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Educação pós-capitalista: a
ética dofazer modesto
Apostemos em uma “pedagogia lenta, serena e
sustentável”, inspirada na convivência, na abertura para o mundo e na
experiência com o ambiente. A inovação educativa do século XXI não precisa
seguir a compulsão modernizadora
OUTRASPALAVRAS
Publicado 22/06/2020 às 17:26
Por Roberto
Rafael Dias da Silva
Caso nos dediquemos por uma tarde para acompanhar
as repercussões da pandemia global no contexto educacional ficaremos surpresos
com a quantidade de diagnósticos e prospecções acerca do futuro da escola. Para
alguns, a escola continua sendo uma grande maquinaria a serviço do capitalismo,
produzindo poucos avanços no enfrentamento das precariedades típicas do nosso
tempo. Outros, imbuídos por certo conservadorismo educacional, defendem que se
trata de um momento de proteger a escola das interpelações causadas pela
cultura, pela política ou pela economia. Por outro lado, mais alguns analistas,
impulsionados pelos avanços tecnológicos, veem a pandemia com uma “aceleradora
de futuros”. Em outras palavras, como podemos constatar, cada analista
prospecta uma escola à imagem e semelhança de suas expectativas sobre o mundo.
À luz dos pressupostos do pós-capitalismo, que tem
inspirado minhas inquietações políticas e acadêmicas, não vou me eximir da
tarefa de ingressar neste debate. O trabalho educativo que faremos no contexto
pandêmico poderá nos conduzir na direção de uma renovação de nossas
expectativas sobre a escola, repensando-a em seus propósitos formativos. Como
sistematizou Jaume Carbonell, sobre a inovação educativa no século XXI, talvez
pudéssemos apostar em uma “pedagogia lenta, serena e sustentável”. Acreditar em
uma formação humana que preserva e potencializa os tempos para pensar, para
fazer e para compartilhar pode se constituir como uma questão incontornável
para um novo tempo. Mais uma vez recorrendo a Carbonell, em sua perspectiva, “a
escola não deve seguir o ritmo da sociedade nem depender de suas múltiplas
demandas”.
Escrevi em outro texto que, ao rediscutirmos os
propósitos educacionais, conseguiremos nos distanciar de duas disposições
pedagógicas – predominantes hodiernamente – que orientam os fazeres escolares,
quais sejam: a melancolia pedagógica e a compulsão modernizadora. Ora
defendemos a escola com uma atitude nostálgica e conservadora, ora apostamos em
reformas permanentes induzidas por variados dispositivos tecnológicos e
culturais. Utilizei essas figuras psicanalíticas – compulsão e melancolia – de
modo metafórico, sinalizando minha intenção em reequilibrar alguns aspectos
deste debate. Ou seja, é desejável planejar a inovação educativa, desde que tal
mudança esteja assentada em uma governança escolar democrática (COLLET; TORTI,
2016).
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Nas últimas semanas, reencontrei-me com Richard
Sennett, um sociólogo que muito influenciou minha trajetória intelectual e
profissional (SILVA, 2015; SILVA, 2019). Em sua última obra – “Construir e
habitar: ética para uma cidade aberta” – encontrei na “ética do fazer modesto”
um ponto de partida para rediscutir o trabalho educativo em um contexto
pós-capitalista. Mais que isso, a ética do fazer modesto permitiu-me
reenquadrar minhas reflexões sobre o futuro da escolarização, conforme
explicarei a seguir.
Referindo-se às cidades e ao planejamento urbano,
Sennett tratou de caracterizar qualidades importantes para nossos modos de
habitar estes espaços na atualidade, lançando mão de três adjetivos para
descrever as cidades: tortas, abertas e modestas. Torta:
o urbanista deveria considerar a diversidade que caracteriza as cidades
atualmente e privilegiar esta dimensão em sua atividade, reconhecendo que os
ambientes construídos podem ajustar-se às características de seus habitantes. Aberta: as cidades podem ser abertas à inovação e à
experimentação, favorecendo atitudes de tolerância, hospitalidade e
diversificação de experiências. Modesta: longe de buscar uma reconstrução total, cidades
modestas apostam em pequenas reformas, alterações negociadas com os moradores
ou na valorização dos saberes e das vivências locais. A construção de cidades
no século XXI encaminha-se em outra direção; porém, junto ao sociólogo, parece
necessário preservar estas três características no fazer dos urbanistas.
Penso que estas três adjetivações – torta, aberta e
modesta – serviriam também para pensar sobre a escola do século XXI, esta que
será desenhada no contexto posterior à pandemia. Afastando-se do controle e da
ordem, típicos do urbanismo (e da pedagogia), Sennett defende uma “ética do
fazer modesto” como alternativa para o planejamento urbano. Inspirar-se na
convivência, promover modelos de inovação negociados, incentivar atitudes de
abertura com o mundo e de ampliação da experiência com o ambiente, valorizar os
conhecimentos relevantes e colocá-los em aproximação com os cotidianos e
fomentar relações democráticas são princípios pedagógicos que poderiam ser
derivados da proposta sennettiana. Em outras palavras, poderíamos defender que
escola deste século não desconsidere suas conquistas e, ao mesmo tempo, não
abdique da tarefa histórica da mudança. Eis um desafio a ser modestamente
enfrentado!
Referências:
CARBONELL, Jaume. Pedagogias do século XXI: bases para a inovação educativa. 3a ed.
Porto Alegre: Penso: 2016.
COLLET, Jordi; TORT, Antoni (Orgs.). La gobernanza escolar democrática. Madrid: Morata, 2016.
SENNETT, Richard. Construir e habitar: ética para uma cidade aberta. Rio de Janeiro:
Record, 2018.
SILVA, Roberto Rafael Dias da. Sennett & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
SILVA, Roberto Rafael Dias da. Customização curricular no
Ensino Médio: elementos para uma crítica
pedagógica. São Paulo: Cortez, 2019.
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