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Breve história da corrupção no Brasil
Imagem: Antonio Cruz/Abr |
Os primeiros
registros de práticas de ilegalidade no Brasil, que temos registro,
datam do século XVI no período da colonização portuguesa. O caso mais
freqüente era de funcionários públicos, encarregados de fiscalizar o
contrabando e outras transgressões contra a coroa portuguesa e ao invés
de cumprirem suas funções, acabavam praticando o comércio ilegal de
produtos brasileiros como pau-brasil, especiarias, tabaco, ouro e
diamante. Cabe ressaltar que tais produtos somente poderiam ser
comercializados com autorização especial do rei, mas acabavam nas mãos
dos contrabandistas. Portugal por sua vez se furtava em resolver os
assuntos ligados ao contrabando e a propina, pois estava mais
interessado em manter os rendimentos significativos da camada
aristocrática do que alimentar um sistema de empreendimentos produtivos
através do controle dessas práticas.
Um segundo
momento refere-se a extensa utilização da mão-de-obra escrava, na
agricultura brasileira, na produção do açúcar. De 1580 até 1850 a
escravidão foi considerada necessária e, mesmo com a proibição do
tráfico, o governo brasileiro mantinha-se tolerante e conivente com os
traficantes que burlavam a lei. Políticos, como o Marquês de Olinda e o
então Ministro da Justiça Paulino José de Souza, estimulavam o tráfico
ao comprarem escravos recém-chegados da África, usando-os em suas
propriedades. Apesar das denúncias de autoridades internacionais ao
governo brasileiro, de 1850 até a abolição da escravatura em 1888, pouco
foi feito para coibir o tráfico. Isso advinha em parte pelos lucros, do
suborno e da propina, que o tráfico negreiro gerava a todos os
participantes, de tal forma que era preferível ao governo brasileiro
ausentar-se de um controle eficaz. Uma fiscalização mais rigorosa foi
gradualmente adotada com o compromisso de reconhecimento da
independência do Brasil. Um dos países interessados em acabar com o
tráfico escravo era a Inglaterra, movida pela preocupação com a
concorrência brasileira às suas colônias açucareiras nas Antilhas.
Com a
proclamação da independência em 1822 e a instauração do Brasil
República, outras formas de corrupção, como a eleitoral e a de concessão
de obras públicas, surgem no cenário nacional. A última estava ligada à
obtenção de contratos junto ao governo para execução de obras públicas
ou de concessões. O Visconde de Mauá, por exemplo, recebeu licença para a
exploração de cabo submarino e a transferiu a uma companhia inglesa da
qual se tornou diretor. Prática semelhante foi realizada por outro
empresário brasileiro na concessão para a iluminação a gás da cidade do
Rio de Janeiro, também transferida para uma companhia inglesa em troca
de 120 mil libras. O fim do tráfico negreiro deslocou, na República, o
interesse dos grupos oligárquicos para projetos de grande porte que
permitiriam manter a estrutura de ganho fácil.
A corrupção
eleitoral é um capítulo singular na história brasileira. Deve-se
considerar que a participação na política representa uma forma de
enriquecimento fácil e rápido, muitas vezes de não realização dos
compromissos feitos durante as campanhas eleitorais, de influência e
sujeição aos grupos econômicos dominantes no país (salvo raras
exceções). No Brasil Império, 1822-1889, o alistamento de eleitores era
feito a partir de critérios diversificados, pois somente quem possuísse
uma determinada renda mínima poderia participar do processo. A aceitação
dos futuros eleitores dava-se a partir de uma listagem elaborada e
examinada por uma comissão que também julgava os casos declarados
suspeitos. Enfim, havia liberdade para se considerar eleitor quem fosse
de interesse da própria comissão. A partir disso ocorria o processo
eleitoral, sendo que os agentes eleitorais deveriam apenas verificar a
identidade dos cidadãos que constava na lista previamente formulada e
aceita pela comissão.
Com a
República, proclamada em 1889, o voto de “cabresto” foi a marca
registrada no período. O proprietário de latifúndio apelidado de
“coronel” impunha coercitivamente o voto desejado aos seus empregados,
agregados e dependentes. Outra forma constante de eleger o candidato era
o voto comprado, ou seja, uma transação comercial onde o eleitor
“vendia” o voto ao empregador. A forma mais pitoresca relatada no
período foi o voto pelo par de sapatos. No dia da eleição o votante
ganhava um pé do sapato e somente após a apuração das urnas o coronel
entregava o outro pé. Caso o candidato não ganhasse o eleitor ficaria
sem o produto completo. Deve-se considerar que a maior parte das cidades
não possuía número de empregos suficiente que pudessem atender a oferta
de trabalhadores, portanto a sobrevivência econômica do
eleitor/empregado estava atrelada a sujeição das vontades do coronel.
Outro registro
peculiar desse período é o “sistema de degolas” orquestrado por
governadores que manipulavam as eleições para deputado federal a fim de
garantir o apoio ao presidente, no caso Campos Sales (presidente do
Brasil de 1898 a 1902). Os deputados eleitos contra a vontade do governo
eram simplesmente excluídos das listas ou “degolados” pelas comissões
responsáveis pelo reconhecimento das atas de apuração eleitoral. Todos
os governos, até 1930, praticavam degolas.
Uma outra
prática eleitoral inusitada ocorreu em 1929, durante as disputas
eleitorais à presidência entre os candidatos Júlio Prestes
(representante das oligarquias cafeicultoras paulistas) e Getúlio Vargas
(agregava os grupos insatisfeitos com o domínio das oligarquias
tradicionais). O primeiro venceu obtendo 1 milhão e 100 mil votos e o
segundo 737 mil. Entretanto os interesses do grupo que apoiava Getúlio
Vargas, acrescido da crise da Bolsa de Nova York, que levou à falência
vários fazendeiros, resultou numa reviravolta do pleito eleitoral. Sob
acusações de fraude eleitoral, por parte da aliança liberal que apoiava o
candidato derrotado, e da mobilização popular (Revolução de 30),
Getúlio Vargas tomou posse como presidente do país em 1930. Talvez essa
tenha sido uma das mais expressivas violações dos princípios
democráticos no país onde a fraude eleitoral serviu para a tomada de
poder.
Durante as
campanhas eleitorais de 1950, um caso tornou-se famoso e até hoje faz
parte do anedotário da política nacional: a “caixinha do Adhemar”.
Adhemar de Barros, político paulista, era conhecido como “um fazedor de
obras”, seu lema era “Rouba, mas faz!”. A caixinha era uma forma de
arrecadação de dinheiro e de troca de favores. A transação era feita
entre os bicheiros, fornecedores, empresários e empreiteiros que
desejavam algum benefício do político. Essa prática permitiu tanto o
enriquecimento pessoal, para se ter uma idéia, em casa, Adhemar de
Barros costumava guardar para gastos pessoais 2,4 milhões de dólares,
quanto uma nova forma de angariar recursos para as suas campanhas
políticas.
O período
militar, iniciado com o golpe em 1964, teve no caso Capemi e Coroa-
Brastel uma amostra do que ocultamente ocorria nas empresas estatais.
Durante a década de 80 havia um grupo privado chamado Capemi (Caixa de
Pecúlios, Pensões e Montepios), fundado e dirigido por militares, que
era responsável pela previdência privada. O grupo era sem fins
lucrativos e tinha como missão, gerar recursos para manutenção do
Programa de Ação Social, que englobava a previdência e a assistência
entre os participantes de seus planos de benefícios e a filantropia no
amparo à infância e à velhice desvalida. Este grupo, presidido pelo
general Ademar Aragão, resolveu diversificar as operações para ampliar o
suporte financeiro da empresa. Uma das inovações foi a participação em
um consórcio de empresas na concorrência para o desmatamento da área
submersa da usina hidroelétrica de Tucuruí (empresa estatal). Vencida a
licitação pública em 1980 deveria-se, ao longo de 3 anos, concluir a
obra de retirada e de comercialização da madeira. O contrato não foi
cumprido e o dinheiro dos pensionistas da Capemi dizia-se que fora
desviado para a caixinha do ministro-chefe do Sistema Nacional de
Informações (SNI), órgão responsável pela segurança nacional, general
Otávio Medeiros que desejava candidatar-se à presidência do país. A
resultante foi a falência do grupo Capemi, que necessitava de 100
milhões de dólares para saldar suas dívidas, e o prejuízo aos
pensionistas que mensalmente eram descontados na folha de pagamento para
a sua, futura e longínqua, aposentadoria. Além do comprometimento de
altos escalões do governo militar o caso revelou: a estreita parceria
entre os grupos privados interessados em desfrutar da administração
pública, o tráfico de influência, e a ausência de ordenamento jurídico.
Em 1980 o
proprietário da Coroa-Brastel, Assis Paim, foi induzido pelos ministros
da economia Delfim Netto, da fazenda Ernane Galvêas e pelo presidente do
Banco Central, Carlos Langoni, a conceder à Corretora de Valores
Laureano um empréstimo de 180 milhões de cruzeiros. Cabe ressaltar que a
Coroa-Brastel era um dos maiores conglomerados privados do país, com
atuações na área financeira e comercial, e que o proprietário da
Corretora de Valores Laureano era amigo pessoal do filho do chefe do SNI
Golbery do Couto e Silva.
Interessado em
agradar o governo militar, Paim concedeu o empréstimo, mas após um ano o
pagamento não havia sido realizado. Estando a dívida acumulada em 300
milhões de cruzeiros e com o envolvimento de ministros e do presidente
do Banco Central, a solução encontrada foi a compra, por Paim, da
Corretora de Valores Laureano com o apoio do governo. Obviamente a
corretora não conseguiu saldar suas dívidas, apesar da ajuda de um banco
estatal, e muito menos resguardar o prestígio dos envolvidos.
A
redemocratização brasileira na década de 80 teve seu espaço garantido
com o fim do governo militar (1964-1985). Em 1985 o retorno dos civis à
presidência foi possível com a campanha pelas Diretas-Já, que em 1984
mobilizou milhares de cidadãos em todas as capitais brasileiras pelo
direito ao voto para presidente. Neste novo ciclo político o Impeachment
do presidente Collor constitui um marco divisor nos escândalos de
corrupção.
Durante as
eleições para presidente em 1989 foi elaborado um esquema para captação
de recursos à eleição de Fernando Collor. Posteriormente, foi revelado
que os gastos foram financiados pelos usineiros de Alagoas em troca de
decretos governamentais que os beneficiariam. Em abril de 1989, após
aparecer seguidamente em três programas eleitorais, Collor já era um
nome nacional. Depois que Collor começou a subir nas pesquisas, foi
estruturado um grande esquema de captação de dinheiro com base em
chantagens e compromissos que lotearam previamente a administração
federal e seus recursos. Esse esquema ficou conhecido como “Esquema PC”,
sigla baseada no nome do tesoureiro da campanha, Paulo César Farias, e
resultou no impeachment do presidente eleito. Segundo cálculos da
Polícia Federal estima-se que este esquema movimentou de 600 milhões a 1
bilhão de dólares, no período de 1989 (campanha presidencial) a 1992
(impeachment).
Nossa breve
história da corrupção pode induzir à compreensão que as práticas
ilícitas reaparecem como em um ciclo, dando-nos a impressão que o
problema é cultural quando na verdade é a falta de controle, de
prestação de contas, de punição e de cumprimento das leis. É isso que
nos têm reconduzido a erros semelhantes. A tolerância a pequenas
violações que vão desde a taxa de urgência paga a funcionários públicos
para conseguir agilidade na tramitação dos processos dentro de órgão
público, até aquele motorista que paga a um funcionário de uma companhia
de trânsito para não ser multado, não podem e não devem mais ser
toleradas. Precisamos decidir se desejamos um país que compartilhe de
uma regra comum a todos os cidadãos ou se essa se aplicará apenas a
alguns. Nosso dilema em relação ao que desejamos no controle da
corrupção é esquizofrênico e espero que não demoremos muito no divã do
analista para decidirmos.
Profa. Dra. Rita Biason
Departamento de Relações Internacionais
UNESP - Campus Franca
Voto Consciente