Em todos os eventos que participei, pude perceber que as pessoas sabem de uma coisa: seja em Genebra, seja em Kampala, sem a imprensa, a vida de todos fica muito pior.
Países que respeitam direitos, que prezam pela liberdade de expressão e que apostam na diversidade – e não no ódio e na censura – têm mais imprensa, e não menos. Onde a imprensa está enfraquecida, o horror tomou conta. É por isso que em todos esses eventos falei, ao final, sobre nosso programa de financiamento coletivo. Jornalistas não costumam fazer isso, mas o momento que estamos vivendo não pede moderação nesse caso. Eu não tenho vergonha de dizer que precisamos desse dinheiro para seguir trabalhando.
Quero dividir com você algumas curiosidades que vi e ouvi em cada parada da viagem. Segue o fio:
- Minha primeira atividade foi em Austin, nos Estados Unidos. No Knight Center for Journalism in the Americas da Universidade do Texas falei sobre “Mídia e democracia nos tempos de cólera e da polarização digital na América Latina”. Lá, estive com jornalistas da Venezuela, México, Argentina, Equador, Chile e Nicarágua. Só as histórias da Nicarágua ganham do Brasil atual. É difícil para a plateia acreditar nas coisas que contamos do cotidiano brasileiro por conta do tamanho dos absurdos.
- Saí dos EUA com a sensação de que as pessoas sabem quem é Jair Bolsonaro, têm dimensão do seu autoritarismo e do perigo que representa. O que mais repercutiu por lá foram as queimadas na Amazônia e a crise generalizada no ministério do Meio Ambiente. Pude contar um pouco da nossa cobertura, como demos com exclusividade o falso currículo de Ricardo “Yale” Salles, e desmascarar sua agenda com os destruidores do planeta. Falei também sobre o plano alucinado dos militares para “ocupar” a Amazônia.
- Em seguida fui a Oslo. No dia em que o Augusto Nunes covardemente agrediu Glenn Greenwald eu estava ao lado de dois jornalistas turcos. Aproveitei e contei a eles como, ao longo do ano, fomos agredidos por congressistas, figuras públicas e outros jornalistas. Um deles me disse: “Começou assim na Turquia. Hoje temos 100 jornalistas presos. Cuidado.”
- Fui à Genebra dias depois para uma atividade do Coletivo Grito, de brasileiros que moram por lá: “Autoritarismos em Marcha - O Caso Brasileiro”. Pude conversar com muitos brasileiros na Suíça, inclusive com o mais ilustre deles, o escritor Paulo Coelho, com quem jantei. Paulo me disse que está vendo coisas no Brasil de hoje que não viu nem mesmo durante a ditadura militar, pela qual foi torturado. Notei que há enorme disposição para que se crie um movimento internacional para denunciar a gangue que tomou conta do país. Isso é muito positivo!
- Meu último destino foi Paris onde conversei com colegas de mídias independentes e dei uma entrevista à Rádio France Internacional. Contei sobre a realidade brasileira e tratei de alternativas para compartilhar o que produzimos por aqui. Aprendi um pouco sobre sustentabilidade de alguns veículos de lá. Fiz reuniões com colegas que também não vivem de anúncio ou investidores, mas conseguem com a participação intensa dos leitores furar a bolha e gerar dinheiro suficiente para fazer algo que a gente sabe que é custoso e não dá lucro: o jornalismo que muda a vida das pessoas.
Desculpa pelo e-mail mais longo do que o normal, mas achei importante compartilhar essas notas da viagem para que você tivesse dimensão do que estamos fazendo. Nosso trabalho no Intercept passa por apurar informações, dar furos, investigar. Mas ele também tem uma inegável dimensão política e eu não tenho vergonha de assumir isso. Política com P maiúsculo. Porque está cada vez mais claro que se a gente tiver vergonha de apontar o dedo, de denunciar para o mundo o que está rolando por aqui e de dar nome às coisas, vamos ser esmagados pelas forças autoritárias.
Voltei cheio de ideias e com fome para investigar aqueles que querem nos calar, tirar mais direitos, deixar a vida ainda mais precária. O remédio contra isso? Mais jornalismo! Mais imprensa!
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