Redação Pragmatismo Editor(a)
Corrupção 10/Feb/2015 às 11:37
A
Operação Lava Jato é didática em revelar que a mídia relativiza a corrupção
para atender seus próprios interesses. Para boa parte da imprensa, divulgar
versões é mais importante do que divulgar fatos e se há corrupção no país, ela
é obra de 'políticos,' nunca de empresas
por Fabio de Sa e
Silva*
Tido, com acerto, como a maior
expressão da consciência jurídica moderna (de matriz positivista), Kelsen
começa sua famosa Teoria Pura do Direito com grande esforço para diferenciar a
ordem jurídica de outras ordens sociais, algumas delas inclusive com caráter
normativo, como a moral.
Em uma das passagens mais densas
nesse sentido, o autor define a norma jurídica como um “esquema de interpretação”.
Exprimindo, assim, uma relação situada no plano do dever ser, a norma jurídica
tem vigência destacada da conduta (ser), ao mesmo tempo em que, por meio de
atribuição da sanção, imprime a esta mesma conduta o significado (jurídico) de
lícito ou ilícito.
Apesar das limitações próprias do
momento em que escrevia a sua Teoria Pura, esta passagem de Kelsen antecipava
questões que, um século depois, se tornariam triviais para a teoria do direito.
O giro linguístico, operado na
filosofia ao longo do século XX, se refletiria de maneira inescapável neste
outro terreno. A norma jurídica passaria a ser compreendida como construção
discursiva – ou seja, resultado de processo cognitivo que articula texto e
contexto e que produz enunciados com pretensão vinculante em relação aos
destinos de uma comunidade política.
A partir desse estoque teórico,
que começou a ser formado no século XIX e se consolidou no século XX, pode-se
dizer com segurança que, para o direito, caracterizar uma pessoa (física ou
jurídica) como corrupta requer estabelecer uma correspondência entre uma ou
mais condutas desta pessoa e aquilo que um determinado texto legal designa – e
sanciona – como corrupção.
Esta operação, por sua vez,
encerra um processo fundamentalmente argumentativo, no qual, com o objetivo de
convencer, as partes mobilizam argumentos e imagens (frames, diriam os
estudiosos da comunicação) que permitam dar apoio para a tomada de decisão por
quem tem a prerrogativa de aplicar a norma no caso concreto, determinando,
assim, sua vigência e alcance.
É a consciência desse fato – de
que a determinação da vigência e do alcance de uma norma jurídica jamais pode
ser expediente meramente analítico –, que levou Kelsen a finalizar a Teoria
Pura dizendo que o trabalho do jurista era capaz, apenas, de delimitar uma
“moldura”, dentro da qual caberia ao aplicador buscar a resposta que entedia a
mais correta. E foi como crítica da tentativa dos positivistas de obliterar
esse possível espaço de arbitrariedade, inerente ao funcionamento de sistemas normativos
modernos, que levou Warat a denunciar o senso comum teórico dos juristas, ou
adeptos da crítica jurídica nos EUA a exporem a indeterminação do direito.
O estágio atual da Operação Lava
Jato e, em especial, a forma como a imprensa passou a cobri-lo, convida a
resgatar essas lições das prateleiras de introdução ao estudo do direito.
Afinal, nas últimas semanas, jornais impressos e portais de notícias deram
imenso destaque para elementos das defesas (jurídicas) de alguns dos acusados
em função do caso.
“Corrupção partiu de políticos,”
registrava uma das matérias, com base em trechos da defesa do doleiro Alberto
Youssef. “Em nome de partido ou de governo,” Paulo Roberto Costa fazia
“achaques” às empresas e aos empresários, assinalava outra matéria, reproduzindo
trecho de peça redigida pelos advogados do vice-presidente da Engevix. “Se
houve cartel, líder foi Petrobras,” destacava uma terceira matéria, a partir de
trechos de peça apresentada pelos advogados da UTC, em procedimento
administrativo que corre perante a própria Petrobras.
Para leitores desavisados, pode
se tratar do gradativo aparecimento da verdade.
Pode até ser. Mas não é menos
provável que se trate, ao inverso, da mobilização intencional de imagens,
visando moldar o juízo jurídico sobre a conduta de tais personagens.
Tarefa esta, convenhamos, que
ficou fácil no Brasil recente.
Para se contrapor à tese de que
os fatos relacionados na ação penal 470, o chamado processo do mensalão,
correspondiam apenas à prática de “caixa dois” e, por conseguinte, deveriam ter
consequências penais relativamente pequenas, MPF e grande imprensa trataram de
conformar um discurso alternativo. Nesse discurso, “políticos” em postos
estratégicos no Estado drenavam recursos públicos para abastecer o “partido” e
fortalecer o “projeto de poder”.
O ápice da história, como
sabemos, foi o uso criativo da teoria do “domínio do fato” não apenas para
condenar um personagem como José Dirceu, mas especialmente para buscar
caracterizá-lo como “chefe de quadrilha”. Muito embora o crime de formação de
quadrilha, ao final do julgamento, não tenha sido caracterizado aos olhos do
Tribunal, tudo acabou se passando como se os repasses comprovados no processo
fossem parte de um grande plano, no qual o Estado, a população e a própria
democracia são vítimas do vilão “partido” e de seus integrantes “políticos”.
Embora tenha se mostrado poderosa
no convencimento do Tribunal, a tese firmada pelo MPF e difundida pela imprensa
ajudou a obscurecer os mecanismos pelos quais, desde muito antes do mensalão, a
corrupção tem sido estruturada no país.
As características do sistema
político eleitoral que transformaram a possibilidade de acesso a dinheiro – e
não de realização de um projeto – no principal fator de articulação de
interesses entre partidos políticos e poderes da República ficaram imunes à
crítica.
O papel do setor privado e de
funcionários públicos – todos reduzidos a “operadores” – foi, igualmente,
desprezado.
E Aécio, conterrâneo de Marcos
Valério e do antecedente nunca julgado “mensalão mineiro”, não teve pudores de
dizer no debate da Globo, sob aplausos efusivos da claque, que para acabar com
a corrupção no país “basta tirar o PT do poder”.
O que os advogados dos
empresários e do doleiro Youssef pretendem agora, portanto, é tão somente invocar
em favor de seus clientes a tese que, inusitadamente, o próprio MPF construiu.
Se há corrupção no país, é obra de “partidos” e “políticos”. Cartéis – um jogo
em que todos ganham, menos os contribuintes –, quando ocorreram, foram
induzidos pela Petrobras. Empresários e doleiros, se entraram no esquema, foi
por “concussão” ou “achaque”.
Parte da imprensa, para a qual
divulgar versões parece ser mais importante que buscar os fatos, já indica que
continuará se aproveitando da popularidade das velhas teses jurídicas sobre a
corrupção e os corruptos – ainda que isto, no final das contas, sirva para
blindar, de fato, as mesmas práticas que esses veículos adoram atacar.
Por onde irão Moro e Janot?
*Fabio de Sá e Silva é
PhD em Direito, Política e Sociedade pela Northeastern University; Research
Fellow na Harvard University
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Comentários
Félix Postado em 10/Feb/2015 às 13:06
Por onde
irão Moro e Janot? Moro como se sabe é tucano até o bico e o Janot foi pedir
ajuda ao FBI. Então duas são os objetivos: 01) Impeachement 02) privatização da
Petrobrás. A sociedade organizada não aceitará e caso insistam preparem-se para
o caos. Caos que talvez nos traga a verdadeira revolução proletária. Basta de
acordos com a burguesia.
alexandre Postado em 11/Feb/2015 às 13:43
Falou
zumbi .kkkk
eduardo Postado em 10/Feb/2015 às 13:26
Imagina a
Vale nas mãos do PT?
Thiago
Teixeira Postado
em 10/Feb/2015 às 20:31
Imagina a
CAIXA nas mãos do PSDB?
alexandre Postado em 11/Feb/2015 às 13:44
teixeira
Imagina um dia os petralhas/fanáticos/zumbis como o senhor Thiago Teixeira , se
livrando do fanatismo pela quadrilha de vermelho
Riaj Postado em 10/Feb/2015 às 13:48
Imagina a
PETROBRÁS nas mõas dos tucanos? Não haveria mais Petrobrás, mas a PETROBRÁX, a
vulgo CHEVRON. Nossas riquezas minerais já não são do povo, porém das
multinacionais. E o petróleo só não foi, ainda, devido a intervenção do
nacionalismo trabalhista.
alexandre Postado em 11/Feb/2015 às 13:45
Volta
para sua galáxia ll fanático tonto kkkkkk
José
Ferreira Postado
em 10/Feb/2015 às 14:16
Devemos
parar com essa disputa de "quem é mais (ou menos) corrupto" e
resolver o problema de fato.
Diego
Souza BR Postado
em 10/Feb/2015 às 14:37
Essa
história que roubar para o partido é certo, independente do partido é
totalmente errada. Ao invés de resolver o problema e tomar alguma atitude, o
pessoal fica retrucando que petralha está errado ou que coxinha está errado.
Essa discussão tola não faz parar a roubalheira e o descaso com a população. O
maior culpado disso tudo, somos nós que não fazemos nada e ficamos assistindo
eles ferrarem com a gente...
Rilson
Jaborão Postado
em 10/Feb/2015 às 14:54
Fato. A
guerrinha PT x PSDB só leva o Brasil mais pro fundo do poço. pena que poucos
enxergam isso.
Itamar Postado em 10/Feb/2015 às 14:40
Já está
sendo resolvido José, o PIG já não tem mais audiência e estão tentando o último
tiro, pois se não conseguirem derrubar o PT agora, para que a torneira do
governo volte a abastecer suas contas, não chegam ao final de 2015, quem dirá
2018. O dito porta-voz do PIG, o telejornal dos marinhos, só faz inserção
comercial das empresas do próprio grupo, ninguém mais deseja anunciar neste que
já foi o horário mais valorizado de propaganda do Brasil. Os outros meios de
comunicação, os ditos jornalões de São Paulo e aquela revistinha semanal tem
como grande maioria de anúncios, produtos próprios como a própria assinatura ou
de outras publicações do grupo editorial em páginas inteiras ou duplas. Isto é,
não entra mais dinheiro no caixa, o pouco que entra não é nem de longe
suficiente para cobrir as despesas. Vamos cobrar do Governo a apuração dos
fatos contra a corrupção deste e dos governos anteriores, mas também vamos
limpar o nosso querido Brasil dessa imprensa nojenta e abjeta que só defende
seus próprios interesses.
José
Ferreira Postado
em 10/Feb/2015 às 17:55
Primeiro
vamos resolver o problema da corrupção. Depois discutimos sobre as mídias,
pois, com mídias ou sem mídias, a corrupção está aí nas organizações públicas.
Daniel do
Nascimento Duar Postado
em 10/Feb/2015 às 21:57
... temos
que acrescentar ... "está aí nas organizações públicas" e nas
empresas privadas, pequenas e grandes. A gente leva um carro na oficina para
revisar, se levarmos em 3 oficinas, cada uma vai falar sobre problemas
diferentes e preços diferentes. As industrias fazem mercadoria para se
deteriorarem logo após o final da garantia ... essa falta de seriedade com o
próximo, com o patrimônio público, com os bens naturais, com o ambiente, com o
trânsito reflete na política brasileira, nas classes dominantes. O buraco é
fundo e bem embaixo.
jean-louis
blackmont Postado
em 10/Feb/2015 às 16:17
Excelente
artigo. E impressiona o caráter seletivo da imprensa que blinda o governador
Alckmin que deveria ser responsabilizado pela situação de calamidade a que
chegou o Estado de São Paulo em virtude da estiage.
José
Carlos Postado
em 11/Feb/2015 às 18:42
Concordo.
E a gentalha fascista que vem aqui no blog (parece que por obrigação, como eles
mesmo dizem, devem receber algum para essa missão) deblaterar sem sequer ler o
artigo. Agora, se leram, certeza de que nada entenderam. Aliás, além da
preguiça tem a falta de preparo para entender as colocações, as explanações e
conclusões. Enfim, é um debate inútil, não há argumento lógico, fático e sequer
traço de alguma inteligência ou presença de espírito. Chega a ser patético.
jarau Postado em 10/Feb/2015 às 19:40
jose.
você fala depois discutimos a mídia, sai da GLOBO e vai cair na realidade.
José
Ferreira Postado
em 10/Feb/2015 às 22:44
O fim da
Globo não é o fim da corrupção.
José
Carlos Postado
em 11/Feb/2015 às 18:44
De fato,
não é. Mas já seria um bom começo, não?
Angela Postado em 11/Feb/2015 às 13:49
O fim do
P T também não seria o fim da corrupção.Aliás pra acabar com ela todos teriam
que morrer e nascer de Novo! O que interessa é que as pessoas se toquem que
precisam lutar pelo que realmente interessa,ou seja,inviabilizar a corrupção na
Petrobras ou qq outro órgão e isso só se faz com uma reforma política seria e
não com essa patacuada que o Cunha quer fazer!