O golpe em crise capital. A herança maldita do MPF para o STF, por Armando Coelho Neto
GGN30 de setembro de 2019 08:40
O golpe em crise capital. A herança maldita do MPF para o STF
por Armando Rodrigues Coelho Neto
Golpe é golpe, seja com tanque ou caneta, como diz o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. Pouco importa que o político Romero Jucá o trate apenas por “grande acordo nacional” com Supremo, com tudo. Se “tudo” inclui as covardes Forças Armadas – que nem nacionalistas são (exceções silentes?). Golpe é golpe, ainda que calhordas o tratem pela lógica elementar do “juridiquês”, e dê o nome oficial de impeachment. Dilma caiu porque houve votos, Lula é condenado porque tem sentença, Bozo é presidente porque teve votos. Tudo com fraude!
O golpe está em crise existencial porque ator pornô não iria combinar mesmo com o azul e rosa da ministra que já viu Jesus na goiabeira. O mesmo Jesus que pode não ter deixado Janot matar Gilmar Mendes, mas não impediu que procuradores da República tripudiassem da morte da mulher e do neto do Presidente Lula. Escapou aos olhos de Jesus a queda do avião de Teori Zavascki e as falcatruas do Marreco de Maringá – o qual levou Lula sem provas para a cadeia, desempregou milhões de brasileiros, carrega nas costas cadáveres até de um reitor que foi impedido de entrar numa universidade…
Não, leitor. Não se sinta agredido em sua fé. Posso concluir que Jesus nada tenha a ver com isso, que tudo é consequência do naufrágio do capitalismo mundial, que sem resposta às questões sociais, promove golpes.
Não sei quem nasceu primeiro, se a ganância ou capitalismo. Talvez isso seja apenas variação sobre o mesmo tema. O capitalismo em sentido absoluto vive da ganância, da estimulação ao consumo ainda que por vezes desnecessário, e que muitos adoeçam, se pervertam, se marginalizem impedidos de consumir. Ainda que, se para ser é preciso ter, muitos se lancem à aventura do ter, mesmo que fora da lei: seja na rua escura, na bolsa de valores ou sonegando impostos.
Mas, se o capitalismo é o sistema que prosperou no mundo, mesmo que para poucos, é dele que, paradoxalmente se espera resposta. Quem cria a crise não tem solução para ela?
Golpe é pró ou contra o capital. Como o capital não pode ser responsabilizado, é preciso criminalizar a ameaça ao capital mundo afora. O capital tem medo de voto. Recorre a ele para alternar o poder entre seus detentores. Faz concessão fora dos seus quadros para quem tem votos, mas com prazo de validade. No Brasil, é como se o prazo concedido a Lula tivesse perdido a validade.
O capital traz a raiz da corrupção e, portanto, não é ela que incomoda o capital. A corrupção é boa quando lubrifica economias, no dizer pretensamente crítico da OCDE. Às vezes, corrupção e capital precisam ser limpinhos e cheirosos, mesmo só de aparência, como na Suíça que guarda grande parte do dinheiro roubado no mundo, inclusive de boa parte da elite brasileira. A corrupção só é ruim quando configura ameaça a própria corrupção capital. É isso que está em jogo.
Corrupção e moralidade, no Brasil, são desculpas esfarrapadas. Lula é conflito capital: por ter votos, precisa ter sua imagem destruída, ser preso se necessário, como o foi, para dar suporte à fraude eleitoral de 2018. Eis a razão pela qual Lula está preso.
A crise do capital está exposta no mundo. Como não se pode discutir os males do capital, é preciso culpados, apelar para saudosismo e valores sociais ultrapassados. Deus não protege o capital ou distribui riquezas quando mulheres violam a bíblia, homossexuais subvertem famílias, inferiores desafiam a autoridade. Fantasias e realidade misturam alhos e bugalhos, criminalidade, desemprego. O importante é discutir cocô dia sim dia não, jovens que não sabem lavar o pênis, se conge é com gê ou com jota.
A crise existencial do golpe está na Suprema Corte, cujo conflito sempre foi tentar manter as aparências do próprio golpe. Para ela, ter votos de parlamentar, ter sentença (mesmo viciada), ter voto popular (fraudado), ter um “presidente” ajudou a manter aparências.
Mais que isso, o STF se deu por satisfeito ao votar conforme a opinião pública, formada pelo Marreco de Maringá e seus asseclas, em conluio com a mídia. A Corte aceitou os demônios fabricados por salvadores da Pátria messiânicos, mesmo que encarnados em fedelhos da Farsa Jato. Não faltaram cabelos brancos, como disse um certo Aras. O que faltou foi vergonha, dignidade, patriotismo, empatia social, compromisso com uma sociedade democrática e justa.
Fato: o Ministério Público Federal se converteu num covil de criminosos (exceções à parte). Depois de fraudar processo, sonegar direitos de Lula, finge zelo e imparcialidade ao “interceder” em favor deste.
O mesmo MPF que matou biografias, hoje assaca ministros do STF, cujo desafio é votar conforme a Constituição ou preservar aparências, ratificando patifarias. Verdade na rua, o Marreco de Maringá desmoralizado mundo afora, já não dá pra fingir legalidade, criar gambiarras jurídicas para manter Lula preso. Vai aplicar a lei ou escrever novo capítulo no Direito Penal do Lula, sobre o qual descrevi neste GGN? [aqui]
Escancarada a crise do golpe e da cultura capital, a Corte Suprema tem também o desafio de se libertar da presunção de que a política é corrupta, algo tão real quanto a presunção de que o STF sempre foi um grande balcão de negócios. Pode, porém, presumir ser correta nem uma coisa nem outra. A Constituição não prevê presunção de culpa e sim de inocência. Políticos e juízes têm histórias, biografias e nomes a zelar.
Soa estúpido que o STF, em detrimento da presunção de inocência e falta de provas, movido pela presunção de culpa aceite que Lula, o “chefe da maior quadrilha do país”, tenha se vendido por pedalinhos, um apartamento numa praia brega que “só olhou”, uma reforminha num sítio. Tudo muito aquém do patrimônio de qualquer magistrado daquela Corte.
O Ministério Público caiu na lama e puxa o STF. Deixou uma herança maldita para a Corte: má-fé, conivência, promiscuidade, alinhamento absoluto ao fascismo e a selvageria capital em detrimento da miséria do povo brasileiro. A Corte precisa se desvencilhar não só dessa herança, mas também da pressão popular fabricada pela Farsa Jato e dos conselhos de um general quase moribundo. Precisa, sobretudo, optar pela lei e pelo justo. É o que se espera.
Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo.
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