O fim do “welfare state” e
o terror: um show de hipocrisia em meio aos atentados em solo francês
WELLINGTON FONTES MENEZES
14/01/2015
Revista
Espaço Acadêmico oriente
médio, política
internacional, religiõesCharlie Hebdo,
revista
francesa, sociedade
francesa
WELLINGTON FONTES MENEZES*
Em meio à comoção do atentado à
redação da revista francesa Charlie Hebdo, uma manifestação histórica estimada
em quase quatro milhões de pessoas contra o fantasma criado pelas próprias
elites europeias e estadunidense, a “islamofobia”, ocorreu neste domingo, 11 de
janeiro, em Paris e arredores.
É bom recordarmos que partidos de
centro-direita com ares fascistas, sob a forma de uma onda conservadora
reacionária, vem inflamando ódio nas ruas, no submundo do pseudo-jornalismo e
nas redes sociais, nos últimos anos, contra tudo que seja não-europeu,
hostilizaram povos, religiões e nações em meio a uma gravíssima crise econômica
engendrada a partir do final da primeira década de 2000. Não existe mistério
quando há dilemas entre a fabricação de pão ou canhões e, por sua vez, a
escassez de recursos para ambos. A prática política vem de mãos dadas com a
economia imediata, portanto, com a rarefação da pujança econômica e nível de
desemprego preocupante (uma das raízes imediatistas da crescente xenofobia dos
brancos europeus), os governantes europeus deixaram de lado os constrangimentos
eleitorais e partiram para adoções de políticas neoliberais diluindo o “welfare
state” europeu, a política de bem-estar social tocada pelo modelo da social-democracia
(levando em conta as pressões dos partidos de esquerda e sindicatos organizados
de diferentes categorias de trabalhadores).
O coro dos abutres ecoou,
vicejando o pragmatismo e o sentido umbilical do auto-interesse que tomou conta
do imaginário popular europeu após a desconstrução dos tempos de sonho do
“welfare state”. O momento foi capitaneado pelos partidos mais extremos do
espectro político, canalizando a insatisfação popular e, do outro lado, as
esquerdas progressistas cada vez mais imóveis e fragmentadas (muitas vezes,
chafurdadas em antros de corrupção e descrédito eleitoral). Neste sentido, os
próprios eleitores franceses conduziram ao poder o partido de extrema-direita,
o famigerado fascista “Frente Nacional”, de Jean-Marie Le Pen e sua filha
Marine, com considerável número de cadeiras no Parlamento Francês. Como uma
espécie de catalizador visceral de insatisfação imediatista e narcísica, a cada
eleição a Frente Nacional vem se consolidado como grupo político de forte
adesão dentro da sociedade francesa.
Soluções mágicas e imediatistas
são especialidades natas de grupos de extrema-direita e fascistas para
ludibriar partes de uma multidão desconcertada e pontualmente sedenta para
achar “culpados” pela própria derrocada material. Na crise, nada melhor que
culpar o “outro”, ou seja, nada tão simplório e catastrófico. Nada é tão
inocente ao ponto de fazer crer que tudo é obra do acaso e do “Grande Mal” que
tais grupos de irracionalidade fascista tentam personificar na religião do
Islamismo em meio a mais uma crise sistêmica da maquinaria capitalista mundial.
Hoje, mesmas elites que
fomentaram guerras, xenofobias e insanidades que redundaram na capitalização de
jovens nativos europeus com tendências perversas e destrutivas por parte de
facções terroristas tem a cara-de-pau ao ficar “abraçadinhos” em praça pública
em meio a desgraça acometida com a chacina dos jornalistas e cartunistas da
Charlie Hebdo. Vale ressaltar que os ataques partiram de dentro do seio social
francês, cujos membros executores do atentado a revista foram cooptados na
liturgia insana do terror niilista e a falta de horizonte perceptível dentro da
própria sociedade francesa. Depois de Charlie, uma onda de ataques vem sendo
verificadas no solo francês de forma difusa em meio a um antagonismo plasmado
entre “pró” e “anti” muçulmanos colocando o país em estado de segurança máxima.
A midiática dispersão da histeria do “medo do outro”, no caso, o “temor
muçulmano” é a ponta do iceberg de uma série de fatores que vão desde interesses
econômicos dos grandes grupos capitalistas às políticas sociais fracassadas e
medíocres.
Diante da crise, a Europa ficou
“pequena” para sustentar todo o custo social do lamaçal que se meteu adotando,
cada vez mais, medidas desestruturantes neoliberais. A hipocrisia é a rainha da
mentira e da falsidade. O grupo político que sustenta a União Europeia goza de
uma avassaladora hipocrisia que apenas tenderá a aumentar a dispersão dos ódios
e recalques racistas e xenófobos na França, e por extensão, toda a Europa. Se
existem grupos e células terroristas espalhadas pelo mundo, é necessário
ressaltar a responsabilidade das Grandes Potências que foram (e continuam
sendo) direta ou indiretamente responsáveis por suas criações, manutenções e
dispersões pelo globo. De forma circense, hoje em Paris, estas mesmas
lideranças se abraçam perante os holofotes midiáticos e fingem que não sabem de
nada e que nada é de suas responsabilidades.
A tática do “quanto pior, melhor”
e a “judeufobia” foi praticado pelo grupo liderado por Hitler no seu Partido
Nazista entre os anos 1920 e 1930, quando em 1933, assume o poder de fato na
Alemanha e, posteriormente, deflagrou a continuação mais sanguinária da
Primeira Grande Guerra. Apostar no medo e na irracionalidade social é o passaporte
assegurado para a barbárie que tanto a Europa provou seu trágico odor.
Histórias macabras como o atentado a Charlie Hebdo estará longe de terminar e
apenas colocam mais pólvora no barril armado pela crise estrutural no coração
do histórico capitalismo mundial, o Velho Continente, e cujo mote, atualmente,
é a falsa armadilha do apocalipse hollywoodiano entre Ocidente e Oriente. Neste
jogo idealista senil, é a arma que os fascistas estão ansiosos para recolocarem
o mundo em mais uma insana corrida armamentista e banho de sangue gratuito
contra as populações mais frágeis. A História não é cíclica, mas é recheada de
fatos e circunstâncias similares com resultados catastróficos.
* WELLINGTON FONTES MENEZES é Mestre em Ciências Sociais pela Universidade
Estadual Paulista (UNESP); Bacharel e Licenciado em Física pela Universidade de
São Paulo (USP); Professor Universitário e da Rede Pública do Estado de São
Paulo. E-mail: wfmenezes@uol.com.br
Blog: www.wfmenezes.blogspot.com.br