aos acadêmicos do curso de Ciências Sociais, 2014 (DCS/UEM)
Segundo DUVERGER, “a ciência política é a mais jovem das ciências sociais. Ela nasceu porque pessoas tiveram a ideia de estudar problemas que as outras ciências sociais tinham negligenciado: por exemplo, os partidos políticos, as eleições, os grupos de pressão, a elaboração de decisões políticas (“
making decision”), etc. Essas pessoas se tornaram especialistas nesses problemas”.[1]
Ainda segundo este autor: “Até o século XIX, os problemas políticos são estudados especialmente sobre o ângulo moral. Procura-se estudar tal ou qual forma de poder, considerada “boa”, e vilipendiar outra qualquer, julgada “má”. Não se estuda o poder objetivamente. Por outro lado, o método de análise essencial é o raciocínio dedutivo, partindo de princípios a priori e não da observação de fatos e da indução baseada nesta observação”.[2]
A Ciência Política desenvolve-se, sobretudo, nos Estados Unidos, de finais do séc. XIX à primeira metade do século XX. Passa por um desenvolvimento global após a II Guerra Mundial. A Ciência Política tem ancestrais na Filosofia Política (Aristóteles, Platão). Maquiavel, Jean Bodin, Montesquieu, etc., são alguns dos seus precursores no período moderno. No século XIX, podemos citar autores como Alexis de Tocqueville, Augusto Comte e Karl Marx, entre outros. A contribuição de todos foi fundamental.
A primeira dificuldade para a análise da Ciência Política consiste em sua amplidão e diversidade de abordagens. A palavra Política é polissêmica, envolve diferentes significados, ainda que correlatos. Além disto, apresenta dualidades que tornam a sua definição e compreensão ainda mais complexas. Há, como aponta FERRAZ JR.[3], a dualidade entre Política realidade (atividade humana) e Política conhecimento (ato de conhecimento); ação (prática política) versus estudo. Isto nos remete à questão da relação entre a prática e a pretensão científica da Política (no sentido acadêmico). Por outro lado, o “conhecimento” nem sempre é, necessariamente, científico. O saber do político, do assessor político, por exemplo, pode ser essencialmente fundado na sua práxis política.
Outra dualidade, diz respeito à Política como Programa de ação (policy) versus política como “Domínio”. No primeiro caso, a palavra política não indica realidade nem conhecimento, mas uma intenção a ser realizada. Os “programas de ação” são tantos quanto as forças políticas e indivíduos formulam a partir dos seus interesses. Quando um desses “programas de ação” passa a ser realizado, adentramos na esfera do “Domínio”. “Quando temos uma política escolhida que começa a ser realizada, temos outro sentido da palavra. Política que é a política no sentido de Domínio. É a instauração, por uma decisão fortalecida, de um programa, de uma policy”.[4] Mas permanece a tensão!
A terceira dualidade apontada por FERRAZ JR., consiste em conceber a Política em seu “aspecto parcial” ou enquanto “sistema englobante”. O primeiro sentido se refere a realidades específicas, setorizadas (ex.: política universitária, política estudantil, política sindical, etc.; a política nacional, governamental, etc.). O segundo, diz respeito ao sistema em seu conjunto e, inclusive, deve levar em conta os diversos interesses e conflitos inerentes às políticas específicas.
A questão principal diz respeito à relação Teoria e Práxis. Já em A República, Livro VII, Platão se pergunta sobre os fundamentos da relação entre governado e governantes, a qual consiste, para o filósofo grego, numa relação de obediência. O que legitima a obediência? Em que se funda? Esta reflexão inaugura um tema que permanece atual: a legitimidade. Qual a resposta de Platão? Após analisar os modelos da época, ele conclui que existem tipo e relação de obediência cujo fundamento é o conhecimento especializado. É este que infunde confiança e legitima o mando, garantindo a obediência.
Mas, o que isto a ver com a relação entre teoria e práxis? O Mito da Caverna ajuda-nos a compreender. Aquele que se liberta, adquire a luz, o conhecimento. Aprende! Mas aprender não se restringe apenas a contemplar, pois pressupõe uma dimensão prática. Quem aprende deve agir no sentido de transformar, de levar a luz aos “cegos”, aos que não conhecem e vivem no mundo das sombras. O filósofo é instado a retornar à caverna e ensinar seus companheiros, tirá-los da ignorância. Sua tarefa é árdua, pois os que permaneceram na caverna estão habituados a tomar o que veem enquanto a realidade, a verdade. Por outro lado, o contato com a luz (o conhecimento) “cega” o filósofo, seus olhos não conseguem mais decifrar as sombras tão familiares de antes. Se ele não vê o que os outros veem, como pode querer ensinar-lhes a verdade? Ora, para os que permaneceram na caverna a verdade é o que veem e não aquela (o conhecimento, a luz, etc.), que o filósofo aprendeu e trás do mundo exterior. Eles não aceitarão.
Seja como for, o problema do filósofo é um problema prático, refere-se à ação, à práxis. Ele viu, e isto é fundamental, mas agora precisa agir. Como convencer os demais? Platão enfatiza o indivíduo que contempla, o filósofo em seu ato solitário de assimilar a luz (conhecer). Seu pensamento valoriza a teoria (Teorein), isto, é a contemplação. Mas a política, o agir político, a práxis política, refere-se à comunidade. É um ato comunitário. A reflexão platônica significa valorizar o intelectual (o conhecimento), o cientista (a Ciência Política), em detrimento da ação (a prática política).
Contudo, mesmo Platão percebeu que era necessário estabelecer formas de levar o conhecer à ação e tentou influir na política do seu tempo. Foi um desastre. Platão concluiu que o a atuação política do filósofo perverteu a razão. As pontes entre o saber e a ação, teoria e práxis, não garantem resultados positivos. A política segue a sua própria lógica e há momento em que predominam os mitos e a verdade das sombras da caverna. Como influenciar a ação dos que não veem e mesmo se recusam a ver? O filosofo vê-se obrigado a recorrer aos mitos, pois os que estão na caverna acreditam neles. Eles não querem a verdade do saber filosófico. De certa forma, o pensamento de Platão é atualizado no dilema do intelectual diante das exigências da militância política, na relação entre a vanguarda e a massa, entre Política e Ciência Política!
[1] DUVERGER, Maurice. Ciência Política: Teoria e Método. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p.30.
[2] Idem, p. 40.
[3] FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Política e Ciência Política. In: Curso de Introdução à Ciência Política. Política e Ciência Política – Unidade I. 2ª. ed. Brasília, Editora da Universidade de Brasília, c1984, p.21-29.
[4]Idem, p. 22.