DEPRESSÃO, PÂNICO & VESPAS
Wadislau Martins Gomes
“Depressão dói mais do que aguilhoada de vespa na alma”. Quem disse isso não sabia que eu já experimentei os dois, na alma e no corpo. Ferroada no dedo, no beiço, nas costas – nada se compara à fisgada da bandida, na alma. Principalmente para quem é alérgico a flutuações do humor. Vem daí, que eu estava lendo Deuteronômio 7 e deparei com o termo “vespão”, em um contexto de depressão e de pânico. Sabe como é – parece coincidência, mas é apenas que chama a atenção.
O contexto do relato é a preparação do povo israelita para a conquista da terra prometida. Até aí, tudo bem. Deus diz que o povo irá inevitavelmente vencer nações mais poderosas. Maravilhoso! Deus recomenda duas coisas a serem mantidas em mente: guardar a lealdade ao pacto que ele fez com o povo, e obedecer aos mandamentos pactuais. Ótimo! Sobretudo, porque tem mais. Deus promete que o povo seria bendito, prolífero, sadio e bem sucedido. Quem quer mais? Um pedaço de quindim, talvez?
Entretanto, a coisa muda quando vem a recomendação: Não tenha temor, quando perceber que as nações são mais numerosas, dizendo: como poderei desapossá-las? Não queremos nem pensar; vai que acontece! Pior ainda é quando Deus diz que mandará entre eles [os inimigos] vespões, até que pereçam (v. 20). Aí, a gente pensa: “E se as vespas se voltarem contra mim”. Pelo menos, a minha experiência diz que abelha, vespa ou marimbondo, todo esse exército fedido prefere, no meio de tantos, atacar logo a mim. O interessante é que a palavra “vespões” (hb., tisir’rāh) tem um sentido de “pânico” e “depressão” (Peter C. Craigie, The Book of Deuteronomy. Grand Rapids, MI, Eerdmans, 1976, p. 182, n. 14).
Antes de chegar ao ponto, deixe-me colocar quatro coisas (sobre as quais poderemos tratar mais detalhadamente, em outra ocasião): (1) Depressão não é um mal em si mesmo; ela está para a alma assim como a dor está para o físico: previne que passemos o limite de nossa capacidade. (2) Depressão pode ser causada por problemas espirituais com reflexo no corpo, ou pelo corpo com reflexos na alma. (3) Depressão nem sempre é fruto de pecado, mas também não poderá ser seu motivo. (4) Em qualquer dos casos há uma ação requerida daquele que sofre a depressão, no sentido de se utilizar bem dessa provação a fim de recuperar o contentamento no Senhor.
Como reagir a dois desses marimbondos “cavalo do cão” que nos atacam a toda com veneno paralisante – depressão e pânico? Bem, se for daqueles de asas e ferrões, e não houver alergia: repouso, imobilização da área, torniquete (incisão e sucção removem 20% do veneno se feitos na primeira meia hora), sem estimulantes e muito líquido. Se o caso for pior, hospital, depressa! Mas, se for daquelas que pegam a alma, amarram, amordaçam e fazem definhar, aí, sendo de fundo físico, um médico e um bom conselheiro cristão poderão ajudar; se for de fundo emocional (a maioria das vezes), o tratamento poderá ser caseiro. Em qualquer dos casos, requererá a aplicação do quarto item, acima. A ação prescrita envolve, entre outras coisas, o uso da memória. Em todo o texto de Dt 4—8, é enfatizado o recurso da memória: “lembrar” e “não esquecer”.
(a) Lembrar as coisas que o Senhor fez para e em sua vida. Os israelitas, em função da falta de confiança em Deus (Dt 1.44), haviam sofrido uma derrota militar sob um ataque como que “de abelhas”; agora, o Senhor lhes prometia a mesma paga aos inimigos. Aí está! As depressões poderão ser nossas grandes amigas quando precisarmos de um recesso (como quando salta de um muro e flexiona os joelhos a fim de diminuir o choque); mas se nos deixarmos dominar pela depressão ou pelo pânico, o veneno vai direto à memória. A promessa do Senhor aos israelitas, agora, é o contrário: ele mandaria entre eles [os inimigos] vespões, até que pereçam (v. 20).
No nosso caso, são vespões contra vespões; e lembranças são como marimbondos santos que nos auxiliam na vitória contra a depressão e o pânico. Temos de manter na memória o dia da nossa salvação, quando, na cruz, o Senhor venceu o aguilhão do pecado, e sarou nossas feridas. Durante todo tempo, agora, ele tem nos disciplinado para a batalha, para que não sejamos (adaptando a figura) como meninos fugindo de abelhas (cf. Ef 4.14). Ceder à tentação de se deixar levar pelo “branco” que dá na mente, pela modorra que segue o dito: “não me faz rir que dói”, ou pelo sentimento de não querer ser consolado, tudo isso é como feronômio que só atrai mais marimbondos. É preciso lembrar os mandamentos e promessas do Senhor. Se acharmos que não dá para lembrar nada, alguém poderá ser o “grilo falante” da nossa consciência, lendo a Bíblia (Salmo 107; Mateus 26.36-42; João 12.23-28) ou outro livro (Por exemplo, David Powlison, Uma Nova Visão: SP, Editora Cultura Cristã, 2009). Orar, agradecendo a Deus as experiências específicas com sua bondade durante toda a vida é um “santo remédio”!
(b) Não podemos nos esquecer de quem Deus é. A Bíblia diz: Não te espantes diante deles, porque o Senhor, teu Deus, está no meio de ti, Deus grande e temível (Dt 7.21). Medo de quê? Futuro, pessoas, situações, tudo? Deveríamos ter medo de não confiar em Deus. A promessa do Senhor foi que ele estaria no meio dos israelitas, do mesmo modo que ele está no nosso meio, habitando em nós e no meio do problema. Ele é Deus presente; não estamos sós.
(i) Deus tem um propósito e um plano bom para nós. Deus disse ao povo que daria a vitória na conquista da terra prometida, pouco a pouco, porque ele não estava preparado, ainda, para governá-la e para que as feras do campo se não multipliquem contra ele. O Senhor, em tudo nos prepara para a vitória (cf. Romanos 8.22-39). Não podemos nos esquecer de que Deus nos amou, entregando seu Filho a fim de que tivéssemos a vida eterna (cf. João 3.16). Seu propósito é o de que vivamos uma vida de tempo e qualidade eternos. As muitas lutas são parte do seu plano para fortalecer nossos joelhos. Hebreus 12.11-13 diz que a “disciplina, no momento, não parece ser motivo de alegria”, mas, depois, produz fruto de justiça. Assim, somos instados a restabelecer as “mãos descaídas e os joelhos trôpegos e fazei caminhos retos para os pés”, afim de sermos curados. Dobrar os joelhos diante de Deus, e exercitar os joelhos diante dos homens cura pânicos e depressões. (Você já tentou matar marimbondo, no quarto, com toalha de rosto?).
(ii) O Senhor é homem de guerra (Êxodo 15.3). A vitória que ele dá, requer o exercício da lei da guerra. Primeiro, retire da cabeça os livros sobre a arte da guerra (tem muitos, novos e antigos; cf. Carl Von Clausewitz, 1780-1831). A lei da guerra, na Bíblia não é a da vitória da carne autônoma, independente, egoísta; é a arte de amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como já amamos a nós mesmos. Assim, Paulo também diz que “nossa luta não é contra o sangue e a carne” (Efésios 6.12). Nessa luta contra a depressão e o pânico, os inimigos são aquelas coisas que militam contra o Espírito de Deus. Paulo também diz, em Gálatas 5.13-25, que nossa carne é escrava de lutas intestinas: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas (vv. 19b-21). Contra esses, a ordem bíblica é: (i) destruir o poder de fogo inimigo e inabilitá-lo para a luta; (ii) subjugar o inimigo interno até à morte e não permitir que o seu ambiente externo tenha força de contra-ataque; (iii) a guerra só termina quando a vontade do inimigo for inteiramente dominada pelo Espírito de Deus (cf. Dt. 20.10-18).
O ponto chave em tudo isso é: “mais vale dois marimbondos voando do que um na mão”. Dt 7. 23-26, finalmente, reafirma aos israelitas a promessa de Deus, de destruir o inimigo enquanto os prepara e fortalece para a vitória (vv. 23-24). A parte de Deus, deixemos com ele e confiemos em seu poder e bondade. Quanto a nós, havemos de queimar todos os ídolos e parafernália de idolatria – até mesmo, o culto aos rótulos diagnósticos, o temor da doença, os caldos de galinha psicológicos etc. A depressão e o pânico são tão valorizados que parecem prata e ouro, mas são apenas peças banhadas que escondem cobiça (quebra dos primeiros quatro mandamentos) e sujeição à carne (quebra dos últimos seis mandamentos).
Bem sei quando dói a picada do marimbondo e não quero ser um vespão na sua tristeza. Antes, peço a Deus que o veneno da bendita acione o antídoto da Palavra de Deus e sua comunhão a fim de que você reúna toda a fraqueza dos ossos, músculos e nervos, e toda a força e óleo da graça para sair campo afora, catando mel de abelhas.
Originalmente em Coram Deo