sábado, 21 de março de 2015

Energia e a crise no Brasil - Dossiê

Revista Galileu

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Dossiê: energia e a crise no Brasil

17/03/2015 - 13H03/ atualizado 13H0303 / por Thiago Tanji
 (Foto: Revista Galileu)
O ano começou com um susto para boa parte do país: na tarde do dia 19 de janeiro, uma falha desligou parcialmente a energia em regiões de 11 estados e no Distrito Federal. Não se sabe ao certo o total de pessoas que ficaram às escuras, mas só em São Paulo pelo menos 2 milhões foram afetados. De acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), responsável por coordenar a transmissão elétrica em território nacional, problemas na transferência de energia das regiões nordeste e norte para o sudeste obrigaram o órgão a realizar cortes controlados para não agravar a situação. Apesar de os técnicos garantirem que se tratou apenas de um erro pontual, a falta de energia é apontada como uma das questões mais delicadas para 2015.
É bem verdade que muita coisa mudou desde 2001, ano em que o país viveu a pior crise energética de sua história, motivada pela falta de água nos reservatórios das usinas hidrelétricas e, principalmente, pela diminuição nos investimentos na infraestrutura de distribuição de energia. Para tentar contornar o problema e evitar um apagão nas cidades, o governo de Fernando Henrique Cardoso obrigou a população a reduzir em 20% os gastos da conta de luz, com multa em caso de não cumprimento da determinação. “Havia a crença de que o planejamento do Estado não era importante e de que o mercado resolveria as coisas, mas isso não deu certo”, afirma Sérgio Bajay, professor do departamento de energia da Unicamp, que na época assumiu um cargo na direção do Ministério de Minas e Energia para contornar a crise.
Após 2003, parte dos problemas no setor foi amenizada com a expansão das linhas de transmissão de energia pelo território nacional, além da diminuição da dependência brasileira das hidrelétricas com a construção de novas usinas termelétricas, que produzem calor para gerar energia a partir de combustíveis fósseis, recursos orgânicos e processos nucleares. Um novo período de estiagem registrado nos últimos meses, no entanto, recolocou o sistema em alerta. Os reservatórios de água que alimentam as usinas hidrelétricas do sistema sudeste/centro-oeste registravam pouco menos de 17% de sua capacidade no final de janeiro de 2015, cenário bem pior que o de 2001, quando o nível era superior a 31%. “Enquanto na região sul as médias históricas de chuva estão sendo superadas, no sudeste passamos o final da primavera e começo do verão com pouca chuva, sobretudo nas cabeceiras que abastecem os reservatórios”, diz Luiz Cavalcanti, chefe do Centro de Análise de Previsão do Tempo do Instituto Nacional de Meteorologia.
Para compensar a escassez da água (responsável por acionar as turbinas das hidrelétricas, que respondem por uma parte expressiva da energia produzida no país), o governo teve de contratar termelétricas, que geram energia a um preço superior — em alguns casos até oito vezes maior.
“A questão não é só a possibilidade de racionamento, mas o alto custo de operação das termelétricas, que acaba acumulando uma dívida a ser paga pelos consumidores”, afirma Roberto d’Araújo, professor do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ. Em 2014, houve a injeção de cerca de R$ 20 bilhões no setor, conta que será paga pelos bancos estatais e pelo consumidor, com reajustes médios na conta de luz estimados em 40%.
Apesar de o Ministério de Minas e Energia descartar a possibilidade de racionamento para este ano, ainda não é possível ter certeza do cenário para os próximos meses devido ao regime de chuvas. “No início de 2014 também se falava de racionamento, mas não se pode tirar nenhuma conclusão até abril, quando se encerra o período úmido”, afir­ma Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética, órgão vinculado ao ministério. A possibilidade de um novo apagão só evidencia a importância de acelerar obras de infraestrutura e da busca por energias alternativas, para que não precisemos viver, literalmente, no escuro.
SISTEMA INTEGRADO
Quase todo o território nacional é atendido por rede interligada de energia
Especialistas no setor elétrico não têm dúvida ao afirmar que a falta de investimentos em infraestrutura foi a principal causa da crise elétrica de 2001, fato potencializado pela escassez de chuvas no período. Desde então, o país passou por uma expansão: se em 2001 a capacidade energética instalada correspondia a 75 mil megawatts, em 2014 esse número saltou para quase 134 mil megawatts. Para fazer essa energia abastecer residências e todo o setor econômico, o país conta com o Sistema Interligado Nacional (SIN), responsável por cobrir mais de 98% do território nacional com linhas de transmissão que distribuem a energia elétrica de acordo com a demanda das regiões.
Operado pela ONS, o SIN conta com extensão superior a 110 mil quilômetros, distância equivalente a quase três vezes a circunferência da Terra. “Com uma rede interligada, é possível ter a complementação de diferentes fornecedores de energia. Além disso, em uma situação de emergência energética, é possível buscar auxílio em outra região do país”, afirma o professor Sérgio Bajay.
Ainda assim, o modelo de leilões que privilegia a contratação de energia elétrica para as grandes empresas e a falta de planejamento a longo prazo para buscar alternativas mais eficientes e baratas ainda são questões não resolvidas pelo atual modelo adotado no país. “Temos recursos tecnológicos, naturais e humanos para fazer um sistema robusto que não sofrerá danos mesmo nas piores circunstâncias hidrológicas”, diz o professor Ildo Sauer, diretor do Instituto de Eletrônica e Energia da USP. “Com a tarifa que o povo paga, temos capacidade de fazer mais e melhor.”
 (Foto: Revista Galileu)

O FUTURO ESTÁ NO VENTO
Energia eólica é a principal aposta do país para os próximos anos
Cata-vento:  o Rio Grande do Sul e o nordeste são os locais mais favoráveis para a instalação de parques eólicos com alto índice de produtividade (Foto: Divulgação)
Se há pouco tempo a energia eólica era considerada uma utopia ecológica, hoje sua viabilidade econômica já a coloca como alternativa real para abastecer o planeta nas próximas décadas. Até quem é considerada uma das maiores poluidoras aderiu à nova fonte de energia: sedenta por encontrar alternativas viáveis para manter seu crescimento econômico, a China lidera a produção eólica mundial, com capacidade instalada de mais de 75 mil megawatts e planos para atingir 220 mil megawatts até 2020. “Com a melhora da tecnologia, que aumentou a produtividade das máquinas e diminuiu o preço, a fonte eólica se tornou muito competitiva, além de ser limpa e renovável”, afirma Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica.
Os parques eólicos, construídos de acordo com a potencialidade do regime de ventos em determinada região, operam por meio de máquinas que parecem grandes cata-ventos. A partir do movimento de suas pás, um gerador consegue produzir energia elétrica, distribuída para a rede a partir de uma central de transmissão. No Brasil, a participação dessa fonte corresponde a mais de 3% da matriz elétrica, com produção de 6 mil megawatts de energia.
Os principais parques eólicos do Brasil, localizados no Rio Grande do Sul e principalmente na região nordeste, têm potencial para produzir muito mais energia do que atual­mente, resolvendo a dependência nacional da energia hidrelétrica, além de frear o custo das termelétricas. “Com o dinheiro gasto em termelétricas, seria possível construir 15 mil megawatts de usinas eólicas, que seriam operadas nos próximos anos a um custo muito reduzido”, diz o professor Ildo Sauer. Com 242 usinas instaladas no país, a expectativa do governo é que o país alcance a sétima colocação na produção eólica mundial em 2015 e que, em oito anos, essa fonte de energia corresponda a 11% da matriz energética.
 (Foto: Revista Galileu)

DO SOL AO LIXO
Produção de energia alternativa quer mostrar-se como opção viável
A China — quem diria — é mais uma vez citada como exemplo mundial para a produção de energia alternativa em larga escala. Em 2014, o país contava com 33 mil megawatts de energia solar instalada, número dez vezes superior a sua produção em 2010. Com o barateamento das placas responsáveis por captar a energia do Sol e transformá-la em eletricidade, o Brasil finalmente despertou para essa opção em outubro do ano passado, quando um leilão disponibilizou 890 megawatts para empresas interessadas. “O governo só esperava utilizar a matriz solar daqui a muitos anos, mas as empresas entenderam que é possível produzir a preços competitivos”, afirma Mauro Passos, presidente do Instituto de Desenvolvimento de Energias Alternativas na América Latina.
Outra opção para gerar energia a partir de fontes alternativas parece insólita, mas também desponta como possibilidade para ser utilizada em larga escala: com mais de 28 milhões de toneladas de lixo, o aterro sanitário paulistano São João tornou-se desde 2008 um produtor de energia a partir da produção natural de biogás dos detritos. “Além de ser um negócio viável, você deixa de lançar um gás tóxico na atmosfera, o metano, para transformá-lo em energia”, diz Douglas Ramponi, gerente operacional da usina. Por meio de tubulações, o gás gerado pela decomposição do lixo é levado para motores responsáveis por movimentar o gerador de energia, produzindo eletricidade para uma população estimada em mais de 200 mil habitantes.

PARA TODOS
Vitrine do governo, programa de acesso à energia beneficiou 15 milhões de pessoas
O Censo realizado no ano 2000 pelo IBGE revelou um número alarmante: mais de 2 milhões de famílias em ­áreas rurais do Brasil não possuíam energia elétrica. Para combater esse problema, desde 2003 o governo conta com o programa Luz para Todos, que prevê a instalação gratuita da rede elétrica na moradia que solicita o atendimento, além do recebimento de um kit composto por até três lâmpadas e duas tomadas. “O Luz para Todos traz a questão do direito de acesso à distribuição de energia elétrica”, diz Ednaldo José da Silva Camargo, que fez sua dissertação de mestrado na USP sobre o tema. Até agora, mais de 15 milhões de pessoas foram beneficiadas, com investimentos estimados em R$ 23 milhões. O encerramento do programa, inicialmente previsto para o ano passado, foi estendido pela presidente Dilma Rousseff até 2018, com o objetivo de atender às 228 mil famílias em áreas rurais que ainda não têm acesso a energia. “Há uma comunidade remanescente de quilombolas no município de Iporanga, no Vale do Ribeira. É necessário ir de barco e depois caminhar para chegar até lá”, diz Camargo. “Amplie esta realidade para as comunidades localizadas entre rios e florestas no país, e teremos ideia do desafio desse programa.”

PASSAPORTE CARIMBADO?
Com alto custo de extração, lucros do pré-sal dependem das variações do mercado
Desde 2007, quando a Petrobras anunciou a descoberta de uma área em alto-mar capaz de abrigar, no mínimo, 35 bilhões de barris de petróleo, lançou-se a ideia de que essa nova fonte de recursos seria um  "passaporte para o futuro",  beneficiando o país com investimentos em saúde e educação. Mas retirar aquele petróleo não é uma tarefa fácil: localizado a até 300 quilômetros de distância da terra firme, as reservas estão a quase sete quilômetros de profundidade, com uma camada de até 2 quilômetros de sal que precisa ser perfurada. Toda essa operação envolve um alto custo de pesquisa e desenvolvimento na hora da extração, com investimentos estimados em US$ 102 bilhões até 2018.
No entanto, a crise econômica na Europa, a desaceleração do crescimento chinês e uma manobra política da Arábia Saudita para desestabilizar adversários fizeram o preço dos barris de petróleo despencar 60% em sete meses, chegando a US$ 45 no início de janeiro. O preço fixado do barril deveria estar na casa dos US$ 60 para que a extração do pré-sal fosse considerada lucrativa. Ainda assim, de acordo com especialistas, seria um erro deixar de investir nessa operação. “É necessário olhar para o mercado como um maratonista, e não como um fundista”, afirma Alexandre Szklo, professor do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ. “A Petrobras precisa realizar uma análise capaz de observar a longo prazo: nos anos 1980 e 1990 o preço do petróleo esteve a preços moderados e não se interrompeu o programa porque foi possível atingir uma viabilidade econômica adequada.” Até agora, 500 mil barris associados ao pré-sal são extraídos todos os dias, representando um quarto da produção nacional de petróleo.
CANTEIRO DE OBRAS
Depois de muito atraso, megaconstruções serão entregues nos próximos anos
Usina da discórdia:  ao custo de R$ 30 bilhões, Belo Monte é contestada por ambientalistas e movimentos sociais  por seu impacto na região do rio Xingu, no Pará  (Foto: PAulo Santos/ Reuters)

Entre as dez maiores obras do PAC 2, segunda parte do programa econômico de aceleração do crescimento implantado pelo governo federal em 2010, quatro dizem respeito à produção de energia elétrica no país. Duas delas, as usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, já entraram parcialmente em operação, enquanto a hidrelétrica de Belo Monte e a nuclear Angra 3 ainda estão longe de ter suas obras concluídas. Além da demora, causada pelo cenário econômico adverso, a construção de megaprojetos como Belo Monte desperta a preocupação de ambientalistas e movimentos sociais por causa do alagamento de áreas para a construção de reservatórios de água, que provoca a destruição de florestas e o deslocamento das populações locais da região do rio Xingu, no Pará. Com custo estimado em R$ 30 bilhões, a usina produzirá mais de 11 mil megawatts de eletricidade, tornando-se a terceira maior hidrelétrica do mundo. A previsão é que Belo Monte entre em operação parcial ainda este ano, mas só tenha suas obras completamente concluídas em 2019.
Outra grande obra ligada à produção de energia também gera polêmica. Após a construção das usinas nucleares Angra 1 e 2, no sul do Rio de Janeiro, uma nova unidade capaz de gerar 1,4 mil megawatts de energia está prevista para ser finalizada até 2018. Ao custo de R$ 14,9 bilhões, o projeto ainda faz parte do acordo assinado entre Brasil e Alemanha em 1975, quando o governo militar começou a elaborar um programa nuclear no país. Apesar de esse tipo de energia despertar apreensão por causa do risco de acidentes, os executivos da usina garantem que, assim como nas outras unidades de Angra, a nova construção possuirá sistema de segurança capaz de resfriar o núcleo do reator e os geradores de vapor, garantindo um desligamento seguro em caso de emergência. Atualmente, 71 reatores nucleares estão em construção no mundo, com capacidade instalada total de mais de 68 mil megawatts.
 (Foto: Revista Galileu)


ENERGIA INTELIGENTE
Por meio de redes IP, distribuição de energia será mais eficiente

O desenvolvimento de redes elétricas capazes de tomar decisões autônomas sem a necessidade de intervenções humanas é a aposta para os próximos anos. Isso permite que falhas sejam identificadas com mais agilidade, além de contribuir para maior eficiência na distribuição de energia entre as regiões de acordo com a avaliação da demanda. Empresas de tecnologia já desenvolvem redes inteligentes que se conectam por IP e permitem a integração das diferentes cadeias de transmissão da eletricidade. “Os medidores residenciais realizarão checagens a cada 15 minutos, permitindo a visualização on-line do consumo de energia de nossas residências”, afirma Severiano Macedo Júnior, gerente de desenvolvimento de negócios da norte-americana Cisco. Em novembro do ano passado, a companhia fechou uma parceria com a Eletropaulo para a instalação de uma rede inteligente em Barueri, na Grande São Paulo. Com investimentos estimados em 75 milhões, o projeto instalará 62 mil medidores, que funcionarão por meio de uma rede sem fio, além de permitir que a transmissão de dados seja realizada pelo próprio cabo de eletricidade.
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