O CÍRCULO VICIOSO CENTRO-AMERICANO
Publicado originalmente em O ISTMO www.oistmo.com
Por Álvaro Cálix*
Tradução: Lucas S. Matter
Revisão: Mariana Yante B. Pereira
Afirma-se
que a América Central tem avançado nas últimas duas décadas e meia. É
uma meia verdade que esconde mais do que revela. A superação dos
conflitos armados, os processos de democratização formal e a melhora nos
indicadores sociais são boas notícias, mas não se pode fazer vista
grossa e ignorar os déficits que colocam a região numa trajetória inerte
em direção à fragmentação e à desagregação.
De
fato, junto aos progressos observados, coexistem atrasos estruturais
que neutralizam aos avanços, com particular ênfase aos países do CA4
(Guatemala, El Salvador, Honduras e Nicarágua). Os atrasos impedem a
coesão social nos países e na região. Os altos níveis de incidência de
pobreza e desigualdade são os resultados mais dramáticos dos déficits
que demonstra a maioria dos países da região. Por trás desses fenômenos,
aparecem anomalias que estruturam o perfil centro-americano, com
exceções contadas. Destacam-se os altos níveis de desnutrição infantil, a
baixa cobertura educativa dos níveis pré-escolar e médio, o fenômeno de
jovens que não estudam nem trabalham (NINIS), a incidência crônica da
economia informal e a violência social.
A
desigualdade no acesso às oportunidades educativas, aos recursos
produtivos e aos circuitos de empreendimento econômico está na base dos
atrasos estruturais da região. O notável desequilíbrio na estrutura de
oportunidades não é casual, pois corresponde a uma matriz política
excludente, que explica a heterogeneidade econômica da região e a
debilidade do Estado para corrigir as distorções. Hoje, mais que nunca, a
região sofre a convergência de velhos e novos problemas que afetam a
capacidade dos países para superar seus estágios de desenvolvimento.
Entre as principais novas ameaças, destacam-se:
*A geopolítica da violência e do crime organizado.
*Os impactos crescentes das alterações climáticas.
*A generalização da corrupção e da impunidade dos Estados.
*O estancamento do progresso democrático iniciado nos anos oitenta do século XX.
*A
crise global que tem afetado especialmente os países e os mercados com
os quais a região tem baseado majoritariamente suas relações econômicas.
*O
aumento da conflitualidade social pela agressiva estratégia de
acumulação, à custa dos recursos naturais em territórios rurais
habitados pela população mais pobre.
Tendo
por base a convergência entre velhos e novos problemas para além dos
avanços em modernização e desenvolvimento, fica claro que um traço
inédito nas sociedades centro-americanas é o aumento da complexidade
social. Esta se baseia no acentuado ritmo de urbanização, na maior
conectividade comunicacional, em um maior – mesmo que ainda insuficiente
– nível educativo, na amplitude dos fluxos migratórios intra e extra
regionais, na diversificação/regionalização das atividades econômicas,
assim como na diversificação dos atores sociais que reivindicam a
incorporação política de suas demandas e pontos de vista.
Em
face de uma maior complexidade de dinâmicas, cosmovisões e interesses,
os sistemas político e econômico não têm sido capazes de transformar-se,
a fim de integrar os diferentes atores sociais e setores populacionais.
Pelo contrário, a política vem se conformando em garantir uma espécie
de elitismo competitivo para a alternância de governos mediados por
processos eleitorais; ao mesmo tempo, a economia tem buscado ampliar os
eixos de acumulação econômica, a partir de uma lógica de concentração
dos benefícios, contornando, ademais, os impactos ambientais.
Essa
lógica excludente explica também por que o sistema econômico aprofunda
as lacunas de riqueza, incentiva a economia informal e a funcionalização
dos capitais ilícitos dentro do subsistema financeiro. Continua muito
dependente da oferta relativamente abundante de matérias primas,
salários baixos e privilégios para ter acesso aos contratos com o
Estado. Em contraste, as empresas que têm participado com maior inovação
e valor agregado, geralmente não criam tantos postos de trabalho como
se pensa, e em geral, parecem estar desconectadas do mundo das pequenas e
médias empresas – no qual se concentra a maior parte da População
Economicamente Ativa (PEA) centro-americana. Nesse contexto, o regime de
incentivos outorgado pelos Estados tende a favorecer o investimento
estrangeiro sem as condicionalidades suficientes e medidas políticas
para gerar cadeias de produção.
Ao
invés de avançar em direção a sistemas democráticos legítimos e
eficazes, transita-se para o descontentamento e para o aumento do
protesto social, pela incapacidade de incorporar mecanismo transparentes
e institucionalizados para representar os distintos interesses e
dirimir os conflitos.
Além
de não mediar as profundas assimetrias de poder, a debilidade do Estado
é refletida, também, na incapacidade de exercer o monopólio legítimo do
uso da força, o que acarreta provoca um aumento generalizado da
violência como meio para a resolução dos conflitos, o fortalecimento de
atores ilícitos que penetram tanto no território, como nas instituições
estatais, e, para piorar, o aumento da discricionariedade e do abuso das
forças repressivas do Estado.
Em
resumo, a América Central, sobretudo os países do triângulo norte,
combina uma série de perigos que não estão sendo enfrentados da melhor
maneira. Pior ainda, as elites parecem persistir em seu autismo e no
bloqueio aos setores mais excluídos. Por isso é fundamental estudar e
atuar para romper esse círculo vicioso; senão, os piores cenários
estarão esperando na próxima esquina.