segunda-feira, 18 de novembro de 2019

No Brasil se convive com o nazismo ignorando-o

https://matheuspichonelli.blogosfera.uol.com.br/2019/11/18/brasil-tem-334-celulas-nazistas-em-atividade-diz-pesquisa/

Os dados sobre a extensão desses grupos no país são parte de um levantamento ainda inédito feito pela antropóloga da Unicamp Adriana Abreu Magalhães Dias, um pioneira nas pesquisas sobre a ascensão da extrema-direita nos anos 2000

domingo, 17 de novembro de 2019

A MÍDIA CORPORATIVA NO BRASIL É NORTE AMERICANA

Mídia ignora participação dos EUA no caso Lula e continua "Campanha de difamação"
GGN17 de novembro de 2019 14:22


Brian Mier, jornalista da Fair.org, um dos observatórios da imprensa mais respeitados dos EUA, escreveu um artigo (veja aqui) em que narra a reação da mídia internacional à libertação de Lula. Para ele, o fato é que os veículos de comunicação continuam abafando a participação do governo americano na Lava Jato e seguem com a campanha de “difamação” em relação ao ex-presidente, mesmo diante das fortes evidências de ilegalidades e politização do processo.
No texto, Brian relembra a fragilidade do caso envolvendo o triplex no Guarujá, passando pelas provas de inocência feitas pelos advogados de Lula e ignoradas por Sergio Moro, o uso da delação questionável de Leo Pinheiro (OAS), até chegar à sentença controversa.
Segundo Brian, um aspecto do julgamento deixado à margem do debate na mídia nacional e internacional diz respeito ao papel do governo norte-americano na construção da Lava Jato.
Os procuradores brasileiros trocaram informações com autoridades norte-americanos – Departamento de Justiça, Comissão de Valores Mobiliários e FBI, NSA e outros órgãos de inteligência – que investigaram a Petrobras em processo próprio nos Estados Unidos.
Há evidências fortes demais para serem ignoradas – como um vídeo do procurador Kenneth Blanco, que o GGN mostrou aqui – de que a cooperação entre Lava Jato e EUA ocorreu muitas vezes de maneira ilegal, o que seria suficiente para anular a operação. A cooperação informal e irregular, aliás, se repetiu com autoridades da Suíça, como confirmaram as mensagens de Telegram vazadas pelo Intercept Brasil.
Para Brian, esses dois fatos contrastam com a cobertura da imprensa, que minimaliza a questão mesmo após a libertação de Lula. Segue tratando sua condenação como se tivesse sido fruto de um processo judicial padrão, e não algo totalmente politizado.
“Alguém poderia pensar que agora a mídia corporativa dos EUA iria finalmente duvidar da narrativa de que Lula pudesse realmente ser culpado de corrupção. Os leitores americanos não estariam interessados em saber qual o papel desempenhado pelo Departamento de Justiça nesse processo?”, questiona.
“Infelizmente, desde a libertação de Lula nenhum dos principais meios de comunicação corporativos mencionou o papel do Departamento de Justiça dos EUA na Lava Jato. Embora alguns artigos tenham mencionado as revelações do Intercept, eles foram reformulados para terem uma narrativa menos ameaçadora, apresentada em um contexto que pudesse ‘levantar algumas dúvidas’ sobre a investigação”, afirmou.
Segundo Brian, “apesar das provas da inocência e perseguição ilegal a Lula, com a cooperação do Departamento de Justiça dos EUA, que o afastou das eleições presidenciais de 2018, a grande mídia se apega a uma falsa narrativa que, embora enfraquecida pelas ações subsequentes do atual ‘Super Ministro da Justiça’ Moro , ainda busca prejudicar a imagem pública do presidente mais popular da história brasileira.”
Ao final, ele escreveu: “Enquanto a campanha de difamação continua, é importante lembrar que Lula representou um projeto de desenvolvimento nacional social-democrata, na tradição do que os brasileiros chamam de desenvolvimentismo, baseado no controle estratégico sobre os recursos naturais e seu uso para financiar serviços públicos, como saúde e educação, políticas de fortalecimento do salário mínimo e direitos trabalhistas, ampliação do acesso a universidades públicas gratuitas e forte investimento em pesquisa científica. Este é o projeto que foi desmontado após o golpe de 2016, em benefício de empresas como Monsanto, Chevron, ExxonMobil e Boeing. A história mostra que todo presidente brasileiro que já tentaram implementar políticas desenvolvimentistas – de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Jango Goulart a Dilma e Lula – foi submetido a um golpe, prisão ou assassinato político, com suspeita permanente do envolvimento dos EUA. E como vemos a mídia corporativa trabalhando para normalizar o golpe militar na Bolívia (FAIR.org, 11/11/19), fica claro que esse problema não se limita ao Brasil.”
e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Estão esperando os 4 anos de Bolsonaro

Renato Janine na Folha hoje: “Vários amigos, embora tenham horror ao atual governo, não se preocupam muito: pensam que em quatro anos as eleições o substituirão. Alguns acrescentam que o Brasil assim aprenderá melhor o valor
da democracia.

De minha parte, entendo que eles subestimam a destruição do tecido social e político, a liquidação da
vida inteligente e da vida mesma, que está sendo efetuada prioritariamente nas áreas da educação e do meio ambiente.

Debate-se muito o que é fascismo. Porém alguns pontos são fundamentais nesse regime, talvez o mais antidemocrático de todos, que não é apenas um exemplo de autoritarismo.

Primeiro, o fascismo conta com ativo apoio popular. Tivemos uma longa ditadura militar, mas com sustentação popular provavelmente minoritária e seguramente passiva. Mesmo no auge de sua popularidade —o período do “milagre”, somando general Médici, tortura e censura, tricampeonato de futebol e crescimento econômico— não houve movimentos paramilitares ou massas populares saindo às ruas para atacar fisicamente os adversários do regime.

Hoje, há.

Daí, segundo, a banalização da violência. Elas deixam de ser, na frase de Max Weber, monopólio do Estado, por meio da polícia e das Forças Armadas: os próprios cidadãos, desde que favoráveis ao governo, sentem-se autorizados a partir para a porrada.

O ataque à barca em que estava Glenn Greenwald em Paraty é exemplo vivo disso.

O que distingue o fascismo das outras formas de direita é ter uma militância radicalizada, ou seja, massas que banalizam o recurso à violência. O fascismo já estava no ar uns anos atrás quando um pai, andando abraçado com o filho adolescente, foi agredido na rua por canalhas que pensavam tratar-se de um casal homossexual.

Terceiro: essa violência é usada não só contra adversários do regime —a oposição política— mas também contra quem o regime odeia. Não foca apenas quem não gosta do governo. Mira aqueles de quem o governo não gosta. No nazismo, eram judeus, homossexuais, ciganos, eslavos, autistas. No Brasil, hoje, são sobretudo os LGBTs e a esquerda, porém é fácil juntar, a eles, outros grupos que despertem o ódio dos que se gabam de sua ignorância (“fritar hambúrguer” é um bom exemplo, até porque hambúrguer não se frita, se faz na chapa).

Quarto: o ódio a tudo o que seja inteligência, ciência, cultura, arte. Em suma, o ódio à criação. Não é fortuito que Hitler, que quis ser pintor, tivesse um gosto estético tosco, e que o nazismo perseguisse, como “degenerada”, a melhor arte da época. É verdade que os semifascistas Ezra Pound e Céline brilham no firmamento da cultura do século 20 —mas são agulha no palheiro.

Antonio Candido uma vez escreveu um manifesto dos docentes da USP criticando a “mediocridade irrequieta” que comandava a universidade. Um colega discordou: a mediocridade nunca é irrequieta! Mas Candido tinha razão. A mediocridade procede hoje, sem pudor, ao desmonte de nossas conquistas não só políticas e sociais, mas culturais e ambientais.

A irracionalidade vai a ponto de algumas dezenas de paratienses tentarem sabotar a Flip, que dá projeção e dinheiro para a cidade. Essa é uma metáfora de um país que namora o suicídio.

Salvemos a vida, salvemos a vida inteligente! Construamos alternativas e alianças para enfrentar essas ameaças. Não temos tempo de sobra.”

Renato Janine Ribeiro
Na Folha de São Paulo.

Coisas que você precisa saber sobre a Bolívia

*TRÊS OU QUATRO COISAS QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE O GOLPE NA BOLÍVIA*

1) A polícia rebelada foi, desde o período pesado dos ditadores bolivianos (1964-1982), treinada por peritos em operações repressivas dos Estados Unidos. As ligações com serviços de inteligência daquele país não foram rompidas.

2) O bandido que invadiu o palácio presidencial neste domingo com uma Bíblia é Luis Fernando Camacho, um líder da extrema-direita boliviana.

Ele lidera o Comitê Pró-Santa-Cruz, um grupo mantido por empresários e latifundiários ultra-conservadores.

Não tem cargo público, mas pode ser comparado a Juan Guaidó, o auto-declarado "presidente" da Venezuela.

Começou sua ação política no Comitê Cívico Juvenil de Santa Cruz, um grupo raivoso de direita. Também faz parte de uma loja maçônica que reúne a elite de Santa Cruz de La Sierra.

Esteve aqui no Brasil pedindo ajuda para o golpe de estado contra Evo Morales. Foi recebido com gentilezas pelo chanceler Ernesto Araujo, conversou com a deputada Carla Zambelli e manteve contatos com lideranças evangélicas brasileiras.

É um camba.

3) Não é fácil explicar, mas a Bolívia é um país de várias culturas e etnias, vivendo um processo eterno de tensão. Sim, há racismo dentro do próprio país.

Grosso modo, o pessoal das terras altas (La Paz, Oruro, Potosí, Cochabamba e Chuquisaca) são "collas".

Pando, Beni e Santa Cruz, na parte oeste do país, de terras baixas, são basicamente "cambas".

Ainda há uma região ao sul, de Tarija, considerada a terra de chapacos e chaqueños.

O termo *"colla",* utilizado para designar os habitantes do altiplano, muitas vezes carrega um significado depreciativo, embora muitos assim se designem com orgulho.

Entre os *"cambas"* é maior o número de descendentes de europeus ou mestiços de relações remotas com as populações indígenas da área de florestas do centro-sul do continente.

Em 2004, a Miss Bolívia era Gabriela Oviedo, de Santa Cruz.
Nas prévias do Miss Universo daquele ano, lhe perguntaram:

*- Qual é o maior conceito errôneo acerca de seu país?*

Ela respondeu:

*_- Infelizmente, as pessoas que não conhecem muito a Bolívia pensam que somos todos indígenas, como aqueles do lado oeste do país; é La Paz a imagem que reflete isso: essa gente pobre, de baixa estatura, essa gente indígena. Eu sou do outro lado do país, do lado leste, que não é frio, que é muito quente, nós somos altos e somos gente branca e sabemos inglês._*

4) Depois que assumiu a presidência, em 2006, o aymará Evo Morales, do lado ocidental do país, encontrou forte oposição do Movimento Nação Camba de Libertação (MNC-L), grupo racista e separatista com sede em Santa Cruz.

Suas lideranças se identificam como "brancas" e têm origem, sobretudo, nas classes média e alta da região. Com uma doutrina de extrema-direita e anti-indígena, organizaram sistematicamente ações de ataque a pessoas e instituições que apoiavam o governo institucional.

*O MNC-L formou milicianos durante anos e manteve relações com terroristas de extrema-direita da Europa e dos Estados Unidos. Também contrataram mercenários estrangeiros, alguns da antiga Iugoslávia, para promover atos de sabotagem contra o governo central.*

Foram eles que realizaram o atentado terrorista ao gasoduto Brasil-Bolívia, em 2008.

O ódio que sentem de Evo Morales guarda relação de equivalência com o ódio que as elites brancas do centro-sul do Brasil nutrem pelo nordestino Lula.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Coisas a não serem reveladas

6 coisas que você nunca deveria revelar por mera saúde emocional e mental
Familia14 de novembro de 2019 21:02


"Não grite sua felicidade, a inveja tem o sono leve".

Erika Otero Romero

“Não fale alto sobre sua felicidade, a inveja tem o sono leve”
Adagio popular
A inveja pode vir das pessoas que menos esperamos, disso a gente já sabe.
Acabei o ensino médio numa escola pública quando tinha 17 anos. Eu não era uma estudante nota 10, minha família não tinha muito dinheiro; talvez por essas razões eu não tinha muitas perspectivas para o meu futuro imediato. No entanto, não me saí mal no meu teste ICFES. O ICFES é um exame que se aplica aos estudantes do último ano do ensino médio; a qualificação que tirar, abre ou fecha as portas à educação superior, e a mim me abriu algumas.
Foi assim que, junto com algumas amigas, começamos a procurar uma vaga em alguma universidade ou instituto de ensino superior.
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As coisas mudam e as pessoas também

Um dia, as coisas mudaram para mim; meu pai me ofereceu a oportunidade de estudar em uma universidade privada. Eu fiquei emocionada, então, fui contar às minhas amigas o que aconteceu. Fiquei surpresa com a reação de várias delas; ainda assim, o comentário que jamais esquecerei veio da que mais apreciava. Ela disse: “A vida é injusta, eu sou tão boa estudante e não tenho oportunidade de entrar para estudar, e os ruins têm tudo sem esforço”.
Fiquei com a boca aberta e muito decepcionada. Ao contar à minha mãe o que aconteceu, ela disse-me que talvez a reação fosse devido às poucas oportunidades de se entrar na universidade. Ela era boa aluna, mas certamente tinha muitas dificuldades financeiras, foi assim que a compreendi e aceitei; mas ela não me estendeu a mesma compreensão. O resto do ano, minha “amiga” optou por me olhar mal e de soslaio. Terminamos por nos afastar, e isso foi o fim da amizade.
A vida continuou e eu entrei na universidade. Um ano depois, ela regressou a minha casa; quando veio ver-me, eu soube que ela tinha podido ingressar na universidade e tinha uma boa vida. Honestamente, fiquei feliz por ela, mas as coisas mudaram e depois daquele dia nunca mais falei com ela.

Todos, em algum momento, sentimos inveja

Não foi a única vez que me aconteceu. Esta é a razão pela qual sou tão desconfiada, e prefiro a solidão a uma má amizade.
Não vou dar uma de santa; certamente, também já senti inveja, e não é um sentimento saudável, em nenhum aspecto.
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A inveja leva à crítica mordaz, aos pensamentos obsessivos e destrutivos, não da outra pessoa, mas de si mesmo. E pior ainda, é completamente improdutiva e injustificada. A questão é que nenhum de nós sabe o que a pessoa que invejamos teve que viver para chegar ou ter aquilo que cobiçamos.

Coisas da sua vida que você deve manter em segredo

Não é melhor despertar a inveja do que senti-la, isso é um grave erro. Por isso, para evitar despertar inveja nos demais – por pura saúde mental – estas são as coisas que você deve guardar com zelo para que seu progresso não seja prejudicado.

1 Seus objetivos para o futuro

Ao falar de seus planos futuros, pode ser que nem todas as pessoas compreendam a razão dos seus loucos sonhos. Talvez, o que ocorra é que se decepcione, porque as pessoas que você desejava que o apoiassem emocionalmente, não o façam, e outras tentarão ver cada pequeno detalhe pouco positivo para desanimá-lo.
Pode ser que não o façam com má intenção; no entanto, é melhor guardar para si seus propósitos e os surpreender quando virem o que você alcançou com seu esforço e perseverança.

2 Sua generosidade

O Evangelho de São Mateus, capítulo 6, versículo 3, diz: “Que não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita”.
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Não há necessidade de falar sobre os favores ou as boas obras que faz. A razão é simples, você não sabe onde estão os detratores disfarçados de amigos, e estes podem dizer que faz isso por vaidade ou por presumir que você tem mais do que precisa e por isso é generoso. Além disso, também pode ser visto como um ato de arrogância.

3 Seus problemas

Todos passamos por tempos difíceis. Quer se trate de problemas familiares, financeiros ou de saúde, o melhor é superá-los sem comentar com os mais próximos, ainda que se veja tentado a fazê-lo para desabafar.
A razão é que podem julgá-lo como uma pessoa que se queixa demais, e outros mais (invejosos) podem alegrar-se com suas dificuldades. Há uma virtude em saber suportar as provas em silêncio, e é o que lhe fará mais forte, resiliente e ver em si mesmo sua capacidade e força.

4 O quanto suporta as provas da vida

Este está ligado ao anterior. Se conta aos outros o quanto é capaz de enfrentar as provas da vida, não faltará quem o chame de presunçoso quando, na verdade, o que você deseja é apenas compartilhar suas experiências de vida.
Além disso, todos passamos por situações que nos levam a tirar o melhor de nós mesmos, ainda que isso passe despercebido para alguns.
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5 Seu conhecimento espiritual

Isso pode ser desconfortável, ainda mais quando a pessoa com quem você compartilha suas crenças é alguém com um pensamento muito diferente do seu.
Não se esqueça de que não é por algo ser diferente, que é ruim; ou que a pessoa seja sua inimiga. Não tente mudar as pessoas, pois, se o fizer, será você quem será considerado invejoso; é só questão de aceitar, valorizar e aprender, todos podemos tirar o melhor das crenças dos outros.

6 Seu relacionamento

Há nisso um aspecto delicado. Alguns ficarão felizes porque você encontrou uma pessoa que ama e ela corresponde a você; no entanto, outros vão criticar ou cobiçar essa relação bonita que você tem.
Diariamente, acontecem casos de amigos que brigam pelo parceiro do outro, isto porque um não soube ser prudente e o outro não soube respeitar a amizade.
A lição é se esforçar e ajudar em silêncio. Ninguém será mais feliz do que você em conseguir o que se propôs em sua vida, mas lembre-se de ser prudente para não ter inimigos nem despertar maus sentimentos em quem lhe rodeia.
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quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Rússia, à beira da revolução

Crônica da Rússia, à beira da revolução

Um grande escritor e cartunista contemporâneo reconstitui os meses que antecedram a tomada do poder pelos bolcheviques. No trecho a seguir, agosto de 1917, quando a direita tentou retomar o poder e Lenin teve de fugir para a Finlândia
Descontentes com a participação do país na I Guerra Mundial, soldados desertam e aderem aos bolcheviques, num movimento que seria decisivo para a revolução de outubro
Um grande escritor e cartunista contemporâneo reconstitui os meses que antecedram a tomada do poder pelos bolcheviques. No trecho a seguir, agosto de 1917, quando a direita tentou retomar o poder e Lenin teve de fugir para a Finlândia
Por China Miéville

MAIS: DE CHINA MIÉVILLE:
Outubro — reconstituição histórica
(Editora Boitempo, R$ 59)
Marxismo e Fantasia
(Artigo publicado na revista Margem Esquerda, nº 23) (baixar grátis o arquivo)
A Cidade & a Cidade — ficção
(Editora Boitempo, R$ 49)
Estação Perdido — ficção
(Editora Boitempo, R$ 89)
Participantes de Outros Quinhentos podem adquirir estes e dezenas de outros livros com 20%, 40% e 60%, em Outros Livrosnossa loja virtual
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AGOSTO: EXÍLIO E CONSPIRAÇÃO
Naqueles últimos dias de verão, enquanto a direita planejava uma limpeza, uma indulgência milenarista florescia. Música e dança a noite toda, vestidos e gravatas de seda tingida, moscas rondando bolos quentes, vômito e bebida entornada. Longos dias, quentes noites orgíacas. Um sibaritismo de fim de mundo. Em Kiev, disse a condessa Speránski, havia “jantares com bandas e corais ciganos, bridge e até tango, pôquer e romances”. Assim como em Kiev, também nas cidades Rússia afora, entre os ricos sonhadores.
Em 3 de agosto, o VI Congresso do Partido Operário Social-Democrata Russo – o Congresso Bolchevique – aprovou por unanimidade a resolução em favor de um novo lema. Um meio-termo entre os impacientes “leninistas”, que enxergavam a revolução entrando em uma nova fase, pós-Soviete, e os moderados, que ainda acreditavam que podiam trabalhar com os socialistas à sua direita para defender a revolução. Mesmo assim, a importância simbólica da mudança de palavras era imensa. As lições passadas deram calma, os apelos mudaram. Julho havia cumprido sua missão. Os bolcheviques não pediam mais “Todo o poder aos sovietes”. Em vez disso, eles aspiravam ao “Fim da ditadura da burguesia contrarrevolucionária”.
*
Outubro.inddO Soviete mudou de endereço, conforme solicitado. O Instituto Smolni foi construído no início dos anos 1800: um grandioso edifício neoclássico no distrito de Smolni, a leste do centro da cidade, às margens do Neva, de corredores cavernosos, assoalho branco, iluminação elétrica pálida. No térreo havia um grande refeitório entre os corredores alinhados e repletos de escritórios sempre cheios de secretários, deputados e facções dos partidos do Soviete, suas organizações militares, seus comitês e seus conclaves. Pilhas de jornais, panfletos, pôsteres cobriam as mesas. Metralhadoras se projetavam das janelas. Soldados e trabalhadores se comprimiam nas passagens, dormiam em cadeiras e bancos, faziam a segurança das reuniões, sob a vigilância de molduras douradas vazias, das quais retratos imperiais haviam sido cortados.
Até pouco antes da revolução, o instituto havia sido um estabelecimento de ensino para as filhas da nobreza. Antigo fiador do poder estatal, o Soviete foi rebaixado a grileiro de uma escola de etiqueta para moças. Quando o Soviete inteiro se reunia, o evento tinha lugar no que antes fora o salão de bailes.
No dia 3, Kornílov foi encontrar Keriénski e, mais uma vez, fez várias exigências ao homem que tecnicamente era seu chefe. Elas incluíam, num endurecimento de sua atitude anterior, uma rígida restrição aos comitês de soldados. Embora concordassem amplamente com sua essência, Keriénski, Sávinkov e Filoniénko reformulariam o documento apresentado por Kornílov a fim de encobrir seu menosprezo incendiário. A repulsa do general ao governo só aumentou quando, no momento em que se preparava para informar o gabinete sobre a situação militar, Keriénski discretamente o aconselhou a não ser muito específico – e insinuou que alguns membros do gabinete, em particular Tchernov, poderiam representar perigo.
Durante o encontro, Keriénski fez uma pergunta intrigante a Kornílov. “Suponha que eu tenha de renunciar”, ele disse, “o que acontecerá? Você ficará sem saída, as ferrovias pararão, o telégrafo deixará de funcionar.” A resposta contida de Kornílov – de que Keriénski deveria permanecer no cargo – foi menos interessante do que a própria pergunta. A intenção por trás dessa melancolia é obscura. Estaria Keriénski buscando se certificar de que Kornílov continuaria a apoiá-lo? Estaria ele, talvez, cautelosamente sondando a possibilidade de uma ditadura de Kornílov?
Há uma multidão em cada um de nós, e em Keriénski havia uma multidão maior do que a da maioria. A pergunta lamuriosa poderia expressar tanto o horror quanto a esperança na ideia de desistir, de se entregar ao intimidador comandante em chefe. Uma pulsão de morte política.
O ódio à guerra continuava crescendo. De todo o país vinham inúmeros relatos de soldados que resistiam à transferência.
Uma batalha propagandística se intensificou em torno de Kornílov, refletindo a crescente separação entre a extrema direita do país, em torno da qual gravitavam os kadets, e o reduzido poder dos socialistas moderados. No dia 4 de agosto, o Izviéstia fez alusão a planos de substituir Kornílov por Tcheremísov, um general relativamente moderado que acreditava na colaboração com os comitês de soldados. No dia 6, o Conselho da União de Tropas Cossacas reagiu, dizendo que Kornílov era “o único general que poderia restaurar o poder do Exército e tirar o país dessa situação de extrema dificuldade”. O conselho, por sua vez, deu a entender que haveria uma rebelião caso Kornílov fosse removido.
Lenin com peruca e sem o cavanhaque num passaporte falso para a fuga à Finlândia
Lenin com peruca e sem o cavanhaque num passaporte falso para a fuga à Finlândia
A União dos Cavaleiros de São Jorge deu seu apoio a Kornílov. Conservadores importantes de Moscou, sob o comando de Rodzianko, enviaram-lhe telegramas veementes, dizendo que naquele “momento ameaçador de dura provação, o pensamento da Rússia se volta para o senhor com esperança e fé”.
Kornílov exigiu de Keriénski o comando do Distrito Militar de Petrogrado. Para deleite de uma direita sequiosa de golpe, ele ordenou que o chefe do Estado-Maior, Lukómski, concentrasse as tropas nas proximidades de Petrogrado – o que permitiria que fossem rapidamente enviadas à capital.
O pano de fundo dessa manobra não era apenas a catastrófica e cada vez mais grave situação econômica e social, mas um aumento consciente e deliberado das tensões em certos setores da direita punitiva. Em um encontro de trezentos magnatas dos setores industrial e financeiro no início de agosto, o discurso inaugural foi de Pável Riabuchínski, poderoso empresário do setor têxtil. “O governo provisório possui apenas a sombra do poder”, disse. “Na verdade, um bando de charlatões políticos está no controle […]. O governo está concentrado nos tributos, impondo-os primeira e cruelmente à classe comerciante e industrial […]. Não seria melhor, em nome da salvação da pátria, nomear um guardião acima dos perdulários?”
Em seguida demonstrou um sadismo tão espantoso que atordoou a esquerda: “A mão descarnada da fome e da destituição nacional vai agarrar os amigos do povo pelo pescoço”.
Chine Miéville: escritor, cartunista e ativista político
Esses “amigos do povo” que ele sonhava ver ao alcance de esqueléticos dedos predadores eram os socialistas.
Não foi apenas pela direita, entretanto, que a pressão se acumulou. Além disso, no dia 6, em Kronstadt, 15 mil trabalhadores, soldados e marinheiros protestaram contra a prisão dos líderes bolcheviques Steklov, Kámeniev, Kollontái e outros. Em Helsingfors (Helsinque), uma assembleia de proporções semelhantes aprovou uma resolução a favor da transferência do poder aos sovietes. É claro que essa reivindicação agora era ultrapassada no que dizia respeito aos bolcheviques, mas representava uma guinada à esquerda para a maioria dos trabalhadores. Impulsionada pelos bolcheviques e pelos militantes da ala esquerda dos Socialistas Revolucionários (SRs), no dia seguinte a seção dos trabalhadores do Soviete de Petrogrado criticou a prisão dos líderes de esquerda e a volta da pena de morte militar. Eles conquistaram votos. Mencheviques e SRs começaram a reclamar de deserções à esquerda – em suas próprias seções maximalistas ou mais além.
Tais sinais de recuperação da esquerda eram inconsistentes e irregulares: em 10 de agosto, nas eleições em Odessa, por exemplo, os bolcheviques conquistaram apenas três das cem cadeiras. Mas nas eleições municipais de Lugansk, no início de agosto, os bolcheviques conquistaram 29 das 75 cadeiras. Em Reval (hoje Talin), obtiveram mais de 30% dos votos, quase o mesmo que em Tver, pouco tempo depois, e em Ivánovo-Voznessiénsk conquistaram o dobro disso. Por todo o território do Império, a tendência era nítida.
Encolhido em sua choça, em um dia de chuva forte, Lenin foi surpreendido por palavrões. Um cossaco estava se aproximando pela mata molhada.
O homem suplicou para se abrigar do aguaceiro. Lenin não tinha muita escolha exceto afastar-se e deixá-lo entrar. Enquanto estavam sentados ali, ouvindo o tamborilar dos pingos, Lenin perguntou ao visitante o que o trazia àquele lugar tão fora de mão.
Uma perseguição, o cossaco disse. Ele estava atrás de alguém chamado Lenin. Para levá-lo de volta, vivo ou morto.
E o que o condenado havia feito, perguntou Lenin com cautela.
O cossaco fez um gesto com a mão, impreciso quanto aos detalhes. O que ele sabia, enfatizou, era que o fugitivo estava “encrencado”, era perigoso e estava nas redondezas.
Quando o céu finalmente abriu, o visitante agradeceu ao seu anfitrião temporário e partiu pelo mato encharcado para continuar as buscas.
Depois desse incidente alarmante, Lenin e o Comitê Central, com o qual ele continuava a se comunicar em segredo, concordaram que ele deveria se mudar para a Finlândia.
Em 8 de agosto, Zinóviev e Lenin abandonaram a choça acompanhados por  Emeliánov, Aleksandr Chótman – um “velho bolchevique” finlandês – e Éino Riákha, um ativista vistoso, de bigode extravagante. Os homens atravessaram o pântano às margens do lago até uma estação local, numa longa, árdua e úmida caminhada, cheia de retornos errados e má vontade, até saírem finalmente, se arrastando, em frente à ferrovia de Dibuny. Mas os problemas não haviam acabado: ali, na plataforma, um cadete do Exército, desconfiado, provocou Emeliánov e o prendeu. Mas Shotman, Riákha, Zinóviev e Lenin pegaram rapidamente um trem com destino a Udelnaya, nos arredores de Petrogrado.
Dali, Zinóviev seguiu para a capital. A jornada de Lenin ainda não havia acabado.
No dia seguinte, o trem 293 para a Finlândia chegou à Estação de Udelnaya. O condutor era Guro Jalava, ferroviário, conspirador e marxista engajado.
“Parei na beira da plataforma”, ele se lembrou depois, “quando um homem saiu do meio das árvores a passadas largas, subiu na plataforma e entrou na locomotiva. Era Lenin, claro, embora eu mal o tivesse reconhecido. Ele acabou sendo meu foguista.”
A fotografia no passaporte falso com que Lenin – “Konstantin Petróvitch Ivánov” – viajou tornou-se famosa. Com um quepe pousado no alto de uma peruca encaracolada e os cantos da boca, pouco familiar no rosto sem barba, ironicamente repuxados para cima, seus olhos profundos e pequenos são tudo que se pode reconhecer.
Lenin arregaçou as mangas. E pôs mãos à obra com tanto entusiasmo que o trem lançou nuvens de fumaça generosas. O condutor se lembrava que Lenin usou a pá com gosto, alimentando a locomotiva, fazendo com que andasse rápido, levando-o para longe por trilhos e dormentes.
Quando finalmente desembarcou, o foguista Lenin ainda tinha uma tortuosa jornada clandestina à sua frente. Foi apenas às onze horas da noite do dia 10 de agosto que ele chegou ao apartamento pequeno e simples da Praça Hakaniemi, no norte de Helsingfors (Helsinque). Ali era a residência dos Rovio. Como a sua esposa estava fora, visitando a família, Kustaa Rovio, militante social-democrata, havia concordado em abrigar o marxista russo.
A carreira de Rovio, um homem grande e imponente, havia dado uma guinada improvável e extraordinária. Socialista de longa data, ele também era, agora, chefe de polícia de Helsingfors. Como exatamente ele conseguiu conciliar esse papel com a militância revolucionária é algo incerto. Sobre o hóspede que, poucos anos antes, havia defendido manter reservas de “bombas, pedras etc. ou armas químicas” para jogar contra seus colegas, o chefe de polícia Rovio disse: “Nunca conheci um camarada tão amistoso e encantador”.
A única exigência de Lenin – e nisso ele era inflexível – era que Rovio devia conseguir jornais russos todos os dias e dar um jeito de entregar secretamente as cartas que ele trocava com seus camaradas do partido. Isso o anfitrião fez até mesmo quando sua esposa retornou e Lenin teve de se mudar para o apartamento de um casal socialista, os Blomqvists, próximo a Telekatu.
Percorrendo rotas arriscadas, subindo a pé pela floresta até a fronteira, Krúpskaya visitou o marido mais de uma vez. O próprio Lenin passeava por Helsingfors com uma liberdade fora do comum. “Para me pegar”, disse com prazer, na mesa da cozinha dos Blomqvists, enquanto lia sobre a caçada do governo, “é preciso ser rápido, Keriénski.”
Acima de tudo, ao longo de agosto, assim como havia feito em julho e faria em setembro, Lenin escrevia. Mensagens, cartas e instruções aos camaradas, e outra longa obra. Já no primeiro dia em que o hospedou, Rovio encontrou Lenin adormecido na escrivaninha, com a cabeça sobre os braços e um caderno cuidadosamente escrito diante de si. “Tomado pela curiosidade”, relatou Rovio, “comecei a virar as páginas. Era o manuscrito de O Estado e a revolução.”
O livro é uma extraordinária e vigorosa negociação entre o antiestatismo implacável e a necessidade temporária do “Estado burguês sem a burguesia”, sob o domínio do proletariado. O texto histórico, descrito por Lucio Colletti como “a maior contribuição de Lenin à teoria política”, foi escrito em cima de um tronco às margens de um lago infestado de mosquitos e, depois, na mesa de um policial. E não estaria concluído quando as circunstâncias mudaram e Lenin pôde retornar à Rússia. O texto termina com um famoso resumo: “É mais prazeroso e útil passar pela experiência da revolução do que escrever sobre ela”.
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