sexta-feira, 20 de junho de 2014

Procura-se Deus

Procura-se Deus

Em pleno século 21, a humanidade continua tentando conciliar fé e razão. Mas será que algum dia a ciência terá condições de provar que foi mesmo Deus (ou alguma outra entidade superior) quem criou o Universo e determinou os rumos da evolução?

por Texto Rodrigo Cavalcante
O zoólogo Richard Dawkins e o paleontólogo Simon Conway Morris têm muito em comum: lecionam nas mais prestigiadas universidades da Grã-Bretanha (Dawkins em Oxford e Morris em Cambridge) e compartilham opiniões e crenças científicas quando o tema é a origem da vida. Para ambos, a riqueza da biosfera na Terra é explicada mais do que satisfatoriamente pela teoria da seleção natural, de Charles Darwin. Os dois também concordam que, caso a história do nosso planeta pudesse ser reproduzida em outro lugar, a evolução provavelmente seguiria um rumo bem parecido ao observado por aqui, inclusive com o aparecimento de animais de sangue quente, como nós. Num encontro realizado na Universidade de Cambridge em outubro, porém, eles protagonizaram um novo round de um debate que divide a humanidade desde que o mundo é mundo: Deus existe? Morris, cristão convicto, afirmou na palestra promovida pela Fundação John Templeton (cuja missão é “explorar as fronteiras entre teologia e ciência”) que a “misteriosa habilidade” da natureza para convergir em criaturas morais e adoráveis como os seres humanos é uma prova de que o processo evolutivo é obra de Deus. Já o agnóstico Dawkins disse que o poder criativo da evolução reforçou sua convicção de que vivemos num mundo puramente material. O debate entre Dawkins e Morris, como já foi dito, não é novo, longe disso. De um lado, é óbvio que sempre haverá bilhões de pessoas que acreditam em Deus. Ao mesmo tempo, dificilmente vamos viver para comprovar Sua existência (ou inexistência). Entender alguns laços que unem ciência e religião e mostrar como essa relação vem mudando ao longo dos tempos é o tema desta reportagem.
Durante muitos séculos, Deus (e só Ele) foi apresentado como o principal responsável pelo sucesso da aventura humana sobre o planeta – nas artes, nos livros, nas escolas e nas igrejas. Até que a ciência começou a mostrar que isso não era necessariamente verdade. Na década de 1860, a teoria da seleção natural e da evolução das espécies, de Charles Darwin, lançou as primeiras dúvidas consistentes acerca da influência divina sobre a ordem da vida na Terra. Com o passar dos anos, mais e mais pesquisadores passaram a defender que o destino da humanidade era abandonar gradativamente a fé e a religião em nome da crença em explicações “objetivas” para os fenômenos naturais. “No fim do século 19, os cientistas acreditavam estar muito próximos de uma descricão completa e definitiva do Universo”, escreveu o físico britânico Stephen Hawking.
No século 20, Nietzsche, Marx, Freud, Sartre e outros chegaram a apostar na “morte” de Deus e no início de uma “era da razão”. Não é preciso ser um especialista para saber que esse triunfo não se concretizou. Ao contrário. O que se observa hoje é uma revalorização da fé, inclusive entre os cientistas, como Simon Morris. “Ao longo da história, a relação do homem com o sagrado tem se mostrado um traço extremamente persistente”, diz Oswaldo Giacoia Júnior, professor de história da filosofia moderna e contemporânea da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp. “Nos regimes socialistas em que a religião era proibida as pessoas substituíam a fé por uma ideologia.”
Cabe, então, à ciência provar a existência de Deus? O paleontólogo americano Stephen Jay Gould acredita que nenhuma teoria (nem mesmo a da evolução) pode ser vista como uma ameaça às crenças religiosas, “porque essas duas grandes ferramentas da compreensão humana trabalham de forma complementar, e não oposta: a ciência para explicar os fenômenos naturais e a religião como pilar dos valores éticos e da busca por um sentido espiritual para a vida”. É por pensar assim que ele sempre se colocou do lado dos pesquisadores que são contra misturar ciência com religião (leia mais no quadro da página ao lado).
Quem é Deus?
O cabelo e a barba grisalhos denunciam a idade, mas o corpo é forte e musculoso. Os traços da face transmitem a autoridade de quem não hesitará em agir sobre o mundo caso seja necessário. Para bilhões de ocidentais, a pintura de Michelangelo no teto da capela Sistina, no Vaticano, é a síntese perfeita de Iavé, o Deus bíblico, aquele que “criou tudo em 6 dias”. Como diz o escritor americano e ex-jesuíta Jack Miles, autor de Deus, uma Biografia, mesmo quem não acredita continua moldando seu caráter por influência dessa imagem. Miles faz uma análise surpreendente da Bíblia, ao tratar de Deus como um personagem literário. O resultado é que, como protagonista do livro mais influente da história, Iavé revela uma personalidade que oscila bastante em relação à sua criação – como no momento em que ordena o dilúvio, para tentar “consertar” tudo.
Mas esse Deus é apenas uma entre inúmeras concepções de divindades. Não há sequer consenso em torno do número de deuses. Para mais de 750 milhões de hindus, existem centenas deles, como Brahma, Shiva e Krishna, para ficar nos mais conhecidos. Em rituais xamânicos de origem indígena, os deuses incorporam até em plantas e animais. E para mais de 350 milhões de seguidores do budismo, não há sequer uma divindade a cultuar – apenas Buda, um homem que atingiu a iluminação e virou guia espiritual. Como, então, a ciência pode encontrar Deus?
Apesar disso, os estudiosos sabem que há algo em comum entre essas crenças. Sem exceção, elas acreditam que há uma ordem, uma espécie de propósito (ou, se você preferir, sentido) no Universo. Nenhuma religião trabalha com o pressuposto de que o acaso e a indiferença regem as nossas vidas. Curiosamente, foi a busca por essa ordem que acabou impulsionando o avanço da própria ciência.
Da geometria ao acaso
No século 18, a maioria dos filósofos e cientistas acreditava piamente que a humanidade estava prestes a decifrar (integral e definitivamente) a ordem do Cosmos. Na época, havia motivos de sobra para tamanho otimismo: fazia mais de 100 anos que Isaac Newton publicara Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, considerada até hoje a obra mais importante da história da física. Nela, Newton não apenas descreveu como os corpos se deslocam no espaço e no tempo, mas desenvolveu a complexa matemática necessária para analisar esses movimentos. Segundo essa teoria, as leis do Universo eram estáveis e previsíveis, como se tivessem sido projetadas por um craque da geometria. Em 1794, o escritor, poeta e artista plástico inglês William Blake resumiu essa idéia ao desenhar Deus (um velho barbudo, como o de Michelangelo) criando o mundo com um compasso na mão. “A metáfora do Deus geômetra deriva da velha idéia platônica de um Universo dualista, em que há a necessidade de existir uma ordem, mas continua influenciando a ciência até hoje”, diz o brasileiro Marcelo Gleiser, autor de O Fim da Terra e do Céu e professor de física e astronomia da Faculdade de Dartmouth, nos EUA.
A imagem de Deus, nesse sentido, era perfeitamente compatível com a visão científica do mundo da época. Os problemas só surgiam quando alguém tentava juntar as mais recentes descobertas da ciência com a história bíblica da Criação. Afinal, o estudo das camadas geológicas que formaram a Terra já provava que nosso planeta tinha milhões de anos – e não 5 mil, de acordo com os cálculos de Santo Agostinho. Mas bastava esquecer “detalhes” como esse para que todos fossem dormir felizes, conscientes de que o Universo tinha sido mesmo obra do Criador. Até que...
Se havia uma ordem no Universo, nada mais natural que ela comandasse todas as forças da natureza. E o homem, é claro, era visto como o exemplo máximo da perfeição da vida sobre a Terra. Mas Charles Darwin apresentou sua teoria sobre a seleção natural das espécies e colocou em xeque a idéia de que Deus era o responsável por tudo isso que está aí. Vale lembrar que Darwin nunca disse que o homem descendia dos macacos – apenas que homens e macacos eram parentes evolutivos com um ancestral comum (os paleantropólogos estimam, hoje, que esse “tataravô” viveu em algum momento entre 4 milhões e 6 milhões de anos atrás). Ainda assim, muita gente não aceitou a idéia de que as espécies vivas, incluindo a nossa, possam ter se desenvolvido graças apenas à seleção natural, tendo evoluído quase por acaso em meio a tantas outras espécies. O fato é que o estudo da história da vida em nosso planeta comprovou que, durante milhões de anos, outras espécies reinaram por aqui sem que houvesse nenhuma necessidade da existência dos homens. Como bem resume o cientista americano Carl Sagan no seriado de televisão Cosmos, recentemente relançado em DVD pela super, se a história do Universo fosse condensada em apenas um ano, o aparecimento da espécie humana teria ocorrido nos últimos instantes do dia 31 de dezembro.
E o avanço da física deixou claro que, se o Universo fosse um relógio, nem sequer o tempo marcado por ele seria preciso. Em 1905, Albert Einstein publicou seu estudo da Teoria da Relatividade que, resumidamente, pôs fim à idéia de tempo absoluto. A estabilidade perfeita das leis de Newton começou a se despedaçar para sempre. Logo em seguida, o estudo da mecânica quântica revelou que não é possível sequer prever a posição exata de partículas subatômicas, obrigando os cientistas a se contentar em trabalhar com probabilidades. Apesar de ter ajudado a destruir a velha noção de ordem no espaço e no tempo, Einstein acreditava cegamente que a natureza funcionava (ou deveria funcionar) segundo regras bem definidas – e não de maneira aleatória, como num grande jogo de azar. Numa carta para o físico Max Born, Einstein escreveu: “Você crê em um Deus que joga dados e eu, na lei e na ordem absolutas.” Se para um cientista como Albert Einstein não era fácil lidar com o acaso e o caos, imagine para os que acreditam na religião.
Do ponto de vista da física pura, porém, é importante ressaltar que todo esse papo de criação do Universo tem pouca (ou nenhuma) importância. Não fosse pela descoberta da teoria do big-bang (segundo a qual ele surgiu após uma grande explosão), nem sequer haveria a necessidade de provar que houve uma “hora zero”, afinal o tempo e o espaço são mesmo relativos, não é mesmo? Curiosamente, o big-bang passou a ser considerado por muitos fiéis a “evidência científica” de que a Bíblia está certa ao descrever o “início de tudo”. Talvez para tentar explicar a incompatibilidade existente entre a física das partículas subatômicas e a Teoria da Relatividade, muitos pesquisadores têm discutido atualmente a chamada Teoria das Supercordas, que propõe uma explicação unificada capaz de preencher essas lacunas. “De qualquer maneira, essa tese é mais um desejo de encontrar uma ordem do que algo validado cientificamente”, diz o físico Marcelo Gleiser.
E se a ciência conseguisse achar essa tal ordem no Universo, será que isso seria a prova da existência de Deus? Ou será que a busca pelo divino não passa de uma necessidade inventada pelo homem para colocar um sentido em tudo (afinal, até onde se sabe, somos os únicos animais que tentam entender por que existe a morte)? Nas últimas décadas, o que se tem visto é um acirramento das diferenças entre aqueles que acreditam que a complexidade da vida só pode ser explicada por uma inteligência superior e aqueles que defendem que a inclinação para acreditar em Deus é apenas um traço biológico da nossa espécie, ou seja, somos programados para ter fé. É o que veremos nas próximas páginas.
Deus vai à escola
Dover, no estado americano da Pensilvânia, é uma daquelas cidades tão pequenas que mal dá para avistar seu núcleo urbano da altura média de vôo de um jato comercial. A pacata vida de seus 1814 habitantes, a maioria descendente de alemães, quase nunca foi notícia nos grandes jornais dos EUA. Tudo mudou no dia 18 de outubro deste ano, quando teve início o julgamento sobre a grade curricular de uma escola pública local que decidiu dedicar parte das aulas de biologia ao estudo de uma teoria conhecida em inglês como intelligent design (algo como projeto ou desenho inteligente, numa tradução livre para o português). Seu principal cartão de visita é o fato de se contrapor à tese de Darwin sobre a seleção natural e a evolução das espécies. Como a Constituição americana garante a total separação entre a Igreja e o Estado, alguns pais acharam que a direção do colégio estava muito perto de misturar ciência e religião, apelaram para a intervenção da Justiça e o debate pegou fogo no país.
Nas salas de aula em questão, as crianças e jovens aprendem que várias tarefas altamente especializadas e complexas do organismo humano – como a visão, o transporte celular e a coagulação, entre outras – só podem ser explicadas pela ação de uma força maior ou, em outras palavras, pela intervenção de um ser superior, capaz de bolar o tal desenho inteligente do nosso corpo e da nossa mente. Para a maioria dos biólogos do planeta, contudo, essa tal inteligência não passa de um novo nome para um velho conceito: o criacionismo bíblico, segundo o qual estamos na Terra apenas porque saímos da prancheta (ou da imaginação) divina para nos reproduzir “à Sua imagem e semelhança”.
Se, como já foi dito no início do texto, há muitos cientistas que não vêem motivos para buscar as impressões digitais de Deus na história do Universo, outros tantos acreditam que as teses de Darwin têm falhas e, como tal, precisam ser ensinadas nas escolas “em toda sua amplitude”, ou seja, alertando os alunos para o fato de que há controvérsias a respeito das descobertas que o jovem naturalista inglês fez a bordo do navio Beagle. Os defensores do desenho inteligente juram que não têm nenhuma ligação com os criacionistas do século 19, que difundiam uma interpretação literal do Gênese para conter a rápida e eficaz disseminação das teorias darwinistas – apesar das críticas da maior parte dos colegas da comunidade científica.
“Uma coisa é você tentar justificar uma fé usando argumentos científicos, outra é descobrir uma teoria científica que pode ser compatível com a fé”, disse à Super o bioquímico Michael J. Behe, pouco depois de depor no julgamento em defesa da “nova tese”. Professor da Universidade de Lehigh, na Pensilvânia, e autor do livro A Caixa-Preta de Darwin, ele diz que, se toda formulação científica compatível com uma crença religiosa tivesse de ser descartada automaticamente pelos pesquisadores, os astrônomos jamais poderiam aceitar os estudos sobre o big-bang. “Estou apenas defendendo o direito dos estudantes de terem acesso a outras idéias sobre a criação do Universo”, afirmou Behe.
A discussão em torno do ensino de ciências – inclusive com a interferência do Poder Judiciário – não é nenhuma novidade nos EUA. No início dos anos 20, muitos estados americanos simplesmente proibiram os alunos de ter aulas sobre as teorias evolutivas de Darwin. Em 1925, teve início um julgamento que, num primeiro momento, levou à condenação de um professor do ensino médio do Tennessee simplesmente porque ele acreditava que somos parentes dos macacos (e dizia isso em classe). Após sucessivos recursos de ambos os lados, o processo só terminou em 1968, quando a Suprema Corte decidiu que qualquer iniciativa no sentido de definir o currículo escolar com base em crenças religiosas era inconstitucional.
É por isso que tantos vêem o desenho inteligente como uma espécie de cortina de fumaça para colocar Deus de volta nas salas de aula? Será que, do ponto de vista científico, o desenho inteligente tem consistência? “Por enquanto, não”, afirma Vera Volferini, professora de genética e evolução da Unicamp. Segundo a bióloga, não existem ainda argumentos científicos que sejam tranqüilamente aceitos pela maioria dos pesquisadores. “Teorias como essa presumem que o ser humano é o resultado de um projeto perfeito, o que não é verdade. É consenso entre os especialistas que o design humano, apesar de eficiente, está longe de ser inatacável biologicamente. A próstata do homem, para ficar em apenas um exemplo, não segue um desenho anatômico ideal”, diz ela. E é justamente essa falha na concepção que provoca muitos problemas que afetam boa parte dos machos da espécie. Além disso, por que não poderíamos ter mais de 5 dedos em cada mão? Vera explica que, ao menos do ponto de vista biológico, temos esse número de dedos não porque seria um problema ter um ou dois a mais, mas porque fazemos parte de uma espécie cujo ancestral, há milhões de anos, tinha (por acaso) 5 dedos.
No Brasil, a teoria criacionista já desembarcou também – nos colégios públicos do Rio de Janeiro e, por enquanto apenas nas aulas de religião (em 2002, um lei proposta pelo governador Anthony Garotinho incluiu a disciplina “religião confessional” no currículo escolar). E a atual governadora do estado, a presbiteriana Rosinha Matheus (mulher de Garotinho), afirmou recentemente ao jornal O Globo que não acredita nas teses darwinianas. Apesar de o assunto não ser tratado nas aulas de biologia por aqui, o tema vem preocupando entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que já se manifestou contra a disseminação do criacionismo nas escolas fluminenses. “O problema não é ter ou não uma crença pessoal”, diz Marcelo Menossi, professor de genética molecular da Unicamp. “O problema é tentar justificar e espalhar essa crença usando falsos argumentos científicos.”
Genética da religião
Nos anos 60, a britânica Jane Goodall afirmou que algumas espécies podem ter a religiosidade gravada nos próprios genes. A pesquisadora ficou famosa ao estudar o comportamento de chimpanzés na Tanzânia. Numa de suas numerosas observações, descobriu que os macacos agiam de maneira nada usual diante de uma cachoeira, demonstrando o que ela batizou de senso místico e de reverência. “Alguns permaneciam sentados numa rocha em frente à queda d’água, como se estivessem encantados. Outros ficavam sob a queda d’água por mais de 50 minutos, quando normalmente nem gostavam de se molhar.” Goodall concluiu que esse comportamento é um traço de religiosidade primitiva. E nós? Será que também nós humanos fomos “programados” para acreditar em Deus?
Para o biólogo Edward O. Wilson, um dos pioneiros da sociobiologia (ciência que se dedica a compreender o comportamento humano por meio da biologia), a predisposição para a religião é mesmo resultado da evolução genética do cérebro. Segundo ele, nossa inclinação para acreditar num ser superior pode ser resultado da submissão animal. Ele conta que entre macacos rhesus o macho dominante caminha com a cauda e a cabeça erguidas, enquanto os dominados mantêm a cabeça e a cauda baixas, em sinal de respeito ao líder – em troca, eles têm proteção contra os inimigos e acesso a abrigo e alimento. Segundo Wilson, a tendência de se submeter a um ser superior é herança dessas ações. “O dilema humano é que evoluímos geneticamente para acreditar em Deus, não para acreditar na biologia.”
Essa seria uma das razões pelas quais Deus é sempre invocado quando precisamos lidar com temas etéreos (e muitas vezes polêmicos, como a bondade, a solidariedade etc.). “Afinal, se Deus for apenas uma constante física, é óbvio que ele não terá nada a dizer sobre ética, certo e errado ou qualquer outra questão moral”, diz o britânico Richard Dawkins (leia o quadro da página ao lado).
O radiologista Andrew Newberg e o psiquiatra Eugene D’Aquili (que morreu há 5 anos) resolveram buscar diretamente no cérebro a origem da experiência religiosa. Utilizando aparelhos de tomografia, eles revelaram as áreas mais ativadas pela meditação em 8 budistas e em um grupo de freiras franciscanas. A pesquisa, cujos resultados foram publicados no livro Why God Won’t Go Away (“Por que Deus não Vai Embora”, sem tradução no Brasil), mostrou que durante as orações havia uma diminuição da atividade no lobo parietal superior, a área do cérebro responsável pela nossa orientação de tempo e espaço, pela sensação de separação entre o corpo e o indivíduo e pela delimitação entre o “eu” e os “outros”. Ou seja, ao meditar criamos um bloqueio que provoca a sensação de unicidade típica do êxtase religioso.
Além disso, várias outras pesquisas comprovam que ter fé, independentemente de acreditar em um ou mais deuses, faz bem para o corpo e a mente, pois melhora as condições de saúde e aumenta a sensação de felicidade. A ciência ainda não conseguiu explicar se Deus criou o nosso cérebro com essa habilidade ou se foi a evolução que fez o cérebro criar esse portal para Deus. Mas nesta nova era de espiritualidade talvez isso não seja tão importante assim. O que conforta muita gente é acreditar que é possível melhorar o mundo pela fé.
"A relação do homem com o sagrado tem se mostrado um traço persistente."
Oswaldo Giacoia Júnior, professor de história da filosofia moderna e contemporânea da Unicamp.
"A metáfora do deus geômetra deriva da velha idéia platônica de um universo dualista, em que há a necessidade de existir uma ordem superior, mas continua influenciando a ciência até hoje."
Marcelo Gleiser, professor de física e astronomia da Faculdade de Dartmouth, nos EUA.
"Uma coisa é você tentar justificar uma fé usando argumentos científicos, outra é você descobrir uma teoria científica que pode ser compatível com a fé."
Michael J. Behe, bioquímico e um dos principais defensores da tese do “desenho inteligente”.
"Se Deus for só uma constante física, é óbvio que ele não terá nada a dizer sobre o que é certo ou errado em questões morais."
Richard Dawkins, zoólogo e professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra.

A indiferença do universo

Para muitos pesquisadores, o que distingue a ciência de outras visões de mundo é exatamente sua recusa em aceitar cegamente qualquer informação e sua determinação de submeter qualquer tese a testes constantes até que novos dados possam confirmá-la ou refutá-la. Essa visão baseia-se, entre outras coisas, na obra do filósofo vienense Karl Popper, que morreu em 1994. Segundo Popper, a ciência só pode tratar de temas que resistam ao que ele chamou de “critério de falseabilidade”. Resumidamente, o papel do verdadeiro cientista é buscar, com persistência, erros em sua teoria – em vez de tentar achar dados que provem sua correção. Quanto mais genérica e exposta a falhas (ou seja, quanto mais “falseável”), menos provável ela é. Por outro lado, quanto mais resistente (menos falseável), maiores as chances de acerto, pelo menos até o próximo teste. É por isso que um grande número de estudiosos argumenta que não é papel da ciência provar a existência de Deus. “Não faz sentido alguém afirmar que, ao descobrir um mistério do Universo, está ajudando a decifrar a mente divina”, diz o zoólogo britânco Richard Dawkins. Apesar disso, ele reconhece que é fascinante encantar-se diante dos mistérios da natureza – e das limitações científicas para explicá-los. Esse sentimento foi batizado pelo físico brasileiro Marcelo Gleiser de “misticismo racional”. Em outras palavras, é uma espécie de declaração de amor pelos fenômenos naturais, que se concretiza por meio da pesquisa científica. Segundo ele, há um paradoxo por trás da incansável busca por uma ordem e um sentido no Cosmos. “Como o homem é o único ser capaz de amar, tem uma imensa dificuldade em aceitar que o Universo pode ser totalmente indiferente a ele”, afirma.

A ética num mundo sem "ele"

“Se Deus não existe, tudo é permitido.” A frase, que ficou célebre no livro Os Irmãos Karamazov, do russo Fiodor Dostoievski, resume uma das questões mais cruciais do mundo moderno: sem uma referência divina, passaríamos a viver numa espécie de vale-tudo moral? “Não necessariamente”, diz o filósofo Oswaldo Giacoia Júnior, da Unicamp. “A busca de um código de valores sempre foi uma preocupação central da filosofia, sem necessidade de uma legitimação divina.” No século 18, por exemplo, os ideais de igualdade e justiça social, aceitos hoje como uma preocupação ética, surgiram de formulações dos filósofos iluministas – que acreditavam ser possível defendê-los com base na razão, não na religião (na época, esse tema não era nada popular no Vaticano). Em meados do século 20, o francês Jean Paul Sartre, o pai do existencialismo – segundo o qual de nada adianta buscar um propósito da existência para além da vida humana –, disse que a nossa própria condição de seres que vivem em sociedade é suficiente para justificar a prática de valores solidários. E ainda hoje filósofos como o vienense Peter Singer (um dos mais ferrenhos defensores dos direitos dos animais) continuam defendendo uma série de condutas éticas baseadas na razão, não na fé. Mas será que a adoção pura e simples de uma ética sem Deus não pode nos levar a um racionalismo frio, capaz de ofuscar valores menos palpáveis, como a bondade? “A fé não se traduziu apenas em atos de paz e harmonia ao longo dos tempos”, lembra Giacoia. “Dos grandes conflitos religiosos do passado ao moderno terrorismo fundamentalista, já foram cometidas inúmeras atrocidades em nome da ética religiosa em todo o mundo.”

Para saber mais

Deus, uma Biografia - Jack Miles, Companhia das Letras, 2002
Desvendando o Arco-Íris - Richard Dawkins, Companhia das Letras, 2000
Consiliência - Edward O. Wilson, Editora Campus, 1999
O Romance da Ciência - Carl Sagan, Francisco Alves, 1982
Why God Won´t Go Away - Andrew Newberg e Eugene D·Aquili, Ballantine Books, 2002
A Caixa-Preta de Darwin - Michael Behe, Jorge Zahar Editor, 1997

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Quién avergonzó a Brasil

Uma democracia que se volta contra o povo

by Leonardo Boff
Uma grita geral da mídia corporativa, de parlamentares da oposição e de analistas sociais ligados ao status quo de viés conservador se levantou furiosamente contra o decreto presidencial que institui a Política Nacional de Participação Social. O decreto não inova em nada nem introduz novos itens de participação social. Apenas procura ordenar os movimentos sociais […]
Leonardo Boff | 18/06/2014 às 20:21 | Categorias: Ética, Ecologia, Economia, educação, Política | URL: http://wp.me/p1kGid-KS
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Quién avergonzó a Brasil aquí y fuera de aquí

by Leonardo Boff
Pertenece a la cultura popular del fútbol abuchear a ciertos jugadores, a los jueces y, finalmente, a alguna autoridad presente. Los insultos e insultos con palabras soeces que hasta los niños pueden escuchar es algo inaudito en el fútbol en Brasil. Se dirigieron a la más alta autoridad del país, a la presidenta Dilma Rousseff, […]
Leonardo Boff | 18/06/2014 às 20:28 | Categorias: Ética, Economia, educação, Política | URL: http://wp.me/p1kGid-KU
Comentário    

Sistema limpa metade do Pacífico

Garoto cria sistema que limpa metade do Pacífico em 10 anos

A tecnologia Ocean Cleanup funciona como uma barreira flutuante que aproveita as correntes oceânicas para bloquear os resíduos encontrados no mar

Vanessa Daraya, de
Divulgação
O holandês Boyan Slat, que criou a Ocean Cleanup
Boyan Slat: ele teve a ideia quando viu mais garrafas de plástico do que peixes ao mergulhar
São Paulo - O rapaz da foto acima tem apenas 19 anos, mas é responsável por um plano ambicioso apoiado por mais de 100 pesquisadores, cientistas e ambientalistas.
O holandês Boyan Slat criou a Ocean Cleanup, uma tecnologia capaz de limpar o lixo do Oceano Pacífico em uma década.
O sistema funciona como uma barreira flutuante que aproveita as correntes oceânicas para bloquear os resíduos encontrados no mar.
Nos testes com um protótipo, a barreira foi capaz de coletar plásticos em até três metros de profundidade.
O sistema também recolheu pouca quantidade de zooplâncton, o que facilita o reaproveitamento e a reciclagem do plástico.
A estimativa é de que o sistema remova 65 metros cúbicos de lixo por dia.
Slat teve a ideia anos atrás, quando mergulhava na Grécia e viu mais garrafas de plástico do que peixes.
Desde então, desenvolveu a tecnologia, montou um site com todas as especificações, fez um estudo de viabilidade e uma campanha para financiar sua ideia.
A primeira apresentação da tecnologia aconteceu em um TEDx na Holanda há dois anos. Sua ideia não foi bem recebida por todos.
Como resposta, Slat e uma equipe de pesquisadores fizeram um relatório com 530 páginas, em que justificavam a viabilidade do projeto.
O próximo passo é testar o sistema em larga escala e aumentar a produção do sistema. Para isso, ele busca financiamento coletivo. A meta é conseguir 2 milhões de dólares em 100 dias.
Ela já conseguiu 30% da meta em 14 dias.
Veja abaixo um vídeo sobre a Ocean Cleanup, nome da tecnologia e também da empresa criada por Slat:
 https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=6IjaZ2g-21E

Saiu o novo app de EXAME.com para iPhone! Quem já tem o antigo, basta atualizar. Quem não tem, baixar.
Já foi no novo site móvel de EXAME.com? Basta digitar exame.com num iPhone, iPad ou Android.

Pense e reflita calma e racionalmente sobre o assunto

Conquistas Individuais

  “Os que fazem greve são os funcionários ineptos.
   Os competentes trocam de emprego por um salário mais alto.”  [Walmir Koppe]
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    Claro que não sou contra greves, elas foram muito importantes no passado quando as legislações trabalhistas estavam em desenvolvimento.

  Hoje, principalmente você que esta iniciando sua vida profissional, deve questionar a real utilidade delas em sua vida.
  Por vezes participar de uma greve queima suas chances de promoção dentro da empresa, se você não é sindicalista ou funcionário público pode até ser demitido no próximo “facão”.
                  
    Meu primeiro emprego registrado foi em uma metalúrgica, trabalhava inspecionando peças e fazia algumas operações como rosca em parafusos.
  Tive aumentos coletivos conseguidos pela categoria, mas como ganhava pouco minha vida econômica não mudava nada.
  Em casa eramos eu minha mãe e mais 4 irmãos, o dinheiro mal dava para colocar comida na mesa o mês todo.
  Com 16 anos, cabacinho profissionalmente, a empresa precisava mudar meu horário, mas o sindicato disse que eu não era obrigado a aceitar a mudança, a “lei” me protegia.
  É, realmente a empresa não podia me obrigar a mudar de horário, mas podia me demitir e foi o que fez.
  Quando eu fui encarregado nunca demiti um empregado sem apontar em que ele estava me desagradando. Eu dava chances para a pessoa se explicar ou se corrigir e deixava bem claro que a demissão era uma possibilidade.
  Claro que não era obrigação do RH ou encarregado da empresa metalúrgica ter uma conversa séria comigo, mas é o que eu faria.
  Eu e minha família precisávamos muito daquele emprego eu trabalhava bem... só sei que a demissão foi tão rápida que parecia um pesadelo.
  “Há uma divergência de horários e você esta demitido.”
  Qual apoio eu recebi do Sindicato?
  Se tivesse faltando algum dinheiro na rescisão de contrato eles me forneceriam um advogado.
  A empresa pagou tudo que tinha que pagar e eu fiquei desempregado bem na fase do serviço militar, comecei a fazer bicos até de vendedor de porta em porta.
  O tempo passou e minha vida só fez piorar quando fui convocado para o exército, não lembro bem, mas acho que o soldo era de meio salário mínimo.
  Cumpri meu tempo de alistamento, saí do exército e minha vida só fez piorar, não conseguia arranjar emprego de jeito nenhum.
  Sem dinheiro para condução andava incontáveis quilômetros atrás de alguma oportunidade; como passar pelo centro da cidade era quase obrigatório parava na biblioteca para ler algum livro e tomar folego para voltar para casa com fome e exausto.
  Ainda bem que o Bairro São Bernardo onde eu morava fica perto do centro.
  Graças a um namorado da minha mãe consegui emprego em uma fábrica de óculos.
  Claro que trabalhando minha vida ficou melhor do que quando estava desempregado, mas ganhava salário mínimo, depois de alguns meses passei a ganhar 1 salário e meio... não dava para fazer muita coisa além de colocar comida em casa.
  Lá pelo terceiro ou quarto ano de empresa consegui uma promoção para encarregado de produção foi uma grande CONQUISTA INDIVIDUAL que melhorou bem minha qualidade de vida passei a ganhar uns 3 salários, pelo menos comida não faltava mais em casa.
  Houve uma mudança societária na empresa e ela passou a funcionar em Indaiatuba, depois de muito trabalho, muito esforço cheguei a ganhar 5 ou 6 salários, foi meu apogeu onde com muito juízo consegui quitar meu apartamento e ter um carro não muito usado... não, não chegou a ser um "seminovo".
  Quando acreditei que estava estabilizado a empresa passou por um processo de fusão e mais uma vez eu conheci o desemprego, dessa vez não foi por muito tempo, afinal eu era um trabalhador experiente, mas os trabalhos eram muitos e o salário bem pouco.
  Nessa época minha vida só não ficou pior graças as CONQUISTAS INDIVIDUAIS de minha esposa, ela fez curso de Técnica de Enfermagem e se destacou em uma grande empresa.
  Depois de muito estudar, em casa mesmo, e prestar concursos públicos consegui ser chamado em um que não é lá essas coisas, mas é bem melhor do que a situação em que me encontrava.
  Quando parecia que finalmente minha vida iria dar um salto econômico importante, foi minha esposa que perdeu o emprego...o osso!
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  Mas tudo isso é para mostrar que o que faz diferença são suas conquistas individuais...não quero falar dos "azares" profissionais.
  As conquistas individuais de seu pai, mãe ou cônjuge também podem fazer a diferença.
  É, ter um filho como o Neymar é um prêmio de loteria...HAHAHAHAHAHHAHAH!
  O que faz diferença em sua vida profissional não é participar ou não participar de greves, fazer passeatas e quebra-quebra na rua ou não.
  Se você não é um líder sindical [que também é uma conquista individual] o que faz diferença é você se dedicar em algum emprego e conseguir alguma promoção, algum destaque.
  É estudar, buscar alguma especialização profissional.
  Entenda que se você trabalhar 20 anos como carteiro [só um exemplo] é o padrão de vida de um carteiro que você irá ter.
  Se você conseguir um posto de supervisão nos Correios sua melhora econômica será de acordo com os vencimentos dessa nova posição.
  Suponhamos que trabalhando como carteiro você conseguiu se formar em direito.
  Parabéns!
  Mas entenda que se formar em alguma faculdade o torna mais competitivo no entanto não é garantia de melhora de vida.
  Exercer a profissão de advogado é o que pode mudar alguma coisa.
  Há advogados que ganham 1500 por mês e os que ganham 150 mil, uma grande conquista individual.
  Concluindo, você que é novo no mercado de trabalho...estude, seja dedicado/produtivo, cuidado para não ter filhos muito cedo e nunca gaste mais do que ganha.  Clique Aqui
  Meu amigo Maquiavel, o qual encontrei muitas vezes no oásis da biblioteca, quer terminar esse texto, é sempre uma honra:
  “Julgo poder ser verdadeiro o fato de a sorte ser árbitro de metade das nossas ações, mas que, mesmo assim, ela permite-nos governar a outra metade ou parte dela.” [Maquiavel]

  Faça bom governo da metade de sua vida e na outra metade tenha meus sinceros desejos de BOA SORTE!



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Feliz o País

Feliz do país que sabe o que é cultura; Feliz do país que educa, ensina e mostra a grandeza do povo


Feliz do país que não esquece o povo
Feliz do país que sabe o que é nação
Feliz do país que sabe o que é cultura
Feliz do país que educa, ensina,
E mostra a grandeza do povo

Feliz o povo que forma seu país
É o caso do Brasil: um país novo,
De gente nova e decidida a aprender
E a ensinar através da cultura
O que há de melhor: o próprio povo

É a partir de um princípio
Que se chega a um ponto
E o ponto é formar a partir de ideias
pois sem educação não se vai longe
Educação é cultura e cultura popular

É a identidade de um país
Aprender é fundamental
Ensinar, mais ainda
Um soma com um, com outro, com outros...

Solidariedade + partilha = cidadania

Extraído do Blog do Assis Ângelo

O poder da Globo

The Economist fustiga poder da Globo

Túmulo do Drácula

Túmulo do Drácula pode ter sido encontrado na Itália

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Posted: 18 Jun 2014 10:00 AM PDT
Posted: 18 Jun 2014 09:00 AM PDT
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quarta-feira, 18 de junho de 2014

Mauro Iasi - O escravo da Casa Grande e o desprezo pela esquerda

O escravo da Casa Grande e o desprezo pela esquerda

Por Mauro Iasi. 
Malcom X comparou, certa vez, os negros que defendiam a integração na sociedade norte americana com escravos da casa. Para defender suas pequenas posições de acomodação na ordem escravista, buscavam imitar seus senhores, copiar seus maneirismos, usar suas roupas, sua linguagem, adotando o nome da família de seus senhores. Daí o “X” no lugar do sobrenome do revolucionário norte americano.
Reprodução
Não é de se estranhar que os escravos da Casa Grande se incomodassem com as revoltas vindas da Senzala, pois poderiam atrapalhar sua instável acomodação, sua sobrevivência subserviente.
Dois textos recentes me chamam a atenção, não sei se produzidos pela mesma pena, mas certamente movidos pelo mesmo ódio e desprezo contra a esquerda em nosso país. Um deles é de autoria do sociólogo Emir Sader neste blog (“Não é a Copa, imbecil, são as eleições), que recentemente comparou os manifestantes a cachorros vira-lata, outro é o editorial do Brasil de Fato de 03/06/2014 (“Eleições presidenciais e o papel do esquerdismo“) que, não contente em se aliar ao campo de apoio a Dilma, abriu as baterias contra a esquerda – aquela mesma que em muitas situações apoiou esse jornal, não apenas nas campanhas para sua sustentação, mas participando de seu conselho editorial e apoiando nos momentos mais difíceis.
Tanto o sociólogo como o jornal têm o direito de apoiar quem quiserem, de emitirem suas opiniões, mas o que nos chama a atenção é a necessidade de atacar a esquerda e a forma deste ataque. Como em todo o debate que busca fugir do mérito da questão (talvez pela dificuldade em realizar o debate neste campo) lança-se mão de estigmas. É preciso caracterizar os oponentes como “esquerdistas”, “minorias”, “intelectuais vacilantes da academia”, ou mais diretamente de “imbecis”.
Por vezes devemos aceitar o debate não pela qualidade dos argumentos ou a seriedade dos adversários, mas em respeito àqueles que poderiam se beneficiar do bom debate. Para isso temos que supor que o debate é sério e que há uma questão de fundo, ainda que para isso tenhamos que separar uma grossa camada de retórica que visa desqualificar o debate para não enfrentá-lo.
O argumento central da posição expressa nos textos citados, mas explícita e de forma mais clara no editorial do Brasil de Fato, poderia ser assim resumida: os governistas teriam uma “visão ampla da luta de classes”, que articularia três dimensões – a luta social, a ideológica e a institucional – atuando com “firmeza ideológica e flexibilidade tática”; enquanto os supostos esquerdistas “ignoram a correlação de forças” no Brasil e na America Latina e concentram muito mais nas criticas do que nas realizações dos governos “populares”. Isso porque subordinam suas posições, como “vacilantes intelectuais da academia” ou partidos “sem o mínimo peso eleitoral”, não a uma análise concreta de uma situação concreta, mas a uma “fidelidade” ao marxismo ortodoxo.
O resultado desta premissa, segundo a posição expressa, é o seguinte:
“Por isso, para serem condizentes com uma análise concreta de uma situação concreta, os partidos de esquerda sem o mínimo de peso eleitoral, que não conseguem enraizar sua mensagem programática e nem contribuir para o avanço da consciência de classe das massas populares durante as eleições deveriam estar fortalecendo a candidatura de Dilma, mesmo sabendo que o neodesenvolvimentismo em curso não é uma alternativa popular.
Mesmo na posição de um “vacilante intelectual do mundo acadêmico, fiel ao marxismo e de um partido sem peso eleitoral”, gostaria de iniciar o debate afirmando que nossos colegas deveriam seguir, antes de mais nada seus conselhos. Se não vejamos. O erro do “esquerdismo”, que o impediria de realizar uma análise concreta de uma situação concreta, é que “não conseguem identificar frações de classes e seus diversos interesses em torno do governo Dilma”.
Então vamos lá. Quais são as classes e frações de classe que se somam aos governos do PT? O PT produziu-se como experiência histórica da classe trabalhadora que acabou por projetar-se numa organização política que, sem perder a referencia passiva desta classe, assumiu posturas políticas que se distanciam dos objetivos históricos dos trabalhadores. Não se trata de uma questão de origem de classe, mas do caráter de classe da proposta política apresentada em nome dos trabalhadores.
É preciso explicar aos leitores que nós (intelectuais vacilantes fieis ao marxismo) não concebemos a classe social como mera posição nas relações sociais de produção e formas de propriedade, mas como uma síntese de determinações que partindo da posição econômica, devem se somar a ação política, a consciência de classe e outros aspectos. Dessa forma, um setor da classe trabalhadora, ainda que partindo originalmente deste pertencimento, pode em sua ação política e na sua intencionalidade, afirmar outro projeto societário que não aquele que nossa experiência histórica constitui como meta – o socialismo –, sendo capturado pela hegemonia burguesa, naquilo que Gramsci chamou de “transformismo”.
No caso do PT acaba por se consolidar um projeto que tem por principal característica quebrar as reivindicações sociais do proletariado e dar a elas uma feição democrática; despir as formas puramente políticas das reivindicações da pequena burguesia e apresentá-las como socialistas, e tudo isso para exigir instituições democráticas republicanas “não como meio de suprimir dois extremos, o capital e o trabalho assalariado, mas como meio de atenuar a sua contradição e transformá-la em harmonia.” (Karl Marx, O 18 de brumário de Luís Bonaparte, p. 63).
Assim o PT em seu projeto (e prática) de governo apresenta em nome da classe trabalhadora um projeto pequeno-burguês. Mas o PT não governa sozinho, têm razão nossos colegas. É necessário seguir nossa análise para responder quais classes e setores de classe compõem o governo Dilma. Como o centro do projeto político foi deslocado para chegar ao governo federal e lá se manter, são necessárias alianças e até mesmo o programa de reformas democrático-populares é por demais amplo (seria o que André Singer chama de “reformismo forte”), então, rebaixa-se o programa (um “reformismo fraco”) e amplia-se as alianças. Para qual direção?
Não podemos confundir a sopa de letrinhas do leque de alternativas partidárias com segmentos de classe, mas eles são um indicador das personificações desses interesses. As alianças inicialmente pensadas como um leque entorno da classe trabalhadora, setores médios e pequenos empresários, se amplia bastante agora no quadro de um Pacto Social. Vejamos:
“Um novo contrato social, em defesa das mudanças estruturais para o país, exige o apoio de amplas forças sociais que dêem suporte ao Estado-nação. As mudanças estruturais estão todas dirigidas a promover uma ampla inclusão social – portanto distribuir renda, riqueza, poder e cultura. Os grandes rentistas e especuladores serão atingidos diretamente pelas políticas distributivistas e, nestas condições, não se beneficiarão do novo contrato social. Já osempresários produtivos de qualquer porte estarão contemplados com a ampliação do mercado de consumo de massas e com a desarticulação da lógica financeira e especulativa que caracteriza o atual modelo econômico. Crescer a partir do mercado interno significa dar previsibilidade para o capital produtivo.”
Resoluções do 12.º Encontro Nacional (2001). Diretório Nacional do PT (São Paulo, 2001, p. 38).
Este pacto social com “empresários produtivos de qualquer porte” não deixaria de fora nem mesmo os “rentistas”, como se comprovou. A chamada governabilidade exigiria que as personificações partidárias destes interesses estivessem na sustentação do governo, de forma que o governo de “centro” (pequeno-burguês) buscou e conseguiu se aliar com siglas da direita (PMDB, PTB, PP, PSC e outras). Na composição física do governo vemos setores de classes diretamente representados, como o caso dos interesses dos grandes monopólios no Ministérios da Indústria, dos bancos no Banco Central, do agronegógio no Ministério da Agricultura, assim como o controle das agências reguladores e outros espaços formais e informais de definição da política governamental.
Evidente que haverá participação dos “trabalhadores”, mas há aqui uma diferença essencial. Enquanto os setores do grande capital monopolista levam suas demandas à política de governo e as efetivam, as demandas dos trabalhadores são, por assim dizer, filtradas. Enquanto a CUT defendia suas resoluções em defesa da previdência pública, um ex-presidente da entidade assume o ministério para implementar a reforma da previdência, assim como a luta pela reforma agrária é tolerada, mas filtrada e peneirada em espaços intermediários para que os militantes comprometidos não cheguem aos espaços de decisão sobre a questão fundiária e agrária, estes reservados aos representantes do agronegócio.
Podemos ver militantes e personificações de segmentos importantes da classe trabalhadora em áreas como a saúde, a assistência social e outras, no entanto, o espaço efetivo de implementação de políticas ficaria constrangida pelas áreas de planejamento e a lógica da reforma do Estado para produzir a subserviência à lei de responsabilidade fiscal e a política de superávits primárias que tanto agrada aos banqueiros.
Recentemente a presidente Dilma, através da deputada Kátia Abreu (aquela mesmo!!!) da bancada ruralista, garimpava apoio entre os diferentes setores do agronegócio (gado, soja, milho, etc.), enquanto Paulo Maluf posava sorridente ao lado do candidato do PT ao governo de São Paulo em troca de alguns minutos no tempo de TV.
O governo de pacto social com os setores da grande burguesia monopolista e a pequena burguesia que sequestrou a representação da classe trabalhadora, implica nos limites da ação de governo, isto é, impedem o “reformismo forte” e impõe um “reformismo fraco”. Para atender as exigências da acumulação de capital dos diversos segmentos da burguesia monopolista, as demandas dos trabalhadores têm que ser contingenciadas, focalizadas, gotejadas, compensatórias.
Queria-se acabar com a fome e a miséria, mas devemos nos contentar em combater as manifestações mais agudas da miséria absoluta. Queríamos uma reforma agrária (e mais que isso, não é, uma nova política agrícola e de abastecimento, etc.), mas devemos nos contentar com crédito para assentamentos competirem com o agronegócio e assistência para os que não conseguem. Não se revertem as privatizações realizadas e cresce a lógica privatista com as fundações público privadas, as OSs e outras formas diretas ou indiretas de privatização.
O problema é que, mesmo assim, dando tanto à burguesia monopolista e tão pouco aos trabalhadores, a burguesia sempre vai jogar com várias alternativas, e, na época das eleições, vai ameaçar, chantagear e negociar melhores condições para dar sua sustentação. O leque de alianças da governabilidade petista não implica fidelidade dos setores do capital monopolista, adeptos do amor livre, entendem o apoio ao governo do PT como uma relação aberta. Por isso aparecem na época das eleições na forma de suas personificações como partidos de “oposição”.
Tal dinâmica produz um movimento interessante. Amor e união com a burguesia monopolista durante o governo e pau na classe trabalhadora (combinada com apassivamento via políticas focalizadas e inserção como consumidores); e briga com a burguesia e promessas de amor com os trabalhadores na época de eleição!
A abertura da Copa e a hostilização vinda da área VIP contra a presidente funciona aqui como uma metáfora perfeita: eles fazem a festa para os ricos, enchem o estádio com a elite branca e rica, esperando gratidão, mas a elite xinga a presidente.
A artimanha governista é circunscrever a propalada análise concreta de uma situação concreta à conjuntura da eleição e não do período histórico em que esta conjuntura se insere. Graças a esta mágica, desaparece o governo real entre no lugar um mito que resiste ao neoliberalismo contra as forças do mal igualmente mitificadas e descarnadas de sua corporalidade real. É o odioso “neoliberalismo”, que vai retroceder nos incríveis ganhos sociais alcançados e desestabilizar os governos progressistas na America Latina. Vejam, nos dizem, como são piores que nosso governo, precisamos derrotá-los para evitar o retrocesso e as privatizações. Mas uma vez derrotados eleitoralmente os adversários de direita… quem privatizou o Campo de Libra? Colocando exército para bater em manifestantes? Quem aprovou a lei das fundações público-privadas que abriu caminho para a privatização da saúde e outras? Quem aprovou a lei dos transgênicos, o código florestal e de mineração?
Não são iguais, é verdade. São duas versões distintas disputando a direção do projeto burguês no Brasil. Um o capitalismo com mais mercado e menos Estado, outro o capitalismo com mais Estado para garantir a economia de mercado.
Precisamos circunscrever a análise da correlação de forças ao momento eleitoral para evitar a derrota do governo Dilma, vejam, “mesmo sabendo que o neodesenvolvimentismo em curso não é uma alternativa popular”!
Então, comecemos por aí: o atual governo NÃO É UM ALTERNATIVA POPULAR! Já é um bom começo. Mas tenho uma péssima notícia… também não é neodesenvolvimentista, seja lá o que isso queira dizer. É um governo de pacto social que, partindo de um programa e uma concepção pequeno-burguesa, crê ser possível manter as condições para a acumulação de capitais o que leva a uma brutal concentração de renda e riqueza nas mãos de um pequeno grupo, ao mesmo tempo em que, pouco a pouco e muito lentamente, apresenta a limitada intenção de diminuir a pobreza absoluta e incluir os trabalhadores na sociedade via capacidade de consumo (bolsas, salários e crédito, etc.).
Ora, o que deve fazer a esquerda “sem o mínimo de peso eleitoral, que não consegue enraizar sua mensagem programática e nem contribuir para o avanço da consciência de classe das massas populares”? Dizem os governistas: votar na Dilma. No entanto, desculpe a insistência de quem faz análise concreta de situação concreta não só quando chegam as eleições e água bate na bunda; mas, e se for exatamente este processo de pacto social e de implementação de um social-liberalismo que está impedindo o “avanço da consciência de classe”? Depois de 12 anos de governos desta natureza a consciência de classe está mais avançada que estava nos anos 80 e 90? Nos parece que não.
Se somos tão insignificantes, irrelevantes e idiotas… por que é necessário bater desta forma na esquerda? Pelo simples fato que nossa existência, a existência de uma ESQUERDA (não a pecha de esquerdismo que tenta se impor contra nós como estigma), é a denuncia explícita dos limites e contradições que o governismo e seus lacaios querem jogar para debaixo do tapete.
Para manter a “imagem” do governo petista (Sader está preocupado com a imagem) é preciso uma operação perversa: atacar quem denuncia os limites desta experiência, não importando o quanto desqualificado e hipócrita seja o ataque, estigmatizando, despolitizando o debate. Primeiro foi necessário destruir a esquerda dentro do PT e sabemos os métodos que foram usados nesta guerra suja. Na verdade o que vemos agora contra a esquerda fora do PT é uma projeção do ataque vil e brutal que companheiros da esquerda petista sofreram e (aqueles que ainda resistem lá no PT) ainda sofrem (esquerdistas, isolados das massas, sem expressão eleitoral, irresponsáveis, etc.). E depois que conseguirem isolar, estigmatizar e satanizar a crítica de esquerda a essa experiência centrista e rebaixada de governo? Quando forem atacados pela direita que não guarda nada a não ser desprezo para com os escravos da casa grande?
As manifestações seriam, segundo os governistas, uma ofensiva da direita para sujar a imagem bela e idealizada do governo e o esquerdismo joga água neste moinho. Interessante que a necessidade de uma análise concreta de uma situação concreta, da correlação de forças e das classes não é necessária quando se trata das manifestações. MTST, garis, metroviários, professores, são todos imbecis marionetes da direita, manipulados por ela e quando pensam lutar por seus direitos e demandas estão fazendo o jogo da direita. Somos nós que fazemos o jogo da direita… tem certeza?
De nossa parte, não nos incomodamos, porque não esperamos nada mais que isso como consequência do progressivo, e triste, processo de descaracterização e rebaixamento político. Não será a primeira vez que a política pequeno-burguesa, que se diz representante de todo o povo, se alia ao trabalho sujo da direita para combater a esquerda.
Respondemos àqueles que acreditam que estamos isolados com as palavras de Lenin, com quem aprendemos a fazer análise concreta de uma situação concreta:
Pequeno grupo compacto, seguimos por uma estrada escarpada e difícil, segurando-nos fortemente pela mão. De todos os lados, estamos cercados de inimigos, e é preciso marchar quase constantemente debaixo de fogo. Estamos unidos por uma decisão livremente tomada, precisamente a fim de combater o inimigo e não cair no pântano ao lado, cujos habitantes desde o início nos culpam de termos formado um grupo à parte, e preferido o caminho da luta ao caminho da conciliação. Alguns dos nossos gritam: Vamos para o pântano! E quando lhes mostramos a vergonha de tal ato, replicam: Como vocês são atrasados! Não se envergonham de nos negar a liberdade de convidá-los a seguir um caminho melhor? Sim, senhores, são livres não somente para convidar, mas de ir para onde bem lhes aprouver, até para o pântano; achamos, inclusive, que seu lugar verdadeiro é precisamente no pântano, e, na medida de nossas forças, estamos prontos a ajudá-los a transportar para lá os seus lares. Porém, nesse caso, larguem-nos a mão, não nos agarrem e não manchem a grande palavra liberdade, porque também nós somos “livres” para ir aonde nos aprouver, livres para combater não só o pântano, como também aqueles que para lá se dirigem!
(Lenin, Que fazer?, São Paulo: Expressão Popular, 62).