra o que ocorrer, prefiro pensar numa linha de continuidade.
BBC Brasil - Os militares aprovam, então, a forma como Jair Bolsonaro faz política, colocando as instituições brasileiras frequentemente em xeque?
Piero Leirner - "Os militares", assim, no genérico, fica difícil de dizer. Mas os que estão no governo o apoiam, sim.
Há duas questões: eles percebem que as instituições estão sendo colocadas em xeque pelos militares? Ou, ao contrário, as instituições é que estão colocando eles em xeque? É preciso respondê-las dentro de um processo mais amplo, que parte, sobretudo, de "inversões de sinais", algo que se faz muito em "operações psicológicas", descritas em manuais de campanha militares.
Se voltarmos uma década, veremos que se propagou dentro das Forças Armadas a ideia de que elas estavam sendo atacadas pelos governos petistas na tentativa de controle da hierarquia, dos currículos das escolas militares, de interferência nos valores e missões da instituição e, especialmente, com a Comissão da Verdade. A partir daí, eles projetaram essa ideia para o todo, e aderiram à visão de que o PT visava a "divisão" do Brasil: em classes, raças, gêneros, "ideologias" etc.
Aí eles alardeiam: "as instituições foram colocadas em xeque". E o que fazer? Tomar o Estado e começar um processo de aparelhamento, exatamente o que eles alegavam que o PT promovia.
Aí, vamos para a segunda questão: foi o governo Bolsonaro que colocou as instituições em xeque, ou elas mesmas se colocaram, antes? Eu acho que o governo Bolsonaro é a projeção de instituições que primaram pela subversão de seus papéis: as Forças Armadas, onde a política entrou por uma porta e a disciplina saiu por outra, e o Judiciário, que resolveu mergulhar na política. Não é uma questão de se os militares aprovam ou não o governo: eles são o governo e Bolsonaro é o projeto deles.
BBC Brasil - O governo parece se apoiar nas Forças Armadas, mas também em setores ideológicos ligados a Olavo de Carvalho. Essa composição tem suscitado conflitos entre os militares e outros grupos. Como os militares enxergam essa outra ala?
Piero Leirner - Para os militares, Olavo de Carvalho e sua entourage cumprem o mesmo papel de Bolsonaro: são incendiários convenientes. Servem para operar em contraste com a "ala racional", associada a eles próprios. Essa sensação de racionalidade se tornou tão ampla que parece ter conseguido transformar a tal "ala ideológica" em boi de piranha.
Obviamente, os militares perceberam que essa trupe tem a vocação de "homens-bomba". A única coisa que conseguem fazer, de fato, é produzir um enorme estrago, o que não é pouco. Atingem, sobretudo, áreas que são mais difíceis para os militares entrarem, como educação, relações internacionais, cultura. Aí, produzem uma "estratégia de abordagem indireta", uma espécie de terceirização de uma ação ofensiva. No jargão militar, isso se chama "cabeça de ponte", aqui atuando como "forças especiais ideológicas", atrás da linha do inimigo.
De quebra, os militares usam fragmentos do arsenal olavista para convencimento do próprio público, de que a conspiração comuno-globalista está batendo à porta no Brasil, colocando isso no âmbito de uma teoria de guerra de 4ª geração, as guerras assimétricas, irregulares, híbridas. Muito do campo de batalha está nas "operações psicológicas", em propaganda, informações e contra-informações. Não há contradição de fato, ela é só aparente. Para mim, não faz sentido se falar em "alas" no governo.
BBC Brasil - Recentemente, os militares também entraram em rota de colisão com o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao propor um plano de gastos públicos para reativar a economia após a pandemia de covid-19. Há diferença de opiniões na condução da política econômica entre os militares e Guedes?
Piero Leirner - Não me parece que tenham entrado, de fato, em rota de colisão com Guedes. Houve mais a apresentação de um "power point", do que um plano para recuperação da economia. No geral, e de forma bem resumida, diria que a maior parte dos militares é liberal, ou neoliberal, e está sintonizada com a ideia de que o Brasil tem um papel de "defesa mínima não provocativa" do capitalismo financeiro. Ou seja, acreditam que o país cumpre o papel indispensável de fornecedor de commodities em escala global, mesmo que sob controle estrangeiro, pois isso tem uma função geopolítica no mundo. E, para sustentar esse papel, concordam com uma ideia de "Estado mínimo".
BBC Brasil - Como os militares lidam com acusações de envolvimento da família Bolsonaro com milícias no Rio de Janeiro?
Piero Leirner - Os militares em geral, não sei. Mas para alguns que estão no controle desse processo é só mais uma vantagem: possibilita um descarte em caso de "pânico", isto é, caso pareça que toda a ordem do Estado e da sociedade tenha naufragado com Bolsonaro. Não tenhamos ilusões: militares ocuparam a segurança pública do Rio de Janeiro em 2018, durante a intervenção federal determinada pelo governo Temer, com Braga Netto à frente. Hoje ele é o ministro-chefe da Casa Civil e até foi apelidado de "presidente operacional". Se não sabiam do que se tratava, mesmo com toda a unificação da inteligência que a intervenção providenciou, é sinal de que não sabem do mínimo para se pensar num projeto de país. "Inteligência", afinal, é isso, reconhecer o terreno onde se pisa.
BBC Brasil - Militares de baixa patente e policiais militares nos Estados têm se mostrado apoiadores fiéis do presidente da República. De alguma forma, isso ameaça o comando das Forças Armadas?
Piero Leirner - Não são só militares de baixa patente que apoiam o governo e a própria figura de Bolsonaro. Diante disso, não creio que eles enxergam com maus olhos esses rompantes das PMs. Acho que há mais sintonia ideológica do que conflito de atribuições. Todos concordam que a disciplina saiu para dar uma volta, e assim todos fingem estar "disciplinados", porque estão na mesma "vibração", outro termo bastante utilizado no jargão militar.
BBC Brasil - Há tentativas abertas de formação de grupos paramilitares pró Bolsonaro, como é o caso do acampamento "300 do Brasil", montado recentemente em Brasília. O que isso significa?
Piero Leirner - Se esses "grupos" vão ganhar força é difícil dizer. Vendo por alto, pode ser que apareça algum controle de militares, se assim precisar. Por enquanto, eles estão nessa guerra psicológica, deixando todo mundo com os nervos à flor da pele.
BBC Brasil - Os pedidos de impeachment contra Bolsonaro se intensificaram na Câmara dos Deputados. Como as Forças Armadas lidam com essa possibilidade?
Piero Leirner - Na minha opinião, o impeachment, se vier, será porque chegou a hora do descarte desse "para-raios". Mas, para isso ocorrer, é preciso que a percepção do caos iminente seja absoluta. Tem de chegar ao ponto em que o tal "reboot do Estado" seja consenso. Se vier, vem com pacote de transformações mais abrangente.
Acho mais viável sustentar Bolsonaro nessa condição fraca e manipular a eleição de 2022, produzindo um repeteco de 2018 com uma "solução de consenso". Uma chapa composta por Sergio Moro e Santos Cruz, por exemplo, versus alguma ameaça petista de plantão. Se vão antecipar isso com Mourão, é difícil saber.
Precisamos ter noção de como estará o controle do Congresso e do Judiciário, com os tribunais superiores representando a caneta que irá decidir quem pode e quem não pode existir na política. Já o GSI deve ter o papel de abastecer todo esse processo com informações.
BBC Brasil - É possível imaginar como seria um governo Mourão?
Piero Leirner - Até gostaria de pensar como seria esse cenário, mas só dá para arriscar algo vendo o desenho de uma saída de Bolsonaro, se ela ocorrer de fato. Tudo depende dessa avaliação de "ponto de ruptura", e como certos atores vão ser enquadrados. Ainda mais com esse imponderável da pandemia, e todos os seus desdobramentos no plano internacional.
Considerando que o consórcio que projetou a situação até aqui ainda está no controle, diria que um governo Mourão teria mudanças superficiais, embora todo mundo possa ficar aliviado com o aparente triunfo da "civilização" sobre a "barbárie".
PUBLICIDADE

Notícias


sábado, 6 de junho de 2020

O ÓDIO IDEOLÓGICO

Se?!!


Os nazifascistas odeiam tudo que não sejam nazifascistas. Eles acusam os comunistas por causa do “partido único”, mas, na verdade, são eles sóis que permitem um único partido, permitem uma única economia; uma única cultura é permitida, uma única sociedade é permitida, desde que seja nazifascista e composta única e exclusivamente por “homens e mulheres brancos/as” com determinadas características padrão, comum entre eles. Raça pura, isso é, PO [pura origem] germânica!! Galega!!

Constituição com sua justiça: direitos, leis, democracia, liberdade, liberdade de expressão, educação, saúde, trabalho/emprego, moradia, povo, religião, natureza, deus…, o estado a nação o país… tudo isso e muito mais somente é permitido/a aos nazifascistas pelo nazifascismo, para nazifascistas, com nazifascistas.


Não acreditas?!!


O www.google.com aí se encontra acessível e livre para todos e todas que queiram bem ou mal se (in)formar… Assim como livros enciclopédias, revista, etc.


Aproveite a quarentena e…


É isso mesmo que você realmente defende e quer continuar defendendo em bolsonaro e em todos os seus iguais e seguidores?


Se você concorda com tudo isso, fique com bolsonaro e com ele vá para o inferno do bolsonaro.
Se?!!

Pois lhe recomendo, lhe aconselho que fique muito, mas muito longe, muito distante de mim!!!!!!


Negreiros Deuzimar Menezes, 65, Professor (de Professo...)¹, num canto, de um lugar qualquer, em 05 de Junho de 2020.

A polícia de bolsonaro vai botar a mão na sua carteira de motorista

Sábado, 6 de junho de 2020
Abin vai botar a mão na sua carteira de motorista

Uma série de documentos enviados ao Intercept por uma fonte anônima mostra que a Abin, a Agência Brasileira de Inteligência, está articulando um esquema de espionagem massiva com dados de 76 milhões de pessoas que têm carteira de habilitação no país. Isso é um terço da população.

A agência pediu ao Serpro, a estatal de processamento de dados, que extraísse dados como nomes, filiação, endereço, documentos pessoais, fotos e dados do veículo de todos os motoristas habilitados do país – se você tem CNH, certamente está na lista.

O pedido, que vai custar pouco mais de R$ 330 mil, era para que o Serpro extraísse os dados e entregasse à agência uma base organizada e atualizada mensalmente. Ele foi feito no final de abril, mas encontramos indícios de que ele vinha sendo articulado desde pelo menos novembro do ano passado, quando houve uma reunião entre funcionários do Serpro responsáveis pelo projeto e dirigentes da Abin. Entre eles, está Rolando Alexandre de Souza, então secretário de Planejamento da agência, e hoje nomeado diretor da Polícia Federal por Jair Bolsonaro.

É comum que o Serpro tenha contratos de processamento de dados com órgãos públicos – mas não com a agência de espionagem. O que esse pedido significa em um contexto em que Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, responsável pela agência, fala em “consequências imprevisíveis” para a democracia brasileira? E num cenário de pandemia e agitação social, em que órgãos de estado estão aparelhados e politizados? O que a Abin vai fazer com um catálogo tão massivo de brasileiros, do qual você faz parte mesmo sem saber?

O esquema de vigilância massiva da Abin, revelado pela primeira vez agora no Intercept, deixa uma série de perguntas abertas. E ninguém sabe responder: a comissão mista do Congresso, que deveria fiscalizar a agência de espionagem, não se reúne desde outubro passado e foi avisada sobre o pedido da Abin por nós.

Às vésperas de mais um protesto, num contexto de caça às bruxas e perseguição aos inimigos, uma agência estatal, responsável por municiar o presidente da República com informações estratégicas, está se transformando em um instrumento particular de vigilância sobre todos nós.

É coisa de ditadura.
 
Tatiana Dias
Editora Sênior
 
Rafael Moro Martins
Editor Contribuinte Sênior
 

Destaques

Sem a sua ajuda o Intercept não existe. Precisamos do seu apoio para investigar ainda mais poderosos e fazer novas denúncias.

FAÇA PARTE DO TIB →

 
Por que Sarah Winter do 300 Pelo Brasil é um caso especial no inquérito das fake news
João Filho
Sarah Winter e o movimento paramilitar liderado por ela refletem o desejo de Bolsonaro de armar e preparar a população para uma guerra civil.
Comentários racistas na cobertura dos protestos antirrascistas na CNN e GloboNews
Cecília Olliveira
‘A gente supõe que tenha sido alguém, talvez, até querendo bater carteira’, disse jornalista branca ao ver um policial detendo violentamente um homem negro.
Coronavírus: Remdesivir não vai acabar com a pandemia apesar do alarde
Sharon Lerner
Uma combinação de medicamentos genéricos parece ser mais eficaz no combate ao coronavírus do que o Remdesivir antiviral.
De ‘moderados’ a cúmplices: como a imagem dos militares no governo Bolsonaro virou o fio
Lucas Rezende
Militares se tornaram fiadores do que há de pior na agenda obscurantista bolsonarista.
Assassinato de George Floyd em Minneapolis expõe falhas de reformas na polícia
Alice Speri, Alleen Brown, Mara Hvistendahl
Enquanto protestos tomam as ruas após homicídio de George Floyd pela polícia, especialistas dizem que é preciso ir além das reformas policiais.
Ameaça de atirar em manifestantes feita por Trump tem uma longa história de racismo por trás
Robert Mackey
A sanguinária ameaça de atirar nos manifestantes de Minneapolis feita por Donald Trump remete às palavras usadas por um oficial racista que foi chefe de polícia em Miami na década de 1960.

Recebeu este e-mail encaminhado por alguém? Assine! É grátis.
Mudou de ideia e não quer receber nossa newsletter?
Clique aqui para cancelar a inscrição.
Obrigado por nos ler! Que tal nos dizer o que achou?
Nosso e-mail é: newsletter@emails.theintercept.com

sexta-feira, 5 de junho de 2020

TODO MUNDO SEM TODO MUNDO


"Não tem mais mundo pra todo mundo", diz Deborah Danowski
Deborah Danowski não é apenas professora, doutora e pós-doutora em filosofia. Ela é uma das maiores estudiosas do aquecimento global, ou do colapso ecológico, como ela prefere, e militante ambiental aguerrida. Com o companheiro, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, divide alguns cursos na pós-graduação Pós-Graduação da PUC, e a autoria de um livro que vem dando muito o que pensar. Lançado em 2014, “Há um mundo por vir: ensaio sobre os medos e os fins” é uma espécie de ensaio-provocação sobre a ruptura do homem com o mundo, que está por trás da destruição do planeta em ritmo assustador. As ficções distópicas no cinema, nas séries de TV, nos livros, as versões de “fins dos mundos” que imaginamos, são uma maneira de expressar a percepção desse colapso, diz Deborah, embora a humanidade esteja longe de perceber a urgência e a extensão dessa catástrofe, da qual a atual pandemia é uma pequena amostra.
Para a filósofa, porém, lembra o que disse Bruno Latour, a elite financeira, política e econômica do planeta, sabe muito bem do que está acontecendo e mente para se proteger. Ela chama a atenção para a desigualdade de efeitos do colapso ecológico sobre as populações, como está acontecendo com o coronavírus. “O aquecimento global é democrático como se diz que a pandemia é democrática, isto é, no sentido de que todos, pobres e ricos, são ou serão atingidos. Mas nenhuma das duas coisas é democrática em relação a quem tem mais capacidade de se proteger, ou meios para reagir, como, no caso da pandemia, o acesso à saúde”.
Pensadora inquieta, Deborah concluiu no ano passado seu segundo pós-doutorado na PUC-SP – o primeiro foi concluído em 2001, junto à Universidade de Paris IV (Panthéon-Sorbonne). O tema de sua pesquisa “Negacionismos” não poderia ser mais relevante no mundo e, especificamente, no Brasil de Bolsonaro – adepto do negacionismo em relação à pandemia – “uma gripezinha” -, à ditadura militar e até dos fatos, com seu desprezo pelo jornalismo e pela ciência. “Tem pessoas que dizem que a Terra é plana, que a ditadura militar não existiu no Brasil, ou que a Globo é comunista, que os nazistas eram de esquerda, que a cloroquina cura sem sombra de dúvida, enfim a lista é longa. Não pode ser por acaso que todas essas coisas se juntaram neste governo e, embora eu tenha estudado um pouco esse fenômeno, ele continua sendo um mistério para mim; porque não são só esses absurdos que são ditos sabe-se lá por quais interesses, são as pessoas que acreditam neles, e que seguem o que o presidente e seus ministros dizem”.
Deborah Danowski é pós-doutora em filosofia e estudiosa do colapso ecológico
Confira a entrevista.
Você estuda os fins dos mundos e fala também de como essa ideia se traduz culturalmente nas distopias produzidas em filmes, livros, séries. Um dos trechos do Há um mundo por vir: ensaio sobre os medos e os fins?, o livro que você escreveu com o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, cita uma dessas catástrofes imaginadas na ficção, a do “supervírus letal”. Como você recebeu a notícia dessa pandemia?
Pois é, mas foi uma menção muito rápida. A gente mencionou o vírus letal, e inclusive poderíamos acrescentar o vírus zumbi, né? [rs]. Brincadeiras à parte, Eduardo e eu falamos do vírus letal dentro desse quadro que a gente chamou de imaginações do fim do mundo. E, embora eu tenha passado anos em torno dessa questão do colapso ambiental, do fim do mundo, e as várias formas desse fim do mundo – mundo sem gente, gente sem mundo, antes e depois do mundo presente –, que foi como a gente começou a pensar as variações possíveis nas imaginações sobre a quebra dessa relação do homem com o mundo, pois na verdade é sobre isso que é o livro, eu tenho que confessar que nunca levei muito a sério esse tipo de coisa – meteoro, vírus letal, guerra bacteriológica – justamente porque já é tão grande o colapso ecológico que isso ocupava minha mente o tempo todo. Então foi uma surpresa pra mim também. E as primeiras notícias vinham cheias de adversativas, diziam que o novo coronavírus não era tão grave assim, que não se espalhava tão rápido quanto o sarampo, então minha primeira tendência foi não prestar atenção. Mas, pra mim, foi muito rápida essa passagem de não prestar atenção a perceber que era uma coisa séria. Já outras pessoas demoraram mais a se dar conta. Há graus diferentes de velocidade com que as pessoas vão se dando conta e vão entendendo que aquilo é real. A minha universidade, por exemplo, demorou um pouco a fechar, dei aulas com 40 alunos, com 60 alunos, e naquele momento eu já sabia que era sério. Tem graus de velocidade com que as pessoas vão se dando conta e vão entendendo que aquilo é real. Acho que isso é muito parecido com a demora maior ou menor com que as pessoas se dão conta do colapso ecológico.
O colapso ecológico é o seu tema principal de estudo. Quando soube da pandemia, você ligou o surgimento do novo coronavírus a essa catástrofe maior? Você acha que as pessoas estão fazendo essa ligação?
Pra mim, sim, era evidente. Não só a origem, mas a forma e a rapidez da disseminação do vírus, que tem a ver com a movimentação das pessoas e produtos, com o transporte global, com o desmatamento, com a agroindústria, com a forma como a gente está vivendo. O colapso ecológico não se resume à mudança climática, são vários parâmetros ou limites planetários; e, se um deles cai, se um deles é ultrapassado, tudo cai junto, é que nem um dominó. E o vírus está dentro desses subsistemas ecológicos, que constituem e sustentam a biosfera. Então, quase imediatamente eu me dei conta e, em seguida, percebi a proximidade desse processo pelo qual as pessoas recebem as notícias da pandemia e do colapso ecológico e respondem ou não a ela.
Claro, há algumas diferenças muito grandes, a começar pela velocidade do próprio acontecimento. A pandemia, em um, dois, três meses aqui no Brasil, já tinha assolado tudo, enquanto a mudança climática é bem mais gradual: a temperatura está aumentando, os eventos extremos estão mais frequentes e fortes, as secas, as tempestades, um pouco aqui, um pouco ali, e os fenômenos não acontecem na mesma velocidade e da mesma forma no mundo inteiro. Então isso permite que as pessoas afastem de si, enquanto podem, esse pensamento, esse perigo, porque é algo muito mais lento e demorado. Mas temos nos dois casos o mesmo processo de recusa do que está acontecendo, de negação, de dizer “não é tão grave”, “é só uma gripezinha”, “vai ter um remédio que vai nos curar, a vacina vai chegar a tempo”, “alguém vai fazer alguma coisa”. E aqui, no Brasil, a gente está percebendo claramente que ninguém vai fazer nada; ou melhor, somos nós mesmos que estamos fazendo, nós que temos que fazer, a sociedade civil, os coletivos, os grupos, ONGs, laboratórios, universidades, artistas, porque do outro lado, do lado do Estado, que hoje virou um poder de milicianos, só encontramos a tentativa de nos impedir, de nos barrar.
E o que é especialmente trágico, cruel, além das mortes, é esse isolamento que a gente é obrigada a fazer, que necessariamente bate em todo mundo e de uma maneira violenta porque não dá nem pra gente enfrentar adequadamente esse governo de loucos. A resistência existe. Por exemplo, tem esse movimento incrível de pessoas que estão se juntando para ajudar, os coletivos, uma porção de grupos da sociedade civil que estão se organizando; as pessoas estão indo lá, enfrentando a pandemia com seus próprios corpos, mas é muito difícil enfrentar o que está acontecendo sem poder ver as pessoas, falar com as pessoas, tocar nas pessoas.
Aproveitando o gancho da recusa de aceitar a gravidade da pandemia, o colapso ecológico, você pesquisa o negacionismo também, não é? Como você vê esse duplo negacionismo do governo, de um lado um presidente que nega fatos históricos, nega a ditadura militar, de outro a negação da gravidade da pandemia, da ciência?
Eu me interessei pela questão do negacionismo por ter me acontecido várias vezes de debater com pessoas, inclusive com pessoas de esquerda, pessoas da academia, que simplesmente não acreditavam no aquecimento global: “Isso é aquecimentismo, isso é Hollywood, isso são os países desenvolvidos querendo impedir o Brasil de se desenvolver”. E fui percebendo que existem vários graus e várias maneiras de se negar. Desde Olavo de Carvalho, que diz que a Terra é plana, Trump, que diz que o aquecimento global é uma bobagem ou um complô da China, ou as pessoas que são pagas pelas indústrias de combustíveis fósseis – porque o grosso do negacionismo é financiado, como aconteceu também com a invasão de fake news na época das eleições –; desde esse tipo de gente, então, até ecologistas, pessoas que há anos trabalhavam em defesa da preservação do meio ambiente e da justiça ambiental, mas que, quando se viam diante do problema do aquecimento global, tinham como que um obstáculo epistemológico, para usar o termo do [Gaston] Bachelard. Isso não cabia dentro das suas estruturas mentais. E algo parecido se passa com pessoas que pensam “ah, tem sim, mas isso alguém vai resolver, vão inventar uma tecnologia” e até com nós mesmos, que não conseguimos pensar nisso o tempo todo e que portanto também negamos uma boa parte do tempo.
Então eu achava esse negacionismo um mistério, e um pouco até pra me defender do estado de espírito em que eu ficava quando debatia com alguém sobre isso, com alguém que negava, um dia eu pensei: “Vou dar um curso sobre isso”. E comecei desdobrando a negação em várias modalidades, passando por conceitos da psicanálise, da filosofia, e retrocedi até o Holocausto. Porque o termo “negacionismo” – isso é importante – passou a ser usado com um sentido semelhante a partir de 1987 pelo historiador francês Henry Rousso, pra denunciar os revisionistas do Holocausto, que diziam que não tinha havido campos de extermínio, que não tinha havido genocídio de judeus etc.
De acordo com Deborah Danowski: “O aquecimento global é democrático como se diz que a pandemia é democrática, isto é, no sentido de que todos, pobres e ricos, são ou serão atingidos”
E esse negacionismo do passado, com fatos históricos registrados em documentos, depoimentos, assim como acontece aqui com a ditadura, é mais difícil de entender do que a recusa do aquecimento global, que é em relação ao futuro.
Pois é, justamente. Se a pessoa é paga pra isso até dá pra entender, e se a pessoa tem interesses econômicos, políticos ou religiosos, isso também é, digamos assim, compreensível. Mas e quando isso não existe? Porque, no caso do Holocausto, há documentos provando, testemunhas, histórico das indústrias que fabricaram o gás Zyklon B e que continuam existindo até hoje. Por que esses empresários colaboraram com o regime nazista? Por que algumas dessas empresas continuam existindo? Acho bem interessante essa comparação que você faz entre negar o passado e negar o futuro. Porque o aquecimento global já está acontecendo, e nesse sentido ele é presente e passado, mas a grande negação é de que isso vá explodir, com uma dimensão muitíssimo maior do que a pandemia da Covid-19, num futuro próximo, e vai atingir todos nós, ou pelo menos nossos filhos e netos, vai atingir todos os povos, incluindo aqueles que menos emitem dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa. Porque o aquecimento global é democrático, como se diz que a pandemia é democrática, isto é, no sentido de que todos, pobres e ricos, são ou serão atingidos. Mas nenhuma das duas coisas é democrática em relação a quem tem mais capacidade de se proteger, ou meios para reagir, como, no caso da pandemia, o acesso à saúde.
Mas voltando à comparação entre o negacionismo do passado e do futuro. Tem muita coisa diferente nessas duas formas, mas muita coisa parecida também. Existe um texto excelente, bastante conhecido, da Shoshana Felman, “In a era of testimony”, sobre o Shoah, aquele filme maravilhoso do Claude Lanzmann, de 1985, que tem quase nove horas e foi feito só com testemunhas do Holocausto, em que ele leva as testemunhas, em sua maioria sobreviventes dos campos, para aqueles mesmos locais na Polônia e força uma espécie de reencenação: ele vai fazendo perguntas, e em alguns momentos ficamos até incomodados com isso, porque ele força as pessoas a falar, a se lembrar, mesmo contra a vontade delas, porque quer construir uma memória. E a Shoshana Felman analisa esplendidamente esse filme e mostra como o Lanzmann se baseia, em parte, numa distinção feita pelo historiador Raul Hilberg no livro A destruição dos judeus europeus, entre três tipos de personagens do Holocausto:– perpetradores – nazistas –, vítimas – judeus – e espectadores – os poloneses que viviam ao redor dos campos ou nas aldeias próximas. Então são três tipos de testemunhas que aparecem no filme: os sobreviventes judeus, os nazistas – que ele filma escondido – e os poloneses, que dizem que não tinham nada contra os judeus e que eram proibidos pelos nazistas de olhar, mas que, quando levados pelas perguntas de Lanzmann a falar um pouco mais, percebemos que conheciam muitos detalhes do que se passava, ouviam os gritos, sabiam para que serviam os trens, e não haviam feito nada.
Inspirada nesse texto, pensei: “Eu posso começar trazendo para a questão do aquecimento global essas três posições”. Só que eu inseri mais um termo nessa comparação: os animais criados e mortos nas grandes fazendas-fábricas; porque vários já chamaram de genocídio, e mesmo de Holocausto, aquilo que fazemos com esses animais, mas vamos deixar essa questão de fora aqui. Pois bem, eu percebi que essa transposição das três posições de Hilberg funciona para o aquecimento global, porque você tem as vítimas da crise ecológica, começando com os animais e as plantas, já que estamos causando a sexta grande extinção em massa da história da vida na Terra, numa taxa que, dizem alguns, é de até mil vez o número de espécies que normalmente são extintas no curso da evolução; e evidentemente há as vítimas humanas, porque o colapso ecológico vai atingir todo mundo, embora, em primeiro lugar e mais fortemente, as pessoas mais pobres, as mesmas que estão morrendo mais devido ao coronavírus, não é? Então temos as vítimas, os perpetradores, que nesse caso podem ser as grandes empresas de combustíveis fósseis, as empresas de processamento de carne, a Monsanto, as mineradoras, o sistema financeiro; e podemos ir desdobrando até onde a gente quiser: há os maiores poluidores e devastadores – alguns estudos falam em 20 empresas que são responsáveis por um terço de todas as emissões globais de carbono; outros falam em 100 grandes companhias que, sozinhas, são responsáveis por 70% das emissões –, mas a partir daí você pode ir descendo. E temos os espectadores, que somos todos nós no fim das contas, porque somos ao mesmo tempo vítimas e espectadores – quando não somos perpetradores. E, assim como os poloneses em relação aos judeus, nós não fazemos quase nada, fazemos muito pouco. Continuamos vivendo como se houvesse amanhã, como se estivesse tudo bem. A pandemia bateu forte porque a gente não pode, pelo menos neste momento, continuar vivendo como estava vivendo. Até a Rede Globo foi forçada a dizer: tem alguma coisa errada; tem que ter um sistema de saúde que proteja todo mundo, tem que ter uma renda básica pra todo mundo.
Voltando às três posições: como mostrou muito bem a Shoshana Felman, elas não são apenas três perspectivas sobre o que estava acontecendo, três maneiras de ver, elas também são três maneiras de não ver. Nem mesmo as vítimas tinham a noção da totalidade do que estava acontecendo; os perpetradores tinham que esconder, impedir os outros de ver e dizer, e os espectadores eram impedidos de olhar, viam pelas frestas, digamos assim. E é um pouco o que acontece com a gente em relação ao aquecimento global.
Os espectadores são mais negacionistas que os demais? Porque, se eles não estão nem de um lado nem de outro, poderiam ver melhor, não? Por que eles negam o que estão vendo?
Sim, acho que você tem razão, e é exatamente aí que a coisa começa a ficar mais difícil de entender. É talvez a “zona cinzenta” de que falava o escritor italiano, sobrevivente de Auschwitz, Primo Levi. No filme de Lanzmann, os espectadores trazidos à cena são poloneses e alguns alemães. E embora eles dissessem que o que aconteceu foi horrível, e que eles gostavam dos judeus etc., não hesitaram, por exemplo, em pegar para si as casas dos judeus que foram levados pros campos. E quando, por exemplo, Lanzmann leva Simon Srebnik – que sobreviveu porque tinha uma voz muito bonita e os alemães gostavam de ouvi-lo cantar – para a aldeia onde ele vivia, os antigos moradores de início festejaram a sua volta, mas, conforme eles vão falando – respondendo às perguntas do diretor –, vai se revelando todo o preconceito e toda a raiva que eles tinham dos judeus na época. Isso pra dizer que os espectadores negam por vários motivos.
Um parêntesis para uma diferenciação importante. O negacionismo é um termo que vem do francês, como eu disse, négationnisme; em inglês se usa denial, negação. E uma coisa é to deny, negar; outra coisa é to be in denial, estar em negação, ou em denegação, não querer acreditar, o que pode ser entendido, resumidamente, como o mecanismo psíquico necessário para evitar um sofrimento ainda maior do sujeito – e a psicanálise nos ensinou que há várias formas patológicas dessa recusa da realidade, de torção da realidade. Os judeus estavam em negação, mais do que negavam o que estava acontecendo, embora tenha havido, também entre eles, certas atitudes que poderiam ser interpretadas como negacionistas. Mas existem todas essas posições dentro de cada uma das posições, essa é que é a verdade.
Mas e os negacionistas de hoje? Porque, quando eles estavam imersos no Holocausto, essa negação era possível, mas e agora que a gente sabe com segurança o que aconteceu?
Pois é. Tem pessoas que dizem, por exemplo, que a Terra é plana, que a ditadura militar não existiu no Brasil, ou que a Globo é comunista, que os nazistas eram de esquerda, que a cloroquina cura sem sombra de dúvida, enfim a lista é longa. Não pode ser por acaso que todas essas coisas se juntaram neste governo e, embora eu tenha estudado um pouco esse fenômeno, ele continua sendo um mistério para mim; porque não são só esses absurdos que são ditos sabe-se lá por quais interesses, são as pessoas que acreditam neles e que seguem o que o presidente e seus ministros dizem. Eu estava trabalhando com o negacionismo quando entrou o Bolsonaro, e então tudo ficou desatualizado imediatamente, eu me senti atropelada pela realidade, mesmo que eu já soubesse que tudo que se escreve sobre o aquecimento global fica desatualizado muito rápido, já que as mudanças climáticas estão se acirrando cada vez mais rapidamente. Quando eu comecei a trabalhar nesse texto sobre o negacionismo – o texto que saiu pela n-1 –, eu me concentrava no colapso ecológico, e o Brasil não era como os Estados Unidos, por exemplo. Na direita americana você tem que ser negacionista do clima, senão você é democrata, mas aqui não era assim. Com o Bolsonaro ficou assim. O negacionismo se expandiu, o governo inteiro se voltou contra a ciência, mesmo no que diz respeito à pandemia do coronavírus, como estamos vendo. No caso do governo, é difícil saber se eles acreditam mesmo nisso tudo ou se é só uma estratégia… O Olavo de Carvalho, por exemplo, eu não creio que ele ache que a Terra é plana, ou que o nazismo era de esquerda. Mas a coisa chegou a tal ponto que é difícil saber ali dentro quem acredita no quê. Ou até mesmo quem é adepto daquelas religiões neopentecostais que acham que o mundo vai acabar mesmo, e que então tudo bem, vamos aumentar o caos, e o vírus é até bem-vindo porque está ajudando a apressar o Apocalipse, para que sobrem só os eleitos. No que o Bolsonaro de fato acredita, não sei. E não cabe a nós ter que decifrá-lo. Mas lembremos que os que apoiaram sua eleição, acharam que era melhor – e mesmo vantajoso – aguentar no governo uma pessoa que diz esse tipo de coisas, contanto que o Paulo Guedes conseguisse fazer passar suas reformas. Onde colocar esses que o apoiaram em plena consciência, por cálculo político-econômico? Certamente não entre as vítimas inocentes. Serão meros espectadores ou, quem sabe, colaboracionistas?
“Com o Bolsonaro ficou assim. O negacionismo se expandiu”, afirma Deborah Danowski
Podemos considerar as fakes news uma espécie de negacionismo? Dos fatos? Do jornalismo?
Acho que sim. Porque esse é um trabalho de profissionais, não é de pessoas que receberam uma informação errada. Eles são financiados para isso, como vimos na última campanha eleitoral. E aí, não basta negar, você tem que colocar alguma coisa no lugar, criar confusão, então se criam os fatos falsos. Isso não é denegação, não é recusa, não é desinformação, e muito menos discordância: é mentira mesmo, e criminosa, claro. Eles sabem que aquilo é falso, mas acham que podem extrair alguma vantagem disso. E essa é uma posição muito forte também dentro do negacionismo climático. Eles sabem que o aquecimento está acontecendo, ainda mais que cada vez é mais difícil de ignorar a enorme quantidade e gravidade dos eventos climáticos extremos – tanto que o número de pessoas que, de boa-fé, digamos assim, não acreditam no aquecimento global está caindo.
O último livro do Bruno Latour – Onde aterrar –, que, aliás, está pra sair em português aqui no Brasil, tem uma hipótese muito interessante para tentar compreender a eleição do Trump e a geopolítica global recente. Ele sugere que as elites sabem muito bem, e há bastante tempo, o que está acontecendo, sabem que não há mundo para todos, que aquele ideal propagandeado pelo neoliberalismo, de fazer o bolo crescer para depois distribuir, é um engodo. Essa elite nem se preocupa mais em fingir que pretende implantar um Estado de bem-estar social. Já faz tempo que eles sabem que não vai dar e escolheram mentir para proteger apenas a si próprios, e para isso tem sido fundamental esse negacionismo financiado há décadas pelas maiores empresas de combustíveis fósseis, porque no fundo eles já abandonaram as pessoas. E Latour acrescenta que, se não se entende que é esse o papel do negacionismo hoje, não se entende nada do que está acontecendo ultimamente no mundo. Essa é uma grande hipótese, na minha opinião. E, de fato, o que vemos muito claramente na pandemia da Covid-19 é essa mesma perda de mundo que estamos vivendo com o colapso ecológico. Os novos políticos de direita, os novos nacionalismos, do America First ao Brasil acima de tudo, seguidos cegamente por toda essa gente que se sentiu traída e abandonada pelo sonho da modernidade para todos. A consciência de que estamos perdendo o mundo modificou a geopolítica global. Não tem mais mundo pra todo mundo, simples assim.
Deborah Danowski segurando cartaz com frase de Oswald de Andrade
Você está entre aqueles que acham que o mundo não será mais o mesmo depois da pandemia? Esse choque de realidade vai alterar o pensamento das pessoas?
Alterar o mundo, acho que sim, porque não tem como você sair igual de uma coisa desse tamanho. Mas essa esperança de que as pessoas ou os países vão sair melhores, que vão se dar conta do colapso que vivemos, que temos que mudar pois senão vão vir outras pandemias e coisas piores… Eu sou muito pessimista em relação a isso. Aquela reunião ministerial vazada pelo Moro, o que a gente vê ali? O Salles dizendo: “Vamos aproveitar que está todo mundo distraído pela pandemia e vamos desregulamentar, passar a boiada”. O Guedes, o que ele diz ali? “Vamos salvar as grandes empresas, mas não as pequenas, essas não adianta, não dão lucro, não dão retorno”. Ou seja, o grande capital está se aproveitando dessa desgraça. Os pequenos vão quebrar, mas as maiores companhias e o sistema financeiro estão sendo compensados e talvez saiam até melhor depois da crise. E também sou pessimista porque não sei se, depois que acabar, se acabar – porque algumas análises dizem que não vai acabar, que vamos ter que aprender a conviver com a Covid-19 –, as pessoas vão poder se dar ao luxo de simplesmente pensar: acabou. Alguém fez uma charge onde havia três ondas – a pandemia era a onda menor, depois vinha a crise econômica, uma onda maior, e atrás vinha uma onda enorme, monstruosa, um tsunami, que é a catástrofe ecológica. Não sei se vai dar tempo de conscientizar todo mundo, eu sou pessimista. Tenho esperanças, vai que as pessoas se iluminam, percebem que não é possível continuar desse jeito, mas não sei não. Vai haver mudanças; a crise econômica virá com certeza, vai ter rupturas de hábitos, a maneira de se deslocar no mundo vai se alterar, talvez se reforcem em alguns países algumas redes de segurança social; mas não sei se virá a grande mudança, um mundo realmente diferente. Em relação ao “há um mundo por vir”, acho que continuamos naquela modalidade que a gente analisa ali, que é a degradação gradual. Claro que dentro dessa degradação gradual a pandemia foi uma enorme pancada, mas, quando ela passar ou mesmo quando se retomar mais ou menos as coisas como eram, a tendência é seguir nesse quadro maior de degradação. Acho que a gente vai ter que conviver com isso, e vai ter que aprender a se organizar, a resistir sozinhos, coletivamente. E nesse sentido, acho incrível como a sociedade civil está se organizando para ajudar a combater a pandemia, ou ao menos para ajudar os que se encontram em situação de maior fragilidade a enfrentá-la. Isso talvez saia fortalecido. Porque as pessoas tiveram que inventar muito rápido e pôr em marcha imediatamente essas invenções. Era uma questão de vida ou morte. A pandemia fez as pessoas exercitarem a imaginação e isso é fundamental, porque é o que teremos que fazer conforme o colapso ecológico se aprofunde. Nos reorganizar, inventar pequenas saídas políticas, econômicas, desviantes da grande política, da grande economia, dessa coisa destrutiva que nos apresentaram como se fosse a única realidade possível, uma realidade única e sem saída. A pandemia está mostrando que esse discurso era falso, e nesse sentido sinto uma esperançazinha.
A mídia, os jornalistas vêm desempenhando um papel importante tanto para revelar a realidade da pandemia como do governo Bolsonaro. Você acha que, em relação ao aquecimento global, a imprensa tem a mesma boa performance?
De jeito nenhum. A imprensa fala pouquíssimo do colapso ecológico que está acontecendo e, quando fala, fala de um jeito meio blasé. Sempre se diz que vai dar tudo certo, que, se cada um fizer a sua parte, tudo vai se resolver. Esse é o papel que a grande mídia tem feito em relação ao aquecimento global. Às vezes, no Dia do Meio Ambiente ou na época das conferências do clima – as COPs –, a mídia fala um pouco mais, põem uns programas especiais à meia-noite falando disso e logo depois vem um anúncio de caminhonete 4×4. Tudo continua como está, a economia tem que crescer. Sobretudo no Brasil, a mídia tem sido péssima para levar a sério o colapso ecológico. Se eles levassem a sério, imagine o papel que poderiam ter. Eu considero a grande mídia quase tão criminosa quanto os negacionistas profissionais. Porque, se estamos falando de centenas de milhares de mortes na pandemia, talvez alguns milhões, no caso do aquecimento global as mortes vão chegar a bilhões. É uma coisa enorme para os humanos e para os outros seres vivos também. Isso deveria ser levado a sério como a pandemia está sendo levada a sério. Se isso acontecesse, se a mídia parasse de se vender como um espectador neutro – coisa que sabemos que não existe –, a gente aí teria só o poderoso mas pequeno grupo dos negacionistas profissionais e daquelas cem grandes companhias poluidoras para combater juntos.

Seja aliada da Pública

Que tal participar da luta contra as fake news sobre coronavírus? Apoie a Pública. A sua contribuição se transforma em jornalismo sério e corajoso, com impactos reais.



Ler Mais