quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

A Operação Lava Jato é didática




Corrupção 10/Feb/2015 às 11:37
A Operação Lava Jato é didática em revelar que a mídia relativiza a corrupção para atender seus próprios interesses. Para boa parte da imprensa, divulgar versões é mais importante do que divulgar fatos e se há corrupção no país, ela é obra de 'políticos,' nunca de empresas
por Fabio de Sa e Silva*
Tido, com acerto, como a maior expressão da consciência jurídica moderna (de matriz positivista), Kelsen começa sua famosa Teoria Pura do Direito com grande esforço para diferenciar a ordem jurídica de outras ordens sociais, algumas delas inclusive com caráter normativo, como a moral.
Em uma das passagens mais densas nesse sentido, o autor define a norma jurídica como um “esquema de interpretação”. Exprimindo, assim, uma relação situada no plano do dever ser, a norma jurídica tem vigência destacada da conduta (ser), ao mesmo tempo em que, por meio de atribuição da sanção, imprime a esta mesma conduta o significado (jurídico) de lícito ou ilícito.
Apesar das limitações próprias do momento em que escrevia a sua Teoria Pura, esta passagem de Kelsen antecipava questões que, um século depois, se tornariam triviais para a teoria do direito.
O giro linguístico, operado na filosofia ao longo do século XX, se refletiria de maneira inescapável neste outro terreno. A norma jurídica passaria a ser compreendida como construção discursiva – ou seja, resultado de processo cognitivo que articula texto e contexto e que produz enunciados com pretensão vinculante em relação aos destinos de uma comunidade política.
A partir desse estoque teórico, que começou a ser formado no século XIX e se consolidou no século XX, pode-se dizer com segurança que, para o direito, caracterizar uma pessoa (física ou jurídica) como corrupta requer estabelecer uma correspondência entre uma ou mais condutas desta pessoa e aquilo que um determinado texto legal designa – e sanciona – como corrupção.
Esta operação, por sua vez, encerra um processo fundamentalmente argumentativo, no qual, com o objetivo de convencer, as partes mobilizam argumentos e imagens (frames, diriam os estudiosos da comunicação) que permitam dar apoio para a tomada de decisão por quem tem a prerrogativa de aplicar a norma no caso concreto, determinando, assim, sua vigência e alcance.
É a consciência desse fato – de que a determinação da vigência e do alcance de uma norma jurídica jamais pode ser expediente meramente analítico –, que levou Kelsen a finalizar a Teoria Pura dizendo que o trabalho do jurista era capaz, apenas, de delimitar uma “moldura”, dentro da qual caberia ao aplicador buscar a resposta que entedia a mais correta. E foi como crítica da tentativa dos positivistas de obliterar esse possível espaço de arbitrariedade, inerente ao funcionamento de sistemas normativos modernos, que levou Warat a denunciar o senso comum teórico dos juristas, ou adeptos da crítica jurídica nos EUA a exporem a indeterminação do direito.
O estágio atual da Operação Lava Jato e, em especial, a forma como a imprensa passou a cobri-lo, convida a resgatar essas lições das prateleiras de introdução ao estudo do direito. Afinal, nas últimas semanas, jornais impressos e portais de notícias deram imenso destaque para elementos das defesas (jurídicas) de alguns dos acusados em função do caso.
“Corrupção partiu de políticos,” registrava uma das matérias, com base em trechos da defesa do doleiro Alberto Youssef. “Em nome de partido ou de governo,” Paulo Roberto Costa fazia “achaques” às empresas e aos empresários, assinalava outra matéria, reproduzindo trecho de peça redigida pelos advogados do vice-presidente da Engevix. “Se houve cartel, líder foi Petrobras,” destacava uma terceira matéria, a partir de trechos de peça apresentada pelos advogados da UTC, em procedimento administrativo que corre perante a própria Petrobras.
Para leitores desavisados, pode se tratar do gradativo aparecimento da verdade.
Pode até ser. Mas não é menos provável que se trate, ao inverso, da mobilização intencional de imagens, visando moldar o juízo jurídico sobre a conduta de tais personagens.
Tarefa esta, convenhamos, que ficou fácil no Brasil recente.
Para se contrapor à tese de que os fatos relacionados na ação penal 470, o chamado processo do mensalão, correspondiam apenas à prática de “caixa dois” e, por conseguinte, deveriam ter consequências penais relativamente pequenas, MPF e grande imprensa trataram de conformar um discurso alternativo. Nesse discurso, “políticos” em postos estratégicos no Estado drenavam recursos públicos para abastecer o “partido” e fortalecer o “projeto de poder”.
O ápice da história, como sabemos, foi o uso criativo da teoria do “domínio do fato” não apenas para condenar um personagem como José Dirceu, mas especialmente para buscar caracterizá-lo como “chefe de quadrilha”. Muito embora o crime de formação de quadrilha, ao final do julgamento, não tenha sido caracterizado aos olhos do Tribunal, tudo acabou se passando como se os repasses comprovados no processo fossem parte de um grande plano, no qual o Estado, a população e a própria democracia são vítimas do vilão “partido” e de seus integrantes “políticos”.
Embora tenha se mostrado poderosa no convencimento do Tribunal, a tese firmada pelo MPF e difundida pela imprensa ajudou a obscurecer os mecanismos pelos quais, desde muito antes do mensalão, a corrupção tem sido estruturada no país.
As características do sistema político eleitoral que transformaram a possibilidade de acesso a dinheiro – e não de realização de um projeto – no principal fator de articulação de interesses entre partidos políticos e poderes da República ficaram imunes à crítica.
O papel do setor privado e de funcionários públicos – todos reduzidos a “operadores” – foi, igualmente, desprezado.
E Aécio, conterrâneo de Marcos Valério e do antecedente nunca julgado “mensalão mineiro”, não teve pudores de dizer no debate da Globo, sob aplausos efusivos da claque, que para acabar com a corrupção no país “basta tirar o PT do poder”.
O que os advogados dos empresários e do doleiro Youssef pretendem agora, portanto, é tão somente invocar em favor de seus clientes a tese que, inusitadamente, o próprio MPF construiu. Se há corrupção no país, é obra de “partidos” e “políticos”. Cartéis – um jogo em que todos ganham, menos os contribuintes –, quando ocorreram, foram induzidos pela Petrobras. Empresários e doleiros, se entraram no esquema, foi por “concussão” ou “achaque”.
Parte da imprensa, para a qual divulgar versões parece ser mais importante que buscar os fatos, já indica que continuará se aproveitando da popularidade das velhas teses jurídicas sobre a corrupção e os corruptos – ainda que isto, no final das contas, sirva para blindar, de fato, as mesmas práticas que esses veículos adoram atacar.
Por onde irão Moro e Janot?
*Fabio de Sá e Silva é PhD em Direito, Política e Sociedade pela Northeastern University; Research Fellow na Harvard University
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Comentários
Félix Postado em 10/Feb/2015 às 13:06
Por onde irão Moro e Janot? Moro como se sabe é tucano até o bico e o Janot foi pedir ajuda ao FBI. Então duas são os objetivos: 01) Impeachement 02) privatização da Petrobrás. A sociedade organizada não aceitará e caso insistam preparem-se para o caos. Caos que talvez nos traga a verdadeira revolução proletária. Basta de acordos com a burguesia.
alexandre Postado em 11/Feb/2015 às 13:43
Falou zumbi .kkkk
eduardo Postado em 10/Feb/2015 às 13:26
Imagina a Vale nas mãos do PT?
Thiago Teixeira Postado em 10/Feb/2015 às 20:31
Imagina a CAIXA nas mãos do PSDB?
alexandre Postado em 11/Feb/2015 às 13:44
teixeira Imagina um dia os petralhas/fanáticos/zumbis como o senhor Thiago Teixeira , se livrando do fanatismo pela quadrilha de vermelho
Riaj Postado em 10/Feb/2015 às 13:48
Imagina a PETROBRÁS nas mõas dos tucanos? Não haveria mais Petrobrás, mas a PETROBRÁX, a vulgo CHEVRON. Nossas riquezas minerais já não são do povo, porém das multinacionais. E o petróleo só não foi, ainda, devido a intervenção do nacionalismo trabalhista.
alexandre Postado em 11/Feb/2015 às 13:45
Volta para sua galáxia ll fanático tonto kkkkkk
José Ferreira Postado em 10/Feb/2015 às 14:16
Devemos parar com essa disputa de "quem é mais (ou menos) corrupto" e resolver o problema de fato.
Diego Souza BR Postado em 10/Feb/2015 às 14:37
Essa história que roubar para o partido é certo, independente do partido é totalmente errada. Ao invés de resolver o problema e tomar alguma atitude, o pessoal fica retrucando que petralha está errado ou que coxinha está errado. Essa discussão tola não faz parar a roubalheira e o descaso com a população. O maior culpado disso tudo, somos nós que não fazemos nada e ficamos assistindo eles ferrarem com a gente...
Rilson Jaborão Postado em 10/Feb/2015 às 14:54
Fato. A guerrinha PT x PSDB só leva o Brasil mais pro fundo do poço. pena que poucos enxergam isso.
Itamar Postado em 10/Feb/2015 às 14:40
Já está sendo resolvido José, o PIG já não tem mais audiência e estão tentando o último tiro, pois se não conseguirem derrubar o PT agora, para que a torneira do governo volte a abastecer suas contas, não chegam ao final de 2015, quem dirá 2018. O dito porta-voz do PIG, o telejornal dos marinhos, só faz inserção comercial das empresas do próprio grupo, ninguém mais deseja anunciar neste que já foi o horário mais valorizado de propaganda do Brasil. Os outros meios de comunicação, os ditos jornalões de São Paulo e aquela revistinha semanal tem como grande maioria de anúncios, produtos próprios como a própria assinatura ou de outras publicações do grupo editorial em páginas inteiras ou duplas. Isto é, não entra mais dinheiro no caixa, o pouco que entra não é nem de longe suficiente para cobrir as despesas. Vamos cobrar do Governo a apuração dos fatos contra a corrupção deste e dos governos anteriores, mas também vamos limpar o nosso querido Brasil dessa imprensa nojenta e abjeta que só defende seus próprios interesses.
José Ferreira Postado em 10/Feb/2015 às 17:55
Primeiro vamos resolver o problema da corrupção. Depois discutimos sobre as mídias, pois, com mídias ou sem mídias, a corrupção está aí nas organizações públicas.
Daniel do Nascimento Duar Postado em 10/Feb/2015 às 21:57
... temos que acrescentar ... "está aí nas organizações públicas" e nas empresas privadas, pequenas e grandes. A gente leva um carro na oficina para revisar, se levarmos em 3 oficinas, cada uma vai falar sobre problemas diferentes e preços diferentes. As industrias fazem mercadoria para se deteriorarem logo após o final da garantia ... essa falta de seriedade com o próximo, com o patrimônio público, com os bens naturais, com o ambiente, com o trânsito reflete na política brasileira, nas classes dominantes. O buraco é fundo e bem embaixo.
jean-louis blackmont Postado em 10/Feb/2015 às 16:17
Excelente artigo. E impressiona o caráter seletivo da imprensa que blinda o governador Alckmin que deveria ser responsabilizado pela situação de calamidade a que chegou o Estado de São Paulo em virtude da estiage.
José Carlos Postado em 11/Feb/2015 às 18:42
Concordo. E a gentalha fascista que vem aqui no blog (parece que por obrigação, como eles mesmo dizem, devem receber algum para essa missão) deblaterar sem sequer ler o artigo. Agora, se leram, certeza de que nada entenderam. Aliás, além da preguiça tem a falta de preparo para entender as colocações, as explanações e conclusões. Enfim, é um debate inútil, não há argumento lógico, fático e sequer traço de alguma inteligência ou presença de espírito. Chega a ser patético.
jarau Postado em 10/Feb/2015 às 19:40
jose. você fala depois discutimos a mídia, sai da GLOBO e vai cair na realidade.
José Ferreira Postado em 10/Feb/2015 às 22:44
O fim da Globo não é o fim da corrupção.
José Carlos Postado em 11/Feb/2015 às 18:44
De fato, não é. Mas já seria um bom começo, não?
Angela Postado em 11/Feb/2015 às 13:49
O fim do P T também não seria o fim da corrupção.Aliás pra acabar com ela todos teriam que morrer e nascer de Novo! O que interessa é que as pessoas se toquem que precisam lutar pelo que realmente interessa,ou seja,inviabilizar a corrupção na Petrobras ou qq outro órgão e isso só se faz com uma reforma política seria e não com essa patacuada que o Cunha quer fazer!

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

"A linha que separa a genialidade alucinadamente surrealista  da idiotia pura e simples, é extraordinariamente fina. Dando-se o caso de, por vezes, ambas coexistirem na mesma personalidade."

João Lisboa

Foto do perfil de Professor Negreiros

Educação

4 de fev de 2015

Chegamos ao fim da Educação

Por: Eliana Rezende
“A escola acabou. É preciso encontrar outro lugar.”
(Michel Maffesoli)


Aqui uma interessante perspectiva é que a que defendo. O modelo de escola que temos está falido!
E não creio que tenha que ver com dinheiro e subsídios em primeiro lugar, antes sim tem que ver com motivação, objetos e objetivos. Neste modelo que conhecemos a educação não serve nem como elemento formador, inovador, nem criador. Há tempos este modelo deixou de tomar o individuo como um todo holístico inserido e integrado ao seu mundo e a seus tempo. Isto é, inserido em um contexto social, cultural, politico, econômico, produtivo.

Desde que a escola e seus sistemas supostamente inciaram a compartimentação, e pretensa especialização, os indivíduos começaram a atrofiar-se enquanto pessoas capazes de entender e propor alternativas ao seu tempo. E aí que todos os problemas surgiram.

A escola começou a ser vista, e funcionar, como um local onde conteúdos são dispostos e perfilados...apresentados um a um sem relação ou conexões. Tudo parece nada e nada precisa ser pensado, interpelado, questionado. O espirito crítico, criativo e elucubrador não é mais incentivado e cada vez mais, programas e conteúdos, são apenas dispostos como uma amassa amorfa a ser decorada. E aí que entram os elementos de desencanto, desinteresse e desmotivação não apenas de alunos, mas também de professores. Ninguém sabe ao certo porquê mesmo é que está ali, nem para quê.

A escola transformou-se em um local de metas e obrigações a cumprir e não um espaço criativo de vivências e oportunidades de convívio com o que é novo, diferente, instigante... infelizmente.

Daí que para este modelo, não há recursos que possam dar conta do esgotamento, desencanto e desmotivação.

O professor teria que ser apenas e tão somente um mentor a instigar e não um conteudista regurgitando conteúdos, números, dados, gráficos, tabelas, textos, poemas....precisaria ser capaz de transformar isso tudo em algo que estivesse conectado com o mundo em que estamos com a vida que tais discentes têm, rodeados de estímulos visuais, sonoros e, de que forma levá-los ao mesmo tempo a ver-se inseridos em uma sociedade que age e se reproduz desta ou daquela forma. Enquanto isso não ocorrer, não há reformas de currículos e verbas que darão conta de todo o sistema falido em que se pensa a Educação.


Vejo como única possibilidade de salvar a Educação o professor voltar a ser um iniciador!
Aquele que mostrará as ferramentas para que o discente descubra o mundo à sua volta. Só que mentores não são formados em escolas! Ser um mentor exige Sabedoria interior, visão holística aguçada, sensibilidade, perspicácia, generosidade intelectual. Todas características e qualidades que exigem cultivo, dedicação, disciplina. E aquí a minha pergunta: "quantos docentes tem estas qualidades?"

De novo insisto: estas qualidades não estão nos currículos de formação e não se adquirem por incentivos financeiros governamentais. Aí as "desculpas" cessam, já que precisam ser de inciativa individual daquele que chama para si a responsabilidade de ser um mentor intelectual.
Quantos agentes teríamos?
Boa pergunta!

A Educação precisa, e deve, ser pensada holisticamente. Sem este olhar terá chegado ao seu fim!

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3 comentários:

  1. Visão holística não concebe os fatos isoladamente; sim, integralmente.
    Responder
  2. Eliana, muito interessante o texto. Realmente parece que estamos formando robos. Só recebemos conteúdos e não questionamos como no tempo dos pensadores gregos. Temos que mudar e formar pessoas questionadoras e curiosas...
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  3. Eliana, só me responde, onde vão parar os professores rebeldes? Qual a punição por eles quererem uma educação diferente, de dar um passo a mais e novamente, de reconstruir a escola a partir da sociedade do conhecimento coletivo. São muito boas perguntas.
    Responder

India - Uma Civilização Superior

Liberte Sua Mente

Compartilhada publicamente08:30
 
ÍNDIA JÁ TEVE UMA CIVILIZAÇÃO SUPERIOR À NOSSA
Rama e Sita desembarcam de seu “Vimana Pushpaka” representado em formato de um Cisne.   No antigo Mahabharata, há menção de armas de raios divinas e, mesmo algum tipo de arma hipnótica.  E também no Ramayana, há uma farta descrição de veículos aéreos chamad...
Rama e Sita desembarcam de seu “Vimana Pushpaka” representado em formato de um Cisne.   No antigo Mahabharata, há menção de armas de raios divinas e, mesmo algum tipo de arma hipnótica.  E também no Ramayana, há uma farta...
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Foto do perfil de Professor Negreiros

DEPRESSÃO

DEPRESSÃO, PÂNICO & VESPAS



Wadislau Martins Gomes
Depressão dói mais do que aguilhoada de vespa na alma”. Quem disse isso não sabia que eu já experimentei os dois, na alma e no corpo. Ferroada no dedo, no beiço, nas costas – nada se compara à fisgada da bandida, na alma. Principalmente para quem é alérgico a flutuações do humor. Vem daí, que eu estava lendo Deuteronômio 7 e deparei com o termo “vespão”, em um contexto de depressão e de pânico. Sabe como é – parece coincidência, mas é apenas que chama a atenção.

O contexto do relato é a preparação do povo israelita para a conquista da terra prometida. Até aí, tudo bem. Deus diz que o povo irá inevitavelmente vencer nações mais poderosas. Maravilhoso! Deus recomenda duas coisas a serem mantidas em mente: guardar a lealdade ao pacto que ele fez com o povo, e obedecer aos mandamentos pactuais. Ótimo! Sobretudo, porque tem mais. Deus promete que o povo seria bendito, prolífero, sadio e bem sucedido. Quem quer mais? Um pedaço de quindim, talvez?

Entretanto, a coisa muda quando vem a recomendação: Não tenha temor, quando perceber que as nações são mais numerosas, dizendo: como poderei desapossá-las? Não queremos nem pensar; vai que acontece! Pior ainda é quando Deus diz que mandará entre eles [os inimigos] vespões, até que pereçam (v. 20). Aí, a gente pensa: “E se as vespas se voltarem contra mim”. Pelo menos, a minha experiência diz que abelha, vespa ou marimbondo, todo esse exército fedido prefere, no meio de tantos, atacar logo a mim. O interessante é que a palavra “vespões” (hb., tisir’rāh) tem um sentido de “pânico” e “depressão” (Peter C. Craigie, The Book of Deuteronomy. Grand Rapids, MI, Eerdmans, 1976, p. 182, n. 14).

Antes de chegar ao ponto, deixe-me colocar quatro coisas (sobre as quais poderemos tratar mais detalhadamente, em outra ocasião): (1) Depressão não é um mal em si mesmo; ela está para a alma assim como a dor está para o físico: previne que passemos o limite de nossa capacidade. (2) Depressão pode ser causada por problemas espirituais com reflexo no corpo, ou pelo corpo com reflexos na alma. (3) Depressão nem sempre é fruto de pecado, mas também não poderá ser seu motivo. (4) Em qualquer dos casos há uma ação requerida daquele que sofre a depressão, no sentido de se utilizar bem dessa provação a fim de recuperar o contentamento no Senhor.

Como reagir a dois desses marimbondos “cavalo do cão” que nos atacam a toda com veneno paralisante – depressão e pânico? Bem, se for daqueles de asas e ferrões, e não houver alergia: repouso, imobilização da área, torniquete (incisão e sucção removem 20% do veneno se feitos na primeira meia hora), sem estimulantes e muito líquido. Se o caso for pior, hospital, depressa! Mas, se for daquelas que pegam a alma, amarram, amordaçam e fazem definhar, aí, sendo de fundo físico, um médico e um bom conselheiro cristão poderão ajudar; se for de fundo emocional (a maioria das vezes), o tratamento poderá ser caseiro. Em qualquer dos casos, requererá a aplicação do quarto item, acima. A ação prescrita envolve, entre outras coisas, o uso da memória. Em todo o texto de Dt 4—8, é enfatizado o recurso da memória: “lembrar” e “não esquecer”.

(a) Lembrar as coisas que o Senhor fez para e em sua vida. Os israelitas, em função da falta de confiança em Deus (Dt 1.44), haviam sofrido uma derrota militar sob um ataque como que “de abelhas”; agora, o Senhor lhes prometia a mesma paga aos inimigos. Aí está! As depressões poderão ser nossas grandes amigas quando precisarmos de um recesso (como quando salta de um muro e flexiona os joelhos a fim de diminuir o choque); mas se nos deixarmos dominar pela depressão ou pelo pânico, o veneno vai direto à memória. A promessa do Senhor aos israelitas, agora, é o contrário: ele mandaria entre eles [os inimigos] vespões, até que pereçam (v. 20).

No nosso caso, são vespões contra vespões; e lembranças são como marimbondos santos que nos auxiliam na vitória contra a depressão e o pânico. Temos de manter na memória o dia da nossa salvação, quando, na cruz, o Senhor venceu o aguilhão do pecado, e sarou nossas feridas. Durante todo tempo, agora, ele tem nos disciplinado para a batalha, para que não sejamos (adaptando a figura) como meninos fugindo de abelhas (cf. Ef 4.14). Ceder à tentação de se deixar levar pelo “branco” que dá na mente, pela modorra que segue o dito: “não me faz rir que dói”, ou pelo sentimento de não querer ser consolado, tudo isso é como feronômio que só atrai mais marimbondos. É preciso lembrar os mandamentos e promessas do Senhor. Se acharmos que não dá para lembrar nada, alguém poderá ser o “grilo falante” da nossa consciência, lendo a Bíblia (Salmo 107; Mateus 26.36-42; João 12.23-28) ou outro livro (Por exemplo, David Powlison, Uma Nova Visão: SP, Editora Cultura Cristã, 2009). Orar, agradecendo a Deus as experiências específicas com sua bondade durante toda a vida é um “santo remédio”!

(b) Não podemos nos esquecer de quem Deus é. A Bíblia diz: Não te espantes diante deles, porque o Senhor, teu Deus, está no meio de ti, Deus grande e temível (Dt 7.21). Medo de quê? Futuro, pessoas, situações, tudo? Deveríamos ter medo de não confiar em Deus. A promessa do Senhor foi que ele estaria no meio dos israelitas, do mesmo modo que ele está no nosso meio, habitando em nós e no meio do problema. Ele é Deus presente; não estamos sós.

(i) Deus tem um propósito e um plano bom para nós. Deus disse ao povo que daria a vitória na conquista da terra prometida, pouco a pouco, porque ele não estava preparado, ainda, para governá-la e para que as feras do campo se não multipliquem contra ele. O Senhor, em tudo nos prepara para a vitória (cf. Romanos 8.22-39). Não podemos nos esquecer de que Deus nos amou, entregando seu Filho a fim de que tivéssemos a vida eterna (cf. João 3.16). Seu propósito é o de que vivamos uma vida de tempo e qualidade eternos. As muitas lutas são parte do seu plano para fortalecer nossos joelhos. Hebreus 12.11-13 diz que a “disciplina, no momento, não parece ser motivo de alegria”, mas, depois, produz fruto de justiça. Assim, somos instados a restabelecer as “mãos descaídas e os joelhos trôpegos e fazei caminhos retos para os pés”, afim de sermos curados. Dobrar os joelhos diante de Deus, e exercitar os joelhos diante dos homens cura pânicos e depressões. (Você já tentou matar marimbondo, no quarto, com toalha de rosto?).

(ii) O Senhor é homem de guerra (Êxodo 15.3). A vitória que ele dá, requer o exercício da lei da guerra. Primeiro, retire da cabeça os livros sobre a arte da guerra (tem muitos, novos e antigos; cf. Carl Von Clausewitz, 1780-1831). A lei da guerra, na Bíblia não é a da vitória da carne autônoma, independente, egoísta; é a arte de amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como já amamos a nós mesmos. Assim, Paulo também diz que “nossa luta não é contra o sangue e a carne” (Efésios 6.12). Nessa luta contra a depressão e o pânico, os inimigos são aquelas coisas que militam contra o Espírito de Deus. Paulo também diz, em Gálatas 5.13-25, que nossa carne é escrava de lutas intestinas: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas (vv. 19b-21). Contra esses, a ordem bíblica é: (i) destruir o poder de fogo inimigo e inabilitá-lo para a luta; (ii) subjugar o inimigo interno até à morte e não permitir que o seu ambiente externo tenha força de contra-ataque; (iii) a guerra só termina quando a vontade do inimigo for inteiramente dominada pelo Espírito de Deus (cf. Dt. 20.10-18).

O ponto chave em tudo isso é: “mais vale dois marimbondos voando do que um na mão”. Dt 7. 23-26, finalmente, reafirma aos israelitas a promessa de Deus, de destruir o inimigo enquanto os prepara e fortalece para a vitória (vv. 23-24). A parte de Deus, deixemos com ele e confiemos em seu poder e bondade. Quanto a nós, havemos de queimar todos os ídolos e parafernália de idolatria – até mesmo, o culto aos rótulos diagnósticos, o temor da doença, os caldos de galinha psicológicos etc. A depressão e o pânico são tão valorizados que parecem prata e ouro, mas são apenas peças banhadas que escondem cobiça (quebra dos primeiros quatro mandamentos) e sujeição à carne (quebra dos últimos seis mandamentos).

Bem sei quando dói a picada do marimbondo e não quero ser um vespão na sua tristeza. Antes, peço a Deus que o veneno da bendita acione o antídoto da Palavra de Deus e sua comunhão a fim de que você reúna toda a fraqueza dos ossos, músculos e nervos, e toda a força e óleo da graça para sair campo afora, catando mel de abelhas.

Originalmente em Coram Deo

Luis Nassif - O jornalismo brasileiro

O jornalismo dos anos 90 - Luis Nassif

Editora: Futura
ISBN: 8574131687
Opinião: **
Páginas: 307
     “Criou-se um círculo vicioso. Ocorre o episódio. De cara, forma-se o juízo e apresenta – se a conclusão. Ainda sem ter acesso aos argumentos do acusado, o leitor passivamente aceita o que lhe foi apresentado. Depois, pesquisas de opinião, dando conta do que o leitor pensa – tendo tido acesso apenas à primeira versão – estratificam a cobertura em torno dela”.


      “O que se viu dali em diante foi uma catarse diária, um vomitório sem fim. Matérias afirmando que Collor injetava cocaína por supositório, que fazia sessões de umbanda nos salões do Palácio do Alvorada, que a primeira dama era sapatão, que Collor ficava catatônico e, para sair da crise, tinha que ser penetrado por seu chefe de gabinete. Não se sabia mais de que lado havia mais falta de escrúpulos: se do lado de Collor ou da mídia, e de suas fontes, todos aspirando aos seus quinze segundos de glória.
     A campanha terminou com a renúncia de Collor e se criou um vazio na cobertura diária.
     Todos, jornais, revistas, televisão e seus respectivos públicos tinham se viciado no escabroso, no repugnante, no obsceno, no escatológico. E a imprensa tinha se dado conta de que podia derrubar presidentes. O tigre provara de carne fresca.
     Os controles de qualidade foram relaxados, paradoxalmente no mesmo momento em que as redações adotavam mecanismos de controles formais de conteúdo foram para o espaço. Os repórteres eram estimulados a voltar diariamente com escândalos, de que natureza fosse. A única exigência é que fosse escândalo, se real ou não era de menos.”


      “Em pleno início de milênio, que papel a mídia tem desempenhado para o desenvolvimento brasileiro? Há um sem-número de críticas ao nosso desempenho. Praticamente inexiste o conceito de relevância na matéria jornalística. Em qualquer cobertura de fato relevante, a tendência é de se realçar o imprevisto, a frase que pode gerar conflito, deflagrar a catarse em lugar de relatar a essência do assunto.
     Existe dificuldade enorme de se conferir tratamento analítico aos temas, de analisar ponto por ponto os diversos ângulos da questão, apresentar as versões conflitantes, inseri-lo em um contexto mais amplo, em suma, pensar de maneira moderna. Em geral as análises são substituídas por opiniões quase sempre taxativas, quase nunca analíticas, que espelham muito mais as preferências do autor do que análises acuradas.”


      “Buarque de Hollanda observava que o brasileiro é mais receptivo à declaração peremptória, definitiva, ainda que vazia de conteúdo, mas que não obrigue a pensar. O brasileiro prefere mais a conclusão que a demonstração, “o que fazer” ao “como fazer”, valoriza mais quem critica do que quem faz.
     Anotava o mestre que outro aspecto amplamente valorizado é o negativismo, calcado em afirmações peremptórias que jamais apontam rumos, mas sempre sugerem a salvação. Até nossos positivistas – dizia Buarque de Hollanda – eram “negativistas”, misturando o discurso moral ao da negação de tudo, como se, negando tudo, se chegasse por milagre à solução. As declarações não costumam guardar lógica entre si, constatava ele. O crítico é capaz de usar conceitos de uma escola de pensamento, no momento seguinte utilizar outro conceito diametralmente oposto, com a mesma ênfase.” (...)
     Hoje em dia, no Brasil, a indignação virou valor ideológico em si, seja contra o governo, a oposição, seja contra o estacionamento de supermercado. Pouco importa se há razão ou não nela, se venha acompanhada ou não de sugestões de solução (invariavelmente não vem). A indignação virou um valor em si.”


      “Alguns dos novos valores já se tornaram hegemônicos na vida nacional. Por exemplo: O primado dos direitos individuais sobre os corporativos e os econômicos; dos direitos do consumidor sobre os do fabricante; dos direitos dos cidadãos sobre os do Estado. E assim por diante.”


      “Uma nação é constituída por um conjunto de procedimentos e padrões de conduta que se passam através das gerações. Na base da reação que o país empreende contra a impunidade, estão lições morais transmitidas de pai para filho. Cada cidadão que foi à rua, do mais novo ao mais idoso, no fundo está homenageando a figura paterna, recebendo simbolicamente o bastão dos princípios éticos, que mais à frente será passado para seus filhos e netos, ajudando a moldar e a perpetuar esta entidade abstrata e tão concreta denominada Brasil.”
(26/08/92)


      “Há anos esse modelo concentra renda, condena a produção e impede a modernização e a renovação empresarial. Abortou sucessivos movimentos desenvolvimentistas, quebrou várias vezes o Estado, inspirou sucessivos calotes nos poupadores comuns, desviou recursos sem fim dos gastos sociais e da infraestrutura, sacrificou milhares de empreendedores, em nome de uma falsa ciência.
     Os arautos da nova ideologia venderam a idéia de que, se os juros baixassem, a inflação estouraria. Os juros mantiveram-se estupidamente elevados, e a inflação nunca cedeu.”
(13/05/95)


“1) Do dia 5 de maio até ontem – 10 dias, portanto – as taxas de juros pagas pelo Banco Central comeram todos os recursos que o governo vai apurar com a venda de suas participações minoritárias no setor petroquímico.
2) No mês de maio, o custo da dívida equivalerá a tudo o que foi repassado para a saúde nos primeiros quatro meses do ano.
3) Na semana passada, a coluna estimou que a participação do governo na Vale equivaleria a 5 meses de juros. Enganou-se. Como o volume de dívida interna em poder do público é de US$ 65 bilhões, e com juros de 4% ao mês (em dólar, já que a idéia do BC é manter a paridade atual), o valor da Vale corresponde a 2,7 meses de juros.
4) De hoje a 6 de agosto os juros terão devorado tudo o que vai se arrecadar com a Vale. Se sua privatização demorar um ano, o mero aumento da dívida interna, com esses juros malucos, corresponderá a 6 Vales do Rio Doce.
5) A participação do governo em todo setor de telefonia corresponde a 4 meses de juros atuais.”
(15/05/95)


      “Quando se preparou a troca de moedas do real, todas as avaliações indicavam que tinha-se o melhor conjunto de circunstâncias favoráveis na economia para um plano de estabilização. Confira:
1) Maior nível de reservas cambiais da história – possível apenas depois que o economista Ibrahim Éris reformulou a política cambial brasileira.
2) Uma economia aberta e superavitária – a partir da reestruturação do comércio exterior, e de um programa de abertura planejada da economia.
3) Uma economia desregulamentada – depois do fim da reserva de mercados e de um sem número de restrições à livre competição.
4) Empresas brasileiras reestruturadas e ingressando firmemente em projetos de modernização – processo iniciado com o Plano Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP) e com as Câmaras Setoriais.
5) Programas de investimento em quase todos os setores – assegurados pela manutenção das regras do jogo por quatro anos.
6) Relativo consenso sobre reformas fundamentais.
7) Equacionamento da dívida interna, ainda que às custas da violência do bloqueio dos cruzados.
(...) Com apenas 18 meses com a economia de volta às mãos dos pacoteiros, e apenas com sua capacidade de brincar de fliperama com as políticas monetária e cambial, tem-se: 1) O país em nova crise cambial; 2) a volta de alíquotas super-protetoras em muitos setores; 3) crescimento exponencial da dívida interna, comprometendo o futuro ajuste fiscal; 4) e uma multidão de empreendedores arrependidos até a medula dos ossos por terem apostado no país e programado investimentos.
     Mesmo assim, recebem olhares embevecidos de analistas rasos, que conclamam, com um frêmito nelsonrodriguiano: o plano é bom, porque faz doer.”
(25/05/1995)


      “O que ocorre hoje com a questão dos juros é típico desse processo. Com esses níveis de juros, tem-se as seguintes consequências óbvias:
1) Empresas pequenas e médias, menos capitalizadas, rodarão, jogando no mercado um exército de desempregados – donos de pequenos negócios e funcionários.
2) Grandes empresas reduzirão sua produção, aumentando o número de desempregados. Mas preservarão lucros porque, sendo líquidas, compensarão seu prejuízo operacional com aplicações financeiras.
3) Pelo simples exercício de trazer dinheiro lá de fora e aplicar nesses inexplicáveis 4,5% ao mês, os bancos de negócios repetirão os extraordinários lucros do ano passado.
4) Todo o lucro do setor capitalizado da economia será bancado pelo Estado, às custas do aumento exponencial da dívida interna. Tudo o que se arrecadar com a venda de estatais não será suficiente para bancar o mero crescimento da dívida interna, em função desses juros.
5) Com a queda da atividade econômica, em pouco tempo as receitas tributárias vão despencar. Vai faltar dinheiro para a área social.”
(28/05/95)


      “No início de julho, nem um mês atrás, por exemplo, o diretor do IPEA, Cláudio Considera – numa afirmação ofensiva a centenas de milhares de empresas e pessoas físicas inadimplentes – declarou que “as empresas que estão quebrando com os juros foram as que se endividaram, apostando no fracasso do Plano Real”.
     Ou seja, empresas e pessoas físicas estão quebrando apenas para boicotar o Real.”
(31/07/95)


      “Nos últimos anos vigorou um modelo de jornalismo torto e superficial, no qual o sucesso profissional dependia da capacidade do jornalista de fuzilar pessoas, de praticar a intriga, de se comportar como Deus.
     Apuro técnico, esforço em entender temas complexos, aprofundamento da reportagem, paciência de esperar pelo tema relevante e não sair fazendo carnaval em cima de qualquer bobagem, tudo foi deixado de lado.
     É momento de rever esses valores e de a nova geração, que está entrando nas redações, ser pautada por critérios de ética e de qualidade – à altura do novo país, moderno, que a própria imprensa não se cansa de incensar.
     A imprensa vai encontrar o caminho da qualidade quando amadorismos, falsas denúncias, falsas ênfases e informações incorretas passarem a ser elementos centrais na avaliação da carreira do jornalista. E quando se romper esse pacto de mediocridade pelo qual todos os jornais têm de se comportar da mesma maneira em relação aos fatos – para não serem furados ou para não remarem contra a maré.
     Principalmente quando, jornais e jornalistas, nos dermos conta de que, mais do que a cobertura de um fato, estamos ajudando a moldar o próprio caráter nacional.”
(17/03/97)


      “Quando o déficit comercial ampliou, disseram que bastariam dois anos para que o aumento de produtividade permitisse o crescimento das exportações. Quando as exportações não cresceram, disseram que bastaria a recuperação dos preços internacionais para os superávits voltarem. Quando os asiáticos desvalorizaram suas moedas, disseram que levaria muitos anos até que sua economia se reorganizasse e lhes devolvessem o ímpeto exportador. Quando o Brasil quebrou externamente, disseram que bastaria um plano fiscal para reequilibrar as contas externas. Quando a comunidade financeira internacional dizia que a política cambial não deveria ser alterada, disseram que não poderiam tomar uma atitude que fosse contra as expectativas do mercado. Quando as expectativas do mercado apontavam que a combinação de câmbio apreciado e taxas de juros elevadas era um beco sem saída, e passou a recomendar mudança cambial, disseram que não se curvariam às pressões dos especuladores internacionais.
     De desculpa em desculpa, chegou-se ao desfecho da última etapa da crise cambial – que tem início com a ida ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Ontem começou oficialmente o terceiro ataque apache. Só que, agora, com reservas em queda livre e taxas de juros que esfrangalham com a economia e produzem apenas pânico entre os investidores.”
(13/01/1999)


      “O problema número um do Brasil hoje em dia chama-se FHC. Câmbio, votações perdidas no Congresso, taxas de juros suicidas, tudo é pinto perto da percepção cada vez mais forte, interna e externamente, de que o país padece de uma crise de governabilidade.
     O resto, tudo se conserta. O problema é consertar FHC 1. Se, dessa crise, não emergir um FHC 2, renovado, estruturalmente modificado, o presidente – que iniciou seu mandato como a maior esperança de modernização do país – , terminará como responsável pelo mais grave desastre econômico da história.
     É histórico o isolamento a que são submetidos governantes. Mas a incapacidade de enfrentar a adversidade, encarar os conflitos e tomar decisões está chegando às raias do autismo. Para não conviver com notícias desagradáveis, FHC perdeu contato completo com a realidade. Deixou de ouvir empresários, sindicalistas, analistas isentos, banqueiros, industriais. Seu círculo estreitou-se perigosamente, todos procurando poupar o chefe de dissabores.
     Com o país na iminência de um ataque cambial definitivo, anunciava que viria para Brasília para, depois, retomar as férias. Conseguiu ser mais alienado do que o comandante do Titanic.
(14/01/1999)


      “O que fez o Congresso quando o Executivo resolveu bancar uma aposta cambial com um custo fiscal na casa da centena de bilhão de dólares? O que fez o Senado – que tem por obrigação constitucional zelar pelos limites de endividamento do estado – quando uma política monetária irresponsavelmente continuada quebrou a União, estados e municípios? O que fizeram os partidos aliados do governo, a não ser disputar cargos? O que fez o STF ante a enxurrada de medidas provisórias que liquidaram com qualquer arremedo de equilíbrio entre os poderes? O que fez o procurador geral ante o poder absurdo de que se revestia o BC, para impor perdas e ganhos ao mercado? O que fizemos nós – da mídia como um todo – a não ser incensar essa maluquice, chegando ao cúmulo de transformar o Ministro da Fazenda Pedro Malan em herói nacional – justo no dia em que foi negociar a rendição com o FMI e impor a continuidade de uma política cambial que, em pouco mais de dois meses, infligiu perdas bilionárias adicionais ao país.
     Felizmente, tem-se Francisco Lopes para permitir a esse belo espécimen de democracia tropical, purgar todos seus pecados. Todos os poderes, que falharam na fiscalização dos interesses nacionais, têm interesse direto na sua condenação. O Congresso – que nada fiscalizou, os partidos aliados – mais interessados em cargos, o judiciário – sob a mira da CPI, o procurador geral – visto como complacente com o poder, e o Executivo que vê as culpas de decisões políticas desastrosas serem convertidas em uma falha de uma só pessoa. O que menos importa é se saber se é inocente ou, no caso de ser culpado, qual o limite da sua culpa.”
(27/04/1999)


      “A maneira como Francisco Lopes conduziu a política monetária nos últimos anos é um monumento à ortodoxia e à alienação acadêmica. Praticamente não deu ouvidos a ninguém. Sua bússola eram apenas os indicadores de PIB perseguidos pelo modelito matemático que tinha na cabeça. Não se exigia de Lopes posturas populistas, mas não se obtinha dele sequer questionamentos racionais, tipo: não seria possível se alcançar os objetivos propostos com menos sacrifícios para o país como um todo? Não seria possível reduzir os juros em um ritmo mais rápido? Não seria possível buscar linhas de ação menos traumáticas para o tecido social?
     Nesse sentido, Lopes é o intelectual clássico, da mesma estirpe daqueles que desenvolveram a bomba atômica. Seria capaz de fulminar civilizações e até morrer em nome da ciência... mas jamais surrupiar um parafuso sequer do laboratório.”
(12/05/1999)


      “O país tem características que perduram, ainda hoje, em que pese a influência da globalização. Somos individualistas, refratários a qualquer forma de autoridade, disciplina ou controle impessoal, cultivadores do negativismo e facilmente impressionáveis com formulações teóricas vagas. Somos um povo que gosta de intimidades, sendo íntimos tanto de aliados como de adversários, e abominamos as regras impessoais. Essa aversão à impessoalidade é o maior obstáculo para a consolidação de leis e instituições e da subordinação a regras de condutas, seja nas leis ou nos negócios. Sempre existe o “jeitinho” para driblar a restrição impessoal.”
(14/05/2001)

Um comentário:

Doney Stinguel disse...
Este seria considerado um bom livro senão fossem dois erros graves cometidos em seu texto. O primeiro, com relação ao ex-deputado Sérgio Naya – escuso-me de comentar.
Outro, com relação ao massacre de Eldorado dos Carajás. Baseado nas precárias imagens que conseguiram ser gravadas, Nassif tece uma teia de erros crassos, dizendo que os sem-terra é que atacaram os PMs. O que a imagem não consegue mostrar, mas a perícia comprovou através do áudio, é que a PM atirou primeiro, várias vezes. Como estavam tomando bala, os sem-terra reagiram.
Baseado num princípio completamente equivocado e, ouvindo só uma das partes, Nassif cai numa das maiores esparrelas de toda sua carreira. 
Uma lástima.
Erros como este, mais tarde deram azo a criminalização dos movimentos sociais. 
É lógico que o Nassif - jornalista que admiro - não é responsável por isto. Mas deu sua pequena contribuição neste episódio.

...inexiste o conceito de relevância na matéria jornalística

 
“Em pleno início de milênio, que papel a mídia tem desempenhado para o desenvolvimento brasileiro? Há um sem-número de críticas ao nosso desempenho. Praticamente inexiste o conceito de relevância na matéria jornalística. Em qualquer cobertura de fato relevante, a tendência é de se realçar o imprevisto, a frase que pode gerar conflito, deflagrar a catarse em lugar de relatar a essência do assunto.
Existe dificuldade enorme de se conferir tratamento analítico aos temas, de analisar ponto por ponto os diversos ângulos da questão, apresentar as versões conflitantes, inseri-lo em um contexto mais amplo, em suma, pensar de maneira moderna. Em geral as análises são substituídas por opiniões quase sempre taxativas, quase nunca analíticas, que espelham muito mais as preferências do autor do que análises acuradas.”
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Mais em:
http://listadelivros-doney.blogspot.com.br/2009/12/o-jornalismo-dos-anos-90-luis-nassif.html
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Foto do perfil de Professor Negreiros