sábado, 28 de fevereiro de 2015

Micro-ensaio sobre a condição humana

sentimentos e emoções: uma abordagem antropológica

Micro-ensaio sobre a condição humana



Parte I - A confusão entre sentimento e emoção
Iniciemos com uma comparação simples: medo e insegurança. Há diferença entre uma coisa e outra? 

A Biologia sabe que o medo é uma emoção básica (instintiva, pode-se dizer). Todos precisam dele a partir do momento em que nascem... em um primeiro momento para sobreviver e em seguida, também para não causar danos graves a outras pessoas. Neste sentido, uma pessoa 'destemida' (que nunca sente medo), é alguém perigosíssimo, para si mesmo e para a sociedade. Não sentir medo, por assim dizer, pode ser um sintoma de uma séria patologia (cuja origem pode ser congênita ou adquirida, física ou psíquica).
O mesmo pode-se dizer da ausência ou excesso de qualquer outra emoção: alegria, tristeza, raiva, surpresa... Além disso, pode-se afirmar também que toda emoção apresenta um conjunto mais ou menos definido de sintomas mensuráveis biologicamente (no plano fisiológico): níveis de concentração de hormônios variados (insulina, endorfina, serotonina, adrenalina, dopamina etc), nível de pressão arterial, de sudorese ou de tensão muscular, velocidade dos batimentos cardíacos, dilatação da pupila, medição de temperatura ou do fluxo sanguíneo em áreas específicas do cérebro etc são apenas alguns exemplos de dados que podem ser medidos e sistematicamente comparados em laboratório.
Então, como funciona um sentimento?

Já, por outro lado, a insegurança (como qualquer outro sentimento), é de dificílima mensuração fisiológica.
Outra característica é que sua 'construção' é da alçada do sujeito cognoscente, geralmente em sua interação com o 'meio ambiente', evidentemente. O 'meio' ao qual nos referimos aqui precisa também ser melhor especificado.


Por 'meio', pode se entender 'o conjunto de condições naturais e socioculturais nos quais um sujeito nasce e se desenvolve', lembrando que o próprio corpo físico também faz parte desse 'meio'. Repare que seu corpo não é você (embora parte de sua identidade seja composta também pelo seu corpo). Você tampouco é "suas emoções" (ainda que sua identidade também seja composta pelas emoções, as quais por sua vez são produzidas quimicamente graças ao corpo). Não, você também não é seus sentimentos (embora parte de sua identidade como sujeito seja composta também pelos sentimentos que você mesmo assimilou, reformulou e cristalizou por um processo que chamamos de 'endoculturação');

Então, sentimentos dependem em maior medida da própria subjetividade (algo não mensurável), e em menor medida, do aspecto empírico (o meio) em si mesmo. Quando dizemos que sentimentos são 'construídos' pelo sujeito, estamos dizendo que eles não surgem espontaneamente apenas por mera derivação ou determinação biológica. A cultura nos apresenta padrões de comportamento e condicionamentos não naturais... mas será que um sujeito pode também ser condicionado a sentimentos (como é no caso das emoções)? 

Vale dizer, enquanto é seu corpo que reage com alegria ou tristeza, medo ou raiva, é você que escolhe, de momento a momento, se vai amar ou odiar, se vai empatizar-se (solidarizar-se) ou amesquinhar-se, se vai se magoar ou sentir compaixão, se sentirá remorso ou paz, felicidade ou solidão ou angústia. Toda essa gama de sentimentos não se confundem com simples emoções.

Além disso, a sintomatologia de quaisquer sentimentos é tão complexa e variável de sujeito para sujeito, de cultura para cultura, que é praticamente impossível, seja para o cientista biólogo, seja para o psicólogo especialista, defini-las objetiva e consensualmente (como se costuma fazer com as emoções). Neste sentido, não é raro encontrar tais cientistas cartesianos bastante 'confusos' e intrigados em suas tentativas pouco frutíferas de pesquisá-las, conceituá-las objetivamente. Geralmente essa tarefa inglória acaba sendo deixada para os filósofos, poetas e místicos.

Tanto o psicólogo comportamental quanto o biólogo ou neurologista evolucionista buscarão reduzir os sentimentos a impulsos bioquímicos ou então, a 'um conjunto de determinações filogenéticas (decorrentes da história evolutiva das espécies) e ontogenéticas (processos específicos de desenvolvimento e maturação do organismo). As teorias tendem a explicar qualquer sentimento, como sendo um 'comportamento' aprendido (por imitação) ou determinado (pela genética). O problema está no momento de se demonstrar tais teorias. Todas fracassaram até hoje.

a "equação da felicidade" segundo pesquisadores da University College London
Isso não impede que tais cientistas continuem buscando, com base nos mais recentes avanços da Neurologia e da Farmacologia, a famosa 'fórmula bioquímica da felicidade', a Pedra Filosofal da Química Moderna. Não é raro vê-los confundindo variações de humor com sentimentos. Tais confusões não ocorrem por acaso, já que costumam ser bastante lucrativas até que o golpe de publicidade termina desmascarado ao final.

As teses antropológicas, sejam elas evolucionistas ou estruturalistas, também sonham com uma redução que dê conta do 'humano'. Só que, neste caso, buscam explicar nosso comportamento cultural (incluindo, portanto, os sentimentos) como interação de mecanismos adaptativos naturais e artificiais de convivência e sobrevivência.

Parte II - Antropologia da Religião: O que a ciência cartesiana está longe de explicar?


Como assim? Algum animal precisa biologicamente de saudade, amor, ódio ou de angústia para se adaptar melhor ao ambiente e assim, aumentar suas chances de sobrevivência? (não vale aqui a apelar à pegadinha de confundir o conceito de violência com o de ódio, ou de confundir 'capacidade do cérebro para discriminar e classificar', com o racismo culturalmente ensinado e aprendido)*.

Ou então, qual é o peso do pensamento metafísico ou místico, do sentimento de vazio existencial ou do sentimento estético (todos tipicamente humanos) na obtenção de alimento, de abrigo ou na defesa contra animais perigosos?

Se você é marxista, neste momento deve estar tentando entender o que Marx quis dizer ao defender que essa superestrutura (cultura, instituições, estruturas de poder político, ideologias e filosofias) é absolutamente determinada pela infraestrutura (relações de produção e forças produtivas), a qual, por sua vez seria legitimada e sustentada pela primeira. Círculo sem fim? Quem veio primeiro? Pense bem antes de responder!

Reformulando a questão: como e por que o sentimento de transcendência faz um animal 'criar' representações do sagrado em todas as culturas, já que a princípio, eram todos nômades, comunistas e a propriedade privada era impensável naquele contexto?

Em que momento o "sagrado" tornou-se imprescindível para absolutamente todas as culturas humanas? Em que momento a ideia do sagrado tornou-se relevante para a sobrevivência da espécie humana? E se não é absolutamente relevante, por que não há notícia de povos (ágrafos ou não) onde essa impressionante ideia esteja ausente?

Como tantos sentimentos poderiam ter nos ajudado a nos adaptar e a sobreviver? Como o sentimento de devoção e gratidão às divindades ou a outros seres (imanentes ou não) nos auxiliaram pragmaticamente na adaptação ao meio hostil natural? Convenhamos: difícil de engolir. Em cada teoria, um misto de muita imaginação e de pouquíssimas e polêmicas evidências.


Parte III - Uma pitada de humanidade na receita 

Pegando novamente nosso exemplo do início desta explanação, diante de um estímulo cultural ou ambiental específico, nenhum animal 'escolhe' sentir medo, mas o ser humano pode "escolher" sentir insegurança.

Note que o medo nos impede de pular numa piscina se não sabemos nadar; já, a insegurança ou excessiva autoconfiança nos faz afogar, mesmo sabendo nadar...
 
O sentimento é uma escolha interpessoal, na medida em que "aprendemos consensualmente a sentir"... O curioso é que até mesmo o ato da escolha pode ser consciente ou estar também condicionado. O grupo pode nos levar a aderir compulsoriamente a certo comportamento ou crença? Ou no fundo aderimos por conveniência pessoal?

Quando aderimos a certas crenças, costumes, hábitos alimentares, linguagem, visão de mundo, valores morais de conduta social etc, é evidente que se trata de um processo cultural praticamente compulsório. Mas em nenhum momento até aqui citamos sentimentos...

Podemos sim ser constrangidos a falar determinada língua, a andar de certo modo ou a aceitar certa regra moral, mas não podemos ser constrangidos a amar, nem a odiar, nem a sentir paz ou angustiar-se... como diria o filósofo existencialista: somos condenados à liberdade da escolha! Então, não podemos simplesmente amar ou odiar sem que queiramos profunda e sinceramente isso!

Isto posto, posso sim ser incentivado a amar ou a odiar... posso ver exemplos do que eu penso ser 'pessoas amando ou odiando' e posso até concordar intelectualmente que 'amar é certo' e 'odiar é errado', mas não posso amar/odiar por imitação! Eis o mistério e o diferencial essencial de tudo que temos dito até agora! 
Em síntese, sentimentos são demasiadamente complexos para serem reduzidos a simples processos de mimetismo ou condicionamento (como sucede com emoções ou com os demais rituais elaborados de convivência social).

Você pode executar com perfeição técnica um ritual, uma emocionante obra musical, uma coreografia mística ou teatral, um poema, um mantran ou qualquer outra bela e emocionante oração. Mas nada disso quer dizer amor, sentimento ou paixão! Então, sentimentos se inserem numa prática que:
1º) é cem por cento humana; 
2º) é sempre um "modo de fazer"; 
3º) é sempre imaterial e inapreensível tecnicamente;
4º) é vivenciável intimamente, de modo ímpar, por outro ser complexo corpo-psique-espírito. 

O sentimento (seja ele qual for) é sempre o encontro do humano com sua inefável dimensão transcendente, antes mesmo de ser um encontro com 'outro' ser humano!

É por isso que, quando você se 'apaixona' (com ódio ou amor, com sofrimento ou compaixão, com angústia ou felicidade...), jamais conseguirá "dizer" ou "descrever", pois a experiência em si mesma é intransferível, inimitável, é íntima e singular!

A arte, mais do que qualquer outra atividade humana, é a que consegue mais se aproximar da expressão de sentimentos... daí que, só nos toca aquela arte que nos remete a algo que, como humanos, já fomos capazes de sentir também, ainda que de modo distinto do outro...

E então, eu lhe pergunto: o que é a sua existência, sem a paixão?
O que é o exercício de sua atividade profissional, sem paixão? 
Como é conviver com outro ser humano, sem paixão? 
O que é compartilhar e construir, sem paixão? 
O que é estudar, orar ou dançar ou lutar por uma causa, sem paixão?
Tudo, sem paixão, torna-se tédio, martírio, desespero e vazio.  

Note  como o sentimento nos completa e complementa tudo que fazemos, como humanos! Não estamos defendendo que o sentimento seja o único ou o mais importante aspecto que, no conjunto nos ajuda a "sermos-humanos" íntegros...

Além disso, atente bem para outro aspecto de importância crucial para entender o humano que há em cada um: cada um de nós de certo modo 'somos-humanos'...

ou seja: não se pode ser humano sozinho, sem o outro, completamente isolado do grupo, sem a humanidade... noutras palavras: sem a cultura, nossa humanidade simplesmente não existe (a não ser em estado puramente potencial)... Sem as múltiplas dimensões que ela nos traz, somos simples feras (como já previra Aristóteles: o homem é poli tikós). 

Feito este esclarecimento fundamental, considere que sem sentimentos, quaisquer atividades, por mais nobres que nos pareçam, nos parecerão mecânicas, vazias de sentido e significado. Como 'animais atribuidores de sentido' que somos, é o que nos confere a "anima"... Na mitologia judaica, a cultura é instituída pelo Sagrado... Este mesmo Sagrado nos doa a "anima" (aquilo que nos anima), cria a primeira regra de conduta e, em outro momento, cria vestes feita de peles de animais, para cobrir a nudez do casal primordial... nenhum outro animal se veste ou precisa trabalhar... Só o ser humano modifica sua natureza e a natureza ao seu redor, com o seu trabalho, com sua "agricultura" , com sua ação transformadora.
Mais que o alimento material, mais que o salário, mais do que o próprio reconhecimento, precisamos viver e fazer 'com paixão'.


Pela Antropologia sabemos que o hominídio é um "animal simbolizador". De qual imperativo biológico deriva o valor que os humanos invariavelmente atribuem aos símbolos (representações gráficas, bandeiras, amuletos, ritos, etc)?

O materialismo não explica nem justifica convenientemente o valor subjetivo de tamanha profusão de sentidos e de símbolos, irrelevantes do ponto de vista dos meios de produção ou das forças produtivas de uma sociedade. Por outro lado, a manutenção material da vida de qualquer outro animal, quase tão complexo geneticamente quanto o ser humano, prescinde de quaisquer operações de simbolização.

Então, que reações bioquímicas ou hormonais, ou que conexões neurais explicam ou controlam o valor que damos aos símbolos? Silêncio absoluto! Nem as ciências naturais, nem as sociais respondem. Fácil constatar que tal processo não é predeterminado pela nossa herança genética. Então, seria apenas o ambiente que nos comprime, desde algum momento tão remoto quanto desconhecido, a atribuir valor simbólico a objetos ou entidades imanentes (totens) ou transcendentes (seres divinos, sagrados, demoníacos, espirituais, oriundos de outros 'mundos')? Essa própria explicação 'científica' não se parece mais com uma boa e velha explicação mítica?
O fato é que ninguém sabe o quê, em nós ou fora de nós, gera o valor abstrato, culturalmente elaborado, de um símbolo.

Outro caso complexo: O altruísmo ou a solidariedade intencionais não se confundem com o impulso primitivo e biológico à caça cooperativa (onde o tal instinto nos conduzia evidentemente a um maior sucesso durante a caçada, comparada à caça solitária).

No primeiro caso, constatado a ausência do interesse pessoal em levar qualquer vantagem (biológica ou social), chegamos à conclusão de que absolutamente nada se ganha, do ponto de vista materialista e pragmático. Para a Ciência materialista ou neopositivista, a ausência da intenção social e egoística, é uma contradição insuperável, exceto se considerada como 'anomalia' (em sentido epistemológico): o cientista não sabe explicar, então ignora a contradição como se não existisse e como se ela não estivesse invalidando sua teoria (na esperança de um dia conseguir 'explicar', não se sabe como).

No segundo, se há "interesse biológico" ou sociológico no bizarro comportamento altruísta, como explicitá-los sem cair na risível, ilógica e igualmente bizarra hipótese de Dawkins, segundo a qual, o organismo é apenas uma "máquina de sobrevivência" do gene, cujo objetivo é sua autorreplicação, sendo o altruísmo não contraditório com o egoísmo?
Então, segundo a hipótese citada, há um hipotético gene "antropomorfizado" (já que é egoísta, qualidade esta eminentemente humana)... e pior que isso, tal gene só é altruísta porque é egoísta. Lógica torta essa, não?

Em síntese: As contradições entre teoria e realidade, são mais uma vez tratadas pelos cientistas como "anomalias" ou como resquícios de impulsos biológicos primitivos também quase completamente desconhecidos.

Saltemos do hominídio de milhões de anos atrás e analisemos por um breve momento, o hominídio contemporâneo:
Qual teoria científica explica a cobiça exploratória e depredatória humana, que nos faz arruinar completamente nosso próprio ecossistema e habitat, o qual sabemos ser absolutamente necessário à sobrevivência de nossa própria espécie?
Como explicar tal "comportamento"? 
É a biologia de nosso evoluído cérebro que vai explicar? O gene egoísta-altruísta (sic) de Dawkins explicaria mais essa contradição?
Ou deveríamos apelar à sociologia pós-estruturalista de nossa sociedade altamente civilizada? Qual ciência vai explicar por que estamos nos suicidando como espécie? Que lei natural ou social agora mesmo está a nos conduzir para um cenário escatológico de auto-aniquilação?

Dentre os mais evoluídos, estariam os mamíferos, certo?
Com nossos grandes e complexos cérebros, deveríamos zelar em primeiro lugar, pela nossa própria autossustentação. Certo ou errado?
Quais dentre os demais animais evoluídos apresentam comportamento tão bizarro e contraditório?
Estamos, ao invés de evoluir, involuindo?? Como os neurologistas das 'pílulas da felicidade', explicariam mais essa 'anomalia'? Maldições da vida em sociedade? Chamaríamos Rousseau com o seu "Emílio" para explicar o problema?

De repente, os humanoides enlouqueceram? Os imperativos bioquímicos (que nos exigem a manutenção da espécie) de repente entraram em colapso? onde está o gene egoísta-altruísta numa hora dessas??

Se os imperativos genéticos de nosso DNA sempre determinam nosso comportamento, onde raios foram todos parar?

De repente nosso cérebro, que por milhões de anos 'evoluiu' até o ponto de garantir a adaptação de nossa espécie, sofreu algum tipo de mutação coletiva que agora nos faz desistir coletivamente da autopreservação?


Parte IV - a antropologia filosófica**: a cereja do bolo 

Podemos até dizer que sentir fome não é pecado, sentir atração sexual não é pecado, sentir vontade (ambição) por algo não é pecado, sentir alegria, tristeza, medo ou raiva, não é pecado. O que é pecar?

"Pecado" é sentir a gula, a luxúria (a paixão desmedida), a cobiça (por bens materiais ou espirituais), a euforia/ansiedade ou a depressão, o ódio e o desespero... em sentido filosófico e metafórico, dizemos que tudo isso é "pecado", pois nos remete à ideia do antiético, do excesso, da hybris grega (a desmedida, o descomedimento, a autoconfiança e o orgulho excessivos, a arrogância e a imprudência de nos considerar como deuses, atraindo para si mesmos a maldição), da violência contra si próprio (corpo físico e mente), bem como à ideia de um desrespeito contra o outro (a coletividade da qual faz parte).
Todo sentimento é, portanto, um aprendizado... noutras palavras, ninguém nasce racista ou preconceituoso, nem nasce odiando negros e nordestinos, ou apaixonado por tal ou qual time de futebol, ou zeloso pela bandeira de sua nação... o meio nos estimula... e (bem ou mal) reagimos! geralmente reagimos de um modo mais ou menos subconsciente... todo esse 'aprendizado' raramente consciente de sentimentos envolve uma responsabilidade direta do próprio sujeito, e indireta do meio em que este sujeito vive. Assim, não adianta se colocar como vítima inocente do processo.
O mais importante em toda essa explicação é notar que o humanoide vive comumente de modo tão 'adormecido', que praticamente não se dá conta dos sentimentos que 'aprende', que desenvolve e que alimenta, diária e secretamente...
Portanto, não se engane: somos sim responsáveis em grande medida pelo que somos. Ao mesmo tempo, não percamos nosso tempo julgando ou avaliando o grau de responsabilidade dos outros. Antropologicamente, nem eu, nem você, estamos habilitados para dizer como o outro poderia ou deveria fazer...
o que posso sim dizer é o que eu posso fazer, pensar, não fazer, sentir e não sentir. Mas não cabe à ciência dizer o que "o outro" deve fazer. O ramo do conhecimento que estuda racionalmente o que devemos ou não fazer, enquanto coletividade, é a disciplina filosófica da Ética.
Parte V - considerações finais sobre quem somos

Em síntese: recebemos o estímulo (advindo das mídias de massa, das distintas redes sociais)... Mas, com qual sentimento vamos reagir? quanto tempo vamos demorar para aprender a viver?

Isso é singular, depende de cada sujeito pensante. Como animais que também somos, nossas escolhas são geralmente norteadas por aspectos emocionais e sentimentais. E mesmo assim, 'escolhemos', diariamente, que sentimentos e pensamentos (crenças) vamos interiorizar e exteriorizar...
O sentimento e a emoção podem se confundir? Às vezes sim, devido ao nível raso de autoconhecimento que apresentamos em geral. Cientificamente falando, portanto, vimos que emoção e sentimento têm origens (causas) distintas, não podendo ser tratados como coisas idênticas entre si. 


Tecnicamente, vimos que sentimentos como amor, ódio, paz ou felicidade, não se confundem com simples estados emocionais. Outros animais não podem "estar apaixonados". A paixão pode aparecer como uma palavra muito vaga, com sentido dúbio. Então, definir paixão é crucial. Paixão é sentimento ou emoção? Aprendemos culturalmente a nos apaixonar ou nascemos programados para fatalmente nos apaixonar? Onde está sua paixão? Onde está aquilo que dá sentido (significado) a sua existência?

Sua paixão está no esporte, no lazer, na profissão, na religião, na pessoa com a qual convive? onde você a põe? sua paixão está dentro ou fora de você? Onde você a pôs?

Por fim, o que é o humano, o que o caracteriza de fato? 
Eis o problema crucial de qualquer ciência e da própria filosofia: como nos definir? é possível nos definirmos a nós próprios?

E, além disso, o que diferencia o humano dos outros seres? Esta problemática surge basicamente a partir do fato de que o humano parece ser o único animal capaz de observar conscientemente os fenômenos ao seu redor e pensá-los abstratamente. Ele seria o único animal que se questiona sobre o aparente absurdo da própria existência.

Então, filosoficamente falando, uma primeira resposta possível estaria implícita no próprio ato de perguntar: "O homem é aquele que pergunta". Pelo menos, parece ser o único ser capaz de fazer perguntas. Os demais seres teriam essa capacidade (de se questionar sobre suas próprias razões de existência)?

Além do ser humano, que outra criatura se pergunta sobre seu passado e sobre seu futuro, sobre a vida e sobre a morte?

O homem pergunta pelo seu próprio ser, quer compreender e ter consciência de si. Mais que isso, o humano quer sempre captar o sentido... de sua vida, do mundo, dos acontecimentos, psíquicos ou concretos, imanentes ou transcendentes. Em apertada síntese, o homem é um animal buscador, criador e 'interpretador' de sentidos. Por outro lado, logo se identifica também sua incapacidade de se compreender de modo integral.

Seu conhecimento sobre si é limitado, condicionado pela sua própria subjetividade e por seu próprio aparato cognitivo. Então, aquilo que sabe de si, ainda que pretensamente "científico", nunca satisfaz o apetite de sua própria "busca por saber".

O resumo de tudo? Ele (o humano) não entende o mundo e não entende a si mesmo. Se ele pensa em um Ser metafísico, capaz de dar conta do mundo, de explicá-lo, o problema só se complica, pois surge em sua mente faminta, um sem-número de questões igualmente complexas, a cerca desse mesmo "Ser autossubsistente e autossuficiente".

Abandonando este projeto metafísico clássico, muitos antropólogos-filósofos irão ater-se ao que chamam "fenômeno humano". O Homem, portanto, caracteriza-se como esse emaranhado de aspectos e dimensões. Não se esgota ou limita-se a esta ou àquela dimensão, mas é um emaranhado rizomático de capacidades e possibilidades. Em razão disso podemos dizer que, em certa medida, o Homem não é, mas constrói-se cotidianamente a partir de um elemento que lhe é essencial: a cultura ou as “manifestações culturais”.

Podemos finalmente concluir que, do ponto de vista simultaneamente antropológico e filosófico, a indagação sobre o humano e suas possibilidades devem ser tomadas como ponto de partida para sua conceituação e compreensão. Por outro lado, temos que admitir que este humano também é capaz de produzir seu mundo.  Este humano é: corpo, mente (alma), ambiente (sociedade, geografia, clima...) e espírito (racionalidade transcendente).  A primeira indagação norteia a antropologia filosófica e a segunda pode ser colocada como base para a compreensão da cultura.

Quando dizemos que o ser humano constrói seu mundo, queremos dizer: ele constrói seu céu e seu inferno, seus deuses e seus demônios, sua ordem e seu caos. O homem constrói-se a si próprio para em seguida também se autodestruir. O ser humano, simultaneamente, por sua conta e risco, tem criado seu mundo interior e seu mundo exterior. Aliás, qual é mesmo a distinção substancial entre ambos? Ele exterioriza (concretiza no mundo exterior) aquilo que ele é por dentro dele mesmo. Entender essa realidade é uma das chaves mestras de qualquer mudança que queremos ver no mundo.

Silvio MMax.


* Neste sentido, vide os artigos:
"Somos racistas por natureza?", disponível em http://oficina-de-filosofia.blogspot.com.br/2012/05/180512-0300-opiniao1-o-cerebro-racista.html 
"A psicopatia e a relevância do DNA em sua determinação", disponível em http://oficina-de-filosofia.blogspot.com.br/2013/12/a-psicopatia-e-relevancia-do-dna-em-sua.html
** Outros textos de referência:
"Introdução à Antropologia Filosófica", disponível em http://oficina-de-filosofia.blogspot.com.br/p/introducao-antropologia-filosofica.html
"A Filosofia ateísta de 'Dr. House': uma ética e muitas reflexões", disponível em
http://oficina-de-filosofia.blogspot.com.br/2013/12/a-filosofia-ateista-de-house-uma-etica.html

"Cérebro: A química perfeita das emoções", disponível em  http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ECT490728-1719,00.html



"António Damásio - A diferença entre emoção e sentimento". vídeo disponível em http://globotv.globo.com/editora-globo/revista-galileu/v/antonio-damasio-a-diferenca-entre-emocao-e-sentimento/2736952/

Todas as coisas são precedidas pela mente

a origem do carma

“Todas as coisas são precedidas pela mente, guiadas e criadas pela mente. Tudo o que somos hoje é resultado do que temos pensado. O que hoje pensamos determina o que seremos amanhã. Nossa vida é criação de nossa mente.”

“Se um homem fala ou age com o pensamento puro, a felicidade o acompanha como uma sombra que jamais o deixa.”

(Buddha)

oficina de filosofia: documentário: cidadania e corrupção

oficina de filosofia: documentário: cidadania e corrupção: cidadãos: assistam!    A luta contra a corrupção é uma luta árdua que exige muita energia para manter o propósito frente às dificul...

Sin amor no hay evolución

 
* 1ra Ley: Ley de la Evolución

- El destino de los espíritus es evolucionar, de forma indefinida, para siempre.

- ¿En qué se evoluciona?. En Amor y Sabiduría. Sin amor no hay evolución. Sin amor no hay sabiduría. Sin amor no hay felicidad.

- La evolución depende de la voluntad y el esfuerzo de uno mismo

vive por si mesmo, ou muda pelos outros

Cantinho da Borboleta

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✿•¨`•ઇ‍ઉ•¨`•✿
Você tem duas opções:
Ou vive por si mesmo, ou muda pelos outros;
felicidade é questão de escolher caminhos, e não multidões.
Viver pelo que você faz é a essência do que você escolhe, caminhar pela opinião dos outros é a mesma coisa de gostar de pássaros mas preferir o som da flauta. Seja o que você quer, escolha o que permita ser.
A escolha é sua.

________________✿Gabriel Malaquias✿ 

os políticos são um reflexo da sociedade que eles representam




Um brinde a sociedade corrupta que reclama da corrupção


Quando a população se sente uma vítima inocente da corrupção e descaso egoísta, e ignora sua colaboração direta para a proliferação dos mesmos. Ninguém é inocente. E os políticos são um reflexo da sociedade que eles representam.

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O assunto político tem tomado grandes proporções ultimamente. As mídias sociais estão repletas de revoltas contra os políticos em geral e afirmações extremas sobre os mesmos, o ódio contra a corrupção que afeta a população é mais do que aceitável, é necessário. As páginas no facebook pedindo impeachment (mesmo que escrito errado) da presidente e esbravejando contra a corrupção dos poderosos ganham milhares e milhares de seguidores todos os dias e defensores mais que calorosos. Pessoas que votaram em um candidato se sentem superiores e adoram gritar aos quatro ventos que não colaboraram com o caos regrado à corrupção que temos vivido atualmente. Será?
Quando nos perguntamos o porquê de ser praticamente impossível encontrar um candidato com a ficha limpa bem posicionado no Brasil, dificilmente obtemos respostas. O problema em geral está na população. É isso aí, somos nós mesmos, que não apenas tememos o desconhecido como colaboramos diretamente para a corrupção geral.
Sabe aquele dinheiro que você, mesmo vendo o rapaz derrubar, botou no bolso correndo antes que ele percebesse que caiu? Aquele dinheiro que, ao dar o troco, o atendente do supermercado te passou sobrando e você manteve silêncio e se sentiu satisfeito, sortudo? Àquele produto que você comprou baratinho mesmo desconfiando que era roubado, àquela prestação que você espera “caducar” no sistema de proteção de crédito e não pretende pagar nunca? E aquele dia que você fingiu estar dormindo no banco colorido do ônibus para não precisar ceder o lugar para a gestante ou o idoso que entrou? Você entrou pelas portas traseiras do ônibus se sentindo o maioral e ainda é cheio de desculpas? Pois é. Sabia que os políticos corruptos também inventam um monte de desculpas para justificar seus atos? Você é tão corrupto e egoísta quanto os odiosos políticos que você acusa com tanto ardor.
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Você sai por ai, esbravejando contra todos e se sentindo vítima da corrupção que você mesmo alimenta, mas está sempre tentando levar vantagem em tudo. A diferença entre você e os nossos políticos é que você tem menos poder. Do contrário, seria mais um se divertindo com o dinheiro público. Se você aproveita todas as oportunidades, mesmo que incorretas, para se dar bem nas situações, comece a pensar em suas atitudes antes de sair acusando por aí. Vamos aprimorar nosso próprio caráter para garantir melhores pessoas no poder futuramente, a começar por nós mesmos?
Obrigada.


Jannine Dias

Designer gráfico obcecada por detalhes, devoradora de livros, tiete de objetos antigos, cinéfila de terror e apaixonada por qualquer indício de passado regrado à chá e chocolate..
Saiba como escrever na obvious.

Quem são os verdadeiros israelitas?

Liberte Sua Mente

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O Povo de Israel não são os Israelitas da bíblia
Quem são os verdadeiros israelitas? Quem são os Judeus? Quem são os Edomitas, os Amalequitas e os Gentios? Há dois mil anos atrás, no nordeste africano, em um país chamado Yisrael, viveu um povo conhecido pelo mesmo nome. Este povo era o povo israelita, o m...
 
Quem são os verdadeiros israelitas? Quem são os Judeus? Quem são os Edomitas, os Amalequitas e os Gentios?
Há dois mil anos atrás, no nordeste africano, em um país chamado Yisrael, viveu um povo conhecido pelo mesmo nome. Este povo era o povo israelita, o mesmo povo mencionado na bíblia.
O povo israelita era composto de 12 tribos e nenhum dos povos destas tribos foi chamado em nenhum momento de “judeu”. O quarto filho de ya’acov (jacó) se chamava yahudah (judá) e seus descendentes eram chamados de Yahudim. Em português, a palavra correspondente a Yahudim é Judaítas, e não Judeus.
Os povos antigos nunca viram israelitas brancos, nunca chamaram os israelitas de judeus e nunca conheceram um povo chamado Judeu. O povo que hoje é conhecido como judeu, era chamado de edomita porque são descendentes de Esav / Edom.
Há 3 categorias de judeus:
1) Edomitas / Sephardim (Sefarditas) – Eram descendentes de Edom / Esav (Esaú), que foram os primeiros judeus, os judeus orientais que invadiram Shomerom (Samaria);
2) Amalequitas – Eram descendentes de Amalek, que era neto de Edom. Estes são os banqueiros de hoje, aqueles que além de comandarem a mídia universal, incluindo a TV e a Imprensa, o sistema político e religioso, o sistema de educação, de alimentação, de saúde, a indústria da guerra, da música e do cinema, dominam também toda a economia mundial. Entre eles estão a família Rothschild, a família Rockefeller, a família Real Britânica e os participantes do Bilderberg Group ou Clube de Bilderberg. As pessoas mais ricas, influentes e poderosas do mundo, atualmente;
3) Ashkenazim – descendentes de Yaphet (Jafé) por parte de seu filho Togarma (gênesis 10:2-5), que é o patriarca dos turcos, mas se autodenominam Asquenazi porque Yirmeyahu (Jeremias) profetizou que Asquenaz e seus aliados conquistariam a Babilônia (Jeremias 51:27), portanto, os Ashkenazim são europeus, ou seja, SÃO GENTIOS e a única relação que eles têm com os hebreus é que se misturaram com os edomitas (descendentes de Esaú / Edom), mas não são descendentes de Ya’aqov (Jacó), então, NÃO SÃO ISRAELITAS.
Nenhum dos conhecidos como judeus hoje em dia são os israelitas ou povo de Israel mencionados na bíblia.

Pensando e refletindo sobre NAZISMO
1) Alguém ouviu falar de algum membro das famílias Rothschild, a Rockefeller ou da família Real Britânica que tenha sido morto nos campos de concentração nazista.
2) Que tipo de judeus foram mortos nos campos de concentração nazista? Os judeus do primeiro grupo, do segundo grupo ou do terceiro grupo?
3) Os judeus perseguidos e mortos no nazismo eram judeus? Se a resposta for não, pense. Quem morreu realmente nos campos de concentração nazista e quem foram as pessoas perseguidas? Judeus ou gentios
4) Quem são os gentios e o que a bíblia fala sobre os gentios (Não considerar Paulo que nem apóstolo foi, mas as próprias palavras de deus e de Jesus).
O que aconteceu com os verdadeiros israelitas? Pra quem estudou realmente a bíblia fica fácil descobrir, analisando a sua aparência, dada pela própria bíblia:
“Não me sois, vós, ó filhos de Israel, como os filhos dos etíopes? diz o Senhor: Não fiz eu subir a Israel da terra do Egito, e aos filisteus de Caftor, e aos sírios de Quir?” Amós 9:7
“Porque eu sou o Senhor teu Deus, o Santo de Israel, o teu Salvador; dei o Egito por teu resgate, a Etiópia e a Seba em teu lugar.” Isaías 43:3
Os verdadeiros israelitas ERAM NEGROS e segundo algumas fontes foram capturados e trazidos para o ocidente, como escravos, em navios negreiros, durante o tráfico transatlântico e, quando chegaram aqui, seus nomes originais hebraicos foram substituídos por nomes ocidentais, cristãos ou judeus, e foram proibidos de manter sua crença. Os negros americanos estão investigando e tentando descobrir as suas origens, de onde vieram e os motivos pelos quais foram escravisados. Se são eles os reais israelitas não é importante. O fato é que os verdadeiros israelitas ERAM NEGROS e tinham uma aparência totalmente diferente dos chamados judeus. Só pelo fato de estarem questionando e procurando conhecer a si mesmos já merecem o meu respeito.
Em 2004, Jesus foi eleito o maior ícone negro de todos os tempos, pelo jornal New Nation, o que levou a um debate sobre a cor de sua pele.
“Apesar de as representações comuns, nas culturas ocidentais, do jesus loiro, de olhos azuis e visual hippie, todas as evidências apontam para o fato de que jesus não poderia ter sido de extração escandinava e certamente era um irmão de cor”, disse o jornal.
Por Ana Burke
Fontes:

Esqueletos Gigantes de Wisconsin

Liberte Sua Mente

28 de fev de 2015

Os 18 Esqueletos Gigantes de Wisconsin - Alguém quer ter uma idéia de como eram os Anunnaki?

Alguém quer ter uma idéia de como eram os Anunnaki? Essa é a imagem que acredito ser de um deles:
Os 18 Esqueletos Gigantes de Wisconsin
Em maio de 1912, Wisconsin, Estados Unidos, os irmãos Peterson encontraram 18 grandes esqueletos próximo ao Lago Farm lawn, sudoeste do Estado. O tamanho dos esqueletos variava de 2,10 m. a 2,70 m., muito mais altos que os nativos americanos normais.
As escavações foram supervisionadas pelo Beloit College que incluíram 200 túmulos da cultura Woodland. Os esqueletos tinham crânios alongados, e segundo a análise científica da época, o formato da mandíbula era longa e pontuda, tinha grande semelhança com a dos símios. As órbitas eram relativamente maiores em relação ao crânio do de um ser humano comum e ossos nasais se projetavam bem acima na face.
A edição do The New York Times de 04 de maio de 1912 publicou a notícia,
O mais misterioso é que os jornais locais em Wisconsin noticiaram casos semelhantes, desde 1851! Umas das escavações em 1891 foi comandada pelo Instituto Smithsonian, que além de esqueletos gigantes, encontraram grandes estruturas em forma piramidal. Lembrando que o tal instituto possui um enorme museu de história natural em Washington e são acusados de esconder a sete chaves descobertas arqueológicas que contradizem o status quo ou a teoria da evolução de Darwin.

Van Ted.
História-Proibida

não há salvação

sábado, 2 de agosto de 2014

Leonardo Boff: "Dentro do sistema capitalista não há salvação"


A seguinte entrevista com Leonardo Boff, feita por Débora Fogliato, foi extraída do Sul 21:




 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21| Foto: Ramiro Furquim/Sul21

  Um dos mais conhecidos teólogos do Brasil, Leonardo Boff é um nome atualmente aclamado em todo o mundo, mas que já foi muito marginalizado dentro da própria Igreja em que acredita. Nos anos 1980, o então frade foi condenado pela Igreja Católica pelas ideias da Teologia da Libertação, movimento que interpreta os ensinamentos de Jesus Cristo como manifesto contra as injustiças sociais e econômicas.

Aos 75 anos, Boff é um intelectual, escritor e professor premiado e respeitado no país, cuja opinião é ouvida por personalidades com o Papa Francisco e os presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Nesta entrevista ao Sul21, concedida durante sua vinda a Porto Alegre, Boff fala do momento atual da Igreja Católica, critica os religiosos que usam o evangelho para justificar ideias retrógradas ou tirar dinheiro dos fiéis, tece comentários sobre a situação no Oriente Médio, aborto, violência e sobre a crise ecológica e econômica mundial.

As duas estão profundamente interligadas: como explica Boff, o capitalismo está fundado na exploração dos povos e da natureza. “Esse sistema não é bom para a humanidade, não é bom para a ecologia e pode levar eventualmente a uma crise ecológica social com consequências inimagináveis, em que milhões de pessoas poderão morrer por falta de acesso à água e alimentação”, afirma ele, que é um grande estudioso das questões ligadas ao meio ambiente.

Sul21 – Nos anos 1980, por causa dos ideais defendidos pela Teologia da Libertação, o senhor foi condenado a um ano de silêncio obsequioso e sofreu várias sanções, que acabaram sendo amenizadas diante da pressão social sobre a Igreja Católica, mas que o fizeram abandonar o hábito. O senhor acredita que atualmente a Igreja agiria da mesma forma?

Leonardo Boff – Não. O atual Papa diz coisas muito mais graves do que eu disse no meu livro “Igreja: carisma e poder”, que foi objeto de condenação. Se ele tivesse escrito isso, teria sido condenado. Eu disse coisas muito mais suaves, mas que afetavam a Igreja. Dizia que a Igreja não respeitava os direitos humanos, que é machista, tem um conceito de poder absolutista e absolutamente superado, sem limites.

Os tempos mudaram e a graças a Deus temos um Papa que pela primeira vez, depois de 500 anos, responde à reforma, responde a Lutero. Lutero lançou o que chamamos de Princípio Protestante, que é o princípio de liberdade. E esse Papa vive isso. E vive o cristianismo não como um feixe de verdade que você adere, mas como o encontro vivo com Jesus. Ele distingue entre a tradição de Jesus, aquele conjunto de ideais, tradições, e a religião cristã, que é igual a qualquer outra religião. Ele diz: “eu sou do movimento de Jesus”, e não da religião católica. Tais afirmações são escandalosas para cristãos tradicionais, mas são absolutamente corretas no sentido da Teologia, daquilo que nós sempre dizíamos e éramos perseguidos por isso.

E eu fico feliz que a Igreja não é mais uma instância que nos envergonhe, mas sim uma instância que pode ajudar a humanidade a fazer uma travessia difícil para outro tipo de sociedade que respeite os direitos da natureza, da Terra, preocupada com o futuro da vida. Eu mesmo tive contato com o Papa e o tema central dele é vida. Vida humana, da terra, da natureza. E nós temos que salvá-la, porque temos todos os instrumentos para destruí-la.

“Pregar na África que é pecado usar a camisinha, em lugares onde metade da população sofre de Aids, é cometer um crime contra a humanidade. Foi o que o papa Bento XVI disse várias vezes.”

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
| Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – O senhor acredita que a Igreja Católica, sob orientação do papa Francisco, vai efetivamente renunciar a alguns temas tratados como tabu, como a união homossexual?
Leonardo Boff – Ainda não sabemos bem a opinião dele. Ele diz: “quem sou eu para julgar?”, no fundo diz para respeitar as pessoas. Ele vai deixar haver uma grande discussão na Igreja sobre a questão do divórcio e dos homossexuais, sobretudo a moral sexual cristã, que é extremamente rigorosa e restrita, em alguns casos é criminosa. Por exemplo, pregar na África que é pecado usar a camisinha, em lugares onde metade da população sofre de Aids, é cometer um crime contra a humanidade. Foi o que o papa Bento XVI disse várias vezes. Eu acho que o Francisco é mais que um Papa, é um projeto de mundo, projeto de Igreja, ele se dá conta de que a humanidade é uma, está sob risco e temos que nos unir nas diferenças para superar a crise.

Acho que a grandeza desse Papa não será ele definir as coisas, mas deixar que se discutam. E eu acho que ele vai respeitar as pessoas, porque a maioria não é homossexual, ou homoafetivo, por opção. As pessoas se descobrem homoafetivas. E ele vai dizer: “ande dentro de Deus, não se sinta excluído”. Vai dizer que (os homossexuais) são tão filhos de Deus quanto os outros. E daí respeitar. Talvez ele diga “não chame matrimônio, que é um conceito canônico”. Mas uma união responsável, que merece a benção de Deus, e que tenha uma proteção jurídica, que tenha seu lugar na Igreja, que possam frequentar os sacramentos. Esse seguramente vai ser o caminho dele.

Sul21 – E com essas posições do Papa Francisco, o senhor acha que Igreja Católica talvez consiga recuperar fiéis diante do avanço das igrejas evangélicas?

Leonardo Boff – Esse Papa não é proselitista e diz claramente que o evangelho deve atrair pela sua beleza, seu conteúdo humanitário. Ele não está interessado em aumentar o número de cristãos, em fazê-los voltar. Está interessado em que as pessoas, com a situação confessional que têm, se coloquem à disposição do serviço da humanidade, das coisas boas que a humanidade precisa.
É aquilo que nós chamamos de “ecumenismo de missão”. Estamos divididos, é um fato histórico, mas não é uma divisão dolorosa. Porque cada um tem seus antros, profetas e mestres. Mas como nós juntos nos reconhecemos nas diferenças e como juntos vamos apoiar os sem terras, os sem tetos, os marginalizados, as prostitutas. Esse serviço nós podemos fazer juntos.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
| Foto: Ramiro Furquim/Sul21

“Ninguém é a favor do aborto em si, as mulheres que fazem aborto não pediram por isso. Mas muitas vezes passam por situações tão delicadas que precisam tomar essa decisão”

Sul21 – Muitas pessoas usam a religião para justificar opiniões conservadoras, machistas e homofóbicas. Qual a sua opinião sobre essas posições?

Leonardo Boff – Há o exemplo concreto do aborto nas últimas eleições. Isso mobilizou as igrejas, foram até o Papa, fizeram pressão sobre os fiéis. Eu acho que é uma falsa utilização da religião. A religião não foi feita para isso. E todos devem reconhecer, e são obrigados a reconhecer pela Constituição, que há um Estado que é laico. Então essas pessoas pecam contra o princípio fundamental da democracia, não são democratas. Eles podem ter a opinião deles, mas não podem impô-la.

É muito fácil a posição deles, é salvar a criancinha. E depois que salvou ela está na rua, abandonada, passando fome e morrendo. E nem têm compaixão pelas mais de cem mil mulheres que morrem por ano por causa de abortos malfeitos. São pessoas que pecam contra a democracia e contra a humanidade, o senso humanitário. Ninguém é a favor do aborto em si, as mulheres que fazem aborto não pediram por isso. Mas muitas vezes passam por situações tão delicadas que precisam tomar essa decisão.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
| Foto: Ramiro Furquim/Sul21
O que eu aconselho e o que muitos países fizeram, inclusive Espanha e Itália, que são cristianíssimas e permitiram o aborto, pediram que houvesse um grupo de acompanhamento, que converse com a mulher e explique o que significa. E deixar a decisão a ela, se ela decidir vamos respeitar a decisão. Mas ela faz com consciência. Isso eu acho que seria democrático e seria responsável diante da fé, você não renuncia à tua fé, mas respeita a consciência, que é a instância última a que responde diante de Deus.

“Então eles têm um país que foi vítima do nazismo e utiliza os métodos do nazismo para criar vítimas. Essa é a grande contradição.”

Sul21 – Algumas igrejas aqui cobram dízimo dos fiéis, muitas vezes dizem que para agradecer a Deus as pessoas têm que pagar as igrejas. Qual a sua opinião e como a teologia da libertação vê essa prática?

Leonardo Boff – São igrejas do chamado “evangelho da prosperidade”, dizem que você dá e Deus te devolve. Eu acho que é um abuso, porque religião não foi feita para fazer dinheiro. Foi feita para atender as dimensões espirituais do ser humano e dar um horizonte de esperança. Agora quando a igreja transforma a religião num poder econômico, como a Igreja Universal do Reino de Deus, que em Belo Horizonte tem um shopping ao lado, chamado de “o outro templo”, que é o templo do consumo, e depois do culto as pessoas são instruídas a comprar. Para mim, é a perversão da religião. Inclusive acho que é contra a Constituição utilizar a religião para fins não naturais a ela. Eu combato isso, sou absolutamente contra. Porque isso é enganar o povo, é desnaturar e tirar o caráter espiritual da religião. A religião tem que trabalhar o capital espiritual, e não material.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
| Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – E em relação a essa crise violenta entre Israel e a Faixa de Gaza, em que o Estado de Israel já matou centenas de pessoas, como o senhor acha que o resto do mundo deveria agir em relação a isso? O Papa poderia ser uma pessoa a mediar o conflito?

Leonardo Boff – Esse Papa é absolutamente contemporâneo e necessário. Acho que é o único líder mundial que tem audiência e eventualmente poderia mediar essa guerra de massacre criminosa que Israel está movendo contra Gaza.

E eu acho que grande parte da culpa é do Obama, que é um criminoso. Porque nenhum ataque com drones (avião não tripulados) pode ser feito sem licença pessoal dele. Estão usando todo tipo de armas de destruição, fecharam Gaza totalmente, ficou um campo de concentração, e vão destruindo. Então eles têm um país que foi vítima do nazismo e utiliza os métodos do nazismo para criar vítimas. Essa é a grande contradição.

E os Estados Unidos apoia, o Obama e todos os presidentes são vítimas do grande lobby judeu, que tem dois braços: o braço dos grandes bancos e o braço da mídia. Eles têm um poder enorme em cima dos presidentes, que não querem se indispor e seguem o que dizem esses judeus radicais, extremistas e que se uniram à direita religiosa cristã. Isso está aliado a um presidente como Obama que não tem senso humanitário mínimo, compaixão para dizer “acabem a matança”.

“Mas tudo o que dá sentido humano não entra no PIB: o amor, a solidariedade, a poesia, a arte, a mística, os sábios. Isso é aquilo que nos faz humanos e felizes.”

Sul21 – Qual a sua avaliação da atual disputa para a presidência da República?

Leonardo Boff – Notamos que é uma disputa de interesses de poder. Não se discute o projeto Brasil, se discute poder. O que eu acho lamentável porque não basta ter poder, o poder é um meio. Eu vejo que há duas visões de futuro. Uma é mais progressista, que é levada pelo atual governo. E eu torço que ele ganhe. Mas ganhar para avançar, não reproduzir agenda. Ele atingiu uma agenda que é o primeiro passo, de incluir milhões de pessoas que têm agora direito de consumir o mínimo, de comida, ter geladeira, casa, luz. Isso é direito de todo cidadão. Essa etapa eu acho que o governo cumpriu e bem. Mas agora vem uma nova etapa, porque o ser humano não tem só fome de pão. Tem fome de escola, beleza, lazer, participação na vida social, dos espaços públicos.

E há os que querem impor aquilo que está sendo imposto e não está dando certo na Grécia, em Portugal, na Itália, na Irlanda, que é o neoliberalismo mais radical. Que no fundo é uma austeridade, é o arrocho salarial, aumentar o superávit primário, que é aquele bolo com que se paga os rentistas. Há a visão de futuro que quer enquadrar o Brasil nesse tipo de globalização que é boa para o capital, porque nunca os capitalistas enriqueceram tanto. Tanto que nos Estados Unidos 1% tem o equivalente a 99% da população, enquanto no Brasil 5 mil famílias controlam o equivalente a 43% do PIB. São famílias da casa-grande, que vivem do capital especulativo.

Acho que nós temos que vencer esse projeto, porque não é bom para o povo. Mesmo com todos os defeitos e violações de ética que houve, erros que o PT cometeu, ainda assim o projeto deles é o mais adequado para levar adiante um avanço. Agora se for ganhar para avançar, porque se for para reproduzir dá no mesmo do que outro ganhar.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
| Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – O senhor mencionou a crise econômica pela qual passam a Grécia, Espanha e países europeus que seguem o neoliberalismo. Há maneiras de reverter a crise?

Leonardo Boff – A Europa está tão enfraquecida e envergonhada que nem mais aprecia a vida. Aquilo que mais escuto em cada palestra que vou na Europa é pessoas me pedindo “por favor, me dê esperança”. Quando um povo perde esperança, perde o sentido de viver. Isso acontece porque alcançaram tudo que queriam, dominaram o mundo, exploraram a natureza como quiseram, ganharam um bem-estar que nunca houve na História e agora se dão conta que são infelizes. Porque o ser humano tem outras fomes. Fome de amar e ser amado, de entender o outro, conviver, respeitar a natureza.

E tudo isso foi colocado à margem. Só conta o PIB. Mas tudo que dá sentido humano não entra no PIB: o amor, a solidariedade, a poesia, a arte, a mística, os sábios. Isso é aquilo que nos faz humanos e felizes. E essa perspectiva em que só contam os bens materiais poderá levar a humanidade a uma imensa tragédia. Dentro do sistema capitalista, não há salvação. Por duas razões. Primeiro porque nós encostamos nos limites da Terra. É um planeta pequeno, com a maioria dos recursos não renováveis. O sistema tem dificuldade de se auto-reproduzir, porque não tem mais o que explorar. E segundo porque os pobres, que antes da crise que eram 860 milhões, pularam, segundo a FAO, para um bilhão e 200 milhões.

Então esse sistema não é bom para a humanidade, não é bom para a ecologia e pode levar eventualmente a uma crise ecológica social com consequências inimagináveis, em que milhões de pessoas poderão morrer por falta de acesso à água e alimentação. Esse sistema, para minha perversidade total, transformou tudo em mercadoria. De uma sociedade com mercado para uma sociedade de mercado, transformando alimentação em mercadoria. O pobre não tem dinheiro para pagar, então ele passa fome e morre.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
| Foto: Ramiro Furquim/Sul21

“Essa nova relação com a natureza e o mundo é o que precisamos desenvolver para ter uma relação que não seja destrutiva e possa fazer com que a humanidade sobreviva.”

Sul21 – O senhor se preocupa também com o avanço da extrema direita na Europa?
Leonardo Boff – É a reação normal de quando há uma crise maior que alguns postulem soluções radicais. No caso da Europa, é a xenofobia. Mas são todos países que têm problema de crescimento negativo de população. A Alemanha tem que exportar 300 mil pessoas por ano para manter o crescimento mínimo de população, e na França a situação é parecida. Então estão em uma dificuldade enorme, porque precisam deles, mas querem os expulsar. Mas há o risco de que haja um processo que gerou a Segunda Guerra Mundial, que era fruto da crise de 1929 que nunca se resolvia, até que a direita criou o nazifascismo. Mas hoje o mundo é diferente, é globalizado. Não dá para resolver a questão de um país sem estar vinculado aos outros.

Sul21 – Os governos da América Latina oferecem uma alternativa a esse modelo europeu que está em crise?

Leonardo Boff – Muitos veem, como o (sociólogo português) Boaventura de Sousa Santos, que na América Latina há um conjunto de valores vividos pelas culturas originárias que podem ajudar a humanidade a sair da crise. Especialmente com a característica central do bem-viver, que significa ter outra relação com a natureza, entender a Terra como mãe, que nos dá tudo que precisamos ou podemos completar com o trabalho. E inventaram a democracia comunitária, que não existe no mundo, é uma invenção latino-americana, em que os grupos se reúnem e decidem o que é melhor para eles, e o país é feito por redes de grupos de democracias comunitárias. Essa nova relação com a natureza e o mundo é o que precisamos desenvolver para ter uma relação que não seja destrutiva e possa fazer com que a humanidade sobreviva.

Há uma revisitação das culturas originárias, porque elas têm ainda respeito com a natureza, não conhecem a acumulação. São valores já vividos pelas culturas andinas, sempre desprezadas e hoje estudadas por grandes cientistas e sociólogos que percebem que aqui há princípios que podem nos salvar. Em vez de falar de sustentabilidade, respeitar os ritmos da natureza. Em vez de falar

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
| Foto: Ramiro Furquim/Sul21
de PIB e crescimento, garantir a base físico-química que sustenta a vida. Porque sem isso a vida vai definhando. E em vez de crescimento, redistribuição. É tanta riqueza acumulada que se houvesse 0,1% de taxa sobre os capitais que estão rolando nas bolsas, estão na especulação, daria um fundo de tal ordem que daria para a humanidade matar a fome e garantir habitação. Porque o capital produtivo é de U$ 60 trilhões, enquanto o especulativo é U$ 600 trilhões. Então é uma economia completamente irracional e inimiga da vida e da natureza. E não tem futuro, caminha para a morte. Ou nos levará todos para a morte, ou eles mesmos se afundarão.

“Nós não “temos violência” no Brasil, nós estamos sentados em cima de estruturas de violência. É um estado de violência permanente.”

Sul21 – E onde entra o papel do Brasil no âmbito ecológico? Os governos têm conseguido lidar com as questões ambientais?

Leonardo Boff – O Brasil é a parte do planeta mais bem dotada ecologicamente. Tem as maiores florestas úmidas, maior quantidade de água, maior porcentagem de terrenos agriculturáveis no planeta.  Mas não têm consciência de sua riqueza. E as políticas públicas não têm nenhuma estratégia de como tratar a Amazônia, tratar os vários ecossistemas. Sempre é em função da produção. Então estão avançando sobre a floresta Amazônica e deflorestando para ter soja e gado.

E o Ministério do Meio Ambiente é um dos mais fracos, assim como o dos Direitos Humanos. Isso significa que não conta a vida, conta a economia. Eu acho lamentável isso. E essa crítica tem que ser feita pelos cidadãos. Dizer que apoiamos um projeto de governo, mas nisso discordamos. Porque é uma ignorância, uma irresponsabilidade, uma estupidez governamental. Muita coisa do futuro da humanidade passa por nós, especialmente água potável, que possivelmente será a crise mais grave, até mais do que aquecimento global. E o Brasil tem capacidade de ser a mesa posta para o mundo inteiro e fornecer água potável para o mundo inteiro. Acho que não temos consciência da nossa responsabilidade. Os governantes são vítimas ainda de uma visão economicista, obedecem as regras da macroeconomia. A nossa relação com a natureza não é de cooperação, é de exploração.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
| Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21  – Como o Brasil pode lidar com o grave problema de violência urbana? 

Leonardo Boff – O problema que deve ser pensado de que já agora 63% da humanidade vive nas cidades, no Brasil 85%. Não dá mais para pensar apenas na reforma agrária, tem que pensar como vão viver as pessoas. Nós vivemos no Brasil a vergonha de que todas as cidades têm um núcleo moderno cercado por uma ilha de pobreza e miséria, que são as favelas. Esse é um problema não resolvido e para mim central na campanha: como trabalhar os 85% que vivem nas cidades, já perderam a tradição rural, de plantar e viver da natureza, e não assimilaram a cultura urbana. Então são perdidos. Daí o aumento da criminalidade. E muitos dizem que a sociedade têm um pacto social que rege o comportamento dos cidadãos. Ou seja, “vocês nos excluíram, então não somos obrigados a aceitar as leis de vocês, vamos criar as nossas”. As milícias do Rio criaram funções de Estado paralelas, criam sua organização e distribuição e o governo é impotente. E as UPPs não são a solução, porque cria ilhas e as drogas ficam nas margens. O problema não é de polícia, é do tipo de sociedade que nós criamos, montada em cima do colonialismo, escravagismo e etnocídio dos indígenas. Nós não “temos violência” no Brasil, nós estamos sentados em cima de estruturas de violência. É um estado de violência permanente.

Sul21 – E como o país pode fazer para fugir disso?

Leonardo Boff – Aquilo que já começou, parar de fazer políticas ricas para os ricos e pobres para os pobres para fazer políticas de integração, inclusão, começando pela educação. Porque onde há educação a pessoa se habilita a se autodefender, buscar novas formas de sobrevivência. Um país que não investe em educação e saúde conta com pessoas ignorantes e doentes. E com essas pessoas não têm como dar um salto de qualidade. Para mim esse é o grande desafio e isso deveria ser discutido nas campanhas, e não partidos. Desafiar todo mundo: “como vamos sair disso?”, porque tende a piorar cada vez mais. Essa seria uma política ética, digna, onde o bem comum estaria no centro e somaria forças, alianças de pessoas que se propõem a mudar as estruturas que sustentam um Estado injusto, que tem a segunda maior desigualdade do mundo. Desigualdade significa injustiça, que é um pecado social estrutural mortal. E isso não é discutido.

Veja também o comentário do analista político Bob Fernandes intitulado "O 'mercado' e os bancos, que tocam o terror na eleição, quebraram o mundo."