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Carlos Antonio Fragoso Guimarães
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Escrúpulos éticos do jornalismo jogado às favas em favor do golpismo
OPERAÇÃO LAVA JATO Escrúpulos jogados às favas Por Sylvia Debossan Moretzsohn em 17/02/2015 na edição 838 do Observatório da Imprensa Quem conhece como funciona uma redação de jornal não se surpreenderia com a situação. A surpresa é quanto ao procedimento: ...
OPERAÇÃO LAVA JATO Escrúpulos jogados às favas Por Sylvia Debossan Moretzsohn em 17/02/2015 na edição 838 do Observatório da Imprensa Quem conhece como funciona uma redação de jornal não se surpreenderia com a situação. A surpresa é quanto ao procedimento: ...
Escrúpulos éticos do jornalismo jogado às favas em favor do golpismo
Para Além do Cérebro
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015
Escrúpulos éticos do jornalismo jogado às favas em favor do golpismo
OPERAÇÃO LAVA JATO
Escrúpulos jogados às favas
Por Sylvia Debossan Moretzsohn em 17/02/2015 na edição 838 do Observatório da Imprensa
Quem conhece como funciona uma redação de jornal não se surpreenderia
com a situação. A surpresa é quanto ao procedimento: tradicionalmente,
as ordens para manipular o noticiário, por mais abjeção e revolta que
causem, costumam ser verbais. Daí o espanto diante da notícia de que a
direção de jornalismo da Globo enviou mensagem escrita determinando o
corte de qualquer referência ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
nas mais recentes denúncias da Operação Lava Jato, que investiga a
corrupção na Petrobras.
O e-mail com essa orientação foi inicialmente divulgado no blog de Luís Nassif (ver aqui), no domingo (8/2), e logo se espalhou pela internet:
“(...) a diretora da Central Globo de Jornalismo, Silvia Faria, enviou
um e-mail a todos os chefes de núcleo com o seguinte conteúdo:
‘Assunto: Tirar trecho que menciona FHC nos VTs sobre Lava a Jato
Atenção para a orientação
Sergio e Mazza: revisem os VTs com atenção! Não vamos deixar ir ao ar nenhum com citação ao Fernando Henrique’.”
Segundo Nassif, “o recado se deveu ao fato de a reportagem ter procurado FHC para repercutir as declarações de Pedro Barusco [ex-diretor da Petrobras, um dos que fizeram acordo de delação premiada] – de que recebia propinas antes do governo Lula”.
As declarações constam de depoimento prestado em novembro do ano
passado, mas apenas agora liberado. Barusco diz que começou a receber
propina “em 97 ou 98”, mas esse trecho não apareceu imediatamente nas
reportagens dos canais da Globo. O caso recebeu tratamento diferente no Jornal Nacional e nos jornais da GloboNews.
Recapitulando
As primeiras reportagens foram ao ar na tarde de quinta-feira (5/2). Na GloboNews, a primeira matéria (ver aqui) não faz referência ao período anterior aos governos petistas, mas à noite, no Jornal das Dez (aqui),
essa menção é explícita e repetida no dia seguinte. Na tarde do dia
6/2, em matéria cujo link chama para o título “Ex-gerente da Petrobrás
diz que começou a receber propina em 1997” (aqui),
a repórter lembra que “na época o país era comandado pelo PSDB”, mas
ressalva que, sobre esse período, “o ex-gerente da Petrobras não deixa
claro se recebeu propina a pedido de alguém ou de algum partido
político”.
Na longa reportagem, de quase seis minutos, em que começou a tratar do caso, em 5/2, o Jornal Nacional utiliza
seus habituais recursos de infografia para detalhar como funcionava o
esquema denunciado por Barusco, mas omite a referência ao período de
FHC. Pelo contrário, destaca, no infográfico, o pagamento de propina “em
90 contratos, entre 2003 e 2013, nos governos Lula e Dilma”. Apenas no
dia seguinte, em reportagem um pouco menos longa (quatro minutos e
meio, ver aqui), o JN menciona
que o denunciante diz ter começado a receber propina “em 97 ou 98,
durante o governo Fernando Henrique Cardoso”, mas também ressalva que
ele “não esclareceu se o dinheiro recebido naquela época era destinado
ao PSDB, partido do então presidente da República, ou a alguma aliança
que o apoiava”. No sábado (7/2), o jornal anuncia que Fernando Henrique
comentou “por escrito” o depoimento de Barusco (ver aqui), eximindo o seu governo de responsabilidade na história.
Deixando rastros
As reportagens informaram que os envolvidos cuidavam de não deixar
rastros. Tampouco o tipo de ordem que partiu da direção de jornalismo da
Globo deveria deixá-los. Mas deixou.
Seria improvável pensar que, nesses tempos de internet, o e-mail não
vazaria. Mesmo considerando a hesitação dos jornalistas em denunciar o
que ocorreu, por medo de perder o emprego.
Assim, a divulgação do e-mail só complicou as coisas para a empresa, ao
menos em relação ao público minimamente atento, quando o Jornal Nacional pediu desculpas, em sua edição de segunda-feira (9/2, ver aqui),por
ter insinuado que um dos ex-diretores da Petrobras, Guilherme Estrella,
estaria comprometido no esquema de propina, quando o próprio
denunciante o isentava.
Outras coisas viraram motivo de galhofa: por exemplo, a vinheta da
GloboNews sobre o pedido do PT de “investigações na Lava Jato no período
que antecede o governo petista”. Como disse o jornalista Eduardo Souza
Lima em seu mural no Facebook, “não é nada disso, pessoal, eles só
quiseram abreviar para caber na chamada. Afinal, ‘período que antecede o
governo petista’ é bem mais curto do que ‘governo FHC’.”
Outro erro – que provavelmente foi mesmo um singelo erro de digitação,
como tantos os que ocorrem e não deveriam ocorrer, pelo menos não com
tanta frequência – ganhou outra conotação durante a cobertura do
acidente com o navio-plataforma da Petrobras, na quarta-feira (11/2), em
Aracruz, Espírito Santo: ao recapitular outros acidentes, a GloboNews
divulgou, também em vinheta, que a explosão e o afundamento da
plataforma P-36, na Bacia de Campos, que deixou 11 mortos, tinha
ocorrido em 2011 (governo Dilma, portanto), e não em 2001 (portanto,
governo FHC).
Pela culatra
Ao anunciar, em 11/2, o pedido da liderança do PT na Câmara para a
ampliação das investigações da CPI da Lava Jato para o período anterior a
2003, considerando o depoimento de Barusco, o Jornal Nacional conclui
a nota dizendo que “o Ministério Público Federal informou que se pauta
pela isenção em suas investigações e não faz distinção de datas, prazos
ou gestores”.
A mesma isenção deveria pautar o jornalismo, como as próprias empresas fazem questão de reiterar em seus princípios editoriais.
Sabemos que nunca foi assim, mas quando há um documento escrito
apontando na direção oposta a denúncia quanto à manipulação é mais
contundente. Assim, o e-mail disparado pela diretora de jornalismo da
Globo teve efeito contrário e só ajudou a piorar a imagem da empresa,
pelo menos entre os que têm alguma capacidade de discernimento e não se
contentam com a primeira informação que recebem.
Mas, de fato, não é a primeira vez. Em março de 2010, quando
representantes das empresas de comunicação se reuniram para discutir a
terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos, a então
presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Judith Brito,
afirmou que os meios de comunicação “estão fazendo de fato a posição
oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente
fragilizada”.
Tratava-se de uma defesa do que as empresas entendem por liberdade de
imprensa, por oposição à proposta do governo – e de muitos movimentos
sociais, há muitos anos – de “controle social da mídia”.
Assumir-se como porta-voz da oposição significava, evidentemente,
abandonar a posição de fiel da balança que as empresas de comunicação se
arrogam, pelo menos desde a redemocratização.
A recente orientação para excluir qualquer menção ao ex-presidente
Fernando Henrique do noticiário sobre corrupção na Petrobras não deveria
mesmo causar espanto. Mas não deixa de ser uma forma de mandar às favas
todos os escrúpulos de consciência.
***
Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora deRepórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) ePensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)