domingo, 28 de junho de 2020

Educação pós-capitalista

Educação pós-capitalista: a ética do fazer modesto
Apostemos em uma "pedagogia lenta, serena e sustentável", inspirada na convivência, na abertura para o mundo e na experiência com o ambiente. A inovação educativa do século XXI não precisa seguir a compulsão modernizadora
Por Roberto Rafael Dias da Silva



Educação pós-capitalista: a ética dofazer modesto
Apostemos em uma “pedagogia lenta, serena e sustentável”, inspirada na convivência, na abertura para o mundo e na experiência com o ambiente. A inovação educativa do século XXI não precisa seguir a compulsão modernizadora
OUTRASPALAVRAS
Publicado 22/06/2020 às 17:26
Por Roberto Rafael Dias da Silva
Caso nos dediquemos por uma tarde para acompanhar as repercussões da pandemia global no contexto educacional ficaremos surpresos com a quantidade de diagnósticos e prospecções acerca do futuro da escola. Para alguns, a escola continua sendo uma grande maquinaria a serviço do capitalismo, produzindo poucos avanços no enfrentamento das precariedades típicas do nosso tempo. Outros, imbuídos por certo conservadorismo educacional, defendem que se trata de um momento de proteger a escola das interpelações causadas pela cultura, pela política ou pela economia. Por outro lado, mais alguns analistas, impulsionados pelos avanços tecnológicos, veem a pandemia com uma “aceleradora de futuros”. Em outras palavras, como podemos constatar, cada analista prospecta uma escola à imagem e semelhança de suas expectativas sobre o mundo.
À luz dos pressupostos do pós-capitalismo, que tem inspirado minhas inquietações políticas e acadêmicas, não vou me eximir da tarefa de ingressar neste debate. O trabalho educativo que faremos no contexto pandêmico poderá nos conduzir na direção de uma renovação de nossas expectativas sobre a escola, repensando-a em seus propósitos formativos. Como sistematizou Jaume Carbonell, sobre a inovação educativa no século XXI, talvez pudéssemos apostar em uma “pedagogia lenta, serena e sustentável”. Acreditar em uma formação humana que preserva e potencializa os tempos para pensar, para fazer e para compartilhar pode se constituir como uma questão incontornável para um novo tempo. Mais uma vez recorrendo a Carbonell, em sua perspectiva, “a escola não deve seguir o ritmo da sociedade nem depender de suas múltiplas demandas”.
Escrevi em outro texto que, ao rediscutirmos os propósitos educacionais, conseguiremos nos distanciar de duas disposições pedagógicas – predominantes hodiernamente – que orientam os fazeres escolares, quais sejam: a melancolia pedagógica e a compulsão modernizadora. Ora defendemos a escola com uma atitude nostálgica e conservadora, ora apostamos em reformas permanentes induzidas por variados dispositivos tecnológicos e culturais. Utilizei essas figuras psicanalíticas – compulsão e melancolia – de modo metafórico, sinalizando minha intenção em reequilibrar alguns aspectos deste debate. Ou seja, é desejável planejar a inovação educativa, desde que tal mudança esteja assentada em uma governança escolar democrática (COLLET; TORTI, 2016).
Em meio à crise civilizatória e à ameaça da extrema-direita, OUTRAS PALAVRAS sustenta que o pós-capitalismo é possível. Queremos sugerir alternativas ainda mais intensamente. Para isso, precisamos de recursos: a partir de 15 reais por mês você pode fazer parte de nossa rede.Veja como participar >>>
Nas últimas semanas, reencontrei-me com Richard Sennett, um sociólogo que muito influenciou minha trajetória intelectual e profissional (SILVA, 2015; SILVA, 2019). Em sua última obra – “Construir e habitar: ética para uma cidade aberta” – encontrei na “ética do fazer modesto” um ponto de partida para rediscutir o trabalho educativo em um contexto pós-capitalista. Mais que isso, a ética do fazer modesto permitiu-me reenquadrar minhas reflexões sobre o futuro da escolarização, conforme explicarei a seguir.
Referindo-se às cidades e ao planejamento urbano, Sennett tratou de caracterizar qualidades importantes para nossos modos de habitar estes espaços na atualidade, lançando mão de três adjetivos para descrever as cidades: tortas, abertas e modestas. Torta: o urbanista deveria considerar a diversidade que caracteriza as cidades atualmente e privilegiar esta dimensão em sua atividade, reconhecendo que os ambientes construídos podem ajustar-se às características de seus habitantes. Aberta: as cidades podem ser abertas à inovação e à experimentação, favorecendo atitudes de tolerância, hospitalidade e diversificação de experiências. Modesta: longe de buscar uma reconstrução total, cidades modestas apostam em pequenas reformas, alterações negociadas com os moradores ou na valorização dos saberes e das vivências locais. A construção de cidades no século XXI encaminha-se em outra direção; porém, junto ao sociólogo, parece necessário preservar estas três características no fazer dos urbanistas.
Penso que estas três adjetivações – torta, aberta e modesta – serviriam também para pensar sobre a escola do século XXI, esta que será desenhada no contexto posterior à pandemia. Afastando-se do controle e da ordem, típicos do urbanismo (e da pedagogia), Sennett defende uma “ética do fazer modesto” como alternativa para o planejamento urbano. Inspirar-se na convivência, promover modelos de inovação negociados, incentivar atitudes de abertura com o mundo e de ampliação da experiência com o ambiente, valorizar os conhecimentos relevantes e colocá-los em aproximação com os cotidianos e fomentar relações democráticas são princípios pedagógicos que poderiam ser derivados da proposta sennettiana. Em outras palavras, poderíamos defender que escola deste século não desconsidere suas conquistas e, ao mesmo tempo, não abdique da tarefa histórica da mudança. Eis um desafio a ser modestamente enfrentado!

Referências:
CARBONELL, Jaume. Pedagogias do século XXI: bases para a inovação educativa. 3a ed. Porto Alegre: Penso: 2016.
COLLET, Jordi; TORT, Antoni (Orgs.). La gobernanza escolar democrática. Madrid: Morata, 2016.
SENNETT, Richard. Construir e habitar: ética para uma cidade aberta. Rio de Janeiro: Record, 2018.
SILVA, Roberto Rafael Dias da. Sennett & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
SILVA, Roberto Rafael Dias da. Customização curricular no Ensino Médio: elementos para uma crítica pedagógica. São Paulo: Cortez, 2019.
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quinta-feira, 25 de junho de 2020

Para empresários o filé. E o osso para o poder público

"Vão separar o que é lucrativo do que não é lucrativo e vender o que dá lucro. Essa história de que o marco levará à universalização do saneamento básico é apenas discurso para convencer a sociedade a aceitar sua aprovação. Na prática, o projeto aponta para separar as áreas que são rentáveis, abrindo a possibilidade de empresas privadas adquirirem o 'filé' deixando o 'osso' com o Estado."
Essa é a avaliação de Rogério Carvalho (PT-SE), líder do partido no Senado Federal, sobre a aprovação do marco regulatório do saneamento básico pelo Congresso Nacional, nesta quarta (24), por 65 votos a 13. Os seis senadores do Partido dos Trabalhadores se posicionaram contra. O texto seguiu para sanção presidencial.
A proposta, que estimula a participação da iniciativa privada no setor, promete universalizar os serviços de fornecimento de água e coleta e tratamento de esgoto no país. E prevê investimentos da ordem de r$ 700 bilhões.
"O setor precisa de investimento privado, de profissionalizar a gestão, de tornar os processos mais racionais. Mas um marco regulatório precisaria se atentar que está lidando com serviço publico. Portanto, a prioridade é o bem-estar da população", afirma.
Carvalho defende que empresas que assumirem os serviços em determinada região só possam começar a distribuir dividendos a seus acionistas depois que praticamente universalizarem a cobertura de água e esgoto.
"Porém, o que foi aprovado é que se em 2033 as empresas não atingirem a meta, tem prazo até 2040. Se em 2040 não atingirem, só aí ficam suspensos os dividendos. Daí, a empresa vai explorar o que puder e entregar de volta ao Estado em 2040. Não deu, entrega, devolve", afirma.
O líder do PT no Senado, que é médico com doutorado em Saúde Coletiva pela Unicamp, relata que há cinco cidades em seu Estado, Sergipe, que são lucrativas nesse setor e outras 70 que não e, portanto, são subsidiadas em um financiamento cruzado. Para ele, há outros municípios que podem vir a se tornaram lucrativos, mas também há aquelas que nunca terão água e esgoto sem ajuda externa.
O projeto prevê a possibilidade de estados e municípios formar blocos - o que, em tese, ajudaria a tornar atraentes locais mais pobres.
"O marco do saneamento sugere a questão do financiamento cruzado, mas dá a liberdade aos municípios de se organizarem. Com isso, vamos ter uma série de manchas no Brasil, inviáveis e sem interesse comercial, e outras ilhas de prosperidade. Na construção dos blocos, haverá quem fique com o filé. E o osso vai ficar com o poder público", diz.
(Leia a íntegra do texto no post do blog)
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"Vão separar o que é lucrativo do que não é lucrativo e vender o que dá lucro. Essa história de que o marco levará à universalização do saneamento básico é apenas discurso para convencer a sociedade a aceitar sua aprovação. Na prática, o projeto aponta