O mito do livre-mercado: os Estados Unidos (final)
Bretton Woods,
1944. Com o iminente fim da Segunda Guerra Mundial, as nações aliadas
se reúnem para a formação da nova ordem econômica mundial. Nesta
conferência, foram criados o Banco Mundial (também conhecido como BIRD) e o Fundo Monetário Internacional
(FMI). Mais tarde, em 1947, também foi criado o Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês) que mudou o nome para Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1995, formando o que o economista Ha-Joon Chan chama de a “Trindade Profana” que vem esmagando a economia dos países em desenvolvimento nos últimos 30 anos.
Livre mercado e democracia não são parceiros naturais
Ha-Joon Chang, economista sul-coreano
Se
no começo, essas instituições ajudaram os países em crise a equilibrar
suas contas e a reconstruir as economias dos países arrasados pela
guerra, a partir da crise da dívida do Terceiro Mundo, em 1982, as
coisas mudaram drasticamente. Esses órgãos econômicos passaram a ter um
poder muito maior do que o previsto, usando dinheiro para influenciar
politicamente os rumos dos países enfraquecidos. Nos anos 90, o FMI
passou a condicionar os empréstimos à implementação das premissas neoliberais na economia dos países em desenvolvimento.
Mesmo com os notórios fracos resultados, muitas dessas recomendações
neoliberais persistem até hoje, por influência dos países ricos (eles
mesmos vítimas do próprio veneno atualmente). Eles alegam que “não há alternativa” ao livre-mercado(“There is no altenative”,
famoso slogan da rainha do mercado Margareth Thatcher), defendendo que
esse é o único caminho da prosperidade. Já desconstruímos esse mito
mostrando os casos da Coreia do Sul, do Japão e da Inglaterra (links o final do post), onde esclarecemos que esses países só cresceram e se tornaram potências econômicas porque fizeram tudo ao contrário
do que recomendam hoje aos países pobres. Mas esse trabalho não estaria
completo sem mostrar o caso daquele país que exerce hoje a maior
influência para a execução de políticas neoliberais no planeta: vamos
conhecer um pouco da história econômica dos Estados Unidos.
Estados Unidos não seguem Adam Smith, e se dão bem
Sob
domínio inglês, a América do Norte sofreu algumas das restrições que as
demais colônias de então sofriam. E isso, acreditem, era defendido por
alguém que entrou para a história como o “pai do liberalismo e do livre-mercado”: Adam Smith. Na sua obra mais famosa, A riqueza das nações, ele recomenda solenemente aos americanos não desenvolverem as manufaturas para competir com os ingleses.
Qualquer tentativa de interromper a importação de manufaturas europeias obstruiria, em vez de promover, o progresso do seu país na direção do enriquecimento e engrandecimento efetivos.
Neste
trecho, hoje podemos perceber o quão ideologicamente interesseiras eram
as “recomendações” disfarçadas de boas intenções de Adam Smith,
preocupado com a concorrência americana com os produtos manufaturados
europeus.
Alguns
ilustres americanos como Thomas Jefferson estavam realmente convencidos
de que o ideal para a América era permanecer uma economia agrária. Hoje
Adam Smith é idolatrado por economistas e políticos nos Estados Unidos,
mas na época outros não estavam muito convencidos das recomendações do
ilustre pai da economia liberal e queriam ir contra a corrente
dominante, defendendo que os Estados Unidos deveriam desenvolver as indústrias através de proteção e subsídios do governo.
Essa era a vontade de Alexander Hamilton, o primeiro ministro das
finanças do país, e por ironia do destino, filho de escocês como Smith.
Protecionismo até a Segunda Guerra Mundial
Em 1791, Hamilton submeteu seu Relatório sobre as Manufaturas
ao Congresso, com uma série de recomendações para desenvolver a
indústria, todas indo na contramão do livre-mercado, como tarifas
protecionistas, subsídios do governo, proibição de importações, etc.
Naquele
momento o Congresso era dominado pelos grandes plantadores
latifundiários, a quem interessava o livre-comércio com a Inglaterra
industrializada. Foi preciso esperar quase 30 anos, mas em 1820, os
Estados Unidos, aproveitando-se da Guerra Anglo-Americana de 1812,
implementaram o programa de Alexander Hamilton. Além de ser o país mais protecionista do mundo
durante o século XIX até a década de 1920, os Estados Unidos eram a
economia que crescia mais rápido. Mas também não a única. Todos os
países ricos de hoje – com raras exceções -- adotaram estas medidas
protecionistas, como a Finlândia, Alemanha, Noruega, Itália, Áustria e
França, etc. Coincidência?
Os Estados Unidos
adotaram esse modelo protecionista até o final da Segunda Guerra
Mundial. Com suas indústrias já plenamente estabelecidas e com os
principais concorrentes europeus totalmente arrasados pelo conflito
armado, o país norte-americano achou que era a hora perfeita de levantar
a bandeira do livre-comércio. E nem assim eles praticaram o livre
comércio plenamente, pois encontraram outros meios de defender seus
interesses, alguns até ilícitos.
É nesse
contexto que nasce o FMI e o Banco Mundial, que hoje dizem aos países
que querem se desenvolver que o melhor caminho é a abertura econômica e a
queda de tarifas. Mas a história nos conta que no estágio inicial de
seu desenvolvimento, todos os países bem-sucedidos recorreram à mistura
de proteção, subsídios e regulamentação para desenvolver sua economia. E
por outro lado, esta receita neoliberal recomendada hoje aos países
mais pobres só tem trazido prejuízos, como aumento da desigualdade,
desemprego, pobreza, instabilidade econômica, com sucessivas ondas de
crise entre outras mazelas. O Brasil da era FHC, de meados dos anos 90 é
o maior exemplo disso.
Chutando a escada dos outros
Em
1841, o economista alemão Friedrich List criticou a Inglaterra por
pregar o livre-comércio aos outros países enquanto ela atingia a
supremacia por meio de tarifas elevadas e subsídios. Ele acusou os
ingleses de estarem “chutando a escada” em que eles haviam
subido, impedindo os outros de subirem também. Infelizmente é isso que
acontece hoje. Os países já estabelecidos não querem mais concorrentes
emergindo das políticas nacionalistas e protecionistas que eles mesmos
adotaram com êxito no passado. E depois do colonialismo, do extermínio
de povos nativos, da escravidão e das guerras de conquista, este é o
mais novo acinte moderno que os países ricos impõem contra os mais
pobres. A implementação de um receituário econômico que visa paralisar e não desenvolver a economia dos países em desenvolvimento.
Primeira parte: O mito do livre mercado: os casos sul-coreano e japonês |
Segunda Parte: O mito do livre-mercado: o caso inglês |
O livro O Mito do Livre-Comércio e os Maus Samaritanos – A história secreta do capitalismo, de Ha-Joon Chang, é a fonte de todas as informações contidas nas partes um, dois e três desta série.
Escrito e publicado por: Almir Ferreira