domingo, 6 de outubro de 2019

O boi, a causa da desigualdade entre os homens.

Pesquisas apontam novo "divisor de águas" da história da Riqueza humana: os bois
Gazeta do Povo6 de outubro de 2019 09:46


A palavra “desigualdade” traz à mente todo tipo de tentações da riqueza e luxo modernos: mansões, iates, jatos particulares e ilhas paradisíacas. Mas as raízes dessa desigualdade têm um fundamento bem menos glamuroso, segundo um novo estudo publicado na revista Antiquity por pesquisadores das Universidades de Oxford, Bocconi e Santa Fe Institute.
De acordo com a pesquisa, os bois de carga teriam sido os principais impulsionadores da concentração de renda nos primórdios da desigualdade. Os autores do estudo examinaram registros arqueológicos deixados por 150 sociedades antigas de ambos os lados do Atlântico. As descobertas se baseiam, em parte, nos novos métodos para medir a desigualdade em diferentes pontos do desenvolvimento das sociedades humanas.
A narrativa tradicional sustentava que o desenvolvimento da agricultura, que permitiu às pessoas estocar grandes quantidades de grãos e outros alimentos, foi a força motriz da divisão quase global das pessoas entre as que têm e as que não têm. Mas os pesquisadores constataram que a desigualdade só ganhou contornos nítidos milhares de anos depois do estabelecimento da agricultura. O ponto de ignição, argumentam, foi justamente quando os bois de carga se tornaram populares, por volta de 4.000 a.C.
As juntas de arado revolucionaram a agricultura ao dar escala ao trabalho humano. Antes, os agricultores tinham que revirar o solo com as mãos, enxadas e outros instrumentos simples. Mas um boi amarrado ao arado tornou possível realizar o mesmo trabalho em apenas uma fração do tempo consumido anteriormente.
A autora do estudo pela Universidade de Oxford, Amy Bogaard, estima que antes da chegada das cangas de bois, uma família típica da antiguidade conseguia administrar um sítio de cerca de um hectare, pouco mais do que um campo de futebol. Com o apoio dos bovinos para o trabalho pesado, essa produtividade foi multiplicada “por 2,5 vezes ou até 10 vezes”, dependendo de fatores como a condição da terra e dos animais.
Os bois foram, em outras palavras, uma das primeiras formas de capital – um ativo que poderia gerar valor econômico para seus proprietários. Os autores do estudo comparam aqueles animais aos robôs usados hoje nas fábricas: "uma tecnologia que economiza trabalho e levou à dissociação entre riqueza e mão-de-obra - dissociação fundamental para o estágio da desigualdade moderna da riqueza".
Quanto mais bois você tivesse, mais terras você poderia cultivar - e quanto mais terras você cultivasse, mais bois poderia comprar, na versão neolítica de uma equação bem conhecida do capitalismo.

A força capitalista dos bois

Uma das evidências “fumegantes” em favor da hipótese da força capitalista dos bois está na diferença de desigualdade entre sociedades antigas da Europa e Eurásia, onde os bois eram difundidos, e aquelas do outro lado do Atlântico, nas Américas, onde os animais não foram introduzidos até a época de Cristóvão Colombo. Essas sociedades pré-colombianas não possuíam animais de carga equivalentes capazes de lidar com trabalhos agrícolas pesados, e o novo estudo constatou que a desigualdade nessas sociedades era tipicamente menor do que no Velho Mundo.
Para possibilitar tais comparações, os autores analisaram quatro tipos de riqueza familiar que são visíveis no registro arqueológico: terra, espaço de armazenamento doméstico, espaço de moradia e bens enterrados nos túmulos do falecido. Trata-se de um registro necessariamente quebrado e incompleto: certas mercadorias se deterioraram ao longo do tempo, foram destruídas ou roubadas. Alguns indivíduos, como líderes tribais ricos ou padres, eram mais propensos a deixar uma pegada arqueológica do que um trabalhador comum que morresse sem um tostão.
Grande parte do foco da pesquisa estava em corrigir, na medida do possível, os vieses divergentes inerentes a esses registros. Isso foi feito examinando aspectos presentes em alguns dos locais e registros mais completos de habitação, bem como em alguns espaços modernos, como Florença do século 15 e partes da Alemanha do século 17.
O resultado final não é perfeito - os espaços em branco no registro histórico nunca podem ser realmente preenchidos - mas os autores escrevem que suas estimativas são compatíveis com achados anteriores, usando uma metodologia diferente, publicada em 2017 na revista Nature.
"Havendo oportunidades para monopolizar terras ou outros ativos importantes em um sistema de produção, as pessoas irão fazê-lo", disse Bogaard em comunicado. "E se não houver mecanismos institucionais ou outros mecanismos redistributivos, a desigualdade é sempre onde vamos acabar".

Brasil em transe religioso

Quando você condena a religião do outro, você deixa de praticar a sua
Revista Pazes5 de outubro de 2019 23:04


Atire a primeira pedra quem nunca criticou a religião alheia e colocou a sua crença como a única verdade… absoluta! Mas quando você condena a religião do outro, você deixa de praticar a sua! Mesmo quando vivemos uma vida pautada no respeito às diferenças e a tolerância, ainda assim, inconscientemente, acabamos julgando o posicionamento do outro quando o assunto é religião.
INFELIZMENTE MUITAS GUERRAS ACONTECERAM, AINDA ACONTECEM E ACONTECERÃO POR CONTA DAS DIVERGÊNCIAS RELIGIOSAS.
O amor ensinado por Cristo e por tantos líderes espirituais acabou sendo transformado em ódio por alguns fanáticos religiosos que defendem a intolerância crescente no ser humano. As religiões surgiram com o intuito de religar o ser humano com a sua essência divina. Mas o homem, envolto em suas certezas irracionais, acabou transformando, o que era inicialmente, uma obra de amor ao próximo, em algo que destrói, separa, e em muitos casos até mata.
Sem condenar as religiões em si, mas sim, aqueles que pregam o ódio a outros modos de enxergar a vida, e o pós morte, poderemos algum dia, desvincular o conceito de um Deus, criador, a figura de um inquisidor que impõe as suas verdades.
SOMOS DIVERSOS E PERFEITOS EM NOSSAS DIFERENÇAS.
Um Deus justo jamais deixaria seus filhos criarem tantos deuses diferentes se ele não quisesse, de alguma forma, nos ensinar algo com isso. E com certeza, ele não aprovaria uma guerra em seu nome. Mas para mim isso está muito claro! Para você está Convenhamos, Deus é amor. Jesus pregou a caridade, a compaixão e o perdão, além de inúmeras outras coisas positivas.
Em nenhuma página de nenhum livro pode-se encontrar algo que remeta a Jesus algum ato de violência ou crueldade com qualquer forma de vida que cruzou o seu caminho. Nem mesmo as religiões que não seguem literalmente os ensinamentos de Cristo, conseguem ficar totalmente desconectados dos seus ensinamentos.
Gandhi disse certa vez que acreditava no Cristo dos Evangelhos, mas não no Cristo dos cristãos. Segundo ele, os “cristãos” do seu tempo distorciam a mensagem de Jesus através de suas atitudes e preconceitos. E perguntou: Como alguém que ama a Deus e ao próximo poderia aceitar que seres humanos fossem divididos em castas e tratados sem qualquer dignidade?
E eu lanço a mesma pergunta a vocês: Como alguém que prega a palavra de Jesus ou de qualquer outro que diz ser uma figura representativa das palavras de Deus, pode, em sã consciência e com o coração voltado ao amor, julgar e condenar outro ser humano por conta das suas crenças e de sua fé?
Cada religião nessa Terra, existe por um motivo, como também existem pessoas das mais diversas culturas e níveis evolutivos.
CADA RELIGIÃO CAI PERFEITAMENTE, COMO UMA LUVA, PARA CADA TIPO DE PESSOA QUE A ACOLHE.
Porque cada um de nós possuímos saberes e culturas diferentes, estamos inseridos em contextos educacionais diversos, e sofremos traumas ou aprendemos a ver a vida de maneiras completamente distintas. A única coisa que nos une é o amor, e esse amor, muitas vezes é esquecido pelos fiéis de várias religiões.
A cada ser humano que já experimentou o privilegio de amar verdadeiramente, recebeu de presente a possibilidade de se desvencilhar de qualquer amargura que o acomete. Experimente amar todas as espécies e todas as criações sabendo que cada acontecimento que Deus permite é, na verdade, uma lição que ele endereça a nós, de maneira singela e amorosa.
Se você condena a religião que não é a que você segue, como sendo coisa do “cccc” ou demoniza aquele que a cultua, você automaticamente se desvia do caminho do amor, para adentrar ao labirinto obscuro do julgamento seguido de condenação, e pior, estará condenando sem o consentimento e o aval daquEle que você julga conhecer melhor do que ninguém. Pensemos…

Conflito em aceitação homem/mulher é transferência...

O procurador-geral da República Augusto Aras

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Trabalhadores não trabalhadores

Didático: Uma foto que mostra o que é a "uberização" do trabalho
Luiz Muller4 de outubro de 2019 14:26


Tá achando que motorista do Uber é “empresário” ou o guri de bicicleta leva comida nas costas é “empreendedor”? A foto mostra o que significa o uso das tecnologias para aumentar a exploração sobre o povo.
Fotografia urbana de Buenos Aires, sob o governo neoliberal de Mauricio Macri. Desemprego de 20% da mão de obra ativa, PIB minguante. Sub-ocupação, miséria disseminada e horizontal.
Ou alguém acha mesmo que esta mulher, cuja foto captei facebook do amigo Cristovão Feil é “empreendora”? Segue o comentário dele:
O caos e para além do caos.
Na foto, um instantâneo que flagra a uberização do trabalho, ou seja, a incessante busca do capital por incentivar (via novas tecnologias) que a mais-valia relativa passe a se constituir em mais-valia absoluta, também conhecido como aumento da produtividade do trabalho assalariado.
Para tanto, é necessário derrubar direitos e conquistas dos próprios assalariados.
A moça da fotografia, mãe e trabalhadora, hoje é chamada cinicamente de “empreendedora”, alguém que se vira como pode, sem direito a nenhuma garantia social ou previdenciária, e tendo que andar com o filho na forma precaríssima de seu instrumento de trabalho.
A barbárie já habita o nosso meio.
O extremo da exploração esta aí. O Estado “mínimo” neo liberal não oferece nem creche e nem escolas infantis. E com as novas tecnologias, o neo liberalismo resolveu apostar na desregulamentação do mundo do trabalho, jogando os trabalhadores a disputarem entre si enquanto os donos do Capital Financeiro e das tecnologias investem na exploração absoluta, jamais vista desde a origem do capitalismo.
A mulher tendo que trabalhar num trabalho precário, sem direito nenhum e tendo que carregar sua criança, por que nem isto mais se lhe oferece o Estado. Enquanto isto aumenta o lucro dos Bancos e de empresas sem nenhum grande “ativo”(bens físicos com valor).
É a escravidão moderna…e consentida, por que ideologicamente estas pessoas exploradas não se identificam como trabalhadoras, mas como supostas “empresarias”, que dependendo do seu próprio esforço, poderiam chegar a ser “milionárias”. Como?
Esta gurizada que anda de bicicleta nas ruas, pedalando 15 horas por dia pra ganhar pouco mais de R$ 1.000,00 em média, como mostram pesquisas, detonam suas cartilagens e corpos, expostos a esforços físicos a céu aberto, sob sol ou chuva. E nenhum direito. Enquanto isto os donos dos aplicativos para os quais trabalham, saltam do padrão de “milionários” para “bilionários”.
A foto publicada pelo Cristóvão é simbólica. A TRABALHADORA super explorada, sozinha, sem consciência de Classe e sem Classe a lhe oferecer consciência. Hora de reorganizar a Classe trabalhadora, que já não é mais a antiga Classe de trabalhadores industriais, mas a de trabalhadores prestadores de serviço e trabalhadores no comércio e até a volta da produção artesanal, mas amplamente dependente de aplicativos e das redes.
Hora de mostrar aos que vivem do trabalho, que é possível e necessário a organização coletiva do próprio trabalho que executam , para que possam avançar.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

As Memórias de Janot

 As memórias de Janot acabam por mostrar que a elite governante do Brasil é composta por pessoas que, ao longo das últimas décadas, se transformaram em semirrobôs da engrenagem estatal, em tecnocratas positivistas da pior espécie, em escravos de uma vida vazia como só o Estado, com suas tentadoras e diabólicas promessas de segurança financeira e estabilidade, é capaz de oferecer.



A Vida é curta demais para ler o livro do Janot. Por isso eu li para você
Gazeta do Povo3 de outubro de 2019 15:46




O ex-procurador geral da República, com algum estardalhaço desajeitado e um imbróglio jurídico involuntário, está lançando Nada menos que tudo, seu livro de memórias, coescrito pelos jornalistas Jaílton de Carvalho e Guilherme Evelin. O livro despertou o interesse dos poucos brasileiros que ainda se dispõem a ler qualquer coisa por dois motivos. Primeiro porque Janot, em entrevista, deu vazão a seus sonhos homicidas em relação ao ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, episódio que, aliás, não consta no livro. Depois porque as memórias de Janot, ou melhor, do doutor Janot chegam às livrarias na esteira de outros livros de relativo sucesso, todos tratando da conturbada política brasileira das últimas duas décadas.
O que move alguém a entrar na livraria, gastar algum dinheiro, voltar para casa e dedicar parte do escasso tempo ocioso da vida contemporânea a ler as memórias de um ex-procurador da República é algo que está além da minha compreensão. Diz o bom-senso que a vida é curta demais para esse tipo de leitura – e o bom-senso é bom por algum motivo. A leitura de um relato como o de Nada menos que tudo só seria justificável se Janot fosse dotado de um extraordinário talento literário ou se suas memórias revelassem escândalos capazes de fazer ruir a civilização ocidental. O que, evidentemente, não é o caso.
Foi por zelo profissional, pois, que li o livro que tem a ambição de entrar para os anais da historiografia contemporânea brasileira, mas que parece mais destinado mesmo ao anedotário. No meio jurídico, Janot se tornou alvo de discussões entremeadas por risos por causa do já mencionado caso da imaginação homicida do autor – punida orwellianamente com uma humilhante operação de busca e apreensão, ordem restritiva e ameaça de censura e até prisão. E também no mercado editorial, uma vez que o golpe publicitário dos pensamentos assassinos de Janot se transformou no mais cômico exemplo de golpe publicitário fracassado que se tem notícia desde o sumiço daquele menino no Acre. Para piorar, se Janot criou uma narrativa na qual engatilhava uma arma contra um ministro não exatamente querido do STF para criar empatia com os leitores e possíveis compradores do livro, o tiro delirante saiu pela culatra, porque Nada menos que tudo vazou na Internet, comprometendo os royalties destinados ao autor.
Li a jornada narcísica de Janot também porque seres humanos me interessam e um livro de memórias representa sempre uma oportunidade de conhecermos melhor um ser humano que, cotidianamente presente na TV, rádio e Internet, tende a se tornar um indivíduo monodimensional, muitas vezes reduzido à caricatura. É para isso, aliás, que servem os livros de memórias, os bons e também os péssimos: para revelar a pessoa real por trás do personagem, para enfatizar o lado comum, prosaico, inegavelmente humano dos episódios grandiosos, para nos aproximar do Olimpo e nos fazer perceber que os deuses ou semideuses, no dia a dia, sofrem percalços muito parecidos com os nossos.
Uma pena que Nada menos que tudo fracassasse miseravelmente em substituir o personagem da crônica político-jurídica por um homem de verdade. Não sei se por acaso ou se por total falta de talento do narrador e seus assistentes, a verdade é que as memórias de Janot acabam por mostrar que a elite governante do Brasil é composta por pessoas que, ao longo das últimas décadas, se transformaram em semirrobôs da engrenagem estatal, em tecnocratas positivistas da pior espécie, em escravos de uma vida vazia como só o Estado, com suas tentadoras e diabólicas promessas de segurança financeira e estabilidade, é capaz de oferecer.

Um servo do Estado, para o Estado, pelo Estado

No caso de Rodrigo Janot, a escravidão se completa com a ambição de entrar para a história oficial como um herói, um servo altivo e honrado do Estado, destinado a, quem sabe, figurar um dia num dicionário ilustrado ao lado do verbete “cidadania”.
Prova disso é a ausência quase total de referências à infância e juventude do autor. Aliás, para descobrir que Rodrigo Janot é também Monteiro de Barros e que nasceu em Belo Horizonte, tive de recorrer à Wikipedia. Meia hora mais tarde e vasculhando a Internet, não é possível encontrar muito mais do que isso. Como um daqueles personagens sem passado dos velhos filmes de espionagem, Janot parece ter surgido no mundo quando foi nomeado procurador-geral pela ex-presidente Dilma Rousseff. É como se ele saísse de um ventre materno tardio já de terno e gravata para assumir o cargo que lhe causaria tantos aborrecimentos.
O primeiro capítulo do livro, portanto, é dedicado a essa gestação do homem público. Janot conta que “de repente, meu celular tocou”. E a frase salta aos olhos pela ênfase no “de repente”, como se o Criador estalasse os dedos e se fizesse a luz. Era o vice-presidente Michel Temer bancando o M das histórias de James Bond e dizendo para o “cidadão comum” Janot que em breve ele teria uma missão: torna-se procurador-geral da República – com licença não para matar, como o famoso espião, mas para pedir, num futuro próximo, a prisão do próprio Michel Temer.
Daí, no único trecho do livro que, com um pouco de generosidade, se pode chamar de “humano”, Janot volta no tempo para se autoelogiar como o homem probo que, apesar do passado de tímida militância esquerdista, típico de uma geração que entrou para o funcionalismo público depois de chegar “à conclusão de que a melhor maneira seria combater o regime por dentro do Estado” e tomou posse no Ministério Público “cheio de expectativas de que ajudaria a mudar o Brasil”, pediu que um ídolo político, o ex-deputado José Genoíno, fosse preso.
E aqui o livro já começa a ganhar cor: o melancólico cinza de um homem que em muitas vezes lembra o triste amanuense Belmiro de Cyro dos Anjos (livro que li numa juventude remota e que só sobrevive em mim como impressão), nascido para ser não alma, e sim RJ, CPF e comprovante de endereço, tudo com autenticação cartorária. Um homem que sublima seus sentimentos em nome da retidão cívica, que dá a impressão de trocar facilmente a honestidade do livre-arbítrio pela honestidade do dever jurídico:
“Foi difícil, né, procurador? Dever de ofício, né?, ele [Fernando Pimentel, ex-governador de Minas Gerais e envolvido em casos de corrupção] comentou comigo.
“Foi sim, ministro, dever de ofício. Mas não dá para tergiversar em relação a isso”, respondi. Em seguida, completei com uma frase que viraria meu mantra: “A gente faz o que tem de fazer”.
Diálogo parecido acontecia meses mais tarde, consolidando o tecnocrata. Eis a conversa que Janot relata com Rogério Chequer, um dos líderes do movimento Vem Pra Rua:
“Vamos dar apoio, mas o senhor tem que investigar!” E sugeriu alvos predeterminados. Se não me falha a memória, ele chegou a dizer que tinha mais de 1 milhão de seguidores e que cobraria resultados. Eu respondi:
“Calma, rapaz, a coisa aqui é técnica”.

A jornada do herói embriagado

Se o herói Rodrigo Janot de Nada menos que tudo é gestado naquele telefonema “repentino” do então vice-presidente Michel Temer, ele nasce quando a ex-presidente Dilma Rousseff o nomeia procurador-geral. Com uma mistura de ingenuidade calculada e humor negro involuntário, Janot conta que, quando o então ministro da Justiça José Eduardo Cardozo lhe ligou chamando-o para uma reunião com a presidente que selaria sua nomeação ao cargo, ele estava etilicamente alterado.
Eu tinha de chegar ao Alvorada sem qualquer vestígio de bebida alcoólica. De imediato, Dantas [o advogado Antônio Carlos Ribeiro Dantas] propôs café com sal. Topei a sugestão e ingeri a mistura. Foi um estrago. Tive engulhos e corri para o banheiro. Vomitei o que bebera e algo mais. Para que eu me recuperasse, Dantas e minha mulher me socorreram com alguns copos de água.
Depois disso, Janot, seguindo o manual já cansado das narrativas heróicas criadas a partir das lições de Joseph Campbell, desce aos infernos. Ele visita uma série de presídios pelo país, em mais uma daquelas iniciativas estéreis do Conselho Nacional de Justiça para transformar os cárceres do país em algo que não uma “masmorra medieval”, como dita o velho clichê. É dos corredores escuros, úmidos e mal-cheirosos das piores penitenciárias do país que Janot emerge mais uma vez triunfante, destinado a cumprir um destino nobre, um Lancelot encarregado de sair pelo Reino munido de suas petições para acabar com a corrupção.
Sim, porque no capítulo 4, intitulado “Como tudo começou: todo poder a Curitiba!”, Rodrigo Janot se autoproclama pai da Lava Jato, vassalo do Estado, mas senhor da Procuradoria, incumbido, talvez por vontade divina, a criar a força-tarefa capitaneada por outro obediente servo do Estado, Deltan Dallagnol. Capitaneando essa nau de burocratas virtuosos, Janot, como um Sísifo exausto, reflete, depois de elaborada a famosa “lista do Janot”, sobre o papel da Lava-Jato da qual, vale repetir, ele se considera pai:
“Era como se a solução de nossos problemas políticos e sociais estivesse entrelaçada à lista”.

O estilo faz o homem

Rodrigo Janot, sempre mais personagem do que homem, se revela muito no estilo de suas memórias – por mais que ele tenha contado com a ajuda de dois ghost-writers. A começar pela linguagem chula e dos muitos pontos de exclamação que marcam os diálogos do livro.
“Nós temos que fazer, senão (sic) estamos fodidos. Se temos que fazer, vamos fazer! Ah, mas é presidente do Senado, é presidente da Câmara, foda-se. Se fosse o cara da esquina, não estaríamos descendo o cacete nele? Qual a diferença desse cara para o outro? Não, não, vamos fazer!”
Pior do que isso, porém, são os momentos em que o ex-procurador geral usa de um tom professoral para expressar a sapiência que acumulou em décadas de gabinetes, provavelmente lendo tomos e mais tomos de teoria do direito. “Um procurador medroso não procura (e não acha) nada”, escreve ele em certo momento, para logo em seguida concluir que “a covardia é, sim, um sinal de fraqueza”.
Não menos importante é o uso abundante de lugares-comuns. Ao longo de todo o livro, Janot “chora copiosamente”, segue “a letra fria da lei”, sofre “derrotas e vitórias acachapantes”, vai “de vento em popa”, tem “saúde de ferro”, para diante de “dúvidas que acenderam a luz amarela”, expõe “obviedades ululantes” e põe “os pingos nos is”. Recurso preguiçoso, os clichês demonstram também uma visão de mundo estreita, marcada por raciocínios fáceis que avançam apoiados em muletas idiomáticas.

A teatralidade da humilhação, do choro, dos gases e das autocertezas

O bom de ler memórias tão desinteressantes é que as páginas avançam e o leitor, desesperado por encontrar um episódio que o tire do semissono, começa a se ver interessado por longos parágrafos que, no fundo, não revelam nada. Em Nada menos que tudo, esses episódios se estendem por 250 páginas. Você vira a página e encontra lá o nome famoso (um Aécio, uma Gleisi), citado cotidianamente nas páginas de política e polícia dos jornais, e se engana, na esperança de encontrar algo que o faça saltar da poltrona – mas nada acontece.
Ao longo de intermináveis páginas que são um primor de vazio narrativo, Janot descreve, por exemplo, a humilhação a que o ex-senador e hoje deputado federal Aécio Neves se submeteu ao lhe pedir que não o investigasse. “My life is in your hands [minha vida está em suas mãos]”, teria escrito Aécio numa carta a Janot, carta esta que o ex-procurador diz ter guardado como documento histórico, mas que ele não faz nenhuma questão de mostrar ao leitor. “Talvez ao longo da história isso diga algo sobre o tamanho de alguns os nossos homens públicos”, reflete Janot, sem se dar conta de que ele está falando também de si.
Aí, quando as pálpebras estão pesando e ainda falta mais da metade do livro, o leitor se depara com um momento de humor involuntário. Ao descrever a segunda sabatina a que se submeteu no Senado, um rancoroso Janot se dedica a falar de um de seus maiores desafetos (entre tantos), o senador Fernando Collor, que se sentou na primeira fila para ficar xingando o já nervoso ex-procurador geral. Neste trecho, aliás, Janot faz questão de mostrar o quão importante ele é e quão nobres e difíceis são suas missões ao dizer que, diante da possibilidade de Collor repetir os feitos do pai e matá-lo, contratou um segurança dedicado a cravar os olhos no intempestivo senador e contê-lo num possível ataque. Até que:
Em meio àquele estranho duelo de olhares, um garçom se aproximou com um guardanapo e duas pílulas. Eu, sem entender nada do que estava acontecendo, simplesmente repeli a oferta. Logo depois reapareceu o mesmo garçom, dessa vez com um bilhete escrito à mão pela minha mulher. Minha filha, assistindo à sabatina pela TV, percebera que eu estava inquieto na cadeira e sugerira à minha esposa me passar pílulas contra gases.
Rodrigo Janot humilha um já combalido Aécio Neves, enfrenta os olhares furiosos de Collor, mas se derrete todo diante de Gleisi Hoffmann. Ao narrar um encontro que teve com a ex-senadora, que aparentemente foi buscar consolo para os problemas do ex-marido, Paulo Bernardo, um desavergonhado Janot mais uma vez mostra que seu senso de dever nada tem a ver com uma base moral sólida, e sim com a submissão ao Estado e à instituição que ele parece representar a contragosto.
Com a voz baixa e visivelmente abatida, a senadora começou dizendo reconhecer erros cometidos por Paulo Bernardo, mas argumentando que estavam colocando carga demais sobre o marido. No meio da conversa, ao relatar o sofrimento dela e dos filhos, ainda crianças, diante da prisão do pai, começou a chorar. Eu disse: “Senadora, eu sei o que é sofrimento em família, mas o que deve ser feito será feito”. Nesse momento, também vi que estava chorando.

Acerto de contas consigo mesmo

Não há, em Nada menos que tudo, espaço algum para a transcendência, a reflexão, o autoexame da alma, todas essas coisas que um leitor busca num livro de memórias. Para Rodrigo Janot, tudo é preto-no-branco. Nuances desaparecem completamente até mesmo quando o narrador conta episódios como o das gravações dos irmãos Batista, que quase provocaram a queda do ex-presidente Michel Temer e que rendeu aos empresários uma controversa imunidade penal.
Ao falar da delação dos executivos da Odebrecht, por exemplo, Janot mais uma vez se revela um ser reduzido a um cargo estatal, um narcisista destinado a livrar o país da corrupção, nem que para isso tenha que prejudicar a própria saúde. Ele conta que, durante as negociações com os executivos, descobriu dois carcinomas no rosto. “A descoberta de uma doença que pode ter consequências graves não deixa ninguém feliz, mas minha preocupação naquele momento era outra. Como tomar uma dose de Dormonid®, necessária para aquela cirurgia, sem colocar em risco o mais cobiçado segredo da República?”, conta, numa tentativa de transformar um vazio existencial e moral numa virtude.
Rodrigo Janot, por sinal, só dá sinais de ser algo além de um escravo do Estado quando bebe vinho (situação que se repete preocupantemente durante o livro) e, já no final, quando exalta os próprios dotes culinários. “A alegria pelas coisas simples é o que nos torna semideuses”, conclui ele, revelando, mais uma vez, como se vê e como pretende ser visto.
Isso porque Janot não está preocupado em deixar o livro com um legado. Ele está interessado apenas em prestar contas para si mesmo, exaltando seus feitos, justificando de forma quase infantil seus quase inexistentes erros e dizendo que aqueles que o criticaram só fizeram isso porque não foram capazes de entender sua lógica brilhante e honrada. Nada menos que tudo é isso: página após página, uma tentativa de legitimar as ações de um personagem secundário que se vê como protagonista, sem qualquer tipo de reflexão mais profunda.
Janot, contudo, se trai nas muitas entrelinhas do livro que, no mais, não passa de um gigantesco e cansativo ato falho. O leitor que se colocar no papel de psicanalista e ouvir com atenção a voz monótona do paciente, com seus pretensiosos pretéritos-mais-que-perfeitos, vai descobrir ali um ser com vocação para autômato positivista, um verdadeiro, inequívoco e assustador representante da tecnocracia brasileira.

Brasil Sabotado Continuamente

Com projeto soberano, o Brasil pode ser uma potência mundial
Luiz Muller3 de outubro de 2019 16:19


Por Felipe Quintas, Gustavo Galvão e Pedro Augusto Pinho
Publicado originalmente no Monitor Mercantil
O mundo do fim da história de Francis Fukuyama já passou. Antes se fora o mundo bipolar da guerra fria. O século XXI encontra o mundo com diversidades e novas alianças que tornam menos eficazes os Impérios. Estes, por seu turno, avançam em ameaças, bloqueios, represálias tentando manter um poder que se esvai.
Talvez nosso caro leitor não se dê conta da importância econômica e política de blocos como a União Africana (UA), que congrega 54 Estados-membros, ou da Organização para a Cooperação de Xangai (OCX), onde o presidente do país anfitrião (Cazaquistão), Nursultan Nazarbayev, cumprimentou os convidados, em 2005, com palavras surpreendentes para aquele contexto: “Os líderes dos Estados sentados a esta mesa de negociação são representantes de metade da humanidade”, e eram apenas dez países.
A imprensa, os governos das antigas potências do Atlântico Norte procuram disfarçar suas constantes derrotas políticas, militares, econômicas, sociais e culturais, que as forças emergentes de um novo mundo lhes infligem. Como na canção da cubana Maria Teresa Vera (1895-1965), Veinte Años, o Império euro-estadunidense sabe que “hoy represento el pasado, no me puedo conformar”.
EUA e Europa sabem que hoje representamo passado e não conseguem se conformar
O Brasil tem as condições de ser potência mundial. O que o impede de se efetivar é sua elite dirigente; escravocratas que se contentam com as comissões do servilismo primário-exportador e com o rebaixamento contínuo dos níveis de vida da população que governam.
Não são as fracas e inconsistentes esquerdas ou as corrupções, que são cometidas pelos que dominam o poder há dois séculos, que impedem o Poder Nacional Brasileiro. É a luta destas elites contra a industrialização de seu próprio país e contra a proteção social do seu próprio povo.
Num olhar para a História do Brasil, vê-se que até a Revolução de 1930 quase nada foi feito para incluir e instruir o povo brasileiro. Os ministérios da Educação e da Saúde Pública e o do Trabalho, Comércio e Indústria só passaram a existir com Getúlio Vargas.
Mas foi muito pior do que apenas a omissão. Foi o permanente combate à industrialização e ao Estado social, como a revolta paulista de 1932, os golpes de 1945, 1954, 1964 e 2016, todos com o objetivo impedir o desenvolvimento industrial e social brasileiro. Cabe perguntar a razão desta atitude: um tiro no pé de brasileiros contra brasileiros, ou melhor, de “brazileiros” contra brasileiros.
Tentemos compreender esta elite do atraso, como a denomina o sociólogo Jessé Souza, na descrição que dela fez em seu livro A Elite do Atraso – Da Escravidão à Lava Jato (Casa da Palavra/Leya, RJ, 2017):
“Ideias do Estado e da política corrupta servem para que se repasse empresas estatais e nossas riquezas do subsolo a baixo custo para nacionais e estrangeiros que se apropriam privadamente da riqueza que deveria ser de todos. Essa é a corrupção real.”
E adiante: “O imbecil perfeito é criado quando o cidadão espoliado passa a apoiar a venda subfaturada desses recursos a agentes privados imaginando que assim evita a corrupção estatal. Como se a maior corrupção não fosse precisamente permitir que uma meia dúzia de super-ricos ponha no bolso a riqueza de todos, deixando o resto na miséria. Essa foi a história da Vale.”
Não é a esquerda ou as corrupções, é a lutadas elites contra seu próprio país e seu povo
Constrói-se, com a pedagogia colonial e a ausência de uma estrutura de comunicação de massa não comercial, aberta e nacional, um paradoxo: a capacidade do brasileiro de vencer desafios, como a construção dos melhores aviões de médio porte, a produção de petróleo em águas ultraprofundas, o ineditismo em soluções para energia nuclear e muitas outras conquistas científicas e tecnológicas, que receberam prêmios, troféus e considerações internacionais, foi obnubilada, desconsiderada diante do suposto “jeitinho” brasileiro e do tão difundido “complexo de vira-lata”.
Estas elites, cujos olhos estão invejosamente postos no exterior, reprimem a emancipação da população brasileira; quer vê-la submissa, escrava, para não saber que esta elite tem os pés de barro, vive da corrupção e dos negócios sujos, indecentes, legalizados por congressos e judiciários igualmente venais.
A industrialização exigiria a demonstração deste conhecimento, a formação de capacitação, a emancipação e o orgulho de ser o mestiço brasileiro, o afrodescendente, este povo tolerante, sem ódio e hospitaleiro. E formaria o mercado onde seria o usuário destas exportações aviltadas pelo câmbio imposto pelo comprador. Através da industrialização, o Brasil estaria sentado à mesa das decisões mundiais, pela riqueza humana, que esta elite não é capaz de mostrar, a não se por mínimas exceções.
A 11 de novembro de 1940, no Rio de Janeiro, assim se expressou, num ágape, o maior presidente do Brasil, Getúlio Vargas (A Nova Política do Brasil, vol. VIII, José Olympio Editora, RJ, 1941):
“Numa sociedade onde os interesses individuais prevalecem sobre os interesses coletivos, a luta de classe pode surgir com o caráter de uma reação de consequências funestas. Por isso, as leis sociais, para serem boas e adaptáveis, devem exprimir o equilíbrio dos interesses da coletividade, eliminando os antagonismos, ajustando os fatores econômicos, transformando, enfim, o trabalho em denominador comum de todas as atividades úteis. O trabalho é, assim, o primeiro dever social. Tanto o operário como o industrial, o patrão como o empregado, realmente voltados às suas tarefas, não se diferenciam perante a Nação no esforço construtivo: são todos trabalhadores. Diante deles e contra eles só há uma classe em antagonismo permanente, cuja nocividade é preciso combater e reduzir ao mínimo: a dos homens que não contribuem para o engrandecimento do país, a dos ociosos, a dos parasitas”, os vendilhões da pátria e os escravocratas, estes capitães-do-mato de pele branca. Aqueles que se humilham diante dos estrangeiros que lhes retribui com as esmolas pela espoliação, pelo esbulho do Brasil.
E o Brasil dessa elite não tem lugar nos foros internacionais, onde sofrem com o mesmo desrespeito com que tratam os seus naturais. Para facilidade de compreensão da ignara elite, vamos dividir a presente situação mundial em dois blocos: o da produção e o da esterilidade.
Pertencem ao bloco da esterilidade todos os governos e sistemas de poder que se curvam ao neoliberalismo. Que consideram o capital financeiro mais importante do que o ser humano, que tiram dinheiro da saúde, da educação, da aposentadoria dos mais frágeis para engordar, com juros imorais e operações financeiras ou jogatinas aéticas, a riqueza dos bancos. Que, em comportamento que poderíamos nominar de psicopata, apenas veem o lucro, a eliminação da concorrência, a concentração de renda como objetivo de vida, sem atentar para qualquer valor moral.
A capacidade do brasileiro de vencer desafios foi obnubilada diante do suposto ‘jeitinho’
Os neoliberais são na efetividade os grandes corruptores e também os corruptos, que tanto assombram a classe média invejosa de seus triunfos amorais; e que apenas não são ilícitos pela compra dos legislativos e dos judiciários, como Jessé Souza descreveu em A classe média no espelho (Estação Brasil, RJ, 2018).
No outro polo estão países e ideologias do desenvolvimento humano, da produção, da industrialização e do conhecimento. Se, na esterilidade do capital financeiro, basta ter dinheiro para ganhar dinheiro, no sistema produtivo o saber é valorizado, do operário qualificado, do tecnólogo criativo, do cientista dedicado. E há espaço e necessidade do trabalho, do trabalhador que vai acionar todo sistema como consumidor e contribuinte. É o sistema do capital industrial que gera renda, lucro, salário e imposto, satisfazendo o próprio capital, o trabalho e o Estado Nacional.
Só faltaria nacionalismo, ou seja, visão coletiva baseada no sentimento de pertencimento a uma nação, para o Brasil ser – pelo território e suas riquezas naturais, pela população e sua capacidade – um grande país e, assim, sentar-se como referência à mesa dos organismos internacionais da produção e a eles se alinhar. Pela ação de traidores da Pátria, que alienam o saber e o patrimônio nacional para o capital estéril, ficamos paralisados como uma vaca leiteira que vê roubada sua abundante riqueza enquanto seus filhos têm fome.
No número 4, volume XXVI, o Solidariedade Ibero-Americana (1ª quinzena de agosto de 2019) apresenta a seguinte chamada na capa: “Enquanto a Iniciativa Cinturão e Rota, encabeçada pela China com a cooperação da Rússia, se consolida como uma nova proposta para o relacionamento entre as nações, os EUA e o Reino Unido se obstinam em criar focos de desestabilização”. Poder-se-ia incluir Israel neste conjunto belicoso, pois estes países do capital estéril já declararam guerra contra o capital produtivo e a própria humanidade com seu projeto e ações neomalthusianas.
Ao fim, como assinala Jessé Souza, existe uma necessidade interna, imaterial, especificamente humana que tem a ver com “o desafio de construir uma vida virtuosa e feliz”. Urge uma profunda mudança política e institucional para que o Brasil seja devolvido aos brasileiros e que nossos imensos recursos possam ser aproveitados internamente para que uma vida assim seja possível a todos.
Felipe Quintas
Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense.
Gustavo Galvão
Doutor em economia e autor de As 21 lições das Finanças Funcionais e da Teoria do Dinheiro Moderno (MMT).
Pedro Augusto Pinho
Administrador aposentado.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A justiça se entrega à política e à corrupção brasileira

O golpe em crise capital. A herança maldita do MPF para o STF, por Armando Coelho Neto
GGN30 de setembro de 2019 08:40


O golpe em crise capital. A herança maldita do MPF para o STF

por Armando Rodrigues Coelho Neto

Golpe é golpe, seja com tanque ou caneta, como diz o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. Pouco importa que o político Romero Jucá o trate apenas por “grande acordo nacional” com Supremo, com tudo. Se “tudo” inclui as covardes Forças Armadas – que nem nacionalistas são (exceções silentes?). Golpe é golpe, ainda que calhordas o tratem pela lógica elementar do “juridiquês”, e dê o nome oficial de impeachment. Dilma caiu porque houve votos, Lula é condenado porque tem sentença, Bozo é presidente porque teve votos. Tudo com fraude!
O golpe está em crise existencial porque ator pornô não iria combinar mesmo com o azul e rosa da ministra que já viu Jesus na goiabeira. O mesmo Jesus que pode não ter deixado Janot matar Gilmar Mendes, mas não impediu que procuradores da República tripudiassem da morte da mulher e do neto do Presidente Lula. Escapou aos olhos de Jesus a queda do avião de Teori Zavascki e as falcatruas do Marreco de Maringá – o qual levou Lula sem provas para a cadeia, desempregou milhões de brasileiros, carrega nas costas cadáveres até de um reitor que foi impedido de entrar numa universidade…
Não, leitor. Não se sinta agredido em sua fé. Posso concluir que Jesus nada tenha a ver com isso, que tudo é consequência do naufrágio do capitalismo mundial, que sem resposta às questões sociais, promove golpes.
Não sei quem nasceu primeiro, se a ganância ou capitalismo. Talvez isso seja apenas variação sobre o mesmo tema. O capitalismo em sentido absoluto vive da ganância, da estimulação ao consumo ainda que por vezes desnecessário, e que muitos adoeçam, se pervertam, se marginalizem impedidos de consumir. Ainda que, se para ser é preciso ter, muitos se lancem à aventura do ter, mesmo que fora da lei: seja na rua escura, na bolsa de valores ou sonegando impostos.
Mas, se o capitalismo é o sistema que prosperou no mundo, mesmo que para poucos, é dele que, paradoxalmente se espera resposta. Quem cria a crise não tem solução para ela?
Golpe é pró ou contra o capital. Como o capital não pode ser responsabilizado, é preciso criminalizar a ameaça ao capital mundo afora. O capital tem medo de voto. Recorre a ele para alternar o poder entre seus detentores. Faz concessão fora dos seus quadros para quem tem votos, mas com prazo de validade. No Brasil, é como se o prazo concedido a Lula tivesse perdido a validade.
O capital traz a raiz da corrupção e, portanto, não é ela que incomoda o capital. A corrupção é boa quando lubrifica economias, no dizer pretensamente crítico da OCDE. Às vezes, corrupção e capital precisam ser limpinhos e cheirosos, mesmo só de aparência, como na Suíça que guarda grande parte do dinheiro roubado no mundo, inclusive de boa parte da elite brasileira. A corrupção só é ruim quando configura ameaça a própria corrupção capital. É isso que está em jogo.
Corrupção e moralidade, no Brasil, são desculpas esfarrapadas. Lula é conflito capital: por ter votos, precisa ter sua imagem destruída, ser preso se necessário, como o foi, para dar suporte à fraude eleitoral de 2018. Eis a razão pela qual Lula está preso.
A crise do capital está exposta no mundo. Como não se pode discutir os males do capital, é preciso culpados, apelar para saudosismo e valores sociais ultrapassados. Deus não protege o capital ou distribui riquezas quando mulheres violam a bíblia, homossexuais subvertem famílias, inferiores desafiam a autoridade. Fantasias e realidade misturam alhos e bugalhos, criminalidade, desemprego. O importante é discutir cocô dia sim dia não, jovens que não sabem lavar o pênis, se conge é com gê ou com jota.
A crise existencial do golpe está na Suprema Corte, cujo conflito sempre foi tentar manter as aparências do próprio golpe. Para ela, ter votos de parlamentar, ter sentença (mesmo viciada), ter voto popular (fraudado), ter um “presidente” ajudou a manter aparências.
Mais que isso, o STF se deu por satisfeito ao votar conforme a opinião pública, formada pelo Marreco de Maringá e seus asseclas, em conluio com a mídia. A Corte aceitou os demônios fabricados por salvadores da Pátria messiânicos, mesmo que encarnados em fedelhos da Farsa Jato. Não faltaram cabelos brancos, como disse um certo Aras. O que faltou foi vergonha, dignidade, patriotismo, empatia social, compromisso com uma sociedade democrática e justa.
Fato: o Ministério Público Federal se converteu num covil de criminosos (exceções à parte). Depois de fraudar processo, sonegar direitos de Lula, finge zelo e imparcialidade ao “interceder” em favor deste.
O mesmo MPF que matou biografias, hoje assaca ministros do STF, cujo desafio é votar conforme a Constituição ou preservar aparências, ratificando patifarias. Verdade na rua, o Marreco de Maringá desmoralizado mundo afora, já não dá pra fingir legalidade, criar gambiarras jurídicas para manter Lula preso. Vai aplicar a lei ou escrever novo capítulo no Direito Penal do Lula, sobre o qual descrevi neste GGN? [aqui]
Escancarada a crise do golpe e da cultura capital, a Corte Suprema tem também o desafio de se libertar da presunção de que a política é corrupta, algo tão real quanto a presunção de que o STF sempre foi um grande balcão de negócios. Pode, porém, presumir ser correta nem uma coisa nem outra. A Constituição não prevê presunção de culpa e sim de inocência. Políticos e juízes têm histórias, biografias e nomes a zelar.
Soa estúpido que o STF, em detrimento da presunção de inocência e falta de provas, movido pela presunção de culpa aceite que Lula, o “chefe da maior quadrilha do país”, tenha se vendido por pedalinhos, um apartamento numa praia brega que “só olhou”, uma reforminha num sítio. Tudo muito aquém do patrimônio de qualquer magistrado daquela Corte.
O Ministério Público caiu na lama e puxa o STF. Deixou uma herança maldita para a Corte: má-fé, conivência, promiscuidade, alinhamento absoluto ao fascismo e a selvageria capital em detrimento da miséria do povo brasileiro. A Corte precisa se desvencilhar não só dessa herança, mas também da pressão popular fabricada pela Farsa Jato e dos conselhos de um general quase moribundo. Precisa, sobretudo, optar pela lei e pelo justo. É o que se espera.
Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo.
e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

domingo, 29 de setembro de 2019

HERMENÊUTICA JURÍDICA - ppt carregar

HERMENÊUTICA JURÍDICA - ppt carregar: HERMENÊUTICA JURÍDICA VALORES: estender o sentido da norma às novas relações. REGRAS SOCIAIS: conferir a aplicabilidade da norma jurídica. COMPREENSÃO: dar o alcance do preceito normativo que corresponda às respectivas necessidades.. PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E RE-CONSTRUÇÃO: garantir a intersubjetividade.

Lava Jato a serviço de que grupo?

A "caixa-preta" da Lava-jato
Esquerda Online28 de setembro de 2019 16:02


O Poder Judiciário possui sua estrutura regular, com seus juízes, servidores, instâncias, enfim, um intrincado padrão de funcionamento e presença político-judicial na sociedade, enquanto um dos poderes também políticos do Estado. A Lava-jato, que é sem dúvida a grande novidade do judiciário e da vida política brasileira, faz parte de uma outra categoria de órgãos, pelo que foge ao padrão do judiciário convencional e atua, na prática, como uma especialíssima “agencia judicial” de inquéritos, sentenças, prisões e propaganda, excepcionalmente montada no âmbito do judiciário federal, Ministério Público Federal e Polícia Federal, na forma de um aparato político-judicial integrado por magistrados, órgãos judiciais de todas as instancias (ou “alas” destas), policiais federais, com sede em Curitiba, que reinterpretando a Constituição Federal, códigos processuais e regimentos de tribunais, bem como dotada de substancial apoio material para agir, investiga, prende e julga segundo um roteiro convenientemente político.
Agindo como uma espécie atípica de partido político na informalidade, dirigente e ativo, propagandeia e difunde um determinado e pensado programa para o Brasil, que se resume nas bandeiras do combate á corrupção e do punitivismo judicial, assim como tendo um líder e candidato principal, na pessoa de seu ex-chefe judicial e hoje ministro: o político Sergio Moro. Possui, portanto, programa, aparato material-institucional e candidato. E assim vem agindo há mais de 10 anos, em cada inquérito, processo judicial, audiência, recursos e, como não poderia faltar, muita comunicação dirigida ao povo. Os excessos foram e são tantos, que o STF já se sente pressionado a começar a rever decisões, como que fazendo uma “mea culpa” do quanto apoiou e sustentou o informal “partido da lava-jato”.
Ocorre que, como as grandes aeronaves, a Lava-jato também possui uma “caixa-preta”, guardadora dos registros de todos seus voos, tanto os convencionais como outros também, e, atualmente, a vontade e interesse de abri-la vem cada vez mais ganhando apoiadores (inclusive no interior do próprio Judiciário). Jornais, revistas, sites, além evidentemente de suas vítimas diretas, que vão desde setores empresariais vinculados à corrupção (ou então tornados “bodes expiatórios” da sanha punitiva), como principalmente o Partido dos Trabalhadores e o ex-presidente Lula, que como sabem são os maiores alvos políticos desta.
Em verdade, esta “caixa-preta” está bastante aberta nos dias atuais, através das revelações do trabalho jornalístico do site The Intercept. De seus áudios e transcrições de mensagens, emergem contratos de palestras, organização de uma fundação com verba proveniente de multas de seus processos contra a Petrobras, vazamento obsessivo de informações para a imprensa, manipulação de testemunhas, depoimentos de delatores, preparação de um novo candidato ao Senado, desrespeito ao luto do ex-presidente Lula, planejamento de um impeachment de ministro, enfim, muita lama.
Mas o que possui ainda mais a “caixa-preta” da lava-jato, além de todos estas noticias que estão vindo á tona e abalando o seu mito de isenção?
Faz-se importante, para além do que é revelado pelo intercept, entender que o fenômeno da lava-jato é ainda mais profundo e consiste em um ensaio, ou protótipo de “Estado de exceção”, (ainda que não esteja apoiado diretamente nos quartéis), mas que, ao desrespeitar direitos democráticos e constitucionais como o amplo direito de defesa, contraditório, quebrar ilegalmente sigilos, selecionar politicamente quem prender, forçar delações, agir sob critérios políticos ao priorizar réus em investigações e sentenças, imiscuir-se na luta política antes, durante e depois do último processo eleitoral para Presidência da República.
Agindo deste modo, a Lava-jato está testando um tipo de autocracia, sob o comando de juízes e procuradores de determinada concepção política, que advogam para o Brasil um modelo que, no plano econômico endossa o neoliberalismo, com toda sua política de redução de direitos sociais e, no plano das liberdades civis, aderem ao projeto de governo autoritário, daí se explicar que não fazem objeção á agenda econômica do atual ministro da Economia, Paulo Guedes, como também não se opõem aos arroubos anti-democráticos do presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro.
Indo mais além, temos na Lava-jato um instrumento institucional de classe, ante a crise dos modelos institucionais convencionais, através do qual uma geração de promotores, juizes e delegados, – salvo honrosas e sabidas exceções -, ainda que não sejam exatamente expoentes das classes dominantes, posto que de classe média, se arvoram na defesa militante, através dos instrumentos judiciais convencionais e não-convencionais, de um projeto político e elitista para o Brasil, perseguindo o PT, impedindo que Lula seja candidato, e, com isto, tentando criminalizar toda a esquerda, o sindicalismo, enfim, quem luta pelos direitos sociais e faz oposição neste pais.
Em verdade, são o espelho do binômio autoritarismo de toga e neoliberalismo econômico que vem pautando o Estado brasileiro.
Evidentemente, não estou dizendo que a luta contra a corrupção não necessária, e nem que os governos do PT não tenham se envolvido na secular corrupção do Estado brasileiro, mas outra coisa muito diferente é utilizar o discurso anti-corrupção para perseguir um partido, criminalizar suas lideranças e, concomitantemente, viabilizar um golpe judicial-parlamentar, a fim de colocar os adversários no poder e restringir direitos fundamentais.
Na história brasileira já tivemos diversos exemplos de setores da classe média que ingressaram mais ativamente na luta política, para o bem e para o mal. Por exemplo, o movimento tenentista da década de 1920, de extração social das camadas médias, em defesa de reformas sociais e democracia, resultou na lendária (e invicta) Coluna Prestes entre 1925 e 1927, cujo líder militar e político, se tornou a maior referencia comunista no Brasil, sendo inclusive eleito senador.
Em outra vertente, na década de 1970, muitos jovens da classe média ingressaram heroicamente na guerrilha contra o regime militar, indo em direção contrária ao apoio das camadas média à ditadura, e acabaram em grande parte massacrados, mas, embora derrotados, deram sua contribuição para o fim do regime militar na década de 80;
A Lava-jato é um outro fenômeno de engajamento político, não de tenentes democratas, mas de um setor de classe média, de “togados”, “concursados”, que, do alto de um setor da burocracia estatal, que passando ao largo das bandeiras de justiça social e fim das desigualdades, tomou para si o discurso moralista “anti-corrupção” e impulsionou um programa excludente socialmente e, em termos de Estado de Direito, uma série de medidas de retrocesso ás conquistas democráticas e sociais da Constituição de 1988. D
Deu no que deu… e muito desta “caixa-preta” da Lava-jato ainda está por ser revelado, sendo que, por ora, já sabemos que não é por acaso que o ex-juiz federal Sergio Moro seja agora ministro do governo federal de extrema-direita no poder.

sábado, 28 de setembro de 2019

Governo dos mentirosos

Mentira tem perna curta. Educação é coisa séria!
Esquerda Online28 de setembro de 2019 16:02


O ministro da Educação, Abraham Weintraub, tem se especializado em fazer afirmações desrespeitosas, irresponsáveis e mentirosas. Nada muito diferente do modus operandi daquele que ocupa a cadeira da Presidência da República. As notícias que circulam na grande mídia do país, que tratam sobre os comentários do ministro Weintraub sobre salários, carga horária e quantidade de professores nas universidades, em palestra no 21º Fórum de Ensino Superior (Fnesp), realizado em São Paulo nesta semana, estão repletas de informações falsas.
Salta aos olhos os absurdos propagados pelo ministro responsável pela pasta da Educação, particularmente a respeito dos(as) docentes das universidades federais do país, pois o titular do MEC aposta na desinformação da sociedade e mesmo na da grande mídia. O Painel Estatístico de Pessoal, acessível pelo site do Ministério da Economia, oferecem os dados necessários para desmentir o Sr. Weintraub.
As informações acerca dos valores de salários e da jornada de trabalho de docentes nas universidades federais certamente exigem um trabalho de investigação e análise que demanda maior tempo e cuidado, condições essas que não reúno no momento que escrevo a presente nota.
No entanto, quanto a esses aspectos, farei algumas observações que me parecem fundamentais. A primeira se refere a um debate importante que frequentemente tem sido ignorado quando se analisa as questões relacionadas aos servidores públicos. Refiro-me a tentativa de impor como verdade absoluta a ideia de que há no Brasil uma quantidade absurda de funcionários públicos e que estes custam muito aos cofres públicos e ameaçam o equilíbrio fiscal do Estado.
Isso não se sustenta quando se considera as dimensões continentais do território nacional, sua população e as necessidades sociais da sociedade brasileira, que exigem a presença do Estado e, portanto, de seus trabalhadores (servidores públicos).
Neste aspecto, cabe ainda ressaltar que, do total gasto com pessoal do executivo federal em 2018, dos R$ 247,56 bilhões, R$ 177,509 bi foram pagos aos servidores federais civis (ativos, aposentados e pensionistas), enquanto os militares (ativos, reserva e pensionistas) consumiram R$ 70,049 bi. Do montante dos gastos com pessoal do poder executivo, 61,22% (R$ 108,664 bi) refere-se a pagamentos dos servidores civis da ativa. Nestes valores há vários elementos de despesas que vão desde salários (79,21%) a pagamentos de obrigações patronais (16,30%), passando também por pagamentos de sentenças judiciais.
Neste caso, considerando o orçamento da União de R$ 3,2 trilhões (2018) a despesa com servidores do Executivo Civil e Militar (ativos, aposentados e pensionistas) é inferior a 10% de todo orçamento da União. Cabe lembrar que estes valores representam o investimento com o pagamento da força de trabalho empregada no Executivo do Estado brasileiro, ou seja, aqueles que estão nos incontáveis espaços de atuação e que cobrem todo território nacional.
Somados os três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, acrescido com o Ministério Público da União, o gasto anual com pessoal alcançou, em 2018, R$ 304,607 bi, incluídos ativos, aposentados e pensionistas. Portanto, a tese de que o Estado brasileiro gasta excessivamente com pessoal não se sustenta sob hipótese alguma.
Atualmente, o país possui 1.276.499 servidores (ativos, aposentados e pensionistas). Destes, 617.436 são servidores da ativa. No Ministério da Educação existem pouco mais 300 mil servidores da ativa, divididos em várias carreiras, e não apenas docentes nas universidades. Portanto, de imediato fica atestado que o ministro da Educação mentiu, e não é a primeira vez, ao falar da existência de 300 mil docentes nas universidades federais.
Mas qual é o verdadeiro número de docentes federais do país? Talvez essa seja a pergunta que muitos fazem e a grande mídia não se deu conta de procurar antes de realçar as mentiras do ministro do MEC. Informações estas que estão disponíveis para qualquer cidadão, a qual traduzo de forma clara para desmentir de vez o chefe da pasta da Educação.
Atualmente, de acordo com os dados da folha de pagamento de agosto de 2019, existem em números reais 142.999 docentes, servidores da carreira de magistério. Desse total, 86.005 servidores fazem parte da Carreira do Magistério Superior, enquanto 43.777 funcionários pertencem à Carreira de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico. Existem ainda 93 servidores da Carreira de Professor Titular-Livre do Magistério Superior. Concretamente, o MEC tem 129.875 docentes efetivos, contratados pelo Regime Jurídico Único. Ainda no quadro de servidores do magistério, somam-se 13.094 professores com contratos temporários e outros 30 professores pertencentes ao PUCRCE, antiga carreira docente, e dos ex-territórios.
O total de pessoal da carreira docente aumenta quando são considerados ativos e aposentados, mas, mesmo assim, não chega a quantidade apresentada no discurso falacioso do ministro Abraham Weintraub, pois essa soma atinge 200.778 docentes ativos e aposentados, com vínculos efetivo e temporário.
Outro elemento que não pode deixar de ser considerado, quando analisamos os dados sobre pessoal docente das carreiras de Magistério Superior (MS) e Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), é que estes estão lotados nas Instituições Federais de Ensino – Ifes, que compreendem as Universidades, Institutos Federais Técnico e Tecnológicos, Colégio Pedro II e Instituto Benjamin Constant. A maioria absoluta dos servidores da carreira do magistério superior está lotada nas Universidades e, por sua vez, a maioria da carreira de EBTT está nos Institutos. Contudo, cabe ressaltar ainda que, nas universidades, existem docentes da carreira de EBTT desempenhando suas atividades nas escolas de aplicação, escolas técnicas e escolas de ensino básico.

Jornada de trabalho docente

O sr. Ministro Abraham Weintraub afirmou ainda que os docentes nas universidades públicas trabalham apenas oito horas por semana, em sala de aula, e recebem em média entre 15 a 20 mil reais de salário. Qual a verdade escondida no discurso irresponsável do ministro da Educação?
Esse é um debate importantíssimo, pois remete ao significado da carreira docente e das Universidades. A primeira questão que me parece relevante ser recuperada é como estão organizadas as Universidades, pois a própria definição constitucional, e a vida prática no interior destas instituições, já atestam que estes espaços não se restringem apenas às salas de aula.
Neste sentido, cito o texto constitucional em seu artigo 207, que estabelece que, as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Portanto, tal princípio constitucional já oferece o amparo legal para que os encargos docentes não se limitem às atividades de ensino, devendo incluir a pesquisa e a extensão.
Outro equívoco presente nas declarações do ministro Abraham Weintraub, na palestra do 21º Fórum de Ensino Superior, está expresso numa concepção restrita da prática do ensino na exata medida que o limita às aulas. O processo de ensino-aprendizagem extrapola o ambiente das salas de aula, o que suponho deveria ser de conhecimento de um ministro de tão importante pasta do Executivo.
Retomando a questão da jornada de trabalho da categoria docente, importa destacar que as declarações do ministro Weintraub revelam a visão empobrecida do significado das Universidades e uma concepção que menospreza a produção do conhecimento resultado das atividades de ensino, pesquisa e extensão realizadas nas Ifes de todo o país. As atividades desenvolvidas por docentes, técnico-administrativos e estudantes nas universidades públicas do país são responsáveis hoje por mais de 90% de toda a produção de ciência e tecnologia do Brasil. Isso só é possível com investimentos públicos (custeio e capital) e com pessoal qualificado e, por conseguinte, bem remunerado.

Regime de trabalho docente

O regime de trabalho dos servidores da carreira docente obedece absolutamente a todas as regras previstas nas legislações atinentes a essa questão, das quais estão previstas nas Leis 8.112 de 11 de Dezembro de 1990 (RJU) e 12.772, de 28 de dezembro de 2012 (Lei da Carreira do Docente Federal). Outrossim, possuem regras que variam de acordo com a Instituição Federal de Ensino, considerando que as Universidades gozam de autonomia e, portanto, dentro destes limites estabelecem, através de resoluções internas, critérios que disciplinam os encargos docentes.
Nesse sentido, a categoria desenvolve suas atividades considerando o regime de trabalho que esteja vinculado a partir de definições legais, que compreendem os encargos docentes, divididos em atribuições de ensino, pesquisa e extensão.
Mas, em geral, o que compreendem os encargos docentes nas Ifes?
Abaixo listei alguns dos inúmeros encargos docentes que expressam parte das atividades desempenhadas por professores(as):
  • Ensino na graduação e na pós-graduação;
  • Ensino nos cursos técnicos;
  • Ensino em cursos de extensão e aperfeiçoamento;
  • Orientação de estudantes de nível técnico, de graduação e de pós-graduação e projetos institucionais e financiados por órgãos de fomento, públicos ou privados;
  • Participação em bancas examinadoras de conclusão de cursos (graduação, especialização, mestrado e doutorado) ou de concurso público;
  • Produção bibliográfica, técnica, artística, cultural e inovação;
  • Atividades de pesquisa e de extensão;
  • Exercício de funções de direção, chefia, coordenação, assessoramento e assistência na própria IFE ou em órgãos públicos;
  • Representação, compreendendo a participação em órgãos colegiados na IFE ou em órgãos públicos, conselhos e associações profissionais, ou outro relacionado à área de atuação do docente, na condição de indicado ou eleito.
Nesse sentido, a definição das atividades de ensino de cada docente depende do regime de trabalho – 20 horas ou 40 horas (com ou sem dedicação exclusiva) – e do conjunto de encargos docentes pactuados nas instituições. Tais encargos são realizados em ambientes internos (salas, laboratórios, bibliotecas, ambientes de professores, quadras, salas de concertos, etc.) e externos (locais de estágio, visitas monitoradas, etc.) às universidades e institutos federais, pois existem atividades que ocorrem fora dos muros das instituições de ensino.
Por fim, a falácia sobre os salários da categoria docente. Segundo o ministro Weintraub, jogando para a plateia e para a grande imprensa, o salário dos professores e professoras está na média de R$ 15 mil e R$ 20 mil. Primeira observação a ser feita é que as condições de ingresso na carreira docente estão vinculadas ao investimento de anos de estudos que compreendem, geralmente, além dos anos dedicados à graduação, em média, no mínimo mais dois anos de mestrado e quatro anos de doutorado. Outro importante elemento é que o salário inicial na carreira docente é atualmente de R$ 4.472,64 (40 horas, Dedicação Exclusiva, com graduação) e teto salarial de R$ 20.530,01 (40 horas, Dedicação Exclusiva, com doutorado).
Não sabemos com quais dados o sr. Ministro Abraham Weintraub teve acesso para chegar as conclusões veiculadas na grande mídia, mas tudo indica que se trata de mais uma declaração irresponsável. Os dados disponíveis no Painel Estatístico de Pessoal, quando analisados, indicam que 60,85% dos servidores da carreira docente são doutores, 28,16% possuem mestrado e 6,53% têm título de especialista. Do universo de doutores, 80,78% estão no magistério superior e 16, 24% no EBTT. Embora não estejam disponíveis os dados sobre as médias salariais no sistema do Ministério da Economia, é possível estimar que as informações oferecidas pelo Sr. Abraham Weintraub estão, possivelmente, supervalorizadas.
De longe essa é a questão mais importante neste debate, pois como ficou demonstrado, a carreira docente federal no país não está entre as mais valorizadas, quando comparados com outras carreiras do Executivo. Para ilustrar nossa assertiva, basta observar que o teto da carreira docente está bem abaixo do teto do Executivo que, atualmente, ultrapassa pouco mais de R$ 30 mil. E nunca é demasiado destacar que não há profissão de nível superior que não tenha antes passado por inúmeros professores, incluindo os de educação básica, fundamental e médio. O Brasil precisa para se desenvolver e garantir a soberania nacional valorizar os professores e professoras de todo o país.  
* Marcelo Sitcovsky é Prof. Dr. do Departamento de Serviço Social da UFPB e Diretor da ADUFPB
João Pessoa, PB. 27 de setembro de 2019