sábado, 21 de março de 2015

Brasileiros somente através da dialética pode-se perceber as contradições

ATÉ AONDE VAI A SUA DIALÉTICA?

Engana-se quem considera muito fácil utilizar o método dialético, e que para defender o marxismo basta ideologizar tudo o que se pretende transformar em objeto de investigação. Somente através da dialética pode-se perceber as contradições, seja no capitalismo, seja na educação sob este modo de produção. Vejamos dois exemplos.

A professora, graduada em filosofia, com mestrado em educação na UFRGS, Lízia Helena Nagel é detentora de teses polêmicas. Em entrevista ao site Germinal, em junho de 2013 ela determinou quatro processos históricos que impedem a emancipação humana, são eles:

a) O dogma da fé relativo à crença na democracia burguesa;
b) O entendimento de poder descolado da noção de classes sociais;
c) A propaganda como gerenciadora da formação do indivíduo consumista, competitivo, inculto, narciso;
                                      d) A educação para a tolerância como matéria básica do conteúdo e da                                                           prática escola! 

E vai mais longe.  Ela criticou o silêncio sobre a atual escravidão branca em discursos sobre a injustiça da escravidão negra e o discurso coeso escolar que encaminha a todos para o empreendedorismo. A entrevista estava pautada na relação entre educação e emancipação humana, tema constante nas obras marxianas. No entanto ela fez críticas ao nível de discursos, majoritariamente, como eu quis chamar atenção através do excerto acima. Fez ataques com as mesmas armas do inimigo, mas estaria sendo condizente com o materialismo histórico e dialético?


Marx e Engels

Para NAGEL, Marx aprofundou e radicalizou suas teses materialistas a partir de 1844 com os Manuscritos Econômicos e Filosóficos. A falta de leituras dessas e outras obras fazem ditos marxistas defenderem bandeiras burguesas, restringindo seus julgamentos a comportamentos democráticos ou antidemocráticos.

Agora um parêntese meu a partir desta entrevista. Em nota, Marx foi citado, aonde declarou a essência de sua obra máxima que foi O Capital:

Nesta obra, o que tenho de pesquisar é o modo de produção capitalista e as suas correspondentes relações de produção e circulação. Até agora, a Inglaterra é o campo clássico dessa produção. Este é o motivo por que tomei como principal ilustração de minha exposição teórica.
Neste prefácio de 1867, Marx declarou que o modo de produção capitalista é seu objeto de estudo nesta obra. Ora, O Capital não foi sua única obra. Quando afirmamos que Marx estudou o capitalismo, estamos errando. Marx estudava a formação social européia, em O Capital estudara o capitalismo inglês. José Paulo Netto e Olavo de Carvalho erraram quando defenderam que Marx estudava o capitalismo, já que Marx também estudou o feudalismo europeu, os socialismos europeus, e outras temáticas européias: ele e Engels deram muito pouca importância para outros lugares, e quando os estudaram, foi em relações com a Europa para entender as suas especificidades (Luis Vitale fez o mesmo quanto a América Latina, Caio Prado Junior e Nelson Werneck Sodré quanto ao Brasil). Este modo de produção era o mais desenvolvido e altamente civilizador, para ambos. NAGEL pareceu não perceber que as defesas de bandeiras burguesas também são recorrentes no marxismo originário, já que há historicização/relativismo em seus estudos sobre a formação social européia e a sua criação que foi o capitalismo. Sim, a dialética de NAGEL foi até aí, durante a entrevista ela não percebeu o uso de bandeiras burguesas enquanto contradição, já que no Brasil o capitalismo se desenvolve em tempos diferentes.
Esta falha é compreensível. Nossa posição ideológica muitas vezes nos impede de entender tudo dialeticamente, ou de ser respeitador com aquilo que detestamos, como sugeria Nietzsche. Karl Marx ao atacar Simon Bolívar pouco usou a sua tão defendida dialética histórica, nem abstraiu as lutas americanas pela independência em relação ao Império Espanhol em termos de lutas de classe. [1]

O outro exemplo é Paulo Ghirardelli Junior, que em “O que é pedagogia”, defendeu a tese de que as pedagogias modernas são burguesas, todas elas produtos do “mundo moderno”, que surgiu da decadência do mundo medieval e feudal. Todas as pedagogias atuais são vertentes da pedagogia moderna. O pioneiro desta pedagogia foi Martinho Lutero, passando por Comênio (um dos mestres de Piaget) e Rousseau. No século XIX, na Alemanha, nasceu a pedagogia herbartiana, que consistia em cinco passos (preparação, apresentação, associação, generalização e aplicação). Esta pedagogia passou a ser considerada nos Estados Unidos como tradicional e antiquada. Opondo-se a pedagogia herbartiana, a pedagogia de Dewey foi divulgada no mundo todo. Esta nova pedagogia também consistia em cinco passos (atividade, problema, dados, hipótese, experimentação) e, por sua vez, foi criticada por diversos intelectuais, entre eles, Gramsci, Lênin, Moacir Gadotti, Dermeval Saviani e Newton Duarte.


Paulo Ghirardelli Junior fez uma excelente historicização, portanto, das tendências pedagógicas, apontando a pedagogia tradicional brasileira como predominante até 1932 e mesclando idéias estadunidenses, alemãs e jesuíticas; escolhendo como marco o ano de 1932, quando as teses da Pedagogia Nova foram transmitidas no Brasil com a publicação do “Manifesto dos pioneiros da educação nova”, assinado por intelectuais da educação de diferentes campos políticos, do liberalismo até o comunismo. Todas as pedagogias existentes durante a vigência do modo de produção capitalista no Brasil são realmente burguesas? Ou a pedagogia também é lugar de contradições, inclusive em termos de classes? Sim, há referências marxistas no livro analisado aqui deste autor, mas fez falta a dialética. Não basta regurgitar chavões de que a educação escolar se limita a reprodução do capitalismo, parafrasear aleatoriamente frases de Karl Marx! Fazer propaganda dos seus livros objetivamente aumentará os lucros das editoras e livrarias, não indo além!
Apontamos como antítese a Lízia Helena Nagel os próprios fundadores do marxismo originário. E quem serviria de antítese as idéias ingênuas de Paulo Ghirardelli? Moacir Gadotti, que em “Educação e poder. Introdução à Pedagogia do Conflito”, propôs uma pedagogia a partir de suas experiências em sala de aula, e por não defnir ainda uma nomenclatura, a chamou provisoriamente de “pedagogia do conflito”. Usando o conceito de ideologia, enquanto uma “falsa consciência”, se colocou como “contra-ideológico”, dividindo este livro da seguinte forma: “Por uma filosofia crítica da educação”, “Introdução à pedagogia do conflito” e “Ideologia e contra-ideologia na educação brasileira contemporânea”. Esta foi a tese central para o seu texto “Revisão crítica do papel do pedagogo na atual sociedade brasileira”:
Tese central: a história da educação brasileira é a história da educação do colonizador. A pedagogia do colonizador forma gente submissa, obediente ao autoritarismo do colonizador. Nessa pedagogia, o educador tem por função policiar a educação para que não se desvie da ideologia do dominador.Numa pedagogia oposta à pedagogia do colonizador (que na falta de melhor expressão chamamos de pedagogia do conflito), o educador reassume a sua educação e seu papel eminentemente crítico: à contradição (opressor-oprimido, por exemplo) ele acrescenta a consciência da contradição, forma gente insubmissa, desobediente, capaz de assumir a sua autonomia e participar na construção de uma sociedade mais livre (GADOTTI, 1985, p. 53).

Neste livro, Gadotti propôs que uma pedagogia do conflito deve ser elaborada no lugar de uma pedagogia do diálogo e discordou da necessidade de pedagogia para o seu tempo, pois no sentido clássico “pedagogia” significada a “condução de crianças”: “’Conduzir as crianças’, hoje, é papel do motorista de ônibus escolar e não do professor, do pedagogo”, portanto é uma noção inadequada. Se, para Freire, a educação começa com a ignorância[2], para Gadotti, inicia com a desobediência e o desrespeito, inclusive em relação as teorias de educação existentes, principalmente contra a “escola ativa”, um modelo trazido por especialistas estadunidenses, desde 1966, através de um acordo entre o MEC e a United States Agency for International Development (USAID). Gadotti fez, neste livro, elogios a pedagogia do oprimido de Paulo Freire, a identificando com a mesma tese central que defende, de que nenhuma pedagogia é neutra. No esforço de repensar a educação, defendeu que as pedagogias centradas no estudante, ou não-diretivas, como a pedagogia do diálogo, nada fizeram além de esconder o problema principal da educação escolar brasileira. A tarefa do pedagogo é, para Gadotti, essencialmente, incomodar, ativar conflitos para a superação da educação do colonizador. A sala de aula é o lugar, por excelência, da assunção das contradições inerentes a sociedade dividida em classes sociais. Mais de uma vez concordando com Paulo Freire, defendeu que a prática educativa deveria fundamentar-se em uma determinada ética. Em uma visão dialética, chegou na mesma conclusão em que chegou o professor Dermeval Saviani, ao analisar a relação sociedade-escola: a educação escolar não reproduz integralmente a sociedade da qual depende, em outras palavras, não existe sociedade, entendendo a escola como parte de uma totalidade que é a sociedade, totalmente conservadora ou libertadora. Por outro lado, contraria frontalmente uma das teses de Saviani ao entender que a “transmissão de uma cultura existente (ciência, valores, ideologia), [...] é a tarefa conservadora da educação”, por isso, a tarefa de uma educação revolucionária é a “criação de uma nova cultura”. Logo, o que diferencia uma escola conservadora de uma escola progressista ou revolucionária, para Gadotti, também é o conteúdo que ensina.

Embasado em Gramsci e na mesma direção que Saviani, Gadotti defendeu que o professor deveria ser um dirigente, por isso criticou as pedagogias não diretivas que primam pelo espontaneísmo. Em um entendimento diverso de Paulo Ghirardelli Junior, para quem a pedagogia dominante defende a ideologia dominante, Gadotti caracterizou a educação como um espaço de luta entre várias tendências e grupos, aonde nenhuma ideologia poderia dominar plenamente. Em razão desta visão, admitiu que há espaço para alguma autonomia dentro das escolas, ainda que elas sejam condicionadas por legislação, normas, programas ou paradigmas. O conteúdo e o ensino deveriam ser politizados, em uma pedagogia fundamentada na existência da luta de classes, ao preocupar-se mais com o contexto aonde se ensina do que com o conteúdo e com a forma. A escola deveria ser um local de debates, aonde os estudantes e os docentes deveriam constituir um grupo político, uma associação, pois a valorização da profissão de educador implicaria diretamente em uma educação melhor. Gadotti, para quem o “ato de desobediência [...] é eminentemente pedagógico”, afirmou, sobre a relação ordem-desordem:
A educação é obra transformadora, criadora. Ora, para criar é necessário mudar, perturbar a ordem existente. Fazer progredir alguém significa modificá-lo. Por isso, a educação é um ato de desobediência e de desordem. Desordem em relação a uma ordem dada, uma pré-ordem. Uma educação autêntica re-ordena. E por essa razão que ela perturba, incomoda. É nessa dialética ordem-desordem que se opera o ato educativo, o crescimento espiritual do homem. Precisamos de certa incoerência para crescer. Educar-se é colocar em questão, reafirmar-se constantemente em relação ao humano, em vista do mais humano para o homem (GADOTTI, 1985, p. 89).
O mundo deve ser problematizado em suas contradições. A especificidade do ato da educação é a formação de consciência crítica:
Uma docência limitada à transmissão de conhecimentos vira um supermercado de idéias. A pesquisa é essencial à própria docência. Entendo aqui por pesquisa o seu sentido original de busca, de constante inquietação, de dúvida. Um professor que transmitisse sempre o mesmo conteúdo, significa que ele cessou de buscar, instalando-se em verdades prontas, adquiridas, pré-fabricadas. Nesse sentido as Universidades (principalmente as particulares) têm pecado justamente por considerarem atividade escolar apenas as aulas dadas. Nós realmente não temos nenhuma tradição de pesquisa. Por isso somos culturalmente dependentes dos centros que produzem saber e não se contentam apenas em transmiti-lo. Não vejo possibilidade de separação entre o saber adquirido, o saber conquistado e o saber novo. Aqui também acuso a única tradição que é a tradição humanista da nossa universidade mais preocupada em transformar as consciências através de sermões, do verbo, do que pelo trabalho, pela pesquisa. Proponho uma metodologia diferente para a formação da consciência crítica: o trabalho, a produção. O crescimento da consciência não se dá na contemplação, na pura reflexão, mas no trabalho. É pela transformação do mundo que eu tomo consciência do mundo. O professor preocupado em “dar” essa consciência engana-se. A atitude paternalista do professor que quer ensinar a verdade, como se ele fosse o dono dela, querendo dar a consciência crítica como se ele fosse o único possuidor, só pode tornar o aluno impotente para o ato pedagógico, para aquisição dessa consciência crítica (GADOTTI, 1985, p. 91).

Tendo em vista as considerações acima, entende-se melhor por que a base de sua pedagogia é a incoerência, a desordem e a desobediência, enfim, a dialética. São idéias que fazem parte de um todo, idéias centrais desenvolvidas em várias das publicações do freirista Gadotti. Na importância conferida a pesquisa e atualização constante do professor está a proximidade mais explícita com o pensamento de Paulo Freire.

Sem a dialética, a ciência histórica anda para trás. A educação, incluindo a escolar, é uma causas complexas que entrelaçam-se no estágio atual de nossa História[3]. Sendo assim, para finalizar, faço minhas as palavras da professora Lízia Helena Nagel:
O marxista, para avançar em sua proposta social, em sua utopia emancipatória, tem de ter sensibilidade e coragem para conscientizar-se da atual redução, no indivíduo, da sua capacidade de estabelecer relações para além das fenomênicas dicotomias apreendidas espontaneamente. Precisa examinar, com rigor, as incongruências e incoerências (inclusive, as suas), ao invés de regurgitar chavões, reproduzindo a sociedade de consumo que faz da propaganda o exercício sistemático da negação das contradições.


Notas: 

[1] Vale para os casos de lutas de libertação contra o império espanhol na América, quando Simon Bolívar e outros caudilhos tiveram sua importância histórica, a mesma análise realizada por Sodré sobre o Segundo Império do Brasil, de circulação de elites no poder. Marx rejeitou em seu verbete sobre Simon Bolívar qualquer interpretação dialética em qualquer evento em que Bolívar participou.

[2]Uma ignorância que nunca é total, conforme Paulo Freire,A educação tem caráter permanente. Não há seres educados e não educados. Estamos todos nos educando. Existem graus de educação, mas estes não são absolutos. O homem, por ser inacabado, incompleto, não sabe de maneira absoluta. Somente Deus sabe de maneira absoluta. A sabedoria parte da ignorância. Não há ignorantes absolutos. Se num grupo de camponeses conversamos sobre colheitas, devemos ficar atentos para a possibilidade de eles saberem muito mais do que nós. Se eles sabem selar um cavalo e sabem quando vai chover, se sabem semear, etc., não podem ser ignorantes (durante a Idade Média, saber selar um cavalo representava um alto nível técnico), o que lhes falta é um saber sistematizado (FREIRE, 2011, p. 14)”.

[3] Noção de dialética influenciada por Nelson Werneck Sodré, que em “Panorama do segundo império” teorizou: “As etapas sucessivas, no entrelaçamento das causas complexas, marcavam um ritmo cada vez mais acelerado. O império se desfazia, pouco a pouco, num processo de desagregação, por vezes claríssimo, silencioso, opaco, obscuro, por vezes (SODRÉ, 1998, p. 311)”.

Referências bibliográficas:

FREIRE, Paulo. Educação e mudança. São Paulo: Paz e terra, 2011.
GADOTTI, Moacir. Educação e poder. Introdução à Pedagogia do Conflito. 6ª ed. São Paulo: Autores associados/Cortez, 1985.
JUNIOR, Paulo Ghirardelli. O que é pedagogia. São Paulo: Brasiliense, 1987.
MARX, Karl. Simón Bolívar por Karl Marx. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
SODRÉ, Nelson Werneck. Panorama do segundo império. 2ª ed. Rio de Janeiro: Graphia, 1998.

Alvorada/RS, 11 de maio de 2014.

Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael Freitas. Graduado em História na FAPA, Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Tem interesse de pesquisa em História Social da América e Tendências Pedagógicas Contra-hegemônicas. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio 3w. 

europeus na América Latina - transformação da vida para a morte

REGIME DE DESPOVOAMENTO (Verbete)

A chegada dos europeus para a América Latina provocou mudanças. A principal alteração foi a transformação da vida para a morte, locais até então povoados para semidesertos. A violência europeia foi contra os negros, e também contra as sociedades originais americanas. A sociedade incaica, por exemplo, às vésperas da invasão “ascendia a 10 milhões e [...] em três séculos de domínio espanhol, desceu a um milhão” (MARIÁTEGUI, 2010, p. 72). Isso significa dizer que houve uma profunda interferência na nossa História com a chegada dos europeus.

Os conquistadores não se privaram de massacrar muitas pessoas, destruir cidades, templos e palácios e escravizar as sociedades originais na América. 

Essa relação foi extremamente violenta, principalmente na região aonde viviam os incas e os astecas. O seu desenvolvimento impôs um modelo seguido em outras regiões de colonização, conhecido como regime de despovoamento:
Quando Cortez e Pizarro pisam a terra nova o que se lhes depara é uma civilisação adeantada, com características definidas. Havia, naquelles dois pontos, em que o hespanhol surgiu, um agrupamento humano seguro do seu destino e cônscio da sua força. Para dominal-o e, sobre as ruínas dessa civilisação, edificar uma nova civilisação, a adventícia, explorando todos os recursos da conquista, seria necessária a lucta sem tréguas, a destruição implacável, o anniquilamento. O inca, como o azteca, jamais seria escravo do invasor, jamais seria assimilado pela sua fúria depredadora e cobiçosa. Para dobral-os, seria preciso vencel-os. E a penetração se escreveu, a ferro e fogo (SODRÉ, 1940, p. 21)
Os europeus aqui vieram como invasores. Não vieram convidados via pacto colonial, ou qualquer nome que seja dado a algum acordo em condições igualitárias. O despovoamento em forma de regime de colonização representou um atraso histórico para a América, um regime incapaz de repetir as relações de trabalho que vicejavam na metrópole, pois não havia a necessária compreensão das economias americanas pelos europeus. Os negros vieram para diminuir a carência de população humana, e por conseqüência, de mão de obra na América. Os europeus promoveram mortes em massa das populações indígenas, já que nem todos resistiram com a audácia dos mapuches. A consolidação da mão de obra escravizada negra comprova o genocídio indígena, o despovoamento da América Latina. A História nos mostra que nenhum ser humano é adaptável ao trabalho escravo, seja negro, indígena, europeu. Na América, desenvolveu-se de modo desigual, um governo europeu altamente desumano para a sua população autóctone. Tamanha desumanidade obrigou o fim do trabalho escravo como mão de obra predominante através de abolições, sem as transições econômicas ocorridas na Europa. Os europeus governaram despovoando:
A prática de extermínio da população indígena e de destruição de suas instituições- muitas vezes em contraste com leis e providências da metrópole- empobrecia e dessangrava o fabuloso país ganho pelos conquistadores para o rei da Espanha, numa medida tal que esses não eram capazes de perceber e avaliar. Formulando um princípio da economia de sua época, um estadista sul-americano do século 19 devia mais tarde dizer, impressionado pelo espetáculo de um continente semideserto: “Governar é povoar”. O colonizador espanhol, infinitamente afastado desse critério, implantou no Peru um regime de despovoamento (MARIÁTEGUI, 2010, p73).

Qual foi a conseqüência deste regime de despovoamento? Entre a tara feudal e a tara escravista, nas regiões aonde havia modo de produção, como no Peru, aconteceu a desorganização através do extermínio de população autóctone. Um novo modo de produção surgia após a importação de mão de obra, africanos escravizados. Os indígenas que cultivavam uma economia coletora, nômade, resistiram com mais êxito. O regime de despovoamento não permitiu a repetição, em lugar algum da América Latina, do modo de produção feudal, que foi exclusivo da Europa. Produziu a tradição guerrilheira, viva até hoje. Produziu o racismo.A divisão em classes sociais como forma predominante de organização social em toda a América. Uma luta distribuída pela América Latina de organizar-se de um jeito análogo ao que José Carlos Mariátegui chamou de “comunismo incaico- que não pode ser negado nem diminuído por ter se desenvolvido sob o regime autocrático dos incas” (MARIÁTEGUI, 2010, p. 71).
Serve como dica: quando os livros de História conservadores caracterizam o povoamento de qualquer lugar da América reduzindo esta lorota a vinda dos civilizados europeus, estão escondendo o concomitante regime de despovoamento. Por sorte, através da História, a verdade poderá vir a tona.
REFERÊNCIAS

CASAS, Frei Bartolomé de las. Brevíssima relação da destruição das índias. O paraíso destruído. A sangrenta história da conquista da América espanhola. 2ª ed. Porto Alegre: L&PM, 1984

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. O breve século XX 1914- 1991. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995
.
KOSHIBA, Luiz. O índio e a conquista portuguesa. 5 ª ed. São Paulo: Atual, 1994.

MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete ensaios de interpretação da realidade peruana. 2 ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.


MOURA, Clóvis. Rebeliões da senzala. 4 ª Ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.


ROMANO, Ruggiero. Mecanismos da conquista colonial. São Paulo: Perspectiva, 1972.


SCHWARTZ, Stuart B,; LOCKART, James. América Latina na época colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.


SODRÉ, Nelson Werneck Sodré. História da literatura brasileira. Seus fundamentos econômicos. 2 ª ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1940. 

 

VITALE, Luis. Historia social comparada de los pueblos de America Latina volume I Pueblos originários y colônia. Chile: Atali, 1997.


Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael Freitas. Graduado em História na FAPA, Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Tem interesse de pesquisa em História Social da América e Tendências Pedagógicas Contra-hegemônicas. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na web rádio La Integracion. Colunista no jornal "A Folha" de Alvorada, RS.

America Central em direção à fragmentação e à desagregação

O CÍRCULO VICIOSO CENTRO-AMERICANO

Publicado originalmente em O ISTMO www.oistmo.com 
Por Álvaro Cálix*
Tradução: Lucas S. Matter
Revisão: Mariana Yante B. Pereira

Afirma-se que a América Central tem avançado nas últimas duas décadas e meia. É uma meia verdade que esconde mais do que revela. A superação dos conflitos armados, os processos de democratização formal e a melhora nos indicadores sociais são boas notícias, mas não se pode fazer vista grossa e ignorar os déficits que colocam a região numa trajetória inerte em direção à fragmentação e à desagregação.
De fato, junto aos progressos observados, coexistem atrasos estruturais que neutralizam aos avanços, com particular ênfase aos países do CA4 (Guatemala, El Salvador, Honduras e Nicarágua). Os atrasos impedem a coesão social nos países e na região. Os altos níveis de incidência de pobreza e desigualdade são os resultados mais dramáticos dos déficits que demonstra a maioria dos países da região. Por trás desses fenômenos, aparecem anomalias que estruturam o perfil centro-americano, com exceções contadas. Destacam-se os altos níveis de desnutrição infantil, a baixa cobertura educativa dos níveis pré-escolar e médio, o fenômeno de jovens que não estudam nem trabalham (NINIS), a incidência crônica da economia informal e a violência social.
Pobreza Centro-Americano
A desigualdade no acesso às oportunidades educativas, aos recursos produtivos e aos circuitos de empreendimento econômico está na base dos atrasos estruturais da região. O notável desequilíbrio na estrutura de oportunidades não é casual, pois corresponde a uma matriz política excludente, que explica a heterogeneidade econômica da região e a debilidade do Estado para corrigir as distorções. Hoje, mais que nunca, a região sofre a convergência de velhos e novos problemas que afetam a capacidade dos países para superar seus estágios de desenvolvimento.
Entre as principais novas ameaças, destacam-se:
*A geopolítica da violência e do crime organizado.

*Os impactos crescentes das alterações climáticas.

*A generalização da corrupção e da impunidade dos Estados.

*O estancamento do progresso democrático iniciado nos anos oitenta do século XX.

*A crise global que tem afetado especialmente os países e os mercados com os quais a região tem baseado majoritariamente suas relações econômicas.

*O aumento da conflitualidade social pela agressiva estratégia de acumulação, à custa dos recursos naturais em territórios rurais habitados pela população mais pobre.
Tendo por base a convergência entre velhos e novos problemas para além dos avanços em modernização e desenvolvimento, fica claro que um traço inédito nas sociedades centro-americanas é o aumento da complexidade social. Esta se baseia no acentuado ritmo de urbanização, na maior conectividade comunicacional, em um maior – mesmo que ainda insuficiente – nível educativo, na amplitude dos fluxos migratórios intra e extra regionais, na diversificação/regionalização das atividades econômicas, assim como na diversificação dos atores sociais que reivindicam a incorporação política de suas demandas e pontos de vista.
Em face de uma maior complexidade de dinâmicas, cosmovisões e interesses, os sistemas político e econômico não têm sido capazes de transformar-se, a fim de integrar os diferentes atores sociais e setores populacionais. Pelo contrário, a política vem se conformando em garantir uma espécie de elitismo competitivo para a alternância de governos mediados por processos eleitorais; ao mesmo tempo, a economia tem buscado ampliar os eixos de acumulação econômica, a partir de uma lógica de concentração dos benefícios, contornando, ademais, os impactos ambientais.
Essa lógica excludente explica também por que o sistema econômico aprofunda as lacunas de riqueza, incentiva a economia informal e a funcionalização dos capitais ilícitos dentro do subsistema financeiro. Continua muito dependente da oferta relativamente abundante de matérias primas, salários baixos e privilégios para ter acesso aos contratos com o Estado. Em contraste, as empresas que têm participado com maior inovação e valor agregado, geralmente não criam tantos postos de trabalho como se pensa, e em geral, parecem estar desconectadas do mundo das pequenas e médias empresas – no qual se concentra a maior parte da População Economicamente Ativa (PEA) centro-americana. Nesse contexto, o regime de incentivos outorgado pelos Estados tende a favorecer o investimento estrangeiro sem as condicionalidades suficientes e medidas políticas para gerar cadeias de produção.
Ao invés de avançar em direção a sistemas democráticos legítimos e eficazes, transita-se para o descontentamento e para o aumento do protesto social, pela incapacidade de incorporar mecanismo transparentes e institucionalizados para representar os distintos interesses e dirimir os conflitos.
Além de não mediar as profundas assimetrias de poder, a debilidade do Estado é refletida, também, na incapacidade de exercer o monopólio legítimo do uso da força, o que acarreta provoca um aumento generalizado da violência como meio para a resolução dos conflitos, o fortalecimento de atores ilícitos que penetram tanto no território, como nas instituições estatais, e, para piorar, o aumento da discricionariedade e do abuso das forças repressivas do Estado.
Em resumo, a América Central, sobretudo os países do triângulo norte, combina uma série de perigos que não estão sendo enfrentados da melhor maneira. Pior ainda, as elites parecem persistir em seu autismo e no bloqueio aos setores mais excluídos. Por isso é fundamental estudar e atuar para romper esse círculo vicioso; senão, os piores cenários estarão esperando na próxima esquina.
Sobre o Autor:

*Álvaro Cálix é escritor e pesquisador social. Doutor em Ciências Sociais (Programa Latinoamericano de Trabajo Social – Universidad Nacional Autónoma de Honduras). Membro do Centro de Investigación y Promoción de los Derechos Humanos en Honduras. Desempenhou-se como professor em vários programas de mestrado na Universidad Nacional Autónoma de Honduras e, também, no Mestrado Centro-americano em Ciência Política da Universidad de Costa Rica.

ódio e preconceito

É com pesar que vejo uma parte considerável de nossa sociedade com tão inflamadas atitudes emocionais, destilando tanto preconceito e ódio contra uma instituição em particular, ignorando o todo, e pessoas pré-selecionadas, como foco de seu ódio e preconceito. Tudo influenciada por uma mídia cruel e venal que transforma mentiras em verdades. E verdades em mentiras.
 

Indigência sexual

Indigência Afetiva - Frei Betto
Revista Caros Amigos - pág18, número 87, jun2004

papa Francisco condena corrupção

O MAL, POR NÃO TER ESCRÚPULOS, SEMPRE VENCE O BEM! (Negreiros)

DW: Na Itália, papa Francisco condena corrupção

Em visita a subúrbio de Nápoles, reduto da máfia Camorra, pontífice afirma que "corrupção fede". Durante discurso, papa pede coragem para "limpar" esse mal.
O papa Francisco visitou neste sábado (21/03) uma das regiões mais violentas de Nápoles, o bairro Scampia, tradicionalmente controlado pela máfia Camorra. Durante a visita, o pontífice fez um de seus discursos mais duros, condenando a corrupção.
"A corrupção fede, a sociedade corrupta fede. Um cidadão que deixa que a corrupção o invada não é cristão", declarou, acrescentando: "Todos nós temos o potencial de ser corruptos e de escorregarmos para a criminalidade."

O papa também criticou a corrupção na vida pública. "Quanta corrupção há no mundo! Eu espero que nós tenhamos coragem de limpar a cidade e a sociedade para acabar com o fedor da corrupção", disse.
Milhares de pessoas receberam Francisco, que chegou ao bairro pobre da cidade italiana em um papamóvel. Ele pediu aos moradores da região que não permitam que o crime organizado e políticos corruptos roubem sua esperança.
"O mal não deve ter a última palavra: ela tem que ser a esperança. Aqueles que voluntariamente seguem pelo caminho do mal roubam um pedaço de esperança. Eles roubam deles próprios e de todos, da sociedade, dos muitos honestos e de gente que trabalha duro."
Ameaças ao papa
Francisco aproveitou a ocasião para defender os imigrantes, afirmando que não podem ser considerados "humanos de segunda classe". Ele pediu, ainda, salários mais justos para os trabalhadores.
Ao longo do dia mais de 800 mil pessoas devem passar na região para saudar Francisco. A segurança foi reforçada para a visita do papa. No ano passado, ele declarou guerra ao crime organizado, ao excomungar da Igreja Católica todos os mafiosos.
Como pontífice também foi ameaçado pelo grupo extremista "Estado Islâmico" (EI), toda a atenção está voltada para sua segurança, depois do massacre num museu da Tunísia nesta semana, reivindicado pelo EI. Cerca de 3 mil policiais extras foram colocados ao longo da rota que Francisco vai seguir, incluindo atiradores nos telhados.
Antes de chegar a Scampia, Francisco visitou a antiga cidade do Império Romano Pompeia, localizada a 22 quilômetros de Nápoles.
CN/rtr/afp/lusa


Jornal O Globo

Compartilhada publicamente13:15
 
Em visita a Nápoles, Papa é duro em críticas contra a corrupção: 'A sociedade corrupta fede.' http://glo.bo/1HgMejM
 
Meu comentário:
Senhor Papa O MAL, POR NÃO TER ESCRÚPULOS, SEMPRE VENCE O BEM.
Aqui, no Brasil, como ai', onde o Senhor se encontra, a corrupção mesmo fedendo, seu mal/mau cheiro vence o bom cheiro. Muito cuidado para não sair dai como corrupto e, os corruptos ficarem como os justos, probos injustiçados pelo o Senhor. Geralmente termina assim. Aqui no Brasil..., então!! - (Negreiros)

Guaraná e os índios Sateré-Mawé

O Guaraná e os índios Sateré-Mawé

segue abaixo, interessantíssimo artigo jornalístico publicado recentemente a respeito de um grupo indígena que tem íntima relação com o fruto do Guaraná. 
Pelo texto abaixo, é possível inferir algumas conclusões sobre como as relações míticas e aspectos ambientais naturais se mesclam e afetam a identidade étnica de um dado grupo.
Recomendo a leitura!



'Guaraná' de origem

Descubra como os índios Sateré-Mawé se tornaram exportadores do fruto que revelaram para o mundo. E como, por meio dele, estão se reinventando como povo
por Xavier Bartaburu
Os índios Sateré-Mawé se consideram “filhos do guaraná”, cuja palavra é de origem Sateré: waraná, eles o chamam Guaraná em tempo de colheita é como um olho que se abre. Ou muitos olhos, tantos quantos forem os frutos a madurar no pé. 
Começa por volta de novembro, quando o céu descarrega as primeiras chuvas do inverno amazônico e os cachos, metidos nas florestas do Médio Amazonas, revelam a semente preta que a casca do fruto até então escondeu. “Quando abre, é que tá no ponto de colher”, explica Idelcides Bastos, tuxaua (ou cacique) substituto da aldeia de Guaranatuba, uma das principais produtoras de guaraná na terra dos índios Sateré-Mawé. Então, por cerca de dois meses, ele e a família navegarão o igarapé que conduz aos guaranazais, onde gastarão um par de horas arrancando os olhos que já se abriram. Depois, com os cestos carregados, voltarão à aldeia para dar início ao longo processo de transformação dos frutos em pó. Será assim todos os dias durante a safra, tal como tem sido na aldeia de Guaranatuba há pelo menos 350 anos. Só que agora o guaraná de Idelcides vai quase todo para a Europa.
O dele e de outros milhares de índios, moradores das mais de cem aldeias abancadas à beira dos rios Andirá e Marau, numa área entre os municípios amazonenses de Parintins, Maués e Barreirinha. Oito toneladas de guaraná, para ser exato, saem hoje das terras Sateré-Mawé com destino aos mercados europeus. No rótulo, o selo de “guaraná nativo”. 
Justo: a região onde vivem os Sateré coincide com a zona onde o guaraná cresce em estado selvagem, na forma de um cipó. Coube a esses índios, no caso, o feito inédito de domesticar a planta (no chão, ela vira um arbusto) e transformá-la em alimento – uma descoberta que remonta a muitíssimas gerações, num ponto remoto do tempo em que a história dos Sateré-Mawé se confunde com sua própria mitologia.

Corre uma lenda entre eles de que o guaraná teria brotado a partir do olho enterrado de uma criança morta – daí a forma do fruto. Dessa mesma criança, ressuscitada, teria nascido também o primeiro Sateré-Mawé. Consideram-se, portanto, “filhos do guaraná”. Ou seja, descendentes diretos da planta que revelaram para o mundo. Guaraná, por sinal, é palavra de origem Sateré: waraná, eles o chamam. E registros de seu uso já constam no primeiro relato que se tem desses índios, um documento de 1669 escrito pelo missionário luxemburguês João Filipe Bettendorff: “Têm os Andirazes em seus matos uma frutinha a qual secam e depois pisam, fazendo delas umas bolas que estimam como os brancos o seu ouro. (...) Desfeitas com uma pedrinha em cuia d´água, dão tanta força como bebida que, indo à caça um dia até outro, não sentem fome, além do que tiram febres, cãibras e dores de cabeça”.
Ou seja, no momento do primeiro contato com o homem branco, os Sateré-Mawé não só já cultivavam o guaraná como tinham pleno conhecimento de seus efeitos estimulantes – convém registrar que a semente pode concentrar até cinco vezes mais cafeína que o grão de café. Em pouco tempo, o fruto do guaranazeiro tornou-se a mais valiosa mercadoria das terras Sateré. Relatos de viajantes no século 19 já falam de um intenso comércio que descia o rio Madeira, levando guaraná para lugares tão distantes quanto à Bolívia. Diante disso, não tardou para que os caboclos de Maués seguissem o exemplo dos índios, plantando eles mesmos seus próprios guaranazais. Depois que se descobriu a fórmula do refrigerante, no começo do século 20, a produção aumentou de tal forma que Maués foi, durante décadas, o lugar de origem de praticamente todo o guaraná consumido no país. Isso só mudou nos anos 1990, quando lavouras mais produtivas e resistentes na Bahia tomaram a dianteira.

fonte:

As 10 empresas que controlam quase tudo

Conheça as 10 empresas que controlam quase tudo que você consome

Publicado em Consumo Responsável

9943
Por Luiza Veronesi, Infomoney

Desde produtos de limpeza, passando pelo segmento de beleza e higiene pessoal, até alimentos para pessoas e animais: dez megacorporações fornecem quase tudo que as pessoas consomem em todo o mundo.
O gráfico (veja a imagem ampliada aqui) “The Illusion of Choice”, divulgado pelo sítio PolicyMic, mostra que muitas das marcas mais consumidas do mundo são controladas pelas mesmas empresas.

Fonte: Pragmatismo Político.
http://www.portaldomeioambiente.org.br/consumo-responsavel/9943-conheca-as-10-empresas-que-controlam-quase-tudo-que-voce-consome

Conhece a ti mesmo

autoconhecimento

ruínas do Templo de Delphos - Grécia
Advirto-te, seja tu quem fores! Oh! Tu que desejas sondar os arcanos da natureza: se não achas dentro de ti mesmo aquilo que buscas, tampouco poderás achar fora. Se tu ignoras as excelências de tua própria casa, como pretendes encontrar outras excelências? Em ti está oculto o Tesouros dos tesouros. Oh! Homem! Conhece a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses..." 
Tales de Mileto (advertência no frontispício do templo da cidade de Delphos)

Energia e a crise no Brasil - Dossiê

Revista Galileu

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Dossiê: energia e a crise no Brasil http://ow.ly/KByvt
 

Dossiê: energia e a crise no Brasil

17/03/2015 - 13H03/ atualizado 13H0303 / por Thiago Tanji
 (Foto: Revista Galileu)
O ano começou com um susto para boa parte do país: na tarde do dia 19 de janeiro, uma falha desligou parcialmente a energia em regiões de 11 estados e no Distrito Federal. Não se sabe ao certo o total de pessoas que ficaram às escuras, mas só em São Paulo pelo menos 2 milhões foram afetados. De acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), responsável por coordenar a transmissão elétrica em território nacional, problemas na transferência de energia das regiões nordeste e norte para o sudeste obrigaram o órgão a realizar cortes controlados para não agravar a situação. Apesar de os técnicos garantirem que se tratou apenas de um erro pontual, a falta de energia é apontada como uma das questões mais delicadas para 2015.
É bem verdade que muita coisa mudou desde 2001, ano em que o país viveu a pior crise energética de sua história, motivada pela falta de água nos reservatórios das usinas hidrelétricas e, principalmente, pela diminuição nos investimentos na infraestrutura de distribuição de energia. Para tentar contornar o problema e evitar um apagão nas cidades, o governo de Fernando Henrique Cardoso obrigou a população a reduzir em 20% os gastos da conta de luz, com multa em caso de não cumprimento da determinação. “Havia a crença de que o planejamento do Estado não era importante e de que o mercado resolveria as coisas, mas isso não deu certo”, afirma Sérgio Bajay, professor do departamento de energia da Unicamp, que na época assumiu um cargo na direção do Ministério de Minas e Energia para contornar a crise.
Após 2003, parte dos problemas no setor foi amenizada com a expansão das linhas de transmissão de energia pelo território nacional, além da diminuição da dependência brasileira das hidrelétricas com a construção de novas usinas termelétricas, que produzem calor para gerar energia a partir de combustíveis fósseis, recursos orgânicos e processos nucleares. Um novo período de estiagem registrado nos últimos meses, no entanto, recolocou o sistema em alerta. Os reservatórios de água que alimentam as usinas hidrelétricas do sistema sudeste/centro-oeste registravam pouco menos de 17% de sua capacidade no final de janeiro de 2015, cenário bem pior que o de 2001, quando o nível era superior a 31%. “Enquanto na região sul as médias históricas de chuva estão sendo superadas, no sudeste passamos o final da primavera e começo do verão com pouca chuva, sobretudo nas cabeceiras que abastecem os reservatórios”, diz Luiz Cavalcanti, chefe do Centro de Análise de Previsão do Tempo do Instituto Nacional de Meteorologia.
Para compensar a escassez da água (responsável por acionar as turbinas das hidrelétricas, que respondem por uma parte expressiva da energia produzida no país), o governo teve de contratar termelétricas, que geram energia a um preço superior — em alguns casos até oito vezes maior.
“A questão não é só a possibilidade de racionamento, mas o alto custo de operação das termelétricas, que acaba acumulando uma dívida a ser paga pelos consumidores”, afirma Roberto d’Araújo, professor do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ. Em 2014, houve a injeção de cerca de R$ 20 bilhões no setor, conta que será paga pelos bancos estatais e pelo consumidor, com reajustes médios na conta de luz estimados em 40%.
Apesar de o Ministério de Minas e Energia descartar a possibilidade de racionamento para este ano, ainda não é possível ter certeza do cenário para os próximos meses devido ao regime de chuvas. “No início de 2014 também se falava de racionamento, mas não se pode tirar nenhuma conclusão até abril, quando se encerra o período úmido”, afir­ma Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética, órgão vinculado ao ministério. A possibilidade de um novo apagão só evidencia a importância de acelerar obras de infraestrutura e da busca por energias alternativas, para que não precisemos viver, literalmente, no escuro.
SISTEMA INTEGRADO
Quase todo o território nacional é atendido por rede interligada de energia
Especialistas no setor elétrico não têm dúvida ao afirmar que a falta de investimentos em infraestrutura foi a principal causa da crise elétrica de 2001, fato potencializado pela escassez de chuvas no período. Desde então, o país passou por uma expansão: se em 2001 a capacidade energética instalada correspondia a 75 mil megawatts, em 2014 esse número saltou para quase 134 mil megawatts. Para fazer essa energia abastecer residências e todo o setor econômico, o país conta com o Sistema Interligado Nacional (SIN), responsável por cobrir mais de 98% do território nacional com linhas de transmissão que distribuem a energia elétrica de acordo com a demanda das regiões.
Operado pela ONS, o SIN conta com extensão superior a 110 mil quilômetros, distância equivalente a quase três vezes a circunferência da Terra. “Com uma rede interligada, é possível ter a complementação de diferentes fornecedores de energia. Além disso, em uma situação de emergência energética, é possível buscar auxílio em outra região do país”, afirma o professor Sérgio Bajay.
Ainda assim, o modelo de leilões que privilegia a contratação de energia elétrica para as grandes empresas e a falta de planejamento a longo prazo para buscar alternativas mais eficientes e baratas ainda são questões não resolvidas pelo atual modelo adotado no país. “Temos recursos tecnológicos, naturais e humanos para fazer um sistema robusto que não sofrerá danos mesmo nas piores circunstâncias hidrológicas”, diz o professor Ildo Sauer, diretor do Instituto de Eletrônica e Energia da USP. “Com a tarifa que o povo paga, temos capacidade de fazer mais e melhor.”
 (Foto: Revista Galileu)

O FUTURO ESTÁ NO VENTO
Energia eólica é a principal aposta do país para os próximos anos
Cata-vento:  o Rio Grande do Sul e o nordeste são os locais mais favoráveis para a instalação de parques eólicos com alto índice de produtividade (Foto: Divulgação)
Se há pouco tempo a energia eólica era considerada uma utopia ecológica, hoje sua viabilidade econômica já a coloca como alternativa real para abastecer o planeta nas próximas décadas. Até quem é considerada uma das maiores poluidoras aderiu à nova fonte de energia: sedenta por encontrar alternativas viáveis para manter seu crescimento econômico, a China lidera a produção eólica mundial, com capacidade instalada de mais de 75 mil megawatts e planos para atingir 220 mil megawatts até 2020. “Com a melhora da tecnologia, que aumentou a produtividade das máquinas e diminuiu o preço, a fonte eólica se tornou muito competitiva, além de ser limpa e renovável”, afirma Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica.
Os parques eólicos, construídos de acordo com a potencialidade do regime de ventos em determinada região, operam por meio de máquinas que parecem grandes cata-ventos. A partir do movimento de suas pás, um gerador consegue produzir energia elétrica, distribuída para a rede a partir de uma central de transmissão. No Brasil, a participação dessa fonte corresponde a mais de 3% da matriz elétrica, com produção de 6 mil megawatts de energia.
Os principais parques eólicos do Brasil, localizados no Rio Grande do Sul e principalmente na região nordeste, têm potencial para produzir muito mais energia do que atual­mente, resolvendo a dependência nacional da energia hidrelétrica, além de frear o custo das termelétricas. “Com o dinheiro gasto em termelétricas, seria possível construir 15 mil megawatts de usinas eólicas, que seriam operadas nos próximos anos a um custo muito reduzido”, diz o professor Ildo Sauer. Com 242 usinas instaladas no país, a expectativa do governo é que o país alcance a sétima colocação na produção eólica mundial em 2015 e que, em oito anos, essa fonte de energia corresponda a 11% da matriz energética.
 (Foto: Revista Galileu)

DO SOL AO LIXO
Produção de energia alternativa quer mostrar-se como opção viável
A China — quem diria — é mais uma vez citada como exemplo mundial para a produção de energia alternativa em larga escala. Em 2014, o país contava com 33 mil megawatts de energia solar instalada, número dez vezes superior a sua produção em 2010. Com o barateamento das placas responsáveis por captar a energia do Sol e transformá-la em eletricidade, o Brasil finalmente despertou para essa opção em outubro do ano passado, quando um leilão disponibilizou 890 megawatts para empresas interessadas. “O governo só esperava utilizar a matriz solar daqui a muitos anos, mas as empresas entenderam que é possível produzir a preços competitivos”, afirma Mauro Passos, presidente do Instituto de Desenvolvimento de Energias Alternativas na América Latina.
Outra opção para gerar energia a partir de fontes alternativas parece insólita, mas também desponta como possibilidade para ser utilizada em larga escala: com mais de 28 milhões de toneladas de lixo, o aterro sanitário paulistano São João tornou-se desde 2008 um produtor de energia a partir da produção natural de biogás dos detritos. “Além de ser um negócio viável, você deixa de lançar um gás tóxico na atmosfera, o metano, para transformá-lo em energia”, diz Douglas Ramponi, gerente operacional da usina. Por meio de tubulações, o gás gerado pela decomposição do lixo é levado para motores responsáveis por movimentar o gerador de energia, produzindo eletricidade para uma população estimada em mais de 200 mil habitantes.

PARA TODOS
Vitrine do governo, programa de acesso à energia beneficiou 15 milhões de pessoas
O Censo realizado no ano 2000 pelo IBGE revelou um número alarmante: mais de 2 milhões de famílias em ­áreas rurais do Brasil não possuíam energia elétrica. Para combater esse problema, desde 2003 o governo conta com o programa Luz para Todos, que prevê a instalação gratuita da rede elétrica na moradia que solicita o atendimento, além do recebimento de um kit composto por até três lâmpadas e duas tomadas. “O Luz para Todos traz a questão do direito de acesso à distribuição de energia elétrica”, diz Ednaldo José da Silva Camargo, que fez sua dissertação de mestrado na USP sobre o tema. Até agora, mais de 15 milhões de pessoas foram beneficiadas, com investimentos estimados em R$ 23 milhões. O encerramento do programa, inicialmente previsto para o ano passado, foi estendido pela presidente Dilma Rousseff até 2018, com o objetivo de atender às 228 mil famílias em áreas rurais que ainda não têm acesso a energia. “Há uma comunidade remanescente de quilombolas no município de Iporanga, no Vale do Ribeira. É necessário ir de barco e depois caminhar para chegar até lá”, diz Camargo. “Amplie esta realidade para as comunidades localizadas entre rios e florestas no país, e teremos ideia do desafio desse programa.”

PASSAPORTE CARIMBADO?
Com alto custo de extração, lucros do pré-sal dependem das variações do mercado
Desde 2007, quando a Petrobras anunciou a descoberta de uma área em alto-mar capaz de abrigar, no mínimo, 35 bilhões de barris de petróleo, lançou-se a ideia de que essa nova fonte de recursos seria um  "passaporte para o futuro",  beneficiando o país com investimentos em saúde e educação. Mas retirar aquele petróleo não é uma tarefa fácil: localizado a até 300 quilômetros de distância da terra firme, as reservas estão a quase sete quilômetros de profundidade, com uma camada de até 2 quilômetros de sal que precisa ser perfurada. Toda essa operação envolve um alto custo de pesquisa e desenvolvimento na hora da extração, com investimentos estimados em US$ 102 bilhões até 2018.
No entanto, a crise econômica na Europa, a desaceleração do crescimento chinês e uma manobra política da Arábia Saudita para desestabilizar adversários fizeram o preço dos barris de petróleo despencar 60% em sete meses, chegando a US$ 45 no início de janeiro. O preço fixado do barril deveria estar na casa dos US$ 60 para que a extração do pré-sal fosse considerada lucrativa. Ainda assim, de acordo com especialistas, seria um erro deixar de investir nessa operação. “É necessário olhar para o mercado como um maratonista, e não como um fundista”, afirma Alexandre Szklo, professor do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ. “A Petrobras precisa realizar uma análise capaz de observar a longo prazo: nos anos 1980 e 1990 o preço do petróleo esteve a preços moderados e não se interrompeu o programa porque foi possível atingir uma viabilidade econômica adequada.” Até agora, 500 mil barris associados ao pré-sal são extraídos todos os dias, representando um quarto da produção nacional de petróleo.
CANTEIRO DE OBRAS
Depois de muito atraso, megaconstruções serão entregues nos próximos anos
Usina da discórdia:  ao custo de R$ 30 bilhões, Belo Monte é contestada por ambientalistas e movimentos sociais  por seu impacto na região do rio Xingu, no Pará  (Foto: PAulo Santos/ Reuters)

Entre as dez maiores obras do PAC 2, segunda parte do programa econômico de aceleração do crescimento implantado pelo governo federal em 2010, quatro dizem respeito à produção de energia elétrica no país. Duas delas, as usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, já entraram parcialmente em operação, enquanto a hidrelétrica de Belo Monte e a nuclear Angra 3 ainda estão longe de ter suas obras concluídas. Além da demora, causada pelo cenário econômico adverso, a construção de megaprojetos como Belo Monte desperta a preocupação de ambientalistas e movimentos sociais por causa do alagamento de áreas para a construção de reservatórios de água, que provoca a destruição de florestas e o deslocamento das populações locais da região do rio Xingu, no Pará. Com custo estimado em R$ 30 bilhões, a usina produzirá mais de 11 mil megawatts de eletricidade, tornando-se a terceira maior hidrelétrica do mundo. A previsão é que Belo Monte entre em operação parcial ainda este ano, mas só tenha suas obras completamente concluídas em 2019.
Outra grande obra ligada à produção de energia também gera polêmica. Após a construção das usinas nucleares Angra 1 e 2, no sul do Rio de Janeiro, uma nova unidade capaz de gerar 1,4 mil megawatts de energia está prevista para ser finalizada até 2018. Ao custo de R$ 14,9 bilhões, o projeto ainda faz parte do acordo assinado entre Brasil e Alemanha em 1975, quando o governo militar começou a elaborar um programa nuclear no país. Apesar de esse tipo de energia despertar apreensão por causa do risco de acidentes, os executivos da usina garantem que, assim como nas outras unidades de Angra, a nova construção possuirá sistema de segurança capaz de resfriar o núcleo do reator e os geradores de vapor, garantindo um desligamento seguro em caso de emergência. Atualmente, 71 reatores nucleares estão em construção no mundo, com capacidade instalada total de mais de 68 mil megawatts.
 (Foto: Revista Galileu)


ENERGIA INTELIGENTE
Por meio de redes IP, distribuição de energia será mais eficiente

O desenvolvimento de redes elétricas capazes de tomar decisões autônomas sem a necessidade de intervenções humanas é a aposta para os próximos anos. Isso permite que falhas sejam identificadas com mais agilidade, além de contribuir para maior eficiência na distribuição de energia entre as regiões de acordo com a avaliação da demanda. Empresas de tecnologia já desenvolvem redes inteligentes que se conectam por IP e permitem a integração das diferentes cadeias de transmissão da eletricidade. “Os medidores residenciais realizarão checagens a cada 15 minutos, permitindo a visualização on-line do consumo de energia de nossas residências”, afirma Severiano Macedo Júnior, gerente de desenvolvimento de negócios da norte-americana Cisco. Em novembro do ano passado, a companhia fechou uma parceria com a Eletropaulo para a instalação de uma rede inteligente em Barueri, na Grande São Paulo. Com investimentos estimados em 75 milhões, o projeto instalará 62 mil medidores, que funcionarão por meio de uma rede sem fio, além de permitir que a transmissão de dados seja realizada pelo próprio cabo de eletricidade.
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