Política
Opinião
A undécima hora
Os votos de rejeição aos vetos da presidenta frustram a sociedade e diminuem a dignidade da atividade política
por Delfim Netto
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publicado
07/10/2015 03h01
Ichiro Guerra/PR
As votações dos deputados nas sessões da Câmara
nas últimas semanas foram aulas práticas sobre psicologia humana.
Confirmaram a velha tese de Mencken (H.L. Mencken – The Smart Set, 1919): “Ninguém merece ilimitada confiança. Na melhor das hipóteses, a traição depende da tentação suficiente”.
É evidente que o alicerce de sustentação
das nossas crenças no comportamento de qualquer grupo político é um fato
histórico. A observação do seu passado determina o que esperar dele no
presente, pois se supõe que ele seja consequência de princípios e
valores que o distinguem e fazem sua diferença específica.
O comportamento da bancada do PSDB que,
com uma única exceção, votou pela rejeição dos vetos que Dilma Rousseff
aplicou, corajosamente, às maluquices aprovadas pelos deputados, foi uma
enorme frustração para a sociedade brasileira e diminuiu a dignidade da
atividade política!
A quem atendeu, afinal? À mesma plateia
de sempre: uma minoria fortemente organizada instalada em Brasília, que
tem arrancado, sistematicamente, privilégios imorais do ponto de vista
republicano, pagos pela maioria difusa e impotente. Juntou o cinismo ao
seu oportunismo.
O trágico, até as emas do Alvorada sabem,
é que se tratava de eleitores do PT, pois ele é o “verdadeiro”
sindicato dos funcionários públicos. Na melhor das hipóteses, portanto,
os votos foram dados por covardia. Na pior, por um indecente instinto
“golpista”.
O custo para o País do comportamento
insensato foi enorme. Aumentaram as incertezas, pioraram as expectativas
de desemprego, o dólar e os juros foram aos píncaros, o que exigiu
forte e competente intervenção da autoridade monetária. Aumentou o
chamado “risco Brasil”, perdeu-se o grau de investimento, prosseguiu a
destruição do valor das empresas privadas e acentuou-se a descrença nas
empresas públicas. Mas tudo isso é passado...
É mais do que evidente que a
rejeição desses vetos seria uma tragédia nacional de proporções
inimagináveis. Seria a anomia, pois destruiria a crença da sociedade
também nos poderes Legislativo e Judiciário.
Será, entretanto, grande o equívoco do
Executivo supor que tal resultado é equivalente à sua opinião. A maioria
daqueles votos foi para dar-lhe algum tempo para encontrar a melhor
saída para o problema financeiro crônico, implícito em alguns
dispositivos da Constituição de 1988, e com a qual convivemos de 1988 a
2011.
Ele revelou o seu caráter “estrutural” a
partir do exagerado intervencionismo voluntarista do governo, de 2012 a
2014. A maioria deu um aparente voto de confiança à presidente para
evitar o mal maior: uma desintegração fiscal que levaria o País ao caos
econômico e social.
Mas nada obsta que ela aproveite o novo
instante de oportunidade para recuperar o seu protagonismo. Que formule e
apresente ao Congresso um programa sério, enxuto e bem focado, apenas
quatro ou cinco medidas, certeiras e profundas.
Talvez: 1. Idade mínima para
aposentadoria. 2. Eliminação das vinculações, que retiram poder também
do Legislativo e destroem a boa governança. 3. Fim dos vestígios de
todas as indexações. 4. Envio da proposta da CUT sobre a livre
negociação salarial sob o controle dos sindicatos. 5. Remessa do projeto
do novo ICMS. E, fundamental, que vá à rua enfrentar o seu panelaço
para demonstrar que está apenas reduzindo extravagantes benefícios
“conquistados” por minorias organizadas.
Explique que precisa de um aumento
provisório de impostos. Use a imaginação para escolhê-los: eles precisam
harmonizar o estímulo ao consumo e ao investimento e tornar mais
equânime a tributação do trabalho e a do capital, para ter algum tempo
até as medidas sugeridas serem, com cuidado e inteligência,
aperfeiçoadas no Congresso.
Com isso, deve acender-se uma pequena luz no horizonte.
Ajudada pela substituição das importações industriais, e depois pelas
exportações, talvez ilumine o “espírito animal” dos empresários, sem o
qual o “ajuste” fiscal pode arrastar-se por anos...