sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Coisas a não serem reveladas

6 coisas que você nunca deveria revelar por mera saúde emocional e mental
Familia14 de novembro de 2019 21:02


"Não grite sua felicidade, a inveja tem o sono leve".

Erika Otero Romero

“Não fale alto sobre sua felicidade, a inveja tem o sono leve”
Adagio popular
A inveja pode vir das pessoas que menos esperamos, disso a gente já sabe.
Acabei o ensino médio numa escola pública quando tinha 17 anos. Eu não era uma estudante nota 10, minha família não tinha muito dinheiro; talvez por essas razões eu não tinha muitas perspectivas para o meu futuro imediato. No entanto, não me saí mal no meu teste ICFES. O ICFES é um exame que se aplica aos estudantes do último ano do ensino médio; a qualificação que tirar, abre ou fecha as portas à educação superior, e a mim me abriu algumas.
Foi assim que, junto com algumas amigas, começamos a procurar uma vaga em alguma universidade ou instituto de ensino superior.
Advertisement

As coisas mudam e as pessoas também

Um dia, as coisas mudaram para mim; meu pai me ofereceu a oportunidade de estudar em uma universidade privada. Eu fiquei emocionada, então, fui contar às minhas amigas o que aconteceu. Fiquei surpresa com a reação de várias delas; ainda assim, o comentário que jamais esquecerei veio da que mais apreciava. Ela disse: “A vida é injusta, eu sou tão boa estudante e não tenho oportunidade de entrar para estudar, e os ruins têm tudo sem esforço”.
Fiquei com a boca aberta e muito decepcionada. Ao contar à minha mãe o que aconteceu, ela disse-me que talvez a reação fosse devido às poucas oportunidades de se entrar na universidade. Ela era boa aluna, mas certamente tinha muitas dificuldades financeiras, foi assim que a compreendi e aceitei; mas ela não me estendeu a mesma compreensão. O resto do ano, minha “amiga” optou por me olhar mal e de soslaio. Terminamos por nos afastar, e isso foi o fim da amizade.
A vida continuou e eu entrei na universidade. Um ano depois, ela regressou a minha casa; quando veio ver-me, eu soube que ela tinha podido ingressar na universidade e tinha uma boa vida. Honestamente, fiquei feliz por ela, mas as coisas mudaram e depois daquele dia nunca mais falei com ela.

Todos, em algum momento, sentimos inveja

Não foi a única vez que me aconteceu. Esta é a razão pela qual sou tão desconfiada, e prefiro a solidão a uma má amizade.
Não vou dar uma de santa; certamente, também já senti inveja, e não é um sentimento saudável, em nenhum aspecto.
Advertisement
A inveja leva à crítica mordaz, aos pensamentos obsessivos e destrutivos, não da outra pessoa, mas de si mesmo. E pior ainda, é completamente improdutiva e injustificada. A questão é que nenhum de nós sabe o que a pessoa que invejamos teve que viver para chegar ou ter aquilo que cobiçamos.

Coisas da sua vida que você deve manter em segredo

Não é melhor despertar a inveja do que senti-la, isso é um grave erro. Por isso, para evitar despertar inveja nos demais – por pura saúde mental – estas são as coisas que você deve guardar com zelo para que seu progresso não seja prejudicado.

1 Seus objetivos para o futuro

Ao falar de seus planos futuros, pode ser que nem todas as pessoas compreendam a razão dos seus loucos sonhos. Talvez, o que ocorra é que se decepcione, porque as pessoas que você desejava que o apoiassem emocionalmente, não o façam, e outras tentarão ver cada pequeno detalhe pouco positivo para desanimá-lo.
Pode ser que não o façam com má intenção; no entanto, é melhor guardar para si seus propósitos e os surpreender quando virem o que você alcançou com seu esforço e perseverança.

2 Sua generosidade

O Evangelho de São Mateus, capítulo 6, versículo 3, diz: “Que não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita”.
Advertisement
Não há necessidade de falar sobre os favores ou as boas obras que faz. A razão é simples, você não sabe onde estão os detratores disfarçados de amigos, e estes podem dizer que faz isso por vaidade ou por presumir que você tem mais do que precisa e por isso é generoso. Além disso, também pode ser visto como um ato de arrogância.

3 Seus problemas

Todos passamos por tempos difíceis. Quer se trate de problemas familiares, financeiros ou de saúde, o melhor é superá-los sem comentar com os mais próximos, ainda que se veja tentado a fazê-lo para desabafar.
A razão é que podem julgá-lo como uma pessoa que se queixa demais, e outros mais (invejosos) podem alegrar-se com suas dificuldades. Há uma virtude em saber suportar as provas em silêncio, e é o que lhe fará mais forte, resiliente e ver em si mesmo sua capacidade e força.

4 O quanto suporta as provas da vida

Este está ligado ao anterior. Se conta aos outros o quanto é capaz de enfrentar as provas da vida, não faltará quem o chame de presunçoso quando, na verdade, o que você deseja é apenas compartilhar suas experiências de vida.
Além disso, todos passamos por situações que nos levam a tirar o melhor de nós mesmos, ainda que isso passe despercebido para alguns.
Advertisement

5 Seu conhecimento espiritual

Isso pode ser desconfortável, ainda mais quando a pessoa com quem você compartilha suas crenças é alguém com um pensamento muito diferente do seu.
Não se esqueça de que não é por algo ser diferente, que é ruim; ou que a pessoa seja sua inimiga. Não tente mudar as pessoas, pois, se o fizer, será você quem será considerado invejoso; é só questão de aceitar, valorizar e aprender, todos podemos tirar o melhor das crenças dos outros.

6 Seu relacionamento

Há nisso um aspecto delicado. Alguns ficarão felizes porque você encontrou uma pessoa que ama e ela corresponde a você; no entanto, outros vão criticar ou cobiçar essa relação bonita que você tem.
Diariamente, acontecem casos de amigos que brigam pelo parceiro do outro, isto porque um não soube ser prudente e o outro não soube respeitar a amizade.
A lição é se esforçar e ajudar em silêncio. Ninguém será mais feliz do que você em conseguir o que se propôs em sua vida, mas lembre-se de ser prudente para não ter inimigos nem despertar maus sentimentos em quem lhe rodeia.
Advertisement
Toma un momento para compartir ...

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Rússia, à beira da revolução

Crônica da Rússia, à beira da revolução

Um grande escritor e cartunista contemporâneo reconstitui os meses que antecedram a tomada do poder pelos bolcheviques. No trecho a seguir, agosto de 1917, quando a direita tentou retomar o poder e Lenin teve de fugir para a Finlândia
Descontentes com a participação do país na I Guerra Mundial, soldados desertam e aderem aos bolcheviques, num movimento que seria decisivo para a revolução de outubro
Um grande escritor e cartunista contemporâneo reconstitui os meses que antecedram a tomada do poder pelos bolcheviques. No trecho a seguir, agosto de 1917, quando a direita tentou retomar o poder e Lenin teve de fugir para a Finlândia
Por China Miéville

MAIS: DE CHINA MIÉVILLE:
Outubro — reconstituição histórica
(Editora Boitempo, R$ 59)
Marxismo e Fantasia
(Artigo publicado na revista Margem Esquerda, nº 23) (baixar grátis o arquivo)
A Cidade & a Cidade — ficção
(Editora Boitempo, R$ 49)
Estação Perdido — ficção
(Editora Boitempo, R$ 89)
Participantes de Outros Quinhentos podem adquirir estes e dezenas de outros livros com 20%, 40% e 60%, em Outros Livrosnossa loja virtual
==
AGOSTO: EXÍLIO E CONSPIRAÇÃO
Naqueles últimos dias de verão, enquanto a direita planejava uma limpeza, uma indulgência milenarista florescia. Música e dança a noite toda, vestidos e gravatas de seda tingida, moscas rondando bolos quentes, vômito e bebida entornada. Longos dias, quentes noites orgíacas. Um sibaritismo de fim de mundo. Em Kiev, disse a condessa Speránski, havia “jantares com bandas e corais ciganos, bridge e até tango, pôquer e romances”. Assim como em Kiev, também nas cidades Rússia afora, entre os ricos sonhadores.
Em 3 de agosto, o VI Congresso do Partido Operário Social-Democrata Russo – o Congresso Bolchevique – aprovou por unanimidade a resolução em favor de um novo lema. Um meio-termo entre os impacientes “leninistas”, que enxergavam a revolução entrando em uma nova fase, pós-Soviete, e os moderados, que ainda acreditavam que podiam trabalhar com os socialistas à sua direita para defender a revolução. Mesmo assim, a importância simbólica da mudança de palavras era imensa. As lições passadas deram calma, os apelos mudaram. Julho havia cumprido sua missão. Os bolcheviques não pediam mais “Todo o poder aos sovietes”. Em vez disso, eles aspiravam ao “Fim da ditadura da burguesia contrarrevolucionária”.
*
Outubro.inddO Soviete mudou de endereço, conforme solicitado. O Instituto Smolni foi construído no início dos anos 1800: um grandioso edifício neoclássico no distrito de Smolni, a leste do centro da cidade, às margens do Neva, de corredores cavernosos, assoalho branco, iluminação elétrica pálida. No térreo havia um grande refeitório entre os corredores alinhados e repletos de escritórios sempre cheios de secretários, deputados e facções dos partidos do Soviete, suas organizações militares, seus comitês e seus conclaves. Pilhas de jornais, panfletos, pôsteres cobriam as mesas. Metralhadoras se projetavam das janelas. Soldados e trabalhadores se comprimiam nas passagens, dormiam em cadeiras e bancos, faziam a segurança das reuniões, sob a vigilância de molduras douradas vazias, das quais retratos imperiais haviam sido cortados.
Até pouco antes da revolução, o instituto havia sido um estabelecimento de ensino para as filhas da nobreza. Antigo fiador do poder estatal, o Soviete foi rebaixado a grileiro de uma escola de etiqueta para moças. Quando o Soviete inteiro se reunia, o evento tinha lugar no que antes fora o salão de bailes.
No dia 3, Kornílov foi encontrar Keriénski e, mais uma vez, fez várias exigências ao homem que tecnicamente era seu chefe. Elas incluíam, num endurecimento de sua atitude anterior, uma rígida restrição aos comitês de soldados. Embora concordassem amplamente com sua essência, Keriénski, Sávinkov e Filoniénko reformulariam o documento apresentado por Kornílov a fim de encobrir seu menosprezo incendiário. A repulsa do general ao governo só aumentou quando, no momento em que se preparava para informar o gabinete sobre a situação militar, Keriénski discretamente o aconselhou a não ser muito específico – e insinuou que alguns membros do gabinete, em particular Tchernov, poderiam representar perigo.
Durante o encontro, Keriénski fez uma pergunta intrigante a Kornílov. “Suponha que eu tenha de renunciar”, ele disse, “o que acontecerá? Você ficará sem saída, as ferrovias pararão, o telégrafo deixará de funcionar.” A resposta contida de Kornílov – de que Keriénski deveria permanecer no cargo – foi menos interessante do que a própria pergunta. A intenção por trás dessa melancolia é obscura. Estaria Keriénski buscando se certificar de que Kornílov continuaria a apoiá-lo? Estaria ele, talvez, cautelosamente sondando a possibilidade de uma ditadura de Kornílov?
Há uma multidão em cada um de nós, e em Keriénski havia uma multidão maior do que a da maioria. A pergunta lamuriosa poderia expressar tanto o horror quanto a esperança na ideia de desistir, de se entregar ao intimidador comandante em chefe. Uma pulsão de morte política.
O ódio à guerra continuava crescendo. De todo o país vinham inúmeros relatos de soldados que resistiam à transferência.
Uma batalha propagandística se intensificou em torno de Kornílov, refletindo a crescente separação entre a extrema direita do país, em torno da qual gravitavam os kadets, e o reduzido poder dos socialistas moderados. No dia 4 de agosto, o Izviéstia fez alusão a planos de substituir Kornílov por Tcheremísov, um general relativamente moderado que acreditava na colaboração com os comitês de soldados. No dia 6, o Conselho da União de Tropas Cossacas reagiu, dizendo que Kornílov era “o único general que poderia restaurar o poder do Exército e tirar o país dessa situação de extrema dificuldade”. O conselho, por sua vez, deu a entender que haveria uma rebelião caso Kornílov fosse removido.
Lenin com peruca e sem o cavanhaque num passaporte falso para a fuga à Finlândia
Lenin com peruca e sem o cavanhaque num passaporte falso para a fuga à Finlândia
A União dos Cavaleiros de São Jorge deu seu apoio a Kornílov. Conservadores importantes de Moscou, sob o comando de Rodzianko, enviaram-lhe telegramas veementes, dizendo que naquele “momento ameaçador de dura provação, o pensamento da Rússia se volta para o senhor com esperança e fé”.
Kornílov exigiu de Keriénski o comando do Distrito Militar de Petrogrado. Para deleite de uma direita sequiosa de golpe, ele ordenou que o chefe do Estado-Maior, Lukómski, concentrasse as tropas nas proximidades de Petrogrado – o que permitiria que fossem rapidamente enviadas à capital.
O pano de fundo dessa manobra não era apenas a catastrófica e cada vez mais grave situação econômica e social, mas um aumento consciente e deliberado das tensões em certos setores da direita punitiva. Em um encontro de trezentos magnatas dos setores industrial e financeiro no início de agosto, o discurso inaugural foi de Pável Riabuchínski, poderoso empresário do setor têxtil. “O governo provisório possui apenas a sombra do poder”, disse. “Na verdade, um bando de charlatões políticos está no controle […]. O governo está concentrado nos tributos, impondo-os primeira e cruelmente à classe comerciante e industrial […]. Não seria melhor, em nome da salvação da pátria, nomear um guardião acima dos perdulários?”
Em seguida demonstrou um sadismo tão espantoso que atordoou a esquerda: “A mão descarnada da fome e da destituição nacional vai agarrar os amigos do povo pelo pescoço”.
Chine Miéville: escritor, cartunista e ativista político
Esses “amigos do povo” que ele sonhava ver ao alcance de esqueléticos dedos predadores eram os socialistas.
Não foi apenas pela direita, entretanto, que a pressão se acumulou. Além disso, no dia 6, em Kronstadt, 15 mil trabalhadores, soldados e marinheiros protestaram contra a prisão dos líderes bolcheviques Steklov, Kámeniev, Kollontái e outros. Em Helsingfors (Helsinque), uma assembleia de proporções semelhantes aprovou uma resolução a favor da transferência do poder aos sovietes. É claro que essa reivindicação agora era ultrapassada no que dizia respeito aos bolcheviques, mas representava uma guinada à esquerda para a maioria dos trabalhadores. Impulsionada pelos bolcheviques e pelos militantes da ala esquerda dos Socialistas Revolucionários (SRs), no dia seguinte a seção dos trabalhadores do Soviete de Petrogrado criticou a prisão dos líderes de esquerda e a volta da pena de morte militar. Eles conquistaram votos. Mencheviques e SRs começaram a reclamar de deserções à esquerda – em suas próprias seções maximalistas ou mais além.
Tais sinais de recuperação da esquerda eram inconsistentes e irregulares: em 10 de agosto, nas eleições em Odessa, por exemplo, os bolcheviques conquistaram apenas três das cem cadeiras. Mas nas eleições municipais de Lugansk, no início de agosto, os bolcheviques conquistaram 29 das 75 cadeiras. Em Reval (hoje Talin), obtiveram mais de 30% dos votos, quase o mesmo que em Tver, pouco tempo depois, e em Ivánovo-Voznessiénsk conquistaram o dobro disso. Por todo o território do Império, a tendência era nítida.
Encolhido em sua choça, em um dia de chuva forte, Lenin foi surpreendido por palavrões. Um cossaco estava se aproximando pela mata molhada.
O homem suplicou para se abrigar do aguaceiro. Lenin não tinha muita escolha exceto afastar-se e deixá-lo entrar. Enquanto estavam sentados ali, ouvindo o tamborilar dos pingos, Lenin perguntou ao visitante o que o trazia àquele lugar tão fora de mão.
Uma perseguição, o cossaco disse. Ele estava atrás de alguém chamado Lenin. Para levá-lo de volta, vivo ou morto.
E o que o condenado havia feito, perguntou Lenin com cautela.
O cossaco fez um gesto com a mão, impreciso quanto aos detalhes. O que ele sabia, enfatizou, era que o fugitivo estava “encrencado”, era perigoso e estava nas redondezas.
Quando o céu finalmente abriu, o visitante agradeceu ao seu anfitrião temporário e partiu pelo mato encharcado para continuar as buscas.
Depois desse incidente alarmante, Lenin e o Comitê Central, com o qual ele continuava a se comunicar em segredo, concordaram que ele deveria se mudar para a Finlândia.
Em 8 de agosto, Zinóviev e Lenin abandonaram a choça acompanhados por  Emeliánov, Aleksandr Chótman – um “velho bolchevique” finlandês – e Éino Riákha, um ativista vistoso, de bigode extravagante. Os homens atravessaram o pântano às margens do lago até uma estação local, numa longa, árdua e úmida caminhada, cheia de retornos errados e má vontade, até saírem finalmente, se arrastando, em frente à ferrovia de Dibuny. Mas os problemas não haviam acabado: ali, na plataforma, um cadete do Exército, desconfiado, provocou Emeliánov e o prendeu. Mas Shotman, Riákha, Zinóviev e Lenin pegaram rapidamente um trem com destino a Udelnaya, nos arredores de Petrogrado.
Dali, Zinóviev seguiu para a capital. A jornada de Lenin ainda não havia acabado.
No dia seguinte, o trem 293 para a Finlândia chegou à Estação de Udelnaya. O condutor era Guro Jalava, ferroviário, conspirador e marxista engajado.
“Parei na beira da plataforma”, ele se lembrou depois, “quando um homem saiu do meio das árvores a passadas largas, subiu na plataforma e entrou na locomotiva. Era Lenin, claro, embora eu mal o tivesse reconhecido. Ele acabou sendo meu foguista.”
A fotografia no passaporte falso com que Lenin – “Konstantin Petróvitch Ivánov” – viajou tornou-se famosa. Com um quepe pousado no alto de uma peruca encaracolada e os cantos da boca, pouco familiar no rosto sem barba, ironicamente repuxados para cima, seus olhos profundos e pequenos são tudo que se pode reconhecer.
Lenin arregaçou as mangas. E pôs mãos à obra com tanto entusiasmo que o trem lançou nuvens de fumaça generosas. O condutor se lembrava que Lenin usou a pá com gosto, alimentando a locomotiva, fazendo com que andasse rápido, levando-o para longe por trilhos e dormentes.
Quando finalmente desembarcou, o foguista Lenin ainda tinha uma tortuosa jornada clandestina à sua frente. Foi apenas às onze horas da noite do dia 10 de agosto que ele chegou ao apartamento pequeno e simples da Praça Hakaniemi, no norte de Helsingfors (Helsinque). Ali era a residência dos Rovio. Como a sua esposa estava fora, visitando a família, Kustaa Rovio, militante social-democrata, havia concordado em abrigar o marxista russo.
A carreira de Rovio, um homem grande e imponente, havia dado uma guinada improvável e extraordinária. Socialista de longa data, ele também era, agora, chefe de polícia de Helsingfors. Como exatamente ele conseguiu conciliar esse papel com a militância revolucionária é algo incerto. Sobre o hóspede que, poucos anos antes, havia defendido manter reservas de “bombas, pedras etc. ou armas químicas” para jogar contra seus colegas, o chefe de polícia Rovio disse: “Nunca conheci um camarada tão amistoso e encantador”.
A única exigência de Lenin – e nisso ele era inflexível – era que Rovio devia conseguir jornais russos todos os dias e dar um jeito de entregar secretamente as cartas que ele trocava com seus camaradas do partido. Isso o anfitrião fez até mesmo quando sua esposa retornou e Lenin teve de se mudar para o apartamento de um casal socialista, os Blomqvists, próximo a Telekatu.
Percorrendo rotas arriscadas, subindo a pé pela floresta até a fronteira, Krúpskaya visitou o marido mais de uma vez. O próprio Lenin passeava por Helsingfors com uma liberdade fora do comum. “Para me pegar”, disse com prazer, na mesa da cozinha dos Blomqvists, enquanto lia sobre a caçada do governo, “é preciso ser rápido, Keriénski.”
Acima de tudo, ao longo de agosto, assim como havia feito em julho e faria em setembro, Lenin escrevia. Mensagens, cartas e instruções aos camaradas, e outra longa obra. Já no primeiro dia em que o hospedou, Rovio encontrou Lenin adormecido na escrivaninha, com a cabeça sobre os braços e um caderno cuidadosamente escrito diante de si. “Tomado pela curiosidade”, relatou Rovio, “comecei a virar as páginas. Era o manuscrito de O Estado e a revolução.”
O livro é uma extraordinária e vigorosa negociação entre o antiestatismo implacável e a necessidade temporária do “Estado burguês sem a burguesia”, sob o domínio do proletariado. O texto histórico, descrito por Lucio Colletti como “a maior contribuição de Lenin à teoria política”, foi escrito em cima de um tronco às margens de um lago infestado de mosquitos e, depois, na mesa de um policial. E não estaria concluído quando as circunstâncias mudaram e Lenin pôde retornar à Rússia. O texto termina com um famoso resumo: “É mais prazeroso e útil passar pela experiência da revolução do que escrever sobre ela”.
Gostou do texto? Contribua para manter e ampliar nosso jornalismo de profundidade: OutrosQuinhentos
Leia Também:

Deixe uma resposta

As origens da Filosofia Carla G Meassi - ppt carregar

As origens da Filosofia Carla G Meassi - ppt carregar: O SURGIMENTO DA FILOSOFIA NA GRÉCIA ANTIGA A passagem do pensamento mítico para o filosófico-científico:  quando os mitos e a religião deixam de ser explicações aceitas para sanar a “curiosidade” do homem, surge uma busca por um conhecimento mais sólido OBS: Um mito é uma narrativa tradicional com caráter explicativo e/ou simbólico, profundamente relacionado com uma dada cultura e/ou religião. O mito procura explicar os principais acontecimentos da vida, os fenômenos naturais, as origens do Mundo e do Homem por meio de deuses, semi-deuses e heróis (todas elas são criaturas sobrenaturais). Pode-se dizer que o mito é uma primeira tentativa de explicar a realidade.

SÓCRATES E OS SOFISTAS O estilo de vida de Sócrates assemelhava-se ao dos Sofistas, embora não vendesse seus ensinamentos. Com habilidade de raciocínio, - ppt video online carregar

SÓCRATES E OS SOFISTAS O estilo de vida de Sócrates assemelhava-se ao dos Sofistas, embora não vendesse seus ensinamentos. Com habilidade de raciocínio, - ppt video online carregar: SÓCRATES E OS SOFISTAS Para Sócrates o homem deveria conhecer a si mesmo, chegar à virtude através do conhecer a si mesmo. É a sabedoria que nos dá a virtude. Ao trabalhar com os Sofistas, Sócrates observa e questiona: a) Os Sofistas buscam o sucesso e ensinam as pessoas como conseguí-lo; Sócrates busca a verdade e incita seus discípulos a descobri-la. b) para os Sofistas é necessário fazer carreiras, Sócrates quer chegar à verdade, desapegando dos prazeres e dos bens materiais.

Sofistas A retórica. - ppt video online carregar

Sofistas A retórica. - ppt video online carregar: . Quem eram os sofistas?

Os mestres da argumentação - ppt carregar

Os mestres da argumentação - ppt carregar: Eram professores viajantes que, por determinado preço, vendiam ensinamentos práticos de filosofia. Levando em consideração os interesses dos alunos, davam aulas de eloquência e de sagacidade mental. Ensinavam conhecimentos úteis para o sucesso nos negócios públicos e privados. Como objetivo, o desenvolvimento da argumentação, da habilidade retórica, Era uma época de lutas políticas e intenso conflito de opiniões nas assembleias democráticas. Por isso, os cidadãos mais ambiciosos sentiam necessidade de aprender a arte de argumentar em público para conseguir persuadir em assembleias e, muitas vezes, fazer prevalecer seus interesses individuais e de classe.

O MOVIMENTO SOFISTA Movimento Sofista Contribuições - ppt video online carregar

O MOVIMENTO SOFISTA Movimento Sofista Contribuições - ppt video online carregar: A palavra SOFISTA, etimologicamente vem de sophos, que significa “sábio”, ou seja, designa qualquer um que pratique uma forma de sophia. Entretanto com o passar do tempo, a palavra sofista ganhou o sentido de “impostor” devido sobretudo, às críticas de Platão.

PERÍODO SOCRÁTICO >Os sofistas inauguram o período socrático. - ppt carregar

PERÍODO SOCRÁTICO >Os sofistas inauguram o período socrático. - ppt carregar: Os Sofistas

Os Sofistas. - ppt carregar

Os Sofistas. - ppt carregar: PERÍODO SOCRÁTICO A partir do último pré-socrático (Anaxágoras), a filosofia grega migra para Atenas. Os sofistas inauguram o período socrático. Sofista: designa qualquer um que pratique uma forma de sophia. Surgem atendendo a necessidade de uma nova educação - paidéia, educação racionalista e democrática acessível a todos, destinada a formação do cidadão que deveria viver na pólis (cidade). Vem substituindo a educação tradicional, religiosa, conservadora e aristocrática.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Ruínas do neoliberalismo

[OutrasPalavras] 12/11 - Ruínas do neoliberalismo: Chile, caso precursor | Guedes e a chantagem aos desempregados | A onda fanática que ascende com a direita | “Intoxicado até a alma" pelo agronegócio


Boletim de atualização nº 1293 - 12/11/2019

leia no navegador




Ruínas do neoliberalismo: Chile, caso precursor

Para entender como emergiu, numa vitrine do sistema, uma oposição tão decidida, é preciso ir além da Economia. Hans Sluga, um estudioso de Nietzche, tem uma hipótese. Ela sugere que a rebelião chilena tende a se espalhar…
Por Eleutério F. S. Prado


Boaventura vê Lula Livre

Sua libertação revela que os EUA não podem tudo: ainda há brechas para a luta política no Brasil. Sua fala, mais à esquerda, sugere que já não cultiva a ilusão de governar em favor de todos. Poderia, em vez de candidato, ser um grande articulador?
Por Boaventura de Sousa Santos



O JOIO E O TRIGO

Retrato de um governo ecocida

Dossiê faz balanço dos retrocessos: em 10 meses, devastação da Amazônia cresceu 92%, estimulada por discursos predatórios. Foram liberados 410 novos agrotóxicos. Além disso, estruturas de combate a crimes ambientais estão sendo liquidadas
Por Guilherme Zocchio


Chantagem do governo aos desempregados

Economia patina. Paulo Guedes lança Programa Verde Amarelo e promete gerar empregos aos jovens; mas entrega-os à selvageria dos mercados: salários de fome e condições precárias – com a conveniência do Estado
Por Paulo Kliass



E se as startups pertencessem a seus funcionários?

Proposta ousada: abrir o capital das empresas da tecnologia, como Uber e Airbnb, para que seus trabalhadores sejam sócios, em cooperativa. Para professor estadunidense, sementes democráticas podem brotar nos pomares do ultracapitalismo
Por Leonardo Foletto, do BaixaCultura


OUTRA SAÚDE

Google: mais um grande escândalo de captura de dados

Corporação coletou, sem consentimento, histórico completo de milhões de pessoas -- inclusive com nomes. Leia também: o projeto de lei que ameaça a alimentação escolar; Ministério da Agricultura deturpa estudo da PUC; e muito mais
Por Maíra Mathias e Raquel Torres



A onda fanática que ascende com a direita

Camacho, protagonista do golpe de Estado na Bolívia, ilustra o importante papel das igrejas neopentecostais no xadrez geopolítico latino-americano. Como a “teologia da prosperidade” ajuda a consolidar o neoliberalismo
Por Bruno Reikdal Lima, no GGN



“Intoxicado até a alma" pelo agronegócio

Na Nordeste da Argentina – região que mais se concentra glifosato no mundo – exposição diária ao pesticida levou camponês a perder massa óssea, até sobrar só pele e osso. Até sua morte, Fabián lutou para mudar modelo agrícola que o condenou
Por Mariana Simões, no Repórter Brasil



Compartilhe
Compartilhe

Tuíte
Tuíte

Envie a um@ amig@
Envie a um@ amig@

Outras Palavras

Boletim de atualização do site Outras Palavras. Se quiser falar com a gente, basta responder esta mensagem.A reprodução de nossos textos é sempre bem-vinda.