domingo, 21 de julho de 2019

E o instantâneo foi como dito?!


Sem Dilma, retomada dos investimentos seria "instantânea", diz presidente da Riachuelo

BBC
Flávio Rocha, presidente da Riachuelo, defende saída de Dilma e o Estado mínimoImagem: BBC
Ruth Costas
25/03/2016 17h09
Presidente da Riachuelo - uma das maiores redes do varejo brasileiro - Flávio Rocha defende que o empresariado do país precisa "sair da toca" sobre suas posições políticas para garantir uma guinada liberal no Brasil - caminho que, na sua avaliação, poderia tirar o país da crise.
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Rocha foi um dos primeiros empresários brasileiros a se posicionarem abertamente a favor da saída de Dilma Rousseff (PT) da Presidência e diz acreditar que, nesse caso, haveria uma rápida retomada dos investimentos na economia real. “Seria instantâneo”, defende. “É o que está acontecendo na Argentina. Não precisou de dez dias para a criação de um círculo virtuoso.”
Otimista sobre um eventual governo Michel Temer, o empresário se recusa a comentar a possibilidade do vice-presidente também ser “derrubado” pela Operação Lava Jato. “Cada agonia em sua hora”, diz.
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Defensor de um Estado mínimo, ele acredita que o eleitor brasileiro está cansado do que define como as propostas “de inspiração estatizante ou ligadas à social-democracia” dos partidos tradicionais e está preparado para um projeto pró-livre mercado: “(Hoje) temos trinta e tantos partidos, mas nosso cenário político é mais ou menos como aquele livro: cinquenta tons de vermelho e cor-de-rosa”.

Confira abaixo a entrevista que ele concedeu a BBC Brasil sobre a crise política:

BBC Brasil - O senhor tem se posicionado a favor do impeachment, mas mesmo se o afastamento da presidente for aprovado, há incógnitas sobre a estabilidade de futuros arranjos políticos. Não é arriscado assumir uma posição nesse cenário incerto?
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Flávio Rocha – Acho que estamos em uma troca de ciclos que implicará em uma mudança no papel do Estado no Brasil. Encerramos um triste ciclo de mais uma tentativa de usar o Estado como indutor do desenvolvimento, que no mundo todo só gerou empobrecimento e desemprego. E há condições para uma virada de página em direção a um modelo pautado pelo binômio democracia e livre mercado, que é como se consegue a prosperidade.
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O eleitor brasileiro está mais maduro, o que favorece a virada. Está deixando de ser um eleitor súdito para ser um eleitor cidadão, que vê o Estado mais ou menos como sua operadora de telefonia ou TV a cabo: um prestador de serviço do qual deve ser cobrado eficiência e baixo custo. Esse será o estopim da mudança, que pode acabar com esse Estado gigantesco, hipertrofiado, um Estado de 40% do PIB que existe para garantir os seus próprios privilégios.
O novo ciclo será marcado pela busca do Estado prestador de serviço e eficiente.
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Mas esse novo modelo pressupõe um empresariado mais protagonista. Os que investem e dão empregos serão uma liderança necessária nesse processo. Quando eu me posicionei, há algum tempo, realmente pouquíssimos empresários tinham se manifestado. Mas vejo com muita alegria cada vez mais lideranças empresariais conscientes de seu novo papel “saindo da toca”.
BBC Brasil - Temer foi citado pela Lava Jato. O presidente da Câmara e do Senado também são investigados. Até que ponto um impeachment de Dilma é o fim da crise?
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Rocha - O impeachment vai significar o fim desse ciclo que eu acabei de mencionar. Temer tem grande habilidade política e seria capaz de dar um propósito (ao governo) e criar homogeneidade de ação no Congresso. O PMDB tem um plano de governo que acredito ser a síntese das medidas mais urgentes para o Brasil hoje – o Ponte para o Futuro. Tenho a impressão de que, com o compromisso de não ser candidato a reeleição, Temer vai fazer do seu grande projeto de vida colocar em prática essas medidas e garantir a transição. Seria um legado excepcional para o próximo presidente.
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BBC Brasil - Mas há a incógnita da Lava Jato. E se o escândalo derrubar Temer?
Rocha - Cada agonia na sua hora. O fundamental agora é reconhecer que o pior cenário seriam três anos com o transatlântico à deriva. O atual governo não tem condições de liderar o processo de reconstrução nacional. Uma virada de página seria um alento, uma esperança.
Mas devemos lembrar quão terrível foi aquele período da história argentina em que havia uma troca intensa na Casa Rosada. No domingo almocei com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e ele me disse que teve uma semana em que ligou três vezes para a Argentina para dar os parabéns ao novo presidente. Esse seria um cenário bastante aterrador também.
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BBC Brasil - Um eventual governo Temer teria incentivos para fazer um ajuste fiscal duro, como defendem os mercados, em ano de eleição?
Rocha - O Ponte para o Futuro explicita isso e acho que ajuda o fato de não haver a tentação eleitoral. Como disse, a grande motivação dele deve ser entrar para a história tirando o Brasil do atoleiro, assumindo as medidas amargas que o momento precisa.
BBC Brasil - Segundo institutos de pesquisas, se houvesse eleições hoje, a vencedora seria Marina Silva. Como o senhor vê isso?
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Rocha - Não vejo a Marina comprometida ou personificando esse novo desenho de Estado sobre o qual falei. Acho que existe ainda um “recall” muito forte da exposição e performance que ela teve na campanha presidencial. E um desgaste de outros candidatos pelas citações na Lava Jato.
BBC Brasil - O mercado financeiro parece animado com a possibilidade de uma saída da atual presidente. Como empresário do varejo, que efeito acha que isso teria nos investimentos na economia real?
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Rocha - Seria instantâneo. Bastaria uma troca da sinalização. É o que está acontecendo na Argentina. Não precisou de dez dias para a criação de um círculo virtuoso. A partir do momento que você sinaliza que está entrando em campo um governo que entende as delicadas engrenagens do livre mercado e vai colocar a sua sabedoria a favor do desenvolvimento, o fluxo de investimentos se reestabelece e a confiança desabrocha.
BBC Brasil – Como assim? Basta a presidente sair que os empresários voltam a investir? O senhor vai abrir mais lojas se a Dilma cair?
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Rocha - Não. Acho que a gente volta ao patamar anterior de crescimento. Quebramos nosso recorde de investimentos no ano passado. Mas tiramos o pé do acelerador. Agora a ordem é proteger o caixa, porque a gente não sabe por quanto tempo vai ter que prender a respiração nessa travessia. Mas acho que encerrado esse capítulo e iniciado o novo ciclo, o Brasil vai “bombar” de novo. Só pode ser pessimista com o Brasil quem está olhando o curto prazo e toda essa sucessão de equívocos. O próximo ciclo vai ser de um pais normal de livre mercado.
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BBC Brasil – A crise política é o principal entrave ao crescimento?
Rocha - A crise política é a consequência. O problema é a falta de projeto. Como o governo vai exigir sacrifício e união do Congresso se dentro do Planalto não há consenso sobre o que fazer. Há até ministro contra a reforma da Previdência.
Qual o projeto de país desse governo? É difícil saber. Talvez até porque isso seja inconfessável, uma coisa ideologizada. Na falta de um sonho para ser construído, fica todo mundo olhando para o próprio umbigo e defendendo o seu.
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BBC Brasil - Há quem veja a possibilidade de um ‘cenário italiano’ precipitado pela Lava Jato, no qual um líder populista ou outsider surgiria do colapso dos partidos tradicionais (na Itália, Sílvio Berlusconi assumiu após a Operação Mãos Limpas). Como vê isso?
Rocha – O vácuo que existe na nossa política é de um partido que assuma o ideário de um desenvolvimento via livre-mercado. Temos trinta e tantos partidos, mas nosso cenário político é mais ou menos como aquele livro: cinquenta tons de vermelho e cor-de-rosa. São todos partidos de inspiração estatizante ou ligados à social democracia.
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Apenas mais recentemente surgiu o Partido Novo, o primeiro com compromisso com o ideário liberal. Eu tenho a convicção que é esse o caminho para a prosperidade e vejo essa demanda também nos eleitores.
BBC Brasil - Para o senhor, o eleitor brasileiro está cansado da social-democracia?
Rocha - Exato. Acho que o brasileiro se cansou dessa experiência socializante. Nós competimos com países que têm Estados de 12%, 15%, 17% do PIB. Aqui, depois da constituinte era 22%. Hoje temos 37% de carga tributária, com mais 10% de déficit publico.
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E o que é social-democracia? Na Rússia, na Revolução de 1917, existiam os bolcheviques que queriam o socialismo pela via violenta e os mencheviques, que queriam pela via democrática. Os primeiros prevaleceram e tomaram o poder pela força e os últimos deram origem à social-democracia. Mas eles queriam a mesma coisa.
O socialismo fracassou em todas as ocasiões em que foi testado. Mas, como disse o Gustavo Franco (ex-presidente do Banco Central), é como o vampiro da meia-noite: ressuscita quando menos se espera, com outras roupagens. Há alguns anos ressurgiu na América Latina travestido de socialismo bolivariano e fez esse estrago no continente.
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BBC Brasil - Há uma social-democracia forte na Europa, com relativo sucesso.
Rocha - Muita gente cita os países escandinavos como social-democracia. São países que foram muito prósperos enquanto eram capitalistas, se transformaram em social-democracia e estagnaram. É o capitalismo democrático que gera prosperidade porque liberta o espírito gerador de riqueza natural do ser humano.
BBC Brasil - A crise de 2008 não mostrou que o mercado com muito poder e pouca regulação também pode trazer problemas?
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Rocha - Não defendo o Estado inexistente. Defendo o Estado mínimo, com uma atuação na regulação mínima. O mercado é como um cão farejador, que tem um faro mais apurado que o do ser humano. O bom caçador usa isso para encontrar seu caminho, mas não é o cachorro quem manda.
BBC Brasil - E a corrupção no setor privado? A própria Lava Jato revelou que também há empresários corruptos.
Rocha - Tem empresários e empresários. Não confunda Flávio Rocha, um empresário de mercado que acorda de manhã e calcula como produzir um vestido ao melhor custo para a dona Maria, com o empresário que acorda e se pergunta para quem tem de dar propina para conseguir uma obra pública ou fazer uma plataforma de petróleo superfaturada. São duas coisas diferentes: o empresário de mercado e o empresário de conluio, que é o câncer desse estado hipertrofiado. Um fator de aumento da corrupção do Estado já tão corrompido.
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A livre concorrência ajuda a acabar com a corrupção. Por exemplo, se eu tiver na Riachuelo um comprador de gravatas corrupto que tenha feito um acerto com o fornecedor, a gravata será mais cara e a Riachuelo vai perder participação no mercado. Isso não acontece na Petrobras.
BBC Brasil - O senhor defende que papel para o Estado?
Rocha - Um país como o nosso precisa de um Estado de 20% a 25% do PIB. Na última década, 18 pontos percentuais de economia informal se formalizou no Brasil. Isso ajudou a elevar a produtividade desses setores, mas também houve um repasse maior de dinheiro para o setor mais ineficiente do pais - o estatal. Se lá atrás tivéssemos colocado um freio na participação do Estado no PIB e aproveitado essa maior receita para reduzir as alíquotas (de impostos) não tenho dúvidas que a China seria aqui. Estaríamos crescendo.
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BBC Brasil – De onde cortar nos gastos públicos?
Rocha - Por exemplo, no meu estado, o Rio Grande do Norte, o grande escândalo agora é que há quase 3 mil funcionários (públicos) fantasmas, com salários que chegam a R$ 60 mil. Isso quebra definitivamente a crença de alguns de que o Estado seria um Robin Hood que pega dos ricos para distribuir aos pobres. É o Robin Hood às avessas. Tira de uma população extremamente pobre, como a do Rio Grande do Norte, para alimentar marajás.

48 Comentários

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Ceciliana Ronaldo EBia
Como pode ter pessoas de mente tão atrasadas a ponto de achar que o trabalhador vai ter menos direitos? O direito vai continuar por que existem leis trabalhistas para isso é leis não mudam de governo pra governo são direitos adquiridos o que Flávio falou e está certo é que o estado cobra imposto demais para uso próprio.Raciocinem como as empresas vão empregar se éstao com a corda no pescoço pessoas com mente pequena tem medo de serem explorados deveriam ter medo de não ter como sustentar a família
Lukeni
Olha o naipe do cidadão, ele quer a volta da época em que ele não precisava responder por multas milionárias por normas de saúde nas suas fábricas, pagar pensão vitalícia por abusos contra funcionárias, diversas ações no MPT ora, é claro que caras como ele estão interessados num governo onde faz vistas grossas a quem pisa nos direitos dos empregados, como ele!!!

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Editorial

*Uma nova direção é preciso*

*《EDITORIAL DO OPINIÃO SOCIALISTA N° 574》*

Perante o governo Bolsonaro e seus ataques devemos fazer de tudo para tentar construir a unidade para lutar. Mas é imprescindível para a classe trabalhadora construir uma nova direção, capaz de enfrentar o sistema e disposta a lutar por uma nova sociedade. Sem isso até as lutas contra os ataques evidentes e violentos como este não são respondidos à altura.

Leia a matéria completa em: https://www.pstu.org.br/editorial-uma-nova-direcao-e-preciso/
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terça-feira, 16 de julho de 2019

Sob o signo da república neonazifascista dos bolsonaros

Trama de uma guerra declarada
Observatório da Imprensa16 de julho de 2019 16:54


(Foto: Fernando Frazão/Agencia Brasil)
Publicado originalmente na Revista de Jornalismo ESPM
A eleição de Jair Bolsonaro veio acompanhada da promessa de mudanças na relação do governo com o campo da mídia. A campanha eleitoral, no segundo semestre de 2018, e os primeiros meses de governo deram indicações de que há uma reconfiguração em andamento. A nova situação política afeta as relações de poder e a influência dos grupos de comunicação tradicionais e, não menos importante, coloca em posição de destaque a chamada nova mídia. Lives no Facebook, postagens no Twitter e mensagens no WhatsApp ocuparam, pela primeira vez no Brasil, um lugar relevante na disputa política e no concorrido mercado de produção de conteúdo noticioso.
Não é a primeira vez, em tempos recentes, que uma expectativa de mudança na correlação de forças no campo da mídia é alimentada. Em 2002, por exemplo, a eleição de Lula estimulou muitas especulações a respeito, mas o próprio se encarregou de dissipar a onda assim que o resultado das urnas foi anunciado. Ainda no domingo, 27 de outubro, o presidente eleito falou com exclusividade ao Fantásticoe, no dia seguinte, novamente privilegiou a Globo ao se sentar na bancada do Jornal Nacionale ali permanecer por mais de uma hora, durante toda a duração do telejornal.
Bolsonaro tem dado sinais de que pretende, de fato, promover alterações na sua relação com as emissoras de TV. Ressalvo, porém, que ainda é cedo para afirmar se essa intenção declarada resultará em mudanças efetivas no médio e longo prazos. Alguns fatos significativos ocorridos entre outubro de 2018 e março de 2019 sugerem traços de um novo desenho no campo da comunicação. Vou tentar descrevê-los e analisá-los em seguida.
Período eleitoral (setembro/outubro)
O quadro começou a se desenhar ainda no primeiro turno da eleição presidencial. Na quinta-feira, 4 de outubro, três dias antes da votação, a Record exibiu uma entrevista com Bolsonaro no mesmo instante em que a Globo apresentava o último debate eleitoral. Na véspera, um médico de Bolsonaro havia informado que o candidato não poderia comparecer ao debate, uma vez que ainda se recuperava do atentado a faca que havia sofrido em Juiz de Fora, em 6 de setembro.
A entrevista foi gravada durante o dia, na casa de Bolsonaro. Além do repórter Eduardo Ribeiro, que fez as perguntas, o então vice-presidente de jornalismo da Record, Douglas Tavolaro, foi fotografado no local, acompanhando a gravação. Quatro dias antes, o bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal e proprietário da Record, havia declarado publicamente, nas redes sociais, apoio à candidatura de Bolsonaro.
O mais grave desse episódio, na minha opinião, foi a decisão da Record de exibir a entrevista no mesmo instante em que a Globo mostrava o debate. Como escrevi na época¹, pensando no interesse público, faria muito mais sentido que essa entrevista fosse exibida em horário que não coincidisse com o debate, dando a oportunidade aos espectadores de assistirem, se quisessem, aos dois eventos.
As campanhas de Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB) cogitaram recorrer ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para impedir que a Record transmitisse a entrevista. Ciro e Alckmin, porém, desistiram de tomar essa iniciativa. O PT seguiu em frente, mas o TSE negou liminar ao partido.
Bolsonaro teve a oportunidade de falar abertamente sobre as suas ideias e projetos, além de atacar os adversários, sem ser contestado em momento algum pelo entrevistador. Perguntas abertas e sem foco permitiram que o candidato discursasse livremente. Em boa parte dos 27 minutos, o Jornal da Record pareceu o horário da propaganda eleitoral gratuita que Bolsonaro não teve durante a campanha (tinha direito a apenas 10 segundos por programa).
A Record não foi a única a conseguir falar com o candidato nesse período pós-internação hospitalar por causa do atentado. Dias antes, José Luiz Datena (Band) e Boris Casoy (RedeTV!) entrevistaram Bolsonaro no hospital Albert Einstein, em São Paulo. Os dois profissionais foram educados e respeitosos com o candidato, como seria de esperar, mas levantaram questões mais complexas e replicaram respostas de Bolsonaro, o que não se viu na entrevista dada à Record.
Essa ajuda da Record a um candidato presidencial pode ser comparada à famigerada edição do último debate entre Collor e Lula em 1989, exibida no Jornal Nacional dois dias antes do segundo turno da eleição. O favorecimento ao então candidato do PRN, determinado pelo dono da emissora, foi reconhecido 22 anos depois, no documentário Roberto Marinho – O senhor do seu tempo (2011), de Rozane Braga. “Nós erramos. Erramos com a intenção de acertar”, disse João Roberto Marinho.²
Em recuperação médica, Bolsonaro cancelou a participação em todos os debates presidenciais previamente programados para o segundo turno. Foi a primeira vez, desde a volta de eleições diretas em 1989, que não houve debate presidencial no segundo turno (em 1994 e 98, a eleição foi decidida no primeiro turno).³ E Bolsonaro e Haddad chegaram às urnas sem jamais terem se enfrentado em um debate – no primeiro turno, dos sete encontros do gênero, o candidato do PSL esteve nos dois primeiros e o candidato do PT nos quatro últimos.
A desistência de Bolsonaro de participar do último debate, na Globo, foi marcada por uma ironia. Ao oficializar o cancelamento, em 22 de outubro, a campanha enviou à emissora uma nota de seu médico acompanhada de uma reportagem exibida pela Record, um dia antes, na qual era descrito o quadro de saúde do candidato.
Campanhas eleitorais sempre geram reclamações de candidatos contra a mídia. É uma tradição. Mas o tom do ataque do PT à Record foi muito acima da média. Em sabatina no jornal O Globoem 23 de outubro, Haddad disse a respeito de Edir Macedo: “Um cara usar uma concessão de TV para fazer campanha aberta a um candidato. Nunca vi isso acontecer no Brasil. E ainda fazer do púlpito das igrejas lugar de comício para difamar o adversário. Falar de coisa que nunca existiu, que nunca aconteceu”. Ainda no primeiro turno, o candidato do PT havia afirmado que a candidatura de Jair Bolsonaro “é o casamento do neoliberalismo desalmado, representado pelo Paulo Guedes, que corta direitos trabalhistas e sociais, com o fundamentalismo charlatão do Edir Macedo”. Em resposta, na ocasião, a Igreja Universal afirmou que iria processar Haddad.
Em 25 de outubro, a três dias do segundo turno, a Record divulgou uma longa nota, na qual rebateu as diferentes críticas recebidas durante a campanha. Classificou os comentários de Haddad como “declarações caluniosas, falsas e preconceituosas”. Sobre a entrevista com Bolsonaro exibida no dia do último debate no primeiro turno, disse se tratar de “uma estratégia do mercado de televisão que visa transmitir ao telespectador informações em primeira mão com agilidade”. E sobre o apoio de Macedo ao candidato, a Record afirmou: “Um direito individual garantido pela Constituição e já exercido por ele em eleições anteriores. A decisão em nada influencia as posições da emissora, que tem um jornalismo premiado internacionalmente e reconhecido pelo público e anunciantes. Não aceitamos os ataques covardes à nossa conduta pautada numa só direção: jornalismo imparcial a serviço dos brasileiros”.
Entre o atentado a faca e a eleição, a Globo falou com Bolsonaro apenas uma vez, de forma breve e improvisada, dentro do avião que o levou de São Paulo ao Rio após a alta hospitalar. Contra a pressão da militância petista, que pediu à emissora para entrevistar Haddad no horário destinado ao debate, a Globo ateve-se ao que havia sido combinado originalmente: “Na reunião de elaboração das regras do evento foi acertado com as assessorias dos candidatos que, se Jair Bolsonaro não pudesse comparecer por razões de saúde, o debate não seria substituído por entrevistas”.
Transição (novembro/dezembro)
Original, a liturgia bolsonariana após a confirmação da vitória nas urnas diz muito sobre a visão que o hoje presidente tem do campo da comunicação. Trinta minutos depois da divulgação dos resultados oficiais, em 28 de outubro, Bolsonaro surgiu ao vivo, em uma conexão transmitida em seu perfil oficial no Facebook, no qual tem mais de 9 milhões de seguidores. Cerca de 300 mil pessoas o acompanharam ao vivo, por cerca de oito minutos. Uma hora após a live, o vídeo acumulava 2 milhões de reproduções e mais de 350 mil comentários.
A comunicação não ocorreu na sede do seu partido ou em um hotel, como costumam fazer políticos nessa situação. Bolsonaro permaneceu em casa. Ao lado da mulher, Michelle, e de uma intérprete de libras, ele iniciou a transmissão dizendo: “Quero agradecer a Deus pela oportunidade”. E explicou a razão de estar fazendo uma comunicação direta: “Esse primeiro contato meu, via live, deve-se ao respeito, à consideração e à confiança que tenho no povo brasileiro. Só cheguei aqui porque vocês, internautas, povo brasileiro, acreditaram em mim”.
Um pouco depois dessa live, Bolsonaro foi à frente de casa e leu um discurso para todas as emissoras de televisão reunidas em pool. Um repórter da Globo, Paulo Renato Soares, foi escalado para representar o conjunto da mídia. Enquanto o presidente eleito falava, uma equipe da Record registrava imagens exclusivas, dentro de sua casa, de bastidores.
No dia seguinte, Bolsonaro apareceu nas cinco principais emissoras de TV aberta do país em pouco menos de duas horas. No total, falou por cerca de 90 minutos em conversas ao vivo com a Record (33 minutos), SBT (8) e Globo (12), e gravadas com Band (28) e RedeTV! (7). Foi o início da guerra declarada a setores da mídia.
A Record não foi apenas a que teve direito a mais tempo. Teve o privilégio de ser a primeira a falar com Bolsonaro e foi a única a receber elogios do presidente eleito. “Parabéns pela votação e obrigado por me receber mais uma vez. Boa noite, presidente”, disse o repórter Eduardo Ribeiro. “Boa noite. Eu que agradeço o jornalismo isento da Record”, respondeu. Na conversa, Bolsonaro falou da intenção de “privatizar ou extinguir” a TV Brasil, “uma TV que tem traço de audiência” – um plano que, aparentemente, foi revisto.
Já a entrevista à Globo teve como um de seus assuntos principais a Folha. Por dois minutos, Bolsonaro e William Bonner falaram sobre o jornal. O apresentador do Jornal Nacional quis saber: “O senhor vai continuar defendendo a liberdade da imprensa e a liberdade do cidadão de escolher o que ele quiser ler, ver ou ouvir?”. O presidente eleito disse: “Sou totalmente favorável à liberdade de imprensa. Temos a questão da propaganda oficial do governo, que é outra coisa”.
Disse, então, que precisava fazer justiça a uma funcionária do seu gabinete apontada pela Folha como funcionária fantasma em uma reportagem. “Não quero que ela [a Folha de S.Paulo] acabe, mas no que depender de mim, na propaganda oficial do governo, imprensa que se comportar dessa maneira, mentindo descaradamente, não terá apoio do governo federal”, disse. Bonner insistiu: “Então, o senhor não quer que esse jornal acabe? O senhor está deixando isso claro agora”. A questão deu oportunidade para um novo ataque de Bolsonaro: “Por si só, esse jornal se acabou”. E acusou a Folhade ter divulgado fake news contra ele durante a campanha eleitoral.
De improviso, Bonner disse que, apesar de críticas que considera injustas feitas pela Folha ao JN, respeita o jornal. “A Folha é um jornal sério, é um jornal que cumpre um papel importantíssimo na democracia brasileira. É um papel que a imprensa profissional brasileira desempenha e a Folha faz parte desse grupo”. No mesmo dia, a Folharespondeu às críticas e acusações de Bolsonaro, mostrou que o presidente eleito havia se enganado em relação à reportagem sobre a sua funcionária e registrou que os comentários feitos no JNintensificaram um movimento espontâneo nas redes sociais para que as pessoas assinassem o jornal.
O mês de novembro foi marcado por declarações explícitas de apoio a Bolsonaro de Silvio Santos, dono do SBT, e de Marcelo de Carvalho, sócio e vice-presidente da RedeTV!. O primeiro conversou com o presidente eleito por telefone, ao vivo, durante o evento beneficente Teleton. De improviso, após festejar a escolha de Sergio Moro para ministro da Justiça, Silvio disse: “O Brasil vai ter dezesseis anos de homens com vontade de fazer o Brasil caminhar. Pode ser que isso não aconteça, mas se depender, eu não vou viver até lá, é claro, mas se depender da minha vontade e das pessoas que querem um Brasil pra frente, oito anos com Bolsonaro e oito anos com Moro. Vai ter dezesseis anos de um bom caminho. Peço a Deus que isso se realize”.
Entre outubro e dezembro, a Record fez cinco entrevistas exclusivas com Bolsonaro. A emissora teve ainda o privilégio de ser a única a exibir uma entrevista com a futura primeira-dama, Michelle Bolsonaro. E, em mais de uma ocasião, teve acesso a imagens de Bolsonaro na intimidade, seja em sua casa, seja no hospital, fazendo exames. Depois da Record, a emissora que mais teve acesso a ele foi a Band, com direito a três entrevistas. A RedeTV! conseguiu entrevistar Bolsonaro duas vezes no período. Globo e SBT exibiram apenas uma exclusiva com Bolsonaro, mas Silvio Santos também falou ao vivo com ele no Teleton.
No poder (janeiro a março)
Os primeiros meses do governo Bolsonaro se mostraram extremamente confusos no que diz respeito a suas relações com a mídia. O presidente reduziu o recurso a lives no Facebook, mas intensificou o uso do Twitter, fazendo anúncios oficiais, respondendo a seguidores e batendo boca com adversários e, até, com aliados. Esse início de governo foi marcado, também, por dois episódios que explicitaram a nova configuração do campo – com a Record no papel de emissora aliada e a Globo como “inimiga”.
Num domingo, 20 de janeiro, o senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ) escolheu o programa Domingo Espetacular, da Record, para responder a duas denúncias divulgadas pelo Jornal Nacional nas edições de sexta (18) e sábado (19). O telejornal da Globo havia levantado novas informações sobre movimentações financeiras suspeitas do senador. De forma inédita, na mesma noite em que foi ao ar a entrevista à Record, ela mereceu reparos da Globo, no Fantástico. A apresentadora Ana Paula Araújo observou que o programa concorrente deixou de fazer duas perguntas a Flavio Bolsonaro que poderiam ter esclarecido melhor o que foi dito. E, com alguma ironia, registrou que o senador não respondeu a uma questão essencial porque não foi questionado a respeito. A Record não comentou o episódio. O repórter Lucio Sturm, questionado por mim, disse que teve liberdade para perguntar o que quisesse a Flavio Bolsonaro.
Um fato de certa forma cômico, que mostra a confiança de Bolsonaro na Record, ocorreu em 23 de janeiro. O presidente viajou a Davos, na Suíça, para participar do Fórum Econômico Mundial. Foi o seu primeiro evento internacional desde a posse. Uma entrevista coletiva a jornalistas do mundo inteiro havia sido agendada, mas foi cancelada 40 minutos antes de ocorrer. Assessores deram justificativas diferentes para o cancelamento. À noite, Bolsonaro deu uma entrevista à Record, em Davos, para explicar por que cancelou a entrevista coletiva. Justificou que foi por “recomendação médica”, para “chegar descansado” a São Paulo, alguns dias depois. Em 28 de janeiro, o presidente se submeteu a uma cirurgia para retirada da bolsa de colostomia que usou desde que havia sido esfaqueado.
Em fevereiro, a revista Vejadivulgou áudios de mensagens enviadas pelo presidente Bolsonaro ao então ministro Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral de governo. Em um deles, o presidente ordena que o assessor cancele uma reunião agendada com Paulo Tonet Camargo, vice-presidente de relações institucionais do Grupo Globo. “Gustavo, o que eu acho desse cara da Globo dentro do Palácio do Planalto? Eu não quero ele aí dentro. Qual a mensagem que vai dar para as outras emissoras? Que nós estamos se [sic] aproximando da Globo. Então não dá para ter esse tipo de relacionamento. Agora… Inimigo passivo, sim. Mas trazer o inimigo para dentro de casa é outra história”. Além de explicitar a visão que tem da Globo (um “inimigo”), a preocupação com o que vão pensar as outras emissoras sugere haver algum tipo de compromisso do presidente com elas.
Dois fatos novos, surgidos nesses primeiros meses de governo, merecem registro pelas possíveis repercussões que poderão ter no campo da mídia no decorrer do governo Bolsonaro. A Folhanoticiou, em 8 de janeiro, que o governo tem pronto um projeto de lei destinado a proibir um instrumento de negociação comercial que, segundo críticos, garante o domínio da Rede Globo no mercado publicitário de TV aberta no Brasil. É o chamado “BV”, ou bonificação por volume, uma comissão que os veículos de comunicação dão para as agências que os escolhem como destinatários da verba de publicidade.
Em 15 de janeiro, o empresário Rubens Menin e o jornalista Douglas Tavolaro, até então vice-presidente da Record, anunciaram a criação da CNN Brasil, um canal de notícias 24 horas, para a TV paga, com marca licenciada pelo canal CNN Internacional. Com previsão de entrar em operação no segundo semestre, o empreendimento deve contar com 400 profissionais. Três dias depois do anúncio, os sócios foram recebidos no Planalto por Bolsonaro e seu filho Eduardo, que é deputado federal. O licenciamento inclui uma série de compromissos, mas a linha editorial do canal brasileiro é totalmente independente do americano.
Uma consideração final
O panorama traçado aqui buscou reunir uma série de fatos e também de indícios que apontam para uma mudança significativa nas relações do governo federal com algumas das principais empresas de comunicação do país. O que se viu até o momento é inédito no Brasil. Pela primeira vez desde a redemocratização, em 1985, um governo se refere à Globo como “inimiga” e afaga de forma tão explícita um concorrente. Não ouso, porém, especular sobre os próximos capítulos dessa história e muito menos sobre as consequências desse redesenho.
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¹Record ajuda Bolsonaro ao exibir entrevista na hora do debate da Globo, 5 de outubro de 2018, blog do Mauricio Stycer, no UOL.
²Segundo o depoimento de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Boni, a percepção na Globo é que Collor havia vencido o debate contra Lula, mas Roberto Marinho entendeu que a primeira edição do encontro, exibida no Jornal Hoje, não expressava isso. “E mandou reeditar esse debate.” No documentário, Boni cita Armando Nogueira (1927-2010), então diretor de jornalismo, que teria dito: “Collor ganhou o debate por 3 a 2. O doutor Roberto mandou editar de 3 a 0.”
³FHC (1998), Lula (2006) e Dilma (2014) faltaram a debates no primeiro turno.
***
Mauricio Stycer é jornalista, crítico de TV do UOL, colunista da Folha. Autor de Topa Tudo por dinheiro – As muitas faces do empresário Silvio Santos(Todavia), Adeus, controle remoto – Uma crônica do fim da TV como a conhecemos (Arquipélago) e História do Lance! – Projeto e prática de jornalismo esportivo(Alameda).

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