domingo, 8 de março de 2020

Imposição da Cultura BOLSOFAKE


A guerra cultural bolsonarista é um núcleo do governo. Pode sair o Paulo Guedes [Economia], pode sair o Sergio Moro [Justiça e Segurança Pública], mas não pode sair a guerra cultural. Se a guerra cultura sair, acaba o governo Bolsonaro. O governo Bolsonaro não tem projeto. O verbo dominante nos vídeos dos intelectuais bolsonaristas é eliminar. E o substantivo é limpeza Jornal Opção 8 de março de 2020 05:34 Professor doutor da UERJ diz que guerra cultural bolsonarista vem de “tradução inesperada, de consequências funestas”, da doutrina de segurança nacional da Escola Superior Militar Professor João Cezar de Castro Rocha – Foto Reprodução/YouTube Itaú Cultural “As pessoas não levam a sério a guerra cultural bolsonarista.” O tom é de alerta. É essa mesmo a intenção do professor doutor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), João Cezar de Castro Rocha, que trabalha na conclusão de um livro sobre o que chama de guerra cultural bolsonarista. “É uma guerra cultural que fala dois idiomas”, explica. De acordo com as hipóteses levantadas pelo professor titular de Literatura Comparada, doutor em Letras pela UERJ e Literatura Comparada pela Stanford University, nos Estados Unidos, a destruição das instituições e a eliminação simbólica do inimigo interno são pontas de lança do projeto autoritário do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Castro Rocha afirma: “Há um ressentimento enorme. Há um revanchismo evidente. Há um desejo de destruir todas as instituições que caminharam no sentido do fortalecimento da democracia e da salvaguarda das instituições”. E tudo parte de um livro secreto escrito pelos militares a partir de 1986 sob o comando do então ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves. De onde parte o que o sr. chama de guerra cultural na estrutura do governo Bolsonaro? Minha ideia surgiu de uma perplexidade. Em um primeiro momento, provavelmente todos nós ficamos muito surpresos com o nível praticamente caricatural de várias áreas no governo. Declarações que pareciam a princípio estapafúrdias da ministra Damares Alves [Mulher, Família e Direitos Humanos], do ministro Ernesto Araújo [Relações Exteriores], do primeiro ministro da Educação [Ricardo Vélez Rodríguez], depois do segundo [Abraham Weintraub] e o ministro Ricardo Salles [Meio Ambiente]. Havia um conjunto de declarações que parecia tão descolado da realidade que pareciam formar de fato uma espécie de Brasil paralelo. Mas essa explicação não me satisfazia. Me parece que é um grave problema, porque nós temos uma tendência a reduzir essa situação gravíssima que vivemos à caricatura. O que proponho é passar da caricatura à caracterização. Isto é, tentar compreender a guerra cultural bolsonarista na sua própria dinâmica. Tentar entender qual é sua fonte, qual é a origem desse pensamento, quais são as dinâmicas que lhe são próprias. Há um equívoco quando reduzimos a guerra cultural a uma caricatura. Estamos, em uma boa medida, imaginando que a guerra cultural bolsonarista é comparável às guerras culturais que ocorrem nos Estados Unidos e na Europa há mais de uma década. A hipótese que proponho é bastante diferente. Proponho deixar de se relacionar com este modelo de guerra cultural, que na Europa e nos Estados Unidos tem de 15 a 20 anos. Já no século XIX na Alemanha houve a “kulturkampf” [a batalha pela cultura]. Nesses casos, em geral, o que ocorre é uma total disputa de valores, de um lado progressistas, de outro conservadores. De um lado uma visão de mundo de esquerda, de outro uma visão de mundo de direita, e assim sempre. No caso da guerra cultural bolsonarista, que não deixa de ter contato com esse tipo de modelo, proponho, a partir de um estudo aprofundado que tenho feito, que o modelo da guerra cultural bolsonarista tem uma característica muito própria, muito relacionada à história recente brasileira e a incapacidade que temos de compreender isso que não nos permite reagir a tempo para o que creio que pode ser um momento inédito no Brasil em termos de ruptura e, sobretudo, em termos de paralisação da administração pública. Em um dos artigos publicados recentemente, o sr. faz comentários sobre o documentário “1964 – Brasil Entre Armas e Livros”, do Brasil Paralelo. O sr. diz que o filme faz uma revisão da história da ditadura militar de 1964 a 1985 sob o aspecto de que os militares teriam combatido a luta armada, mas não teria combatido os livros, a cultura e a educação. Onde nasce essa construção de ameaça constante do comunismo no Brasil e até onde ela vai? Essa é a pergunta chave. Só sou capaz de partir para uma nova hipótese porque acredito que descobri a resposta. Não nego que a guerra cultural bolsonarista se relacione com as guerras culturais que ocorrem hoje no mundo. Mas digo que isso está apenas na superfície. É muito mais na técnica de utilização de trollagem de WhatsApp. Mas o conteúdo da guerra cultural bolsonarista é arraigadamente ligado a uma concepção revisionista da ditadura militar. Essa concepção tem um documento. E eu descobri o documento. A guerra cultural bolsonarista realiza, de um lado, uma tradução inesperada, de consequências potencialmente funestas, da doutrina de segurança nacional que foi desenvolvida durante a ditadura. Mas, mesmo antes, pela Escola Superior de Guerra. A doutrina de segurança nacional adaptou o direito internacional público para o caso brasileiro. Na doutrina de segurança nacional, uma vez identificado o inimigo não há dúvida: é necessário eliminá-lo. A guerra cultural bolsonarista tem muito pouco a ver com cultura como nós entendemos e tem muito a ver com a concepção militar da doutrina de segurança nacional de eliminação do inimigo interno. Se você fizer o trabalho mínimo de assistir a alguns vídeos de intelectuais bolsonaristas, o verbo dominante é eliminar. E o substantivo dominante é limpeza. É um vocabulário retirado diretamente do golpe militar de 1964. Como traduzir em um ambiente democrático a doutrina de segurança nacional se a democracia necessariamente implica o contraditório e estar exposto à diferença? Em 1985, depois de um trabalho de seis anos, foi publicado no Brasil um livro que marcou época chamado “Brasil: Nunca Mais”. Seria um livro negro da ditadura militar. De maneira secreta, um grupo de pesquisadores compilou aproximadamente 5 mil páginas de documentos do Superior Tribunal Militar (STM) com processos de subversivos e guerrilheiros. Portanto, todos os documentos que fazem parte do projeto “Brasil: Nunca Mais” foram produzidos pela ditadura militar. Os pesquisadores compilaram uma seleção dos documentos de modo a denunciar para a sociedade brasileira a tortura, o assassinato e o desaparecimento político. Eu tinha 20 anos quando o “Brasil: Nunca Mais” saiu. Foi uma revolução na sociedade brasileira. Ficaram comprovadas de uma maneira muito clara todas as arbitrariedades e violência da ditadura militar. No ano seguinte, sob a liderança do ministro do Exército do governo José Sarney (MDB), que era o general da linha dura Leônidas Pires Gonçalves, um grupo de militares resolver revidar. Resolveu, a seu modo, escrever outro livro. Já que o “Brasil: Nunca Mais” se tornou o livro negro da ditadura militar, os militares comandados pelo Leônidas Pires Gonçalves decidiram escrever o livro negro da luta armada, isto é, o livro negro da esquerda. Os militares compilaram material e documentos, sobretudo do serviço de informação da Marinha, Exército, Aeronáutica e do Serviço Nacional de Informação (SNI), organizaram dois volumes de aproximadamente mil páginas e queriam publicar o livro. Seria a resposta do Exército ao “Brasil: Nunca Mais”. José Sarney, em 1989, vetou a publicação temendo a radicalização e a polarização que daí poderia surgir. A partir deste momento, algumas cópias produzidas manualmente circularam entre oficiais de alta patente e poucos militantes de direita. Até que um jornalista, Lucas Figueiredo, especialista na comunidade de informação brasileira, autor do talvez mais importante livro sobre o SNI, “Ministério do Silêncio”, descobriu e teve acesso ao livro. O projeto dos militares se chamava “Orvil”. Livro de trás para frente. Realmente é um livro de trás para frente porque é um livro que procura inverter completamente o “Brasil: Nunca Mais”. Porque se o “Brasil: Nunca Mais” era o livro negro da ditadura militar, o “Orvil” era o livro negro da esquerda. Da luta armada em particular. O “Orvil” compila em suas mil páginas documentos que mostram a morte de civis em ações da luta armada, que considera que todos os guerrilheiros eram terroristas, que não lutavam pela democracia. E fazia a compilação sistemática desses documentos. Depois, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra aproveito para publicar o seu livro. Que é o “A Verdade Sufocada”? Isso. Lucas Figueiredo descobriu o “Orvil” e publicou. Hoje, o leitor do Jornal Opção, se colocar no Google “Verdade Sufocada” chega no “Orvil” e pode baixar a versão fac-similar. É uma leitura surpreendente. Primeiro porque mostra, pela visão do Exército, como foi a luta armada. É interessante para quem tem preocupação com o período. Além da compilação de documentos e de fatos, procuram mostrar que a esquerda da luta armada, na concepção do Exército, era terrorista e provocou tantos assassinatos e tantas mortes quanto o próprio Exército. É uma interpretação. Uma narrativa. Tem uma linha narrativa que procura interpretar a história republicana brasileira a partir da década de 1920. O que vou dizer aqui é exatamente o que dizem os ideólogos do presidente, exatamente o que diz o ministro da Educação, exatamente a base do documentário e a estrutura de pensamento do Brasil Paralelo, tudo que está por trás da ação deletéria deste governo para destruir as instituições. Desde o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], que teve a sua estrutura de fiscalização desmontada, até a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], que está sendo destruída passo a passo. A narrativa que o “Orvil” propõe é que o século XX brasileiro assistiu a uma investida constante do movimento comunista internacional para impor ao Brasil uma ditadura do proletariado. É uma narrativa delirante. É uma teoria conspiratória, simplesmente absurda. Segundo o “Orvil”, houve três momentos. O primeiro foi a fundação do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que assim se chamava em 1922, e a Intentona Comunista de 1965. Primeiro momento derrotado militarmente pelo Exército brasileiro. O segundo momento começaria após o suicídio de Getúlio Vargas e se prolongaria até o golpe militar de 1964. E, de novo, a tentativa teria sido derrotada militarmente. O terceiro momento seria o da luta armada, entre 1968 e 1974. Sendo que nas cidades a luta armada terminou em 1972. Mas o ano de 1974 é porque em 1974 que os últimos guerrilheiros do Araguaia são assassinados pelo Exército. Não são feitos prisioneiros, são eliminados em fidelidade à doutrina de segurança nacional. Dentro da criação do que o sr. chama de uma narrativa delirante dos ideólogos e membros do governo Bolsonaro de que havia de fato uma ameaça de tomada do poder pelos comunistas… Constrói-se uma narrativa de que haveria no Brasil uma real possibilidade de estabelecimento de uma ditadura do proletariado, que seria uma espécie de China da América Latina dada a dimensão continental e a importância do País no continente. Era o que eles diziam. Diz o “Orvil” que em 1974 começou a quarta fase, o momento “mais perigoso”. Na narrativa dos militares do Exército, em 1974, a esquerda, derrotada militarmente mais uma vez, mudou de rumo e decidiu adotar a técnica gramsciana, que os incultos da guerra cultural bolsonarista, em hostilidade constante com a língua portuguesa, insistem dizer “gramscista”, teria se infiltrado na cultura, acima de tudo nas universidades e nas artes, para a médio prazo tomar o poder. Essa é a explicação do “Orvil”. Se você analisa o discurso do ministro da Educação, do presidente Jair Bolsonaro, do Olavo de Carvalho, de seus seguidores e bolsonaristas, toda estratégia retórica vem do “Orvil”. Vem do “Orvil” a fonte da concepção de mundo do bolsonarismo. A guerra cultural bolsonarista retoma literalmente os termos do projeto secreto do Exército e tenta tornar isso em política pública. O resultado para o País será desastroso. Quando o “Orvil” trata do que seria a quarta fase na narrativa militar a respeito da ditadura, por que Antonio Gramsci e também a Escola de Frankfurt preocupam tanto o bolsonarismo e o novo conservadorismo brasileiro? Se estou certo, esta é a guerra cultural bolsonarista, não a outra. A intenção é eliminar o inimigo interno. E o inimigo interno é qualquer um que não seja bolsonarista. E mais. O bode expiatório é o esquerdista, o movimento comunista internacional globalista. Em um ambiente democrático não se pode fazer o que a ditadura militar fez, que era prender, torturar, assassinar e desaparecer corpos — e o presidente negou recentemente que houve tortura durante a ditadura, o que é um absurdo completo Há até relatório do general Ernesto Geisel que reconhece a existência de tortura. Relatório encomendado por Castelo Branco, primeiro presidente da ditadura militar. Isso é um fato histórico. Como não é possível mais eliminar fisicamente os adversários, enquanto conseguirmos defender a democracia, o que o bolsonarismo faz através das milícias digitais é tentar eliminar simbolicamente. Isso tem sido feito desde o início do governo. Fez-se com Hamilton Mourão (PRTB). O vice-presidente foi enquadrado. Foi feito com Gustavo Bebianno [ex-secretário-geral da Presidência da República]. Sem Gustavo Bebianno, Bolsonaro não teria sido sequer candidato. Quem defendeu Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) foi Gustavo Bebianno. Quem conseguiu o partido foi Gustavo Bebianno. Quem montou a estrutura de campanha foi Gustavo Bebianno. Ele foi eliminado simbolicamente. “Como não é possível mais eliminar fisicamente os adversários, o que o bolsonarismo faz através das milícias digitais é tentar eliminar simbolicamente” Quem é o Hamilton Mourão de verdade: o candidato a vice-presidente com discurso muito próximo ao de Bolsonaro ou o vice-presidente o sr. diz que teria sido enquadrado pela militância digital? Mourão não era próximo a Bolsonaro na campanha. Surgiu como última opção quando falhou a possibilidade de o [deputado federal] Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) ser o vice. Depois que [deputada estadual] Janaína Paschoal (PSL-SP) recusou, que participou da convenção do PSL e, de maneira muito lúcida, disse que era preciso estar ao máximo aberto para críticas e escutar os outros. Por isso Janaína não podia evidentemente manter a vice-presidência de Bolsonaro. Com Philippe de Orleans e Bragança houve controvérsias e ele não foi escolhido vice. No último momento apareceu o Mourão. A milícia bolsonarista tenta eliminar simbolicamente as pessoas. Morão se enquadrou. Bebianno foi eliminado. O general Santos Cruz [ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência], que no início os bolsonaristas consideravam um ícone, foi eliminado simbolicamente com uma crueldade que nunca se viu na história brasileira. Algo muito preocupante. Nunca generais foram tratados da maneira como essas pessoas foram tratadas. Nunca na história política brasileira. Nem mesmo a guerrilha armada tratava os generais como a milícia armada trata. Não há paralelo. Nunca um general da importância do Santos Cruz foi tratado, vilipendiado e humilhado em uma rede social como ocorreu com ele. É uma quebra de hierarquia dentro do Exército cujas consequências ainda são nebulosas. Mas há mágoas. A função das milícias digitais é eliminar simbolicamente os inimigos. Os bodes expiatórios surgem e a violência da milícia bolsonarista digital é algo inédito na história política brasileira. Já que existe uma teoria conspiratória delirante de um movimento comunista internacional, e como não se pode eliminar fisicamente, o que se está fazendo é a eliminação das instituições ligadas a toda pauta progressista ou à cultura. A Ancine [Agência Nacional do Cinema] retirou do seu site cartazes de filmes brasileiros, porque muito seriam de artes esquerdistas. A Fundação Zumbi dos Palmares hoje é presidida por um senhor que nega a existência do racismo no Brasil. Que é hostil ao negro, embora ele também o seja. Que despediu por telefone todos os funcionários de alto escalão negros da Fundação Zumbi dos Palmares. A Capes está cortando sistematicamente todas as bolsas. As verbas do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] estão sendo reduzidas a quase nada. O ministro da Educação não só não consegue realizar uma execução orçamentária minimamente razoável como ainda não apresentou um projeto para o Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica]. Se não houver um projeto para substituir o Fundeb que vai expirar este ano, em 2021 a educação nos municípios será muito prejudicada. Na hipótese que levanto, a doutrina da segurança nacional supõe a eliminação do inimigo interno. Como havia uma situação de guerrilha urbana e de luta armada, a eliminação do inimigo interno não foi a sua prisão, seu exílio ou seu banimento. Foi o seu desaparecimento. Foi a eliminação do corpo. Literalmente. Em um ambiente democrático, a guerra cultural bolsonarista coloca em prática o relatório secreto dos militares, o “Orvil”. Está tudo lá. Foi o que descobri. Como não é possível eliminar fisicamente, elimina-se simbolicamente nas redes sociais. É a tarefa das milícias bolsonaristas. E há um projeto em curso de eliminação, destruição, das instituições ligadas ao meio ambiente, cidadania e cultura. As consequências serão absolutamente desastrosas. Duas pesquisadoras da USP sequenciaram o genoma do coronavírus no Brasil em 48 horas. Em nenhum país do mundo isso aconteceu. Isso só ocorreu porque o laboratório havia recebido verbas de pesquisa. Com a política de corte de verbas do CNPq e de corte de bolsas da Capes, o País entrará em colapso. Se houver outra epidemia daqui a dez anos, não haverá cientista, não haverá laboratório, não haverá pesquisa. O panorama é lúgubre, é sombrio. Mas voltemos à questão da interpretação bolsonarista da dominação pela cultura com uma suposta tática gramsciana. Da Escola de Frankfurt, de fato Herbert Marcuse tornou-se uma figura muito importante nas revoltas estudantis de 1968. A obra de Marcuse e de toda a Escola de Frankfurt foi decisiva para o movimento estudantil. É absolutamente correto dizer que nas agitações estudantis de 1968 o pensamento de Herbert Marcuse desempenhou papel muito importante. Marcuse tinha algumas análises muito penetrantes de como as sociedades capitalistas haviam criado na aparência de um regime democrático formas muito sutis de controle e repressão. Theodor Adorno tinha uma tese muito importante que era, diante de um capitalismo de uma sociedade automatizada, de uma vida danificada pela planificação de uma sociedade cada vez mais produzida em massa e em série, uma grande recusa diante dessa sociedade cada vez mais padronizada. Essas duas vertentes da Escola de Frankfurt eram francamente críticas de um mundo que hoje chamamos de capitalismo financeiro globalizado, isto é, de formas de consumo, de formas de padrões, que Adorno recusaria, mas nós chamaríamos de arte, de formas de entretenimento. Por exemplo, se você for a qualquer lugar do mundo existe um programa The Voice. Se você fora a qualquer lugar do mundo existe um Big Brother. A primeira vez que fui a Moscou (Rússia), como faço em toda viagem, ligo a televisão para escutar o idioma. Quando não entendo nada, pelo menos escuto o idioma. Tinha acabado de chegar ao hotel, liguei a televisão e vejo o quarto. Não estava olhando para a televisão. Por algum motivo, tenho a impressão que começo a entender o que estou escutando. O que é impossível, é em russo. Mas o tom de voz, a frequência, o volume, o tipo de discussão. E digo “espere aí, mas estou entendendo isso”. E olhei para a televisão. Você sabe por que eu tinha a impressão de que estava entendendo? Era Big Brother Rússia. É tudo igual. Contra essa padronização dos costumes, contra a padronização da “arte”, o Marcuse tinha uma análise muito sutil de formas de repressão de uma sociedade teoricamente livre. A Escola de Frankfurt foi muito importante para o movimento estudantil e para os anos 1960. Mas as análises que são feitas por Olavo de Carvalho e por seus seguidores sobre Marcuse e Adorno são absolutamente indigentes. É óbvio que eles não sabem ler alemão. E não têm ideia do que estão falando. Não leram nem Adorno nem Marcuse. Isso é muito claro. Como, por exemplo, houve um momento em que Olavo de Carvalho sugeriu que as composições dos Beatles foram feitas pelo Adorno. Ao ouvir algo como isso, é difícil resistir à caricatura. Mas precisamos resistir. Precisamos passar para a caracterização. O que está em jogo por trás disso é a narrativa do “Orvil”. Porque o nome Marcuse aparece no “Orvil”. O que se diz hoje da guerra cultural gramsciana marcusiana está no “Orvil”. Está é a origem. A guerra cultural bolsonarista é inteiramente baseada no relatório secreto do Exército brasileiro chamado “Orvil”. Gramsci está lá. Marcuse está lá. Vou além. O Brasil Paralelo representa, no plano do audiovisual, a difusão da teoria conspiratória do “Orvil”. Porque toda a base da compreensão profundamente equivocada da história política brasileira recente exposta pela produtora de audiovisual Brasil Paralelo é o “Orvil”. O documentário “1964 – Brasil Entre Armas e Livros” é uma transposição literal para a tela, portanto para o grande público, do “Orvil”. Porque o argumento é tão singelo quanto este: os militares venceram pelas armas, a batalha militar, no subtítulo, mas perderam a guerra dos livros. É exatamente a narrativa do “Orvil”. O Brasil Paralelo representa no audiovisual a popularização da narrativa do “Orvil”. E as consequências para a cultura brasileira serão desastrosas, porque levarão a uma ruptura como nunca houve e a uma paralisia administrativa. E não é possível administrar um país com a complexidade do Brasil se não tiver um mínimo de objetividade. Por exemplo, o diretor do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] adverte que há indícios alarmantes do aumento das queimadas. A resposta de Jair Bolsonaro é movida pela guerra cultural: diretor do Inpe é de esquerda e as ONGs vão promover queimadas porque perderam dinheiro fácil do comunismo internacional. Houve, inclusive, uma tentativa de criminalizar ativistas. O diretor do Inpe foi demitido porque é de esquerda e as ONGs são a representação do mal na Terra. O que ocorreu 30 dias depois? As queimadas foram confirmadas em um número muito maior do que o alerta do Inpe. O ministro da Educação deu uma entrevista na segunda-feira, 2, na qual disse que Paulo Freire era feio, fraco e sem resultados positivos. Se se trata disso, você não se sentará diante da sua mesa de maneira serena e irá trabalhar. Consequência: a execução orçamentária do Ministério da Educação é a menor da última década. No serviço público existe o orçamento. Ao contrário do que pensa o grande público, orçamento não quer dizer dinheiro. Quer dizer a previsão de gasto para determinada área. Você não consegue fazer nenhum gasto no serviço público a partir de um certo valor se não tiver licitação, que exige no mínimo três orçamentos, análise de técnicos e outras etapas. Isso quer dizer que não é fácil gastar dinheiro no serviço público. É preciso cumprir uma série de requisitos. As pessoas pensam que o dinheiro está disponível em um banco. Não é assim. O orçamento de um ministério significa que o Congresso aprovou um gasto até aquele teto. Mas para o ministério gastar é preciso gerar projetos e situações. É preciso empenhar, uma técnica administrativa que torna aquele valor em dinheiro, que não é pago de imediato. O fato de o ministro ter tido a menor execução orçamentária da última década quer dizer que há uma paralisia administrativa. O Ministério Público Federal (MPF) cobra do Ministério da Educação explicações para entender o motivo de mais de R$ 1 bilhão do fundo da Lava Jato ter ficado parado no órgão em 2019. Quando o ministro esteve no Senado e foi perguntado sobre o recurso da Lava Jato, creio que o titular do MEC improvisou. Porque não se pode dizer que vai usar R$ 1 bilhão para vouchers, porque não é assim que funciona. É preciso saber quanto custa cada voucher para creche por um mês ou um ano, quantos alunos serão beneficiados, quais são as creches. No serviço público não se pode contratar uma creche distantemente aparentada com qualquer funcionário. Não é dizer que irá pegar R$ 1 bilhão e transformar em voucher. Isso não existe. Não é assim que funciona. A guerra cultural bolsonarista é um núcleo do governo. Pode sair o Paulo Guedes [Economia], pode sair o Sergio Moro [Justiça e Segurança Pública], mas não pode sair a guerra cultural. Se a guerra cultura sair, acaba o governo Bolsonaro. O governo Bolsonaro não tem projeto. O único projeto do governo Bolsonaro é levar adiante a narrativa conspiratória do “Orvil”, o que implica a destruição de todo um aparato estatal construído desde a Constituição de 1988. As consequências para a sociedade brasileira serão terríveis. Segundo a lei, quando se apresenta uma solicitação ao INSS a resposta tem de ser dada em até 45 dias. Até o governo de Jair Bolsonaro, era dada a resposta em 45 dias. Agora o tempo médio para a primeira resposta é de oito meses. O Bolsa Família tem hoje a maior fila da história de pessoas que se qualificam plenamente para o benefício, mas estão sem receber. Até fevereiro, o ministro responsável pelo Bolsa Família, Osmar Terra, era o mesmo que comemorou o fim da fila de beneficiários do programa no governo Temer. O então ministro da Cidadania, Osmar Terra, no início do governo vem ao Rio de Janeiro, caminha em Copacabana, dá uma entrevista e diz que é evidente que há uma epidemia de drogas no Brasil porque as ruas estavam vazias enquanto caminhava. Qual é a relação minimamente racional de causa e efeito entre uma coisa e outra? Na verdade é o contrário. Para comprar droga, a pessoa não pode ficar em casa. Além disso, o ministro proibiu a divulgação de uma pesquisa realizada pela Fiocruz. E a guerra cultural é a transposição da doutrina de segurança nacional para o século XXI. A doutrina de segurança nacional implica a eliminação do inimigo interno. “O único projeto do governo Bolsonaro é levar adiante a narrativa conspiratória do ‘Orvil'” Qual é a diferença da guerra cultural bolsonarista que o sr. trabalha na sua pesquisa com a censura nas artes durante a ditadura militar? É hora de ter coragem de pensar. A situação é mais grave do que parece. As pessoas não entenderam que a guerra cultural é o núcleo do governo. Não é um acaso, uma caricatura ou algo feito por pessoas simplesmente atrapalhadas. Não é. É o núcleo do governo. A guerra cultural bolsonarista é uma ameaça maior à arte, à ciência e à educação do que a ditadura militar. Porque a ditadura militar concentrou os esforços na eliminação do inimigo interno, que era a esquerda comunista da luta armada. A ditadura militar, ao contrário deste governo, tinha um projeto nacionalista. A ditadura militar, ao contrário deste governo, não vende nem sucateia a coisa pública. A ditadura militar, como tinha um projeto de uma pátria grande, investiu em infraestrutura, criou estatais. Essa é uma contradição muito importante. a guerra cultural bolsonarista é mais séria porque está destruindo as instituições associadas ao meio ambiente, à cidadania e à cultura. Quando se coloca na presidência da Fundação Zumbi dos Palmares uma pessoa que nega a existência de racismo no Brasil, alguém que considera que a política de cotas é mimimi, uma pessoa que demite funcionários pelo telefone, você está destruindo a Fundação Zumbi dos Palmares. Quando você realiza uma política que retira da Capes em aproximadamente dois anos algo em torno de 10 mil a 11 mil bolsas, você está destruindo a pesquisa no Brasil. Quando se reduz drasticamente a verba do CNPq a tal ponto que a verba é inferior às benesses de coisas absolutamente desnecessárias do Poder Judiciário, você está destruindo o CNPq. Você não está eliminando as pessoas fisicamente. Você as elimina simbolicamente nas redes sociais pelas milícias bolsonaristas. Mas o que está ocorrendo no País é mais sério do que houve na ditadura militar. Porque você está destruindo todas as instituições que levamos décadas para construir. Quando o presidente envia vídeos com convocação para as manifestações do dia 15 de março contra o Congresso e o STF, há um incentivo a uma ideia de fechamento dos Poderes Judiciário e Legislativo? Até que ponto o autoritarismo está instalado no governo e até onde as instituições consegue frear esse ímpeto? A destruição das instituições foi a ponta de lança do projeto autoritário do Jair Messias Bolsonaro. E a ponta de lança deste projeto, aquilo que torna este projeto inaceitável palatável para uma parte da população é a guerra cultural. O que torna palatável para pessoas que, de outra forma, jamais pensariam em abolir Congresso, destruir o Supremo Tribunal Federal, é porque elas estão absolutamente dominadas pela guerra cultural nos termos aqui definidos. Não são termos europeus e norte-americanos. São termos profundamente brasileiros arraigados na interpretação militar revisionista, revanchista, da ditadura militar em resposta ao “Brasil: Nunca Mais”. Há um ressentimento enorme. Há um revanchismo evidente. Há um desejo de destruir todas as instituições que caminharam no sentido do fortalecimento da democracia e da salvaguarda das instituições. Esse é o grande trunfo da Constituição de 1988. O trunfo real da Constituição Cidadão, como é chamada, foi procurar ter salvaguardas para assegurar que nunca mais um projeto autoritário fosse possível no Brasil. A guerra cultural bolsonarista não é uma caricatura. É preciso caracterizá-la. A caracterização da guerra cultural bolsonarista é a ponta de lança de um projeto autoritário cuja finalidade é destruir as instituições para estabelecer um governo de ação direta entre massas e presidente. Na live do dia 27 de fevereiro, o presidente Bolsonaro tenta dizer que os vídeos na verdade são das manifestações de 2015, mas acaba por citar a facada, tentativa de homicídio que só vem a ocorrer 3 anos e 6 meses depois. Há um foco no ataque à imprensa, mas não houve citação do presidente ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), nem aos ministros Celso de Mello e Dias Toffoli, presidente do STF, que criticaram a ação de Bolsonaro… Os ministros do Supremo Tribunal Federal são profundamente atacados pela milícia digital bolsonarista. O presidente faz esse ataque direto e estimula. Bolsonaro difundiu o famoso vídeo das hienas. Eram colocados como hienas o Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre [presidente do Senado] e os ministros do Supremo Tribunal Federal. Temos de parar de imaginar que se trata de alguém descontrolado que não sabe o que faz. É o oposto. A guerra cultural bolsonarista é um projeto autoritário que tem como ponta de lança a recuperação da narrativa conspiratória do “Orvil” para justificar que é isso ou a esquerda, assim como na ditadura militar foi possível tornar a tortura política de Estado, tornar o assassinato de adversários políticos aceitável e tornar o desaparecimento de corpos tolerável. Bolsonaro está jogando o mesmo jogo. É isto ou o PT. A guerra cultural bolsonarista é um retrocesso a este passado cuja base é a teoria do “Orvil”. Se não reagirmos a tempo, as consequências para a sociedade brasileira serão terríveis. Um professor universitário intelectual como eu tem de dar a cara a tapa e dizer o que está acontecendo. Estou disposto a dialogar com qualquer bolsonarista. Não tenho problema em dialogar com ninguém. Dialogo com as pessoas. Sou professor universitário e já orientei no mestrado e doutorado alunos de Olavo de Carvalho. Mantenho diálogo com ideólogos bolsonaristas. Se qualquer bolsonarista quiser discutir comigo, basta marcar o lugar. Irie com as mil páginas do “Orvil” minuciosamente lidas e apresentarei minha hipótese. Se provarem que estou errado, aceitarei. Isso tem de ser feito agora. Se não fizermos isso agora, daqui a um ano você pode não fazer essa entrevista comigo. A responsabilidade que tenho ao me expor é porque estou pensando no Brasil. A situação é muito grave. A destruição das instituições pode tornar o Brasil um país atrasado por décadas. Leio o que a direita escreve sem problema algum. Leio e anoto para estar por dentro do que se trata. Assisto aos vídeos dos youtubers de direita. No meu livro vou colocar à disposição do público que se interessar links que considero vídeos-chave para análise. Há um vídeo do Instituto Borborema de um colunista da Gazeta do Povo, Francisco Escorsim, um intelectual bolsonarista, que trata sobre a guerra cultural. Escorsim define que alguém sabe que está em guerra quando você se recusa a escutar o outro. Independente do que o outro fala, você se recusa a escutar, porque você está em guerra cultural. Isso é absolutamente espantoso. Inclusive espantoso que isto possa ser chamado de guerra cultural. Mas é isto a guerra cultural bolsonarista. É um desejo radical de eliminar o outro. Se não compreendermos isso agora, se não fortalecermos as instituições, não sei o que irá acontecer. Não estou questionando a legitimidade da presidência de Jair Messias Bolsonaro. O presidente foi eleito em um pleito democrático com mais de 57 milhões de votos. Bolsonaro é o presidente legítimo do Brasil. Não questiono isso. Mas parto do princípio de que 57 milhões de eleitores e eleitoras que deram voto a Jair Messias Bolsonaro não votaram para que o presidente destruísse as instituições associadas à cultura, à cidadania, ao meio ambiente, à educação, à saúde. Isso é bem importante porque todo meu desejo é dialogar. Quero muito dialogar com as pessoas. Compreendo porque votaram. Vocês têm todo direito de imaginar que a melhor opção para o Brasil é esta. É um direito que o eleitor tem. E tem de ser respeitado. É a alternância de poder. Mas não foi eleito democraticamente para impor um projeto autoritário. Isto tem de ser denunciado. Não questiono a legitimidade, questiono o projeto. O livro já tem data de lançamento ou acerto com alguma editora? Ainda não. Mas deve estar pronto em até 40 dias. O material está pontuado, muita coisa escrita. Espero um pouco porque minha intenção não é escrever um panfleto. Minha intenção é escrever um convite ao diálogo nacional. No livro, deixarei claro logo no início que não questiono a legitimidade do governo. É absurdo questionar a legitimidade de um governo eleito com 57 milhões de votos em 14 meses. Eu não farei o mesmo que fizeram com Dilma Rousseff (PT). É absurdo. Estou denunciando a função autoritária do projeto e estou sugerindo que a guerra cultural é a ponta de lança e a essência deste governo. Precisamos discutir e reverter esta guerra cultural. Caso contrário, daqui até 2022 não sobrará muita coisa. “É isto a guerra cultural bolsonarista. É um desejo radical de eliminar o outro. Se não compreendermos isso agora, se não fortalecermos as instituições, não sei o que irá acontecer” O ex-secretário especial da Cultura Roberto Alvim ficou dois meses no cargo. Depois daquele vídeo publicado nas redes sociais da pasta com trechos de discurso do ministro da Propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels, acabou por cair. Mas horas antes chegou a ser elogiado pelo presidente Bolsonaro pelo mesmo direcionamento apresentado no vídeo em uma das lives presidenciais. Alguns analistas disseram que aquela era uma visão do Alvim, que não se tratava de uma ideia de Jair Bolsonaro. Era do próprio Bolsonaro. Tanto que o presidente não desejava demiti-lo. Bolsonaro tentou resistir. Até que a comunidade israelense em peso demonstrou toda sua indignação e não foi possível mantê-lo. Houve, inclusive, uma pressão do presidente do Senado, que é judeu, para tentar convencer Bolsonaro de que era necessário derrubar o Alvim do governo. O projeto representado pelo ex-secretário da Cultura permanece ou caiu junto com o antigo ocupante do cargo, o da criação do Prêmio Nacional das Artes? Esse projeto acabou. Acredito que não tenha como voltar. No sentido dado pelo Alvim, que era tão autoritário que não era possível de nenhuma forma de ocultar o caráter autoritário de um governo que pretende criar uma arte nacional e pura. Estamos em 2020. É um delírio completamente absurdo. Maior do que os outros delírios do governo. Não há a menor possibilidade. Acredito que seja muito difícil levar esse projeto adiante. O episódio Roberto Alvim o enterra de vez. Mas Roberto Alvim era uma das pontas de lança do projeto autoritário. Qual é a importância de compreender o Roberto Alvim? Ele não é um caso isolado. Alvim não deve ser compreendido como uma caricatura, como descontrole. Ele é apenas uma explicitação indesejável do caráter autoritário do projeto. Neste sentido, o que proponho com meu livro é explicitar da maneira mais clara possível a natureza autoritária do projeto. Roberto Alvim conta porque, na tentativa de criar uma arte nacional pura, que é um conceito em si mesmo absurdo, explicitou o que se procura ocultar: a natureza autoritária do projeto da guerra cultural bolsonarista como ponta de lança. Não é um acidente. É uma ponta de lança. É o motor do governo. O motor do governo é guerra cultural, não o contrário. Sempre que o governo anuncia uma medida, ou o próprio vídeo do Alvim, ao tentar voltar atrás joga a culpa em alguém, como a justificativa da “ação satânica” declarada pelo ex-secretário da Cultura. Chega a ser de fato um recuo? Não é um recuo. É um reforço da guerra cultural. A primeira análise feita por Olavo de Carvalho e seus seguidores é de que o que ocorreu com Roberto Alvim foi a demonstração concreta de que existe um aparelhamento de esquerda e de o ex-secretário de Cultura teria sido sabotado. Como assim? É uma atitude absurda do Alvim. E tenta transformar-se a atitude absurda em uma confirmação do próprio absurdo. Isto é, Alvim teria sido boicotado porque as instituições culturais estão aparelhadas pela esquerda e há sabotadores de todos os lados. Em consequência, é preciso não abrir mão da estratégia de Roberto Alvim, mas intensificá-la de modo discreto. É de uma perversão absoluta. A explicação do Alvim, de que haveria uma força demoníaco, é importante de ser entendida não como uma caricatura. Todo meu discurso é de levar a sério essa questão. Qual é o segmento da população brasileira que aceita com enorme facilidade o argumento de que um equívoco de uma pessoa boa foi causado por forças demoníacas? Qual é a porção da sociedade que aceita esse argumento? Qual é a porção imensa da sociedade brasileira que tem uma imagem do cotidiano como uma batalha constante contra espíritos malignos e obsessores? A explicação do Roberto Alvim, que para mim é completamente inadequada e tola, é uma explicação que explicita outra característica da guerra cultural bolsonarista. É uma guerra cultural que fala dois idiomas. A guerra cultural bolsonarista fala um idioma que afeta diretamente a professores universitários, artistas, escritores e intelectuais. Mas fala uma outra linguagem. Essa outra linguagem quem a domina é a Damares Alves. É também o ministro da Educação. A guerra cultural também procura calar fundo com o público evangélico. São aproximadamente 45 milhões de brasileiros que têm a imagem do dia a dia como de uma luta constante e permanente contra o mal. Essa é a visão do mundo. Isso explica por que a imagem da ministra Damares Alves é tão bem avaliada como integrante do governo junto aos apoiadores fiéis do presidente Jair Bolsonaro? Não há dúvida nenhuma. Qual é a importância de Damares Alves no governo? Damares é um dos esteios da guerra cultural nessa batalha bifronte de falar dois idiomas. Para o comando geral, “vamos acabar com a balbúrdia nas universidades” e “vamos acabar com a Lei Rouanet”. Da maneira como apresentam é propriamente absurdo, mas cala fundo em boa parte da população. E tem outro tipo de batalha cultural, que lança mão da ideia de guerra e de batalha do cotidiano, que é a visão de mundo dos indivíduos neopentecostais. Há uma batalha constante contra o maligno. Li o último livro do Edir Macedo, “Como Vencer Suas Guerras Pela Fé: descubra como enfrentar suas batalhas do dia a dia” (Editora Unipro, 2019). Quando vi o livro e comprei, tudo para mim ficou claro. A guerra cultural trabalha em vários níveis. Um nível que a guerra cultural trabalha e que, em geral, os intelectuais de esquerda não se deram conta é para atingir ao público neopentecostal. Para os neopentecostais, sobretudo para a Igreja Universal do Reino de Deus, o mundo, o cotidiano e o dia a dia são batalhas constantes. O dia a dia é uma guerra. Assisto com seriedade todos os programas evangélicos para entender o que está acontecendo. Faça uma coisa. Se você puder, ao chegar em casa, assista a um programa evangélico. Você verá o tempo todo que nas pregações, sermos e cultos sempre há um inimigo a ser vencido. O inimigo, claro, é Satanás. As pessoas vão para o púlpito e relatam as suas batalhas cotidianas com o mal. Esta é uma das faces da guerra cultural. É isso que está no livro do Edir Macedo e é o que trabalharei no meu livro. Tentarei mostrar que a guerra cala fundo na percepção neopentecostal, sobretudo da Igreja Universal do Reino de Deus. Não apenas, mas sobretudo. É por isso que o sr. fala tanto em deixar a caricatura de lado e tentar caracterizar o fenômeno da guerra cultural bolsonarista? Uma ministra como Damares Alves está constantemente em batalha contra a esquerda. É exatamente o que eles querem. Há quem diga que o governo sempre tenta tensionar a relação com a democracia no aguardo de uma resposta violenta da esquerda para justificar um ato mais duro. O sr. acredita que essa seja uma análise possível? Não. Isso é uma incompreensão da guerra cultural bolsonarista. Em geral, alguém na minha posição não considera possível supor guerra cultural em um governo de incultos, que vive em uma hostilidade permanente com a língua portuguesa. As pessoas não levam a sério a guerra cultural bolsonarista. Acreditam que se trata de simples pretexto e de atitudes atrapalhadas de um conjunto de aloprados. Digo que não. É o eixo do governo. Precisamos passar da caricatura para a caracterização. Esqueçamos as caricaturas que envolvam essas figuras, pensemos na caracterização dos seus projetos e dos seus atos. Ao analisar o 15 de março convocado pelo presidente com envios de vídeos pelo WhatsApp e como o eleitorado bolsonarista reagiu a pautas como o fechamento do Congresso e do STF, há uma possibilidade de um golpe militar ou a batalha é a da guerra cultural dentro das instituições? Precisamos caracterizar a guerra cultural, expô-la, discutir com a sociedade para que não se chegue a este extremo. Mas o projeto é esse. Mas este extremo é possível? Este é o projeto. Espero que não seja possível. Uma forma de torná-lo intrinsecamente mais difícil do que seria de outra forma é tentar expor, tentar caracterizar, a guerra cultural, compreendendo que é o eixo do governo e a ponta de lança de um projeto autoritário. Estou interessado em dialogar, escapar da bolha. Dialogar com a direita, com os bolsonaristas, compreender seus pontos de vista. Não partir do princípio de que tenho alguma espécie de superioridade intelectual ao partir do princípio que sou um professor universitário. Quero dialogar. Quero mostrar minha enorme preocupação. Porque nunca houve na história do País uma polarização tão danosa, de consequências tão desastrosas, que podem genuinamente implicar na destruição de instituições constituídas ao longo de três décadas. A situação é grave. E somente se tornará mais grave se não formos capazes de começar a dialogar. Se não houver um esforço sério de fazer uma análise da situação presente, não há diálogo possível. Parece risível que se caracterize o governo Bolsonaro como nazista ou fascista. É risível. Porque é uma situação histórica completamente diferente. Não há nenhum rigor nessa rotulação. É muito mais uma espécie de desabafo de quem acha que a situação nunca lhe vai atingir. Se nós não começarmos agora uma discussão séria e cuidadosas sobre as consequências da guerra cultural do governo como ponta de lança de um projeto autoritário, esse projeto autoritário alcançará a todos nós. A hora é agora para propor análises e, sobretudo, recuperar a capacidade da sociedade brasileira de dialogar. A sociedade brasileira como um todo se encontra em um sintoma extremamente preocupante, que é totalmente descrito na palestra do Francisco Escorsim no Instituto Borborema quando diz que estar em guerra é fechar os ouvidos para o outro. Fechar os ouvidos para o outro não é estar em guerra. É estar morto vivo. Quando as pessoas perderam a capacidade de dialogar com o outro? Teria de pensar com mais cuidado. Mas acredito que o primeiro momento em que isso começa a ocorrer é a partir das manifestações de junho de 2013. Esse é um momento crucial na história, mas ainda não compreendemos de todo. É em 2013 que um sentimento antissistêmico se torna dominante. Bolsonaro é mais sistêmico do que a maioria dos deputados, porque Bolsonaro é o único político que tem três filhos que vivem de recursos públicos como políticos, que tem uma ex-mulher que se elegeu, que tem esta prática no mínimo curiosa de funcionários nos gabinetes, O político mais sistêmico é o Bolsonaro, que ficou 28 anos na Câmara e colocou a família inteira para receber salário público. O grande movimento inteligente do Bolsonaro foi captar o movimento antissistêmico sendo ele o deputado mais sistêmico. Por que isso foi possível? Porque no lugar de caracterizar o fenômeno Bolsonaro, passamos anos fazendo dele uma caricatura. Se tivéssemos tido o cuidado de caracterizar o fenômeno mostrando que toda a família ganha salário público. Toda família do Bolsonaro vive do imposto que nós pagamos. Como se pode ser antissistema dessa forma? Mas como perdemos anos fazendo caricatura do Bolsonaro, não caracterizamos o fenômeno. Chegou a hora de abandonar a caricatura e caracterizar o fenômeno. Bolsonaro era tratado como piada no CQC, na Luciana Gimenez… Enquanto isso todos os filhos eram políticos. E quem pagava o salário dos filhos? Eu e você. Nós erramos o alvo. Trocamos a caracterização pela caricatura. Em consequência perdemos. O correto agora seria, com seriedade, caracterizar. Seria um mal da sociedade do meme, que se acostumou com uma comunicação rasa, fácil e engraçada? Exatamente. No lugar de parar para pensar e refletir. Não estou afirmando que o que digo é verdade. Não tenho a verdade. Proponho hipóteses em decorrência da gravidade da situação que vejo. Até a eleição do Bolsonaro, tudo que fizeram foi caricatura. O que estou dizendo é que chegou o momento de abandonar a caricatura e passar à caracterização. Antes que seja tarde. Clique aqui para ver página original Ler Mais

A CONSTITUIÇÃO DE CUBA


A nova Constituição de Cuba é um exemplo às democracias capitalistas vermelho 7 de março de 2020 18:38 A mesa foi formada pelo autor do livro, pelo Cônsul Geral de Cuba, Embaixador Pedro Monzon, pelo presidente da Fundação Maurício Grabois e ex-presidente do PCdoB, Renato Rabelo, pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, pelo ex-ministro Aldo Rebelo, pela coordenador de Pós-Graduação da PUC-SP, Regina Gadelha, pelo presidente da Casa de Portugal, Antonio dos Ramos, e pela jurista e professora da UFRJ, Carol Proner. l Foto: Cézar Xavier Durval é formado pela Faculdade de Direito da PUC-SP e pós-graduado em Direito Constitucional pela Hastings College of Law (Universidade da Califórnia), nos EUA. É fundador e presidente do Comitê Executivo de Noronha Advogados, com sede na cidade de São Paulo e outros escritórios próprios no Rio de Janeiro, em Lisboa, Miami, Buenos Aires, Londres e Pequim. Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, da Law Society of England and Wales e da Ordem dos Advogados Portugueses, Noronha é árbitro da Comissão Internacional de Arbitragem Comercial da China (CIETAC) e da South China International Arbitration Commision. Foi árbitro da Organização Mundial do Comércio. Segundo ele, A ideia dessa obra nasceu de uma viagem minha a Cuba, quando foi outorgar, na qualidade de então presidente da União Brasileira de Escritores (UBE), a medalha Jorge Amado ao poeta e escritor Miguel Barnet, em Havana. Como ele havia lido sobre a extraordinária participação popular cubana na formatação da nova constituição, quis, a par das atividades literárias, fazer uma pesquisa jurídica para melhor entender o processo constituinte cubano. “O impacto em mim foi tão grande, que resultou nesse livro”, afirmou. Ele contabiliza que foram 133 mil reuniões com a população cubana, a respeito daquilo que seria importante para constar na constituição, de tal forma que ela refletisse a alma, a dignidade e os anseios do povo cubano. Foram mais de cem mil sugestões recebidas. Destas sugestões foi feita uma minuta de constituição e submetida ao comentário popular, que excedeu também dezenas de milhares de comentários. E foram feitas 760 modificações no texto constitucional em consideração às sugestões recebidas. “Isso não tem precedente no mundo”, declara. Com isso, a Constituição cubana ganhou autoridade não só em consideração a sua origem, mas em função do seu próprio valor intrínseco. Durval destaca alguns aspectos desse valor. O preambulo narra, em detalhes, a história da luta do povo cubano para a liberdade, a independência e a preservação da sua dignidade. Ele faz um exame de direito comparado de dez outras constituições. Constituições libertárias, como a da Índia e da África do Sul, trazem detalhadamente, no preâmbulo, a história da luta e do ethos do documento, assim como a de Cuba. “Isso é muito importante. No Brasil, hoje, nós pagamos um preço muito elevado, porque não retratamos o processo que a ela levou”, lamentou. Na Itália, também, como era guerra fria e tentava-se preservar um equilíbrio político num país ocupado militarmente, não houve preâmbulo. “O próprio Palmiro Togliacci aceitou não ter um preâmbulo. E constituição se ressente até hoje”. No Japão, ocupado militarmente, que não teve participação nenhuma do povo, a constituição foi imposta pelo poder militar, que encarcerou 60 mil mulheres japonesas para a recreação dos soldados. “Foi nesse espírito que ela foi outorgada”, criticou. A própria carta magna britânica não foi um documento popular. “Foi um documento outorgado pelos lordes e barões”, completou. “A constituição cubana, por conseguinte, tem esse forte espírito popular e democrático que retrata a história do povo”. Duas outras características da Constituição, é que na parte econômica, é admitido o capital estrangeiro, é admitida a propriedade privada, são admitidas empresas de economia mista. “A ordem econômica da Constituição de Cuba é mais avançada que a ordem econômica da Constituição chinesa atual. Muito mais clara, pois a Constituição chinesa sofreu diversas modificações para chegar onde chegou. E a Constituição de Cuba pega todo um processo de modernização, de aggiornamento da economia chinesa encontra-se num único documento cubano. Temos que ver como isso irá adiante, porque o elemento jurídico existe, mas existe também o elemento de fato, que é o odioso embargo econômico imposto a Cuba”, analisa Durval. E o último ponto que ele menciona é a questão dos direitos humanos. Os direitos humanos têm uma dimensão diversa dos países capitalistas ocidentais. “Nos países socialistas, valem as conquistas efetivas, então, direito à moradia, educação, saúde, creche, ao saneamento básico, são direitos humanos, e assim por diante. A Constituição de Cuba estabelece isso, assim como o direito e dever ao trabalho”, ressalta. Mas ele também destaca os direitos humanos consagrados nas democracias liberais. O casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, vai ser regulamentado, embora isso já fosse juridicamente possível antes. “A constituição de Cuba, em suma, é um documento jurídico avançado. É um exemplo de carta constitucional para todos os países desenvolvidos, de uma maneira geral”, conclui. Cônsul cubano O embaixador Pedro Monzon salienta o fato deste ser o primeiro livro fora de Cuba sobre a Constituição cubana. “Tem um valor especial para nós”, declarou. Ele elogiou a seriedade e responsabilidade de Noronha Goyos Jr em seu tratado científico. “Um trabalho autêntico de um homem muito experimentado em todos os terrenos da vida, que conheci muito recentemente, por ocasião do prêmio Jorge Amado”. Como já foi dito, ele mencionou que a Constituição de Cuba não tem precedentes no que refere ao seu caráter democrático. “Buscou-se obsessivamente formas democráticas que superem aquelas democracias que predominam em muitos países do mundo. Assim, a Constituição foi aprovada pela imensa maioria da população, e isso ocorreu apesar da terrível campanha dos Estados Unidos para evitar o debate constitucional, mandando milhões de mensagens à população para votar ‘não’”, explicou o diplomata. Segundo ele, essa resistência só foi possível, porque o cubano é um povo digno, instruído e muito culto, com cultura política, que justifica a constituição aprovada. “Defendo que este livro seja publicado em outros países, porque merece ser conhecido”, encerrou Monzón. O posfácio O autor do posfácio do livro é Renato Rabelo, presidente da Fundação Maurício Grabois e ex-presidente do Partido Comunista do Brasil. Segundo ele, o doutor Durval de Noronha Goyos Jr. nos oferece uma obra singular, autor de vasta obra escrita, desta vez se debruça sobre a Constituição da República de Cuba de 2019, num exame à luz do direito comparado. É um trabalho abrangente, situado no contexto histórico. O seu trabalho analítico apresenta uma conclusão sobre a promulgação da Constituição cubana de 2019, realçando o feito, como um “extraordinário marco democrático”. “Inspirado nesse singular e candente trabalho, reporto-me à minha viagem a Cuba – então, como presidente do Partido Comunista do Brasil –, de 9 a 12 de novembro de 2011, conduzindo uma delegação desse Partido”, relata Renato. “Mas desta feita fomos preparados para uma troca de ideias, buscando uma relação de observação e estudo no auge de um longo e amplo debate pela atualização e o desenvolvimento do socialismo, aberto desde 2005 por Fidel Castro, do alto da sua autoridade de principal líder revolucionário”. É assim que, no posfácio deste livro, Renato procurou agregar ao trabalho do autor um breve retrospecto do período anterior da jornada democrática convocada por Raul Castro em 16 de abril de 2011, quase quatro anos, com as decisões aprovadas no 6º Congresso do Partido Comunista de Cuba. “Procuro sublinhar o curso de um grande debate que engloba a nova política econômica e social de atualização do socialismo, acrescendo algumas notas sobre a nova luta pelo socialismo na contemporaneidade”. Portanto, o debate concentrou-se na temática sobre a reforma econômica, proposta em seu documento central, intitulado Lineamientos de la Política Economica e Social del Partido y de la Revolucion (Diretrizes da Política Econômica e Social do Partido e da Revolução). No curso do 6º Congresso, os Lineamientos aprovados foram anteriormente debatidos atingindo a marca de 163 mil reuniões, com a participação de 8,9 milhões de cubanos, dos 11 milhões de habitantes. Esse amplo debate resultou em que, dos 291 Lineamientos originais, 181 foram modificados, 36 novos criados e 94 mantiveram a redação. A 1ª Conferência do PCC, após o 6º Congresso, chegou a debater nove versões de documento-base para sua aplicação. O conteúdo do debate partiu das propostas da base social mobilizada, tendo por objetivo “ir forjando um consenso nacional sobre os traços que devem caracterizar o modelo econômico e social do país”, conforme assinalado por Raúl Castro, no Relatório Central do 6º Congresso. E ainda, segundo ele, avançar numa estratégia nacional com apoio das massas para “garantir a continuidade e irreversibilidade do socialismo”. Ou seja, a construção de um projeto nacional de desenvolvimento lastreado no socialismo. “Então, era essa a questão central em debate aos 53 anos da revolução cubana”, diz Renato. Ele destacou que nesse extenso tempo, desde os primórdios de 1959, marcado por odioso bloqueio norte-americano, tentativas de invasão e derrocamento do regime originário da revolução, o imperialismo não conseguiu lograr os seus intentos, mas ao contrário, consolidou-se o poder político hegemonizado pelo Partido Comunista de Cuba. Contudo, esse decisivo legado continua a sofrer intensa investida do imperialismo, agora sob a égide do governo de Donald Trump. Por conseguinte, os dirigentes do partido e do governo, com base no amplo debate popular, definem nos Lineamientos aprovados no 6º Congresso que “a batalha econômica constitui hoje, mais do que nunca, a tarefa principal” para a continuidade do socialismo em Cuba. “Talvez não tenhamos exemplo de tanta significação – relativo ao percurso de ampla mobilização democrática e popular – que envolvesse ativamente tamanha proporção da população de um país, como na extensa jornada transcorrida em Cuba desde 2005, pela atualização do desenvolvimento socialista, reformas e sua aplicação; derivando disso outro amplo processo contínuo, mobilizador, para a modernização da ordem constitucional, até a promulgação da nova Constituição em abril de 2019”, indaga. No terreno constitucional, Renato ressalta que o doutor Durval de Noronha no seu olhar de experiente advogado e jurista considera que a Constituição de 2019 de Cuba traz elementos próprios em muitos setores, sendo, na área dos direitos sociais e humanos, “uma das mais avançadas do mundo”. E numa conclusão que responde ao liberalismo ocidental, Durval enfatiza: “Transparece claramente da Carta Máxima que a democracia em Cuba é tanto participativa quanto representativa, o que lhe dá grande legitimidade e, ao mesmo tempo, um maior valor intrínseco”. “A República de Cuba chega aos 60 anos, celebrando a continuidade do seu projeto socialista, defendendo esse caminho de forma autônoma e soberana, não se submetendo à imposição neocolonial do imperialismo na atualidade. Em nossa época de desesperanças, é alvissareira e se deve reconhecer a gigantesca tarefa emancipacionista social e nacional dos países que têm atrás de si uma revolução anticolonialista e que agora se desvelam para encontrar o próprio caminho, evitando sobretudo cair numa condição de dependência (financeira, econômica e tecnológica) neocolonial”, pontua. Renato conclui dizendo que a nova Constituição de 2019 é o coroamento dessa imensa tarefa emancipacionista nacional e social em curso na República de Cuba. O ministro Aldo Rebelo lembrou a frase do ensaísta e diplomata mexicano Alfonso Reyes, que viveu no Brasil nos anos 1930, ao dizer que, em política, “la lejania nos cura de la cercania”, ou seja, o que está longe nos cura do que está perto. “Eu creio que é importante avaliar o sentido da nova Constituição de Cuba olhando na linha do horizonte, olhando em perspectiva. Talvez isso nos proteja de uma visão pessimista dos dias de hoje”, analisa. “Sem ter uma visão pessimista, eu acho que esta situação reflete uma dupla crise do sistema capitalista. Um processo de violenta concentração econômica e financeira, com ampliação de pobreza e contestação dos povos pela negação de todas as promessas democratizantes feitas desde o fim da União Soviética. E também uma democracia liberal em crise inclusive nos países que lhe deram origem, como Inglaterra e França, permitindo que as mais estúpidas figuras possam ascender aos postos máximos de seus países. Mostrando a falha do sistema em selecionar quem vai dirigir o destino de seus povos, a exemplo da democracia brasileira”, afirmou Rebelo. Essa Constituição de Cuba é resultado da combinação de dois processos, segundo ele. O processo da eleição e da seleção; ter a capacidade não somente de eleger, mas de selecionar quem elege, o que permite que pessoas altamente qualificadas em seu currículo, caráter, compromissos e valores com a população e seu país, possam ascender aos postos de direção. “Isso diferencia Cuba”, afirmou. Aqui no Brasil, segundo ele, o debate econômico se reduz à bolsa de valores e ao debate financeiro. “Não tem um debate sobre a economia real, a indústria, dando voz a um empresário do setor produtivo, mas sempre um consultor financeiro de algum escritório da Faria Lima ou da Berrini”, lamenta. Ele denuncia também o assenhoramento do debate e do processo por corporações poderosas. “A política como destino vai se desligando do processo democrático como fonte de decisão e vai perdendo essa atribuição para poderosas corporações públicas e privadas”. Ele exemplifica com a mídia que, “diante dessa tragédia, posa de inocente” apesar da grande responsabilidade pela destruição dos primados e dos valores e critérios que conduziam à escolha dos governantes, ao optar por destruir e nivelar tudo. Menciona ainda corporações públicas muito valorizadas por correntes democráticas, antes e durante o governo, como “esse tal de Ministério Público, cúmplice de tudo, agências públicas como a Polícia Federal e juizado de primeiro grau, todas responsáveis pelo que estamos passando”. Rebelo ainda critica a substituição da agenda transformadora e nacional por uma agenda identitária, “a substituição da ideologia pela biologia”, como critério para a luta social. “Eu acho que Cuba escapou dessa armadilha, não se deixou aprisionar pela agenda das corporações nem pela agenda identitária. A constituição de Cuba nos permite essa reflexão. Não fala só de Cuba, mas para nós também”, conclui. Professora da PUC-SP Regina Gadelha acredita que, em Cuba, a educação contribuiu para uma consciência cidadã, que estamos muito aquém no Brasil. “Os partidos e movimentos sociais nos conduziram para uma redemocratização, que culminou com a Constituição de 1988, em que os direitos da cidadania estão absolutamente expressos e vejo se aproximar muito da Constituição cubana. Foi a duras penas que chegamos a ela, mas, poucos anos depois, ouvimos que essa Constituição já estava superada e que era preciso renová-la”, lamentou. Para ela, a emenda constitucional e as medidas provisórias sãos as armadilhas dessa constituição que são usadas para inviabilizá-la na prática. “A terceira armadilha foi o direito à reeleição sem afastamento do poder”, complementou. “Agora vivemos momentos terríveis, em que a polícia invade a Assembleia Legislativa sob o silêncio de sua mesa diretora”, destaca ela as agressões que a constitucionalidade sofre pelos atuais governos. Em suas aulas, ela observa que os alunos jamais leram a constituição brasileira, mas já defendem sua extinção. Por outro lado, ela mostra no processo histórico brasileiro que nunca houve uma constituinte real que se dissolvesse após a tarefa para eleições diretas. “Em 1988, se não fossem os movimentos sociais, a constituição não teria avançado”, salienta ela. Regina saudou a imensa coragem do autor de nos lembrar o direito cidadão na Constituição de Cuba, mostrando que o sonho é possível. “Num momento perigoso como o nosso, ele escreve de uma pequena ilha onde a utopia e a esperança são possíveis”, concluiu. Professora da UFRJ Carol Proner ressaltou o fato de Durval ser sempre muito atento às transformações no continente, na região e no Brasil, naquilo que diz respeito às garantias fundamentais, muito sensível a tudo que diz respeito ao sentido normativo e institucional, àquilo que toca os direitos mais caros à dignidade humana. “Esse é um documento que vai além de Cuba. É quase uma provocação ao momento que estamos vivendo hoje na América Latina. Estamos vivendo momentos duríssimos, com incertezas do ponto de vista jurídico e da institucionalidade, que se diluem. As constituições republicanas latino-americanas, das quais se escreveram tantos livros, consolidando uma doutrina de lições aos próprios europeus, agora sofrem rupturas para as quais não estávamos preparados. E continuamos não sabendo se vivemos lawfare, guerra jurídica, ou ainda rebelião armada, como acontece no Equador. A extinção de mandatos populares, como o ocorrido na Bolívia, recentemente, mostra que o constitucionalismo duramente conquistado não está sendo capaz de garantir sequer a vontade popular”, pontuou Carol. “Cuba é uma demonstração de que somente esse lastro do socialismo, a cumplicidade de um povo com o rito de suas escolhas, consciente da necessidade de transformar questões consideradas dogmas, como a propriedade privada ou a liberdade sexual, foi capaz de mudanças sem a ruptura de seus mais fundamentais vínculos econômicos e sociais, que garantem a vitalidade da chama da revolução e as necessárias transformações a sua perenidade”, concluiu. O embaixador brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães destacou que a Constituição é resultado de um processo histórico da luta de Cuba contra o imperialismo, inconformado que uma ilha pequena, que os EUA consideravam parte de seu território, não permita mais sua ingerência externa sobre os assuntos cubanos. Ele mencionou os inúmeros ataques dos EUA à soberania cubana, culminando com as 628 tentativas de assassinato de seu líder revolucionário Fidel Castro. O difícil período de desligamento dos laços com a URSS, mantendo-se coesa, também é citado como parte desse processo histórico que leva à formulação da nova constituição. Ele ironizou o fato de todos os jornais brasileiros negarem a existência da democracia em Cuba, diante das milhares de consultas populares feitas para colher sugestões à Constituição. “Apesar da renovação das pressões contra o país pelo governo americano de Donald Trump, o povo cubano resiste coeso em defesa de sua soberania e de sua sociedade. Viva Cuba!”, encerrou ele. A confraternização, então, continuou com um coquetel e a tradicional fila para autógrafos do autor. Clique aqui para ver página original

quinta-feira, 5 de março de 2020

O Estado BURGUÊS cria a ilusão...


9. REFORÇAR A REVOLTA PELA AUTOCULPABILIDADE: Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça. Por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o indivíduo se auto-desvaloriza e atribui toda a culpa a si mesmo. O que gera um estado depressivo do qual um dos efeitos é a inibição da sua ação. E, sem ação, não há revolução! Noam Chomsky, in: " As 10 estratégias de manipulação de massas" O Estado BURGUÊS cria a ilusão... https://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/22/cultura/1477145409_049665.html?ssm=FB_CC&fbclid=IwAR3jvRxcHVCeYMfNWLHf1tEwyB3E3X4PUIh37ttR7yhh1hgP9akyXlFxNHU EL PAÍS – CULTURA KEN LOACH | CINEASTA “O Estado cria a ilusão de que, se você é pobre, a culpa é sua” Aos 80 anos, cineasta inglês estreia ‘Eu, Daniel Blake’, o filme que lhe rendeu a segunda Palma de Ouro O diretor Ken Loach em Londres. DAVE J HOGAN (DAVE J HOGAN/GETTY IMAGES) LONDRES - 05 JAN 2017 - 12:44BRST O filme Eu, Daniel Blake, que estreia nesta quinta-feira nos cinemas do Brasil, é a história de um homem bom abandonado por um sistema mau. Um trabalhador honrado sofre um ataque do coração que o condena ao repouso. Sem renda, solicita apoio do Estado e se vê enroscado em uma cruel espiral burocrática. Esperas absurdas ao telefone, entrevistas humilhantes, formulários estúpidos, funcionários desprovidos de empatia por causa do sistema. Kafka nos anos de austeridade. Nessa espiral desumanizadora Daniel encontra Katie, mãe solteira de dois filhos, obrigada a se mudar para Newcastle porque o sistema diz que não há lugar para alojá-los em Londres, uma cidade com 10.000 moradias vazias. Daniel se torna um pai para Katie e um avô para as crianças. A humanidade que demonstram realça a indignidade do monstro que os condena. Aí está, como terão reconhecido seus fiéis, o toque de Ken Loach. Seu cinema sempre esteve do lado dos menos favorecidos e, aos 80 anos, a realidade continua lhe dando argumentos para permanecer atrás das câmeras. Eu, Daniel Blake, Palma de Ouro no último festival de Cannes (a segunda de Loach), é um filme espartano. Não precisa de piruetas para comover. A história foi escrita pelo amigo e roteirista Paul Laverty, depois de percorrer bancos de alimentos, centros de emprego e outros cenários trágicos do Reino Unido de hoje, onde conheceu muitos daniels e katies. A realidade de Loach (Nuneaton, 1936) está lá fora para quem quiser vê-la. Mas, em um mundo imune aos dados, a emoção que o cineasta mobiliza para contar essa realidade se revela mais valiosa que nunca. Recebe o EL PAÍS em seu escritório no Soho londrino. Pergunta. Como chegamos à situação que seu filme descreve? Resposta. É um processo inevitável, é a forma como o capitalismo se desenvolveu. As grandes corporações dominam a economia e isso cria uma grande leva de pessoas pobres. O Estado deve apoiá-las, mas não quer ou não tem recursos. Por isso cria a ilusão de que, se você é pobre, a culpa é sua. Porque você não preencheu seu currículo direito ou chegou tarde a uma entrevista. Montam um sistema burocrático que te pune por ser pobre. A humilhação é um elemento-chave na pobreza. Rouba a sua dignidade e a sua autoestima. E o Estado contribui para a humilhação com toda essa burocracia estúpida. P. Abandonar os mais desfavorecidos é uma escolha política? R. É uma escolha política nascida das demandas do capital. Se os pobres não aceitassem que a pobreza é sua culpa, poderia haver um movimento para desafiar o sistema econômico. Os meios de comunicação falam de gente folgada, de viciados, de pessoas que têm muitos filhos, que compram televisores grandes… Sempre encontram histórias para culpar os pobres ou os migrantes. É uma forma de demonizar a pobreza. Neste inverno, muitas famílias terão de escolher entre comer e se esquentar. Existe uma determinação da direita para não falar dessas coisas e é assustador tolerarmos isso. P. A situação lembra Cathy Come Home, seu filme de 1966 sobre uma família jovem que está na rua. O que mudou em 50 anos? R. Agora é pior. Naquela época, os elementos do Estado de bem-estar ainda funcionavam, agora não. A sociedade, hoje, não está tão coesa. Acontece em toda a Europa. O sistema se tornou pior porque o processo capitalista avança. P. As histórias humanas são seu veículo para articular mensagens políticas? R. Todas as histórias humanas são políticas. Têm consequências políticas. Nem Katie nem Dan são animais políticos. Não fazem discursos, não participam de reuniões. Mas a situação em que se encontram é determinada pela política. É preciso haver indivíduos. Não vale alguém que represente algo. Devem ser idiossincrásicos. Devem ser pessoas com coisas particulares que as tornem especiais. P. Todo o cinema é político? R. O cinema norte-americano cultua a riqueza. Os personagens têm dinheiro e casas bonitas. E nunca se explica de onde vem esse dinheiro. Todos parecem muito saudáveis, têm corpos perfeitos. O subtexto é que a riqueza é boa, que o privilégio é bom. Além de outras mensagens, como que o homem com um revólver resolverá todos os seus problemas. Há uma agenda de direita no cinema norte-americano. Com exceção de Chaplin, claro. Seus filmes contêm uma certa política radical, a do homem pequeno que vence. P. Você apoia Jeremy Corbyn, o polêmico líder trabalhista. Acredita que seu projeto de esquerda poderia mudar a realidade descrita em seu filme? R. Sim, sou otimista. Sanders, Podemos, Syriza... Existe uma sensação de que outro mundo é possível. A ascensão de Corbyn traz muita esperança, mas é sistematicamente atacada por toda a imprensa, pela BBC, e até pelos jornais de esquerda. É uma grande batalha, mas é muito popular entre as bases. P. Acontece com frequência, como seu país demonstrou, que as mensagens populistas e xenófobas atraiam os mais desfavorecidos. “O cinema norte-americano cultua a riqueza. Os personagens têm dinheiro e casas bonitas. E nunca se explica de onde vem esse dinheiro. Há uma agenda de direita nesse cinema” R. Oferecem uma resposta simples: os imigrantes roubaram seu trabalho. É igual ao crescimento do fascismo nos anos 1930. É fácil apontar o diferente. As pessoas são sempre vulneráveis às respostas simples. A esquerda tem uma resposta mais complicada. P. O que pensa quando ouve Theresa Maydizer que os conservadores são o partido da classe trabalhadora? R. Seria uma piada, não fosse o fato de que ninguém a questiona. É um Governo que utiliza a fome como arma, que deixa as pessoas passarem fome para discipliná-las. É propaganda. P. Insinuou que Jimmy’s Hall (2014) seria seu último filme, mas voltou e ganhou a Palma de Ouro. Desta vez é para valer? R. Não sei. Como no futebol, jogaremos uma partida de cada vez. Há muitas histórias para contar, mas, fisicamente, o cinema é muito exigente. P. Como gostaria de ser lembrado? R. Como alguém que não se rendeu, acho. Não se render é importante, porque a luta continua. E as pessoas tendem a se render quando ficam velhas. Adere a Mais informações > HTTPS://BRASIL.ELPAIS.COM/BRASIL/2016/10/22/CULTURA/1477145409_049665.HTML?SSM=FB_CC&FBCLID=IWAR3JVRXCHVCEYMFNWLHF1TEWYB3E3X4PUIH37TTR7YHH1HGP9AKYXLFXNHU

quarta-feira, 4 de março de 2020

BOLSOFAKE


Bolsonaro é um cafajeste. Não há outro adjetivo que se lhe ajuste melhor. Cafajestes são também seus filhos, decrépitos e ignorantes. Cafajeste é também a maioria que o rodeia. "Bolsonaro é a parte podre de um país adoecido", diz promotor do MP-GO aredacao 4 de março de 2020 16:16 Paulo Brondi / Jair Bolsonaro (Foto: divulgação) Promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás, Paulo Brondi define o presidente Jair Bolsonaro como "cafageste" e "macho de meia tijela". "Bolsonaro é a parte podre de um país adoecido", acrescentou. As definições foram citadas em um texto assinado por Brondi e que tem sido compartilhado nas redes sociais. O material também foi publicado na íntegra no blog de Juca Kfouri. "Cafajestes são também seus filhos, decrépitos e ignorantes. Cafajeste é também a maioria que o rodeia", escreveu. "Jair Messias é um "macho" de meia tigela. É frágil, quebradiço, fugidio. Nada tem em si de masculino. É um afetado inseguro de si próprio. E, como ele, há também outras toneladas por aí", acrescentou. Veja o texto na íntegra: Por PAULO BRONDI Bolsonaro é um cafajeste. Não há outro adjetivo que se lhe ajuste melhor. Cafajestes são também seus filhos, decrépitos e ignorantes. Cafajeste é também a maioria que o rodeia. Porém, não é só. E algo que se constata é pior. Fossem esses os únicos cafajestes, o problema seria menor. Mas, quantos outros cafajestes não há neste país que veem em Bolsonaro sua imagem e semelhança? Aquele tio idiota do churrasco, aquele vizinho pilantra, o amigo moralista e picareta, o companheiro de trabalho sem-vergonha… Bolsonaro, e não era segredo pra ninguém, reflete à perfeição aquele lado mequetrefe da sociedade. Sua eleição tirou do armário as criaturas mais escrotas, habitués do esgoto, que comumente rastejam às ocultas, longe dos olhos das gentes. Bolsonaro não é o criador, é tão apenas a criatura dessa escrotidão, que hoje representa não pela força, não pelo golpe, mas, pasmem, pelo voto direto. Não é, portanto, um sátrapa, no sentido primeiro do termo. Em 2018 o embate final não foi entre dois lados da mesma moeda. Foi, sim, entre civilização e barbárie. A barbárie venceu. 57 milhões de brasileiros a colocaram na banqueta do poder. Elementar, pois, a lição de Marx, sempre atual: "não basta dizer que sua nação foi surpreendida. Não se perdoa a uma nação o momento de desatenção em que o primeiro aventureiro conseguiu violentá-la". Muitos se arrependeram, é verdade. No entanto, é mais verdadeiro que a grande maioria desse eleitorado ainda vibra a cada frase estúpida, cretina e vagabunda do imbecil-mor. Bolsonaro não é "avis rara" da canalhice. Como ele, há toneladas Brasil afora. A claque bolsonarista, à semelhança dos "dezembristas" de Luís Bonaparte, é aquela trupe de "lazzaroni", muitos socialmente desajustados, aquela "coterie" que aplaude os vitupérios, as estultices do seu "mito". Gente da elite, da classe média, do lumpemproletariado. Autodenominam-se "politicamente incorretos". Nada. É só engenharia gramatical para "gourmetizar" o cretino. Jair Messias é um "macho" de meia tigela. É frágil, quebradiço, fugidio. Nada tem em si de masculino. É um afetado inseguro de si próprio. E, como ele, há também outras toneladas por aí. O bolsonarismo reuniu diante de si um apanhado de fracassados, de marginais, de seres vazios de espírito, uma patuléia cuja existência carecia até então de algum significado útil. Uma gentalha ressentida, apodrecida, sem voz, que encontrou, agora, seu representante perfeito. O bolsonarismo ousou voar alto, mas o tombo poderá ser infinitamente mais doloroso, cedo ou tarde. Nem todo bolsonarista é canalha, mas todo canalha é bolsonarista. Jair Messias Bolsonaro é a parte podre de um país adoecido. Clique aqui para ver página original

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Maduro “está dormindo com o inimigo”.


Revolução vitoriosa Hugo Chávez assumiu o governo em 2 de fevereiro de 1999, sete anos depois de um levantamento militar derrotado, que enfrentou o governo neoliberal de Carlos Andrés Pérez e o alto-comando militar. Uma resposta da jovem oficialidade média marcada pela insurreição do povo em 27 de fevereiro de 1989, conhecido como o “caracaço”, e em repúdio ao massacre ordenado pelo alto-comando militar a serviço da burguesia para sufocar aquele levantamento popular. Nicolás Maduro: "Dormindo com o inimigo?" (parte I) esquerdaonline 15 de fevereiro de 2020 08:26 No final do ano 2011, Chávez se reincorporou ao governo depois de um forte tratamento contra o câncer. Ninguém sabia que lhe restava pouco mais de um ano à frente da revolução bolivariana. Seu primeiro ato de rua foi a fundação da Central Bolivariana de Trabalhadores, convocando todas as correntes sindicais para um esforço comum para colocar a classe operária na “vanguarda do processo revolucionário, tal como lhe corresponde”. Em 30 de abril de 2012, na tarde antes do dia do trabalhador, sofrendo uma grande dor, ele promulgou a Lei Orgânica do Trabalho, dos Trabalhadores e Trabalhadoras (LOTTT), que organizava as importantes conquistas trabalhistas da revolução bolivariana e orientava a luta dos trabalhadores em direção ao controle da produção e da distribuição. Nas eleições presidenciais desse mesmo ano de 2012, Chávez assumiria a campanha eleitoral com uma proposta de governo, um programa conhecido como Plano da Pátria. Milhares de assembleias de trabalhadores, camponeses, estudantes e comunas apresentaram propostas que foram incorporadas ao Plano da Pátria, demarcados em cinco objetivos históricos: Defender, expandir e consolidar a independência nacional; Construir o socialismo como alternativa ao sistema destrutivo e selvagem do capitalismo; Transformar a Venezuela em uma potência social, econômica e política; Contribuir com o desenvolvimento de uma nova geopolítica internacional em um mundo multicêntrico e plurinacional; Preservar a vida no planeta e salvar a espécie humana, o que se deu a conhecer como ecossocialismo. Após duas semanas de sua quarta vitória nas eleições presidenciais, em seu primeiro conselho de ministros, em outubro de 2012, ele anunciou o “golpe de timão”, quando tentou dar uma guinada na ação do governo, exigindo dos dirigentes, autocrítica e maior eficiência. “Tratam-se dos passos que viemos dando, por isso falamos de trânsito, transição, etapa. Nada disso existia na Venezuela e nada disso existiria na Venezuela se se impusesse o capitalismo, o que nos converteria novamente na colônia que éramos. Por isso a revolução política é prévia à econômica. Sempre tem de ser assim: primeiro a revolução política, liberação política e depois vem a revolução econômica. Deve-se manter a liberação política e daí a batalha política que é permanente, a batalha cultural, a batalha social”. Ele exortou seu gabinete e lhe recomendou o recém-designado vice-presidente Nicolás Maduro, para que assumisse a responsabilidade de uma nova estrutura social para dar o salto qualitativo na transformação da base econômica do país. “Nicolás, te encomendo isso como encomendaria minha vida: as comunas, o Estado social de direito e de justiça. Há uma Lei de Comunas, de economia comunal”. Em 8 de dezembro, sete semanas depois, Chávez apareceu em público pela última vez. Em 35 minutos, anunciou seu incerto futuro ante o ressurgimento do câncer, pediu que, diante de qualquer situação imprevista que lhe impedisse de continuar seu mandato, elegessem Nicolás Maduro como presidente, e terminou dizendo, com voz embargada: “Hoje temos Pátria, e aconteça o que acontecer, em qualquer circunstância continuaremos tendo Pátria, Pátria perpétua, Pátria para sempre, Pátria para nossos filhos, Pátria para nossas filhas, Pátria. Patriotas da Venezuela, homens e mulheres: de joelhos sobre a terra, unidade dos patriotas. Não faltarão os que tratarão de aproveitar conjunturas difíceis para manter esse empenho da restauração do capitalismo, do neoliberalismo, para acabar com a Pátria. Não poderão. Diante dessas circunstâncias, de novas dificuldades, do tamanho que seja, a resposta de todos e de todas patriotas, os revolucionários, os que sentimos a Pátria até nas vísceras, é Unidade, Luta, Batalha e Vitória”. Não há dúvida de que, consciente de sua precária saúde, Chávez dava passos desesperados para consolidar um rumo, uma direção, à revolução bolivariana. Queria marcar o passo em direção ao que ele chamava de “ponto de não retorno dentro da estratégia da transição ao socialismo”. Para além das diferenças com Chávez e o chavismo sobre o caminho e a estratégia para a construção do socialismo, não há nenhuma dúvida de que Chávez tentava garantir, em seus últimos dias, inclusive na seleção de seu sucessor, a construção da Venezuela como uma pátria socialista. Contrariamente ao que muitos esperavam, Maduro assumiu o governo e conseguiu se consolidar. Mostrou habilidade para enfrentar a forte ofensiva do imperialismo e da oposição para derrubá-lo, a qual aproveitava a profunda crise econômica resultado da queda do preço do petróleo, recrudescida pelas sanções dos EUA impostas ao país. Mas, contraditoriamente, desde que a situação teve algum alívio após a derrota das últimas tentativas de intervenção externa e de golpes levadas a cabo pelo imperialismo e seu lacaio Juan Guaidó, o governo vem dando um giro à direita, particularmente no terreno econômico. Os grupos mais à direita do núcleo duro do governo incentivaram, com sucesso, a implementação de medidas de liberalização da economia, em vez de aprofundar o curso da transição a uma Pátria Socialista. Isso tem ameaçado as conquistas já alcançadas pela revolução. Não por acaso, muitos ativistas e militantes chavistas comentam nas ruas que Maduro “está dormindo com o inimigo”. A situação é grave. Maduro não pode perder o timão que Chávez lhe deixou. O governo deve mudar urgentemente o rumo da política, inclusive o caráter de seu gabinete e ministérios, para garantir as medidas que aprofundem o curso socialista da revolução de forma a cumprir com a missão histórica que Chávez nos delegou. Revolução vitoriosa Hugo Chávez assumiu o governo em 2 de fevereiro de 1999, sete anos depois de um levantamento militar derrotado, que enfrentou o governo neoliberal de Carlos Andrés Pérez e o alto-comando militar. Uma resposta da jovem oficialidade média marcada pela insurreição do povo em 27 de fevereiro de 1989, conhecido como o “caracaço”, e em repúdio ao massacre ordenado pelo alto-comando militar a serviço da burguesia para sufocar aquele levantamento popular. Foi o resultado de uma dura campanha eleitoral, na qual o candidato Chávez enfrentou um cerco feroz dos meios de comunicação, o único que confrontou e denunciou a Agenda Venezuela, o pacote neoliberal fundo-monetarista que o governo Caldera havia imposto, com o apoio da velha esquerda parlamentar. Em meio a uma intensa mobilização popular, a campanha de Chávez derrubou a candidatura pré-fabricada pelos IESA boys1 de Irene Sáens, derrotou a frente de direita orientada desde Harvard na última hora, encabeçada por Salas Romer, e desmontou a tentativa de fraude eleitoral de um setor da burguesia apoiada no alto-comando militar. Chávez cumpriria apenas alguns minutos depois de assumir o governo, há 21 anos, sua principal promessa eleitoral: convocar uma Assembleia Constituinte para refundar o país sobre novas bases, o que ele chamou de Quinta República2. Esse processo unificaria e daria direção política à situação revolucionária aberta a partir do “caracazo”, colocando em xeque a burguesia que se viu preocupada com o fato de a mobilização popular ir tomando corpo e se fortalecendo, ameaçando seu domínio sobre a sociedade venezuelana. As tentativas de derrubar Chávez do governo em 2002, primeiro por meio de um golpe de estado do alto-comando a serviço da cúpula empresarial, e depois pela sabotagem na produção petrolífera e na economia nacional por parte da gerência da PDVSA, empresa petrolífera estatal, e das organizações empresariais, levaram o chavismo à mobilização dos bairros, dos trabalhadores e camponeses para derrotar o golpe em abril de 2002. Isso resultou na restituição de Chávez ao governo e, depois, no controle da PDVSA e dos centros industriais por parte dos trabalhadores, derrotando a sabotagem econômica em janeiro de 2003. Seria a segunda revolução do povo venezuelano, desta vez consciente e com direção, depois do “caracazo” de 1989. A combinação excepcional de uma mobilização popular e uma derrota física da burguesia que havia orquestrado as tentativas golpistas contra o governo de Chávez foi a base do processo bolivariano. Não apenas as forças armadas e a indústria petrolífera foram literalmente “expropriadas da burguesia”, mas também, nos anos seguintes, em meio a uma mobilização popular ofensiva e uma burguesia em retrocesso, passaram às mãos do Estado as empresas telefônicas, de eletricidade, metalurgia, centenas de empresas manufatureiras e de produção de alimentos e centenas de milhares de hectares de terra, e se desenvolveu uma política social e de organização popular muito profunda que mudou drasticamente a sociedade venezuelana. A ação do governo de Chávez marcou o ritmo da mobilização popular e vice-versa: a mobilização marcou o ritmo da ação do governo de Chávez. Em janeiro de 2005, em pleno ascenso da mobilização revolucionária, Chávez propôs, durante sua participação no Foro Social Mundial em Porto Alegre, Brasil, o socialismo, como alternativa ao capitalismo, abandonando todas as esperanças que um setor importante da esquerda internacional havia abraçado sobre a possibilidade de construir um “capitalismo com rosto humano”, uma terceira via. Desde esse momento, o processo da revolução bolivariana estaria ligado à construção do socialismo. No entanto, um dos principais desacertos da revolução bolivariana foi que junto às grandes conquistas sociais e econômicas da população, ela terminou não se voltando para construção de uma economia socialista. Talvez uma das razões principais disso tenha sido conceber o socialismo como um processo de transição, como uma etapa em longo prazo, como algo que surgiria depois de um longo período no qual o novo se iria construindo, ao mesmo tempo em que automaticamente iria desaparecendo o velho. Não que não tenha havido mudanças substanciais no modelo econômico capitalista construído à sombra de cem anos de rentismo petroleiro. Centenas de empresas e hectares de terras passaram às mãos dos trabalhadores e camponeses; a exclusão do setor privado dos principais serviços públicos e da exploração do petróleo, ferro e alumínio; velhas empresas da burguesia em mãos do Estado e novas empresas criadas a partir da receita petroleira marcavam uma economia diferente da existente no final do século XX. Mas a Venezuela continuou sendo um país capitalista, o que Chávez não cansou de repetir. O problema não é se o domínio da economia continuou em mãos da burguesia – o que é discutível em um país no qual o alto ingresso por venda de petróleo ficou totalmente nas mãos do Estado desde 2002 -, mas se é possível construir socialismo com a existência de uma classe burguesa, mesmo que enfraquecida, que por definição clássica é dona dos meios de produção e vive da apropriação da mais valia gerada pelo esforço dos trabalhadores em meios de produção que lhes são alheios. Que a construção do socialismo é produto de um processo de transição estamos de acordo. O socialismo não surge de um só golpe e é necessário planificá-lo, mas essa transição ao socialismo começa a partir da desaparição física e econômica da classe burguesa, e isso só pode ser feito usando-se a força da revolução para destruir as bases materiais de sua existência. Não se trata apenas de uma batalha ideológica e/ou cultural. Trata-se de um fato físico, de sua destruição ou desaparição, porque, como indicou Marx corretamente, nenhuma classe abandona voluntariamente o poder. Tentar construir o socialismo sem que a burguesia desapareça foi o grande erro de Chávez à frente da revolução bolivariana. O retrocesso e debandada política da burguesia, produto da mobilização popular e das derrotas infringidas em 2002, o enorme poder político e econômico adquirido pelo Estado a partir da organização e mobilização do povo, do nascimento das Forças Armadas Bolivariana e do domínio das principais indústrias criaram a vã ilusão da desaparição física da burguesia, ou de seu papel pouco importante na história dos anos futuros na Venezuela. Não há dúvida de que a revolução bolivariana impôs um governo que chegou mais além de qualquer outro governo na América, com exceção de Cuba, e a diferença substancial está justamente em que em Cuba a burguesia, sim, desapareceu. Se a isso se junta a existência do imperialismo como gendarme de uma sociedade capitalista que é mundial, a possibilidade de construir uma economia socialista isolada, submetida ao bloqueio capitalista, é menos viável com a existência de uma classe burguesa interna, que sempre será agente do imperialismo. Uma ofensiva burguesa imperialista implacável Praticamente desde o ano 2000, o imperialismo estadunidense vem mantendo uma ofensiva permanente contra o governo venezuelano, primeiro o de Chávez e, depois, o de Maduro. Setenta por cento dos partidos ou grupos de direita surgem a partir do financiamento, organização e/ou treinamento dos EUA, por meio de diversas organizações como a CIA, NED, OTI, IRI etc. Os outros 30% são organizações preexistentes ou divisões do chavismo, que também se mantêm com recursos milionários aportados pelo imperialismo à oposição. Calcula-se que, por vias oficiais,foram investidos mais de 4,8 bilhões de dólares na conspiração contra a Venezuela, em vinte anos. Somente a equipe do falso governo de Guaidó recebeu, em 2019, mais de 460 milhões de dólares de agências imperialistas, da União Europeia e dos governos associados ao cartel de Lima. A atividade opositora na Venezuela é de alta rentabilidade. Mas o fracasso de 2002, que provocou a debandada da burguesia, diante do avanço da mobilização popular, também afetou a capacidade do imperialismo para influir na política interna. A partir do triunfo de Chávez no referendo revogatório de 2004, a intervenção imperial se limitou a um simulacro de bloqueio econômico que limitava o acesso da Venezuela ao crédito internacional, dificultando o comércio, à sabotagem da produção nacional e à ação da CIA para conformar grupos de choque fascistas (de onde surgiu Guaidó), acompanhando a dispersão política da burguesia venezuelana. O governo de Chávez contornou o cerco econômico apoiando-se nas receitas, ao diversificar o mercado petroleiro e com uma agressiva política internacional (da qual fazia parte a política petrolífera), que o levou a consolidar propostas como a UNASUL e a CELAC, organismos regionais que incluíam o esforço por uma moeda de intercâmbio comercial diferente do dólar e um banco comum, à margem do Banco Mundial e do FMI, propostas que foram acompanhadas, inclusive, por um setor da burguesia latino-americana afetada pela imposição das políticas neoliberais de livre mercado (ALCA) e por pacotes fundo-monetaristas. A criação da UNASUL e da CELAC tinha colocado em cheque a própria existência da OEA, o que fez com que os EUA passassem da ameaça de interromper seu financiamento a fazer todo o possível para garantir sua sobrevivência. A partir de 2010, junto à criação da CELAC e do anúncio público do câncer de Chávez, os EUA intensificaram a ofensiva contra a Venezuela, apoiando-se no aparato midiático imperialista, no sistema bancário internacional, nos organismos da estrutura da ONU e da OEA, condicionando as relações políticas e comerciais com os governos da América Latina ao alinhamento de seus governos à ofensiva contra o país, impondo-lhes a ruptura da neutralidade que haviam mantido, beneficiando-se da política petroleira e da compra de alimentos, manufaturados e insumos industriais do governo venezuelano, sem se envolverem no conflito com os EUA. Em nível interno, a ofensiva imperial teve como objetivo reanimar e unificar o aparato político burguês, impondo a unidade organizativa e política na base da distribuição de dólares. O fenômeno dos protestos violentos dirigidos por grupos radicais, que no ano 2003 foram chamados de guarimbas3, reapareceram a partir de 2010 com inusitada força e violência, demonstrando os níveis de apoio e treinamento por trás deles. Por ocasião da morte de Chávez, mais de trinta importantes dirigentes do chavismo e mais de quinhentos dirigentes camponeses, comunais ou sindicais tinham sido mortos por sicários de direita. Inclusive, no momento de sua morte, desenvolvia-se uma guarimba que se paralisou diante a gigantesca mobilização do povo que acompanhou os funerais de Chávez. Não foi em vão que Chávez tenha tentado, ao longo de 2012, acelerar a passagem para a construção do socialismo para chegar ao que chamava de “ponto de não retorno”, tornando irreversível o avanço da revolução bolivariana. Notas: 1 Em meados dos anos 1980, surgiu um grupo de economistas, professores do Instituto de Estudos Superiores de Administração (IESA), com intenção de se encarregar da condução econômica e política do país, emulando a trajetória dos Chicago Boys, o grupo de economistas que assumiu o desenvolvimento do modelo econômico chileno, sob a ditadura de Pinochet. Grupos equivalentes surgiram em vários países da América Latina, vinculados a universidades estadunidenses, que passaram a assessorar vários governos, a maioria ditaduras, para impor diferentes versões de pacotes neoliberais, que depois se confluíram no que se chamou o Consenso de Washington, um pacote neoliberal comum. Na Venezuela, esse grupo esteve ligado à Universidade de Harvard e teve enorme influência na gerência das empresas privadas e públicas (particularmente a PDVSA) e na jovem dirigência dos partidos políticos, incluídos os da esquerda. Toda essa geração política ficou conhecida como os IESA boys, por causa do instituto de ensino de onde se originou. Os IESA Boys foram os que projetaram o plano econômico do então candidato presidencial Carlos Andrés Pérez, que deu origem ao caracaço de fevereiro de 1989. Mesmo assim, tiveram muita influência nas decisões e políticas de governo na década de 1990. Foram os criadores da Agenda Venezuela, uma política de choque destinada a mudar o modelo capitalista rentista, mas que somente destruiu a economia e o nível de vida do venezuelano. Projetaram a candidata presidencial, Irene Sáenz, ex rainha da beleza (miss), a qual colocaram à frente do município criado exprofeso (Chacao), para servir de vitrine da Venezuela do futuro, em meio à ruína econômica do resto do país. O fracasso do projeto Irene, atropelada pela candidatura Chávez, levou a Universidade de Harvard a convocar uma reunião de emergência na qual “ordenaram”, faltando apenas três meses para as eleições, a unidade em torno da candidatura do empresário SalasRomer, provocando uma crise política dos partidos que, longe de estancar, facilitou o triunfo de Chávez. Alguns personagens dos IESA Boys não trocaram Irene por Salas Romer, mas se juntaram à candidatura de Chávez e fizeram parte da Assembleia Constituinte de 1999 como parte do chavismo. Saíram do governo para se juntarem à atividade golpista da burguesia e do imperialismo no ano de 2002. Alguns dos ideólogos dos IESA boys reapareceram como parte da equipe indicada pelos Estados Unidos a Guaidó e integram os grupos que planificam a arquitetura do bloqueio econômico, ataque à moeda e expropriação de empresas no exterior, que são propriedades do Estado venezuelano. 2 Durante a guerra de independência, houve duas tentativas fracassadas de república (a primeira e a segunda). Depois da tomada de poder da região de Guayana pelo exército libertador, foi convocado, em fevereiro de 1819, o Congresso de Angostura, com delegados de várias colônias espanholas, no qual se instalou uma nova república (terceira) e se aprovou o projeto de criação da Colômbia, a partir da libertação e unificação de várias colônias espanholas. Esse projeto teve início com a tomada e proclamação da República da Flórida, que caiu poucos meses depois, com o apoio dos Estados Unidos à Espanha. Desde então, Bolívar manteve un confronto com os Estados Unidos até sua morte, em 1830. Meses antes de sua morte, ele dissolveu a Colômbia de Bolívar e nascia a República da Venezuela, a qual muitos historiadores bolivarianos chamam de Quarta República, porque nasceu da derrota do projeto de Bolívar. Por isso Chávez, no processo constituinte de 1999, chamou a criar a Quinta República. 3 Em 2003, depois da derrota da sabotagem petroleira, houve um chamado a ações de protestos cujo eixo eram os bairros de classe média, contrários à revolução bolivariana. O esquema para esses protestos era fazer barricadas e queimar lixo nas avenidas adjacentes e, diante da presença policial, fugir para as casas, refugiar-se nas guarimbas, desde onde às vezes se disparava contra os policiais. O termo guarimba é uma menção a um jogo de crianças no qual um grupo persegue o outro e tem um refúgio, conhecido como casa ou guarimba. A partir desse ano, os protestos de direita ficaram conhecidos como guarimbas, e seus participantes como guarimberos. A partir de 2010, aconteceram guarimbas quase todos os anos, até 2017, quando se orquestou a maior ofensiva guarimbera que durou 107 dias, sendo derrotadas pela participação massiva nas eleições da Assembleia Constituinte. Clique aqui para ver página original

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Trotsky

I

Trotsky, ao reconhecer uma historicidade própria aos países dependentes, e em particular à América Latina, lançou as bases teóricas do que posteriormente ficaria conhecido como “teoria da dependência”. Sob pressão das massas populares, a burguesia ainda dará passos à esquerda, para depois ferir o povo de maneira impiedosa. Períodos de “dualidade de poderes” são possíveis e prováveis. Trotsky e o "Sul Global": Revolução permanente, regimes políticos e opressões (nacionais e raciais) esquerdaonline 13 de fevereiro de 2020 03:53 Por que vocês não sabem Do lixo ocidental? (Milton Nascimento, em para Lennon e MacCartney) Toda a teoria de Trotsky sobre a Revolução Permanente foi vertebrada na ideia de que o desenvolvimento do capitalismo nas regiões atrasadas[1] continha uma historicidade própria, o que contrariava a lógica da repetição das “etapas” do capitalismo europeu clássico nos países “coloniais” e “semicoloniais”, tal como apregoava a III Internacional. A forma específica como o capitalismo se apresentava nos países atrasados (combinando dialeticamente elementos modernos com estruturas arcaicas) não seria decorrência, segundo Trotsky, de uma mera questão de “estágios” diferenciados entre estes e os países de capitalismo avançado. Essa assertiva, por sua vez, alicerçava-se numa perspectiva que compreendia o capitalismo mundial como uma totalidade contraditória, e não como uma mera soma de nações (partes) isoladas. Justamente por serem fragmentos integrados dialeticamente em um todo (o capitalismo mundial), as regiões “coloniais” e “semicoloniais” não poderiam desenvolver a sua história em separado, e, portanto, não lhes seria possível superar seu atraso passando-se a um “estágio” superior ainda dentro dos marcos do capitalismo. O sistema capitalista, em especial a partir de sua fase imperialista, não deixaria mais espaço para esses desenvolvimentos “autônomos”, impossibilitando que a história das regiões retardatárias repetisse a história das regiões pioneiras. Do mesmo modo, o desenvolvimento histórico das nações centrais dependeu e dependia inteiramente das relações estabelecidas com as formações econômico-sociais periféricas. Essa perspectiva totalizante de Trotsky era a base de seu internacionalismo, que se opunha frontalmente à teoria do “socialismo num só país” sustentada pelos estalinistas, o que o levava à defesa de posições políticas completamente distintas desses últimos.[2] Nos trechos a seguir, extraídos de A revolução permanente, pode-se perceber a imbricação existente entre a concepção de Trotsky acerca do desenvolvimento histórico dos países atrasados e suas propostas políticas para o proletariado destes: “Como instituir, então, a ditadura do proletariado em vários países atrasados, como a China, a Índia etc.? Respondemos: a história não se faz por encomenda […] É preciso não tomar, nunca, como ponto de partida a harmonia preestabelecida da evolução social. Apesar do afetuoso abraço teórico de Stálin, a lei do desenvolvimento desigual ainda existe, manifestando sua força tanto nas relações entre países como na correlação das diferentes séries de fenômenos dentro de um mesmo país. A conciliação do desenvolvimento desigual da economia e da política só pode ser obtida na escala mundial. Isso significa, em particular, que o problema da ditadura do proletariado na China não pode ser considerado exclusivamente nos limites da economia e política chinesas. E estamos, aqui, diante de dois pontos de vista que se excluem reciprocamente: o da teoria internacionalista e revolucionária da revolução permanente e o da teoria nacional-reformista do socialismo num só país. Não só a China atrasada, mas nenhum país do mundo poderá construir o socialismo dentro dos seus quadros nacionais: a isso se opõem não só as forças produtivas que, altamente desenvolvidas, ultrapassam os limites nacionais, como também as forças produtivas que, insuficientemente desenvolvidas, impedem a nacionalização […]. Significará isso que todo país, mesmo um país colonial atrasado, esteja maduro senão para o socialismo, ao menos para a ditadura do proletariado? Não, não significa. Mas, então, como fazer a revolução democrática em geral e nas colônias em particular? Respondo com outra pergunta: E quem disse que todo país colonial está maduro para a realização integral e imediata de suas tarefas nacional-democráticas? É preciso inverter o problema. Nas condições da época imperialista, a revolução nacional-democrática só pode ser vitoriosa quando as relações sociais e políticas do país estejam maduras para levar o proletariado ao poder, como chefe das massas populares […] Na China, onde o proletariado, apesar da situação excepcionalmente favorável, foi impedido, pela direção da Internacional Comunista, de lutar pelo poder, as tarefas nacionais se realizaram de maneira miserável, instável e má, sob o regime do Kuomitang.”[3] Partindo dessa interpretação acerca das possibilidades de desenvolvimento dos países atrasados na época do imperialismo, Trotsky polemizou com a proposta de uma “ditadura democrática” (sob direção da “burguesia nacional”) lançada para China e demais países “coloniais” e “semicoloniais” pela III Internacional: “Não se pode prever quando e em que condições um país estará maduro para a solução verdadeiramente revolucionária das questões agrária e nacional. Em todo o caso, podemos afirmar, desde já, com toda a certeza, que tanto a China como a Índia só poderão chegar a uma verdadeira democracia popular, isto é, operária e camponesa, por meio da ditadura do proletariado. Numerosas etapas diferentes podem esperá-los nesse caminho. Sob pressão das massas populares, a burguesia ainda dará passos à esquerda, para depois ferir o povo de maneira impiedosa. Períodos de “dualidade de poderes” são possíveis e prováveis. Uma hipótese, porém, está completamente excluída: a de que possa haver verdadeira ditadura democrática que não seja a ditadura do proletariado. Uma ditadura democrática independente só pode ter o caráter do Kuomitang, o que significa que será inteiramente dirigida contra os operários e os camponeses. É preciso compreender e ensinar isso às massas, sem ocultar a realidade das classes com uma fórmula abstrata.”[4] Salvo em seus inúmeros escritos sobre a Rússia, nos quais os particularismos da Terra dos czares foram bastante abordados,[5] Trotsky não se dedicou a reflexões aprofundadas da “questão nacional” em outras formações sociais. Entretanto, em suas análises sobre diversos países do que hoje se costuma chamar de “Sul Global”, buscou sempre levar em conta, mesmo que por meio de pesquisas tangenciais, suas especificidades histórico-sociais, tomando-os sempre, não custa lembrar, como partes de uma totalidade, o capitalismo mundial. Ainda em 1930 (ano da publicação de A revolução permanente), dando continuidade à sua luta contra o “etapismo” da IC, Trotsky escreveu textos referentes ao caráter da revolução em países como Itália e Índia. Afirmando o papel contrarrevolucionário de todos os setores das classes dominantes daqueles países, Trotsky mais uma vez apontou o proletariado como o único sujeito capaz de dirigir qualquer processo revolucionário que resolvesse neles as tarefas “democráticas” e/ou “nacionais” pendentes. Nesse sentido, para Trotsky, não poderia, na Itália, ter lugar um regime “democrático”, na qualidade de etapa intermediária entre o fascismo e uma eventual futura ditadura do proletariado, que fosse resultado de uma luta vitoriosa da burguesia italiana contra o regime de Mussolini. O revolucionário russo admitia a possibilidade de que, no país, pudesse vir a existir no pós-fascismo um regime parlamentar e “democrático”, o qual, em sua concepção, só poderia ser obra de uma revolução proletária “insuficiente madura e prematura” que, abortada, permitiria à burguesia, após uma crise revolucionária, restabelecer, de modo contrarrevolucionário, seu domínio sobre bases “democráticas”. De modo algum, assinalava Trotsky, uma eventual democracia burguesa na Itália poderia decorrer de uma exitosa revolução “democrática” encabeçada pela classe dominante.[6] Também a batalha pela “libertação nacional” da Índia do jugo do imperialismo inglês não poderia, segundo ele, contar com a participação dos “opressores internos”, os quais, conforme crescia a luta das massas pela independência, tinham seus “desejos” de “separar-se dos estrangeiros” diminuídos.[7] Nos primeiros anos da década de 1930, em função do processo revolucionário espanhol iniciado com a queda da ditadura bonapartista de Primo de Rivera (1930) e a subsequente derrocada da monarquia (1931), Trotsky pôs-se a produzir uma série de escritos dedicados a analisar o papel político a ser desempenhado pelo proletariado daquele país para que a revolução viesse a ser bem-sucedida. Constatando o caráter “débil” da burguesia espanhola, Trotsky, mais uma vez, defendeu que somente o proletariado, em aliança com os camponeses, poderia realizar as tarefas de uma revolução “democrático-burguesa” na Espanha atrasada, como a reforma agrária e a destruição dos privilégios da Igreja Católica. Por conta disso, em seus escritos do período 1934-1937 (decisivo para o destino da Revolução Espanhola), condenou violentamente a política de frente popular levada a cabo pela Internacional Comunista na Espanha. Creditando um caráter “progressista” à burguesia espanhola e orientando a aliança dos operários e camponeses com ela, os estalinistas defenderam, à época, que a revolução deveria se encerrar nos marcos de uma república democrático-burguesa, o que impediria, segundo a IC e seus adeptos, a vitória do fascismo. A fragorosa derrota do proletariado espanhol na revolução, assim como a responsabilidade da IC e do Partido Comunista Espanhol nesse histórico fracasso, são bastante conhecidos por todos. A burguesia espanhola, depositária da confiança dos estalinistas, demonstraria todo o seu caráter “progressista” e “democrático” ao receber o general Francisco Franco de braços abertos.[8] Em 1935, quando se encontrava dedicado a combater a política de frente popular implementada pela IC na Espanha, Trotsky escreveu ainda breves comentários acerca das tarefas do movimento revolucionário na África do Sul, então colônia da Grã-Bretanha. Mais uma vez afirmando a existência de uma dinâmica histórica própria aos países atrasados, “coloniais” e “semicoloniais”, defendeu que a superação das questões “agrária”, “nacional” e “racial” estava diretamente relacionada à luta pela implementação da ditadura do proletariado (negro e branco) no país, opondo-se, dessa forma, a qualquer aliança com os setores dominantes nativos em nome de uma plataforma “comum” de cunho “anti-imperialista”.[9] Algum tempo depois, em janeiro de 1937, Trotsky desembarcaria no México, então governado pelo general bonapartista de esquerda Lázaro Cárdenas. Não obstante o acordo de não interferência na política interna firmado com o presidente, Trotsky, desde sua chegada, não se furtou a realizar análises relativas à luta de classes naquela país e ao papel que deveria nela desempenhar o proletariado. Com menos intensidade, voltou seus olhos também para outras experiências políticas da América Latina, buscando compreendê-las com partes constitutivas de uma grande realidade periférica e atrasada do sistema capitalista mundial, que atravessava uma profunda crise desde o crash da bolsa de Nova Iorque, em outubro de 1929. Em terras mexicanas, escreveu Trotsky: “A sociedade latino-americana, como toda sociedade – desenvolvida ou atrasada – está composta por três classes: a burguesia, a pequena-burguesia e o proletariado. Na medida em que as tarefas são democráticas em um amplo sentido histórico, são tarefas democrático-burguesas, mas aqui [na América Latina] a burguesia é incapaz de resolvê-las, como o foi na Rússia e na China. Neste sentido, durante o curso da luta de classes pelas tarefas democráticas, opomos o proletariado à burguesia. A independência do proletariado, inclusive no começo desse movimento, é absolutamente necessária, e opomos particularmente o proletariado à burguesia na questão agrária, porque a classe que governará, no México como em todos os demais países latino-americanos, será a que atrair para ela os camponeses.”[10] Assassinado pela GPU (polícia política soviética) a mando de Stálin em 1940, Trotsky acabou por ter na América Latina não só seu último local de exílio, mas também o último local para observação de sua lei do desenvolvimento desigual e combinado e de sua teoria da revolução permanente. As suas interpretações das possibilidades históricas da América Latina sob o capitalismo contrapuseram-se a qualquer perspectiva evolucionista e “etapista” quanto aos rumos econômicos, políticos e sociais do continente. Tais interpretações, datadas de fins da década de 1930, representam, portanto, um contraponto teórico e político tanto às teses produzidas desde a segunda metade da década de 1920 pelos partidos comunistas vinculados à IC, quanto às de perspectiva “nacional-desenvolvimentistas”, provenientes de instituições como a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e similares de escopo nacional. Nesse sentido, consideramos que Trotsky, ao reconhecer uma historicidade própria aos países dependentes, e em particular à América Latina, lançou as bases teóricas do que posteriormente ficaria conhecido como “teoria da dependência”. [1] Faz-se necessário apontarmos aqui que a própria noção de atraso é passível de ser problematizada, pois, de algum modo, pode levar a um entendimento de que há uma espécie de linha histórica evolutiva a ser seguida pelas nações. Neste livro, utilizamos tal conceito na acepção trotskista do mesmo, isto é, de modo que este tenha como seu eixo estruturante a dimensão histórico-temporal das modernizações industriais capitalistas dos países aos quais se refere. [2] Quanto ao método internacionalista de Trotsky, ver “Totalidade e internacionalismo em León Trotsky”. Marx e marxismos, vol. 6 (nº. 10), 2018 (http://www.niepmarx.blog.br/revistadoniep/index.php/MM/article/view/252) e BIANCHI, Alvaro. “O marxismo de León Trotsky: notas para uma reconstrução teórica” in Idéias, nº. 14. Campinas, 2007, p. 57-99. [3] TROTSKY, l. A revolução permanente. 2ª edição. São Paulo: Kairós, 1985, p. 120-121. [4] Idem. As reflexões de Trotsky acerca dos rumos da revolução chinesa de 1925-1927 podem ser encontradas também, entre outros escritos, nas correspondências que trocou, à época dos eventos, com bolcheviques como Radek, Alsky e Preobrazhensky (contidas na coletânea TROTSKY, L. La teoria de la revolución permanente. Compilación. Buenos Aires: Centro de Estudios, Investigaciones y Publicaciones León Trotsky [CEIP León Trotsky], 2000, p. 369-394) e no artigo, escrito em 1938, intitulado “La revolución china” (idem, p. 524-535). [5] Quanto a isto, ver DEMIER, F. “A lei do desenvolvimento desigual e combinado de Trotsky e a Revolução Russa” in ____ e MONTEIRO, Márcio Lauria (orgs.). 100 anos depois: a Revolução Russa de 1917. Rio de Janeiro: Mauad X, p. 135-166. [6] TROTSKY, L. “Problemas de la revolución italiana” in ____. La teoria de la revolución permanente. Compilación. Op. cit., p. 552-553. [7] TROTSKY, L. “Tareas e peligros de la revolución en la India” in ____. La teoria de la revolución permanente. Compilación. Op. cit., p. 541. [8] Os escritos de Trotsky acerca da Revolução Espanhola podem ser encontrados em TROTSKY, L. La revolución española. S.l: El Puente Editorial, s.d. [9] TROTSKY, L. “Sobre las tesis sudafricanas” in ____. La teoria de la revolución permanente. Compilación. Op. cit., p. 561-567. [10] TROTSKY. León. “Discusion sobre America Latina” in ____. Escritos latinoamericanos. 2ª edição. Buenos Aires: Centro de Estudios, Investigaciones y Publicaciones León Trotsky (CEIP León Trotsky), 2000 p. 123-124. O texto em questão é um resumo transcrito de uma conversa realizada entre Trotsky, seus militantes-seguranças norte-americanos e o trotskista Charles Curtiss, também norte-americano. Clique aqui para ver página original

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Livres para votar; não para interferir no poder

ESQUERDA, O RESGATE DO SONHO
*Frei Betto*


Pertenço à geração que teve o privilégio de fazer 20 anos nos anos 60: Revolução Cubana, Che, Beatles, Rei da Vela, manifestações estudantis, Alegria, Alegria, Gláuber Rocha, McLuhan, revista Realidade, Marcuse, Maio de 68, João XXIII, naves espaciais etc.

Era a geração dos sonhos. "Sonhar é acordar-se para dentro", lembra Mário Quintana. Estávamos permanentemente despertos. Nossas quimeras não eram acalentadas por drogas, mas por utopias.

Segundo a teoria psicanalítica, todo sonho é projeção de um desejo. Nossa geração desejava ardentemente mudar o mundo, instaurar a justiça social, derrubar a velha ordem.

O sonho quebrou-se ao tocar a realidade. A ditadura militar (1964-1985) encarou como subversivos nossos protestos e conteve, com cassetetes e tiros, nossas passeatas. Nossos congressos estudantis terminaram em prisões e, escorraçados para a clandestinidade, não nos restou alternativa senão o exílio ou a resistência. Em nossas utopias os carrascos abriram feridas, e dependuraram nossos ideais no pau-de-arara. O que era canto virou dor; o que era encanto, cadáver. A roda-viva se encheu de medo e o nosso cálice de “vinho tinto de sangue”.

Nossos paradigmas ruíram sob os escombros do Muro de Berlim. Não era o socialismo das massas nem os proletários no poder. Era o socialismo do Estado, pai e patrão, atolado no paradoxo de agigantar-se em nome do fim iminente da luta de classes. O economicismo, a falta de uma teoria do Estado e de uma sociedade civil forte e mobilizada, levaram o rio das fantasias coletivas a transbordar sobre as pontes férreas dos engenheiros do sistema. O socialismo real saciava a fome de pão, não o apetite de beleza. Partilhava bens materiais e privatizava o sonho. Todo sonho estranho à ortodoxia era visto como diversionista, ameaçador.

Astuto, o capitalismo socializa a beleza para camuflar a cruel privatização do pão. Aqui, todos são livres para falar; não para comer. Livres para transitar; não para comprar passagens. Livres para votar; não para interferir no poder. O Muro de Berlim ruiu e, ainda hoje, a poeira levantada embaça os nossos olhos.

Solteira de paradigmas, a esquerda é uma donzela perplexa que, terminada a festa, não consegue encontrar o caminho de casa. Há muitos pretendentes dispostos a acompanhá-la, mas ela teme ser conduzida ao leito de quem quer estuprá-la. Ansiosa, envereda-se pelo labirinto do eleitorarismo e se perde no jogo de espelhos que exarcebam o narcisismo de quem se maquia no reflexo das urnas. Deixa-se arrastar pela rotatividade eleitoral, onde ideais e programas são atropelados pela caça a votos e cargos. E, quanto mais se aproxima das estruturas de poder, mais se distancia dos movimentos populares.

É bem verdade que, ao assumir a administração pública, investe em programas sociais, aprimora o acesso à saúde, à educação, moradia e cesta básica. Contudo, desprovida de andaimes, não faz dessa massa um novo edifício teórico, alternativo à globocolonização neoliberal que execra a cidadania e exalta o consumismo, repudia os direitos sociais e idolatra o mercado.

A maré sobe – Equador, Chile, Argentina - mas, na praia, pescadores acostumados a selecionar os peixes têm os olhos cegos pelo reflexo do Sol. A história cessou?

Fora da esquerda, não há saída para a miséria que assola o planeta (1,3 bilhão de pessoas). A lógica do capitalismo é incompatível com a justiça social. O sistema requer acumulação; a justiça, partilha. E não há futuro para a esquerda sem ética, utopia, vínculos com os pobres e coragem de dar a vida pelo sonho.

Hoje, o socialismo já não é apenas questão ideológica ou política. É também aritmética: sem partilhar os bens da Terra e os frutos do trabalho humano, os quase 8 bilhões de passageiros dessa nave espacial chamada Terra estarão condenados, em sua maioria, à morte precoce, sem o direito de desfrutar o que a vida requer de mais essencial para ser feliz: pão, paz e prazer.

Resta, agora, a esquerda acordar para o sonho.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Agora, o invasor é o indígena!!

Praticamos o crime de invasão das terras indígenas e agora o invasor é o indígena!!




Política
acesse sua conta
ou cadastre-se grátis
Home
Valor Data
 valor econômico valor data
Home
Bolsas
Moedas
Commodities
Índices Macroeconômicos
Aplicações
Taxas referenciais
Tributos
Finanças públicas
Crédito
Títulos privados
Juros Externos
Carteira Valor
Fundos
Ranking Dealogic
 valor data ranking dealogic
Banco de Investimento
Fusões e Aquis

Este trecho é parte de conteúdo que pode ser compartilhado utilizando o link https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/02/04/documento-da-funai-cita-marx-e-trotski-e-trata-indios-como-invasores.ghtml ou as ferramentas oferecidas na página.
Textos, fotos, artes e vídeos do Valor estão protegidos pela legislação brasileira sobre direito autoral. Não reproduza o conteúdo do jornal em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do Valor (falecom@valor.com.br). Essas regras têm como objetivo proteger o investimento que o Valor faz na qualidade de seu jornalismo.