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GEA Cipriano Barata 
Novo artigo do blog. Nesse artigo falando 
sobre AS INDEPENDÊNCIAS NA AMÉRICA LATINA. Curtam , compartilhem e comentem. http://geaciprianoba 
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PENSANDO AS INDEPENDÊNCIAS NA AMÉRICA LATINA
Muitas 
vezes, os processos de independência da América Latina não são abordados de 
forma adequada nas aulas de história, seja pela falta de tempo, seja pela 
complexidade do conteúdo – que pode causar algumas confusões.
Este texto, 
tem a pretensão de fornecer um apoio a estudantes e professores que tem 
dificuldade de abordar, estudar e compreender o período das independências, que, 
na maioria das vezes, acaba sendo resumido à ação de alguns “personagens 
heróicos”, como Bolívar, na Venezuela, e San Martín, na 
Argentina.
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| Mapa antigo da América Latina | 
Neste texto 
será abordado apenas as independências da América Latina de colonização 
espanhola. Visto que, estas são, muitas vezes, relegadas a um “segundo plano” 
frente a independência das Treze Colônias inglesas e a do Brasil.
1. 
Contradições internas e externas.
Geralmente, 
ao se tratar das independências da América Latina, é colocada a tradicional 
contradição dos elementos locais, os criollos, contra os elementos externos: 
funcionários e governantes (corregidores e vice-reis) vindos da Espanha. Embora 
esta situação seja, de fato, verídica, ela sozinha não explica os motivos e o 
posterior desenvolvimento dos movimentos.
Os criollos 
eram a classe dominante na América Colonial. Eram donos de terras e minas, de 
trabalhadores escravizados e de indígenas submetidos a trabalhos servis. É bem 
verdade que os criollos eram incomodados pelos funcionários coloniais – muita 
vezes corruptos. 
As reformas 
boubônicas (século XVIII), tentaram adequar algumas ideias iluministas de 
racionalidade às práticas de monopólio mercantilistas – reforçando assim o poder 
colonial. Os criollos passaram a ser vigiados de perto pelos funcionários 
espanhóis: o objetivo era evitar o contrabando e assegurar o máximo de controle 
possível às atividades produtivas exercidas pelos criollos; garantindo à Coroa 
os tributos vindos de impostos cobrados nas colônias. Sendo assim, as reformas 
boubônicas podem ser analisadas no sentido de “dividir para manter a dominação”: 
uma vez que dividiu as colônias em novos vice-reinos e com  novos portos abertos 
ao comércio (comércio feito dentro da lógica do exclusivo metropolitano  – que 
muitos chamam de “pacto colonial”[1]).
A rivalidade 
entre criollos e funcionários metropolitanos era, em última análise, um conflito 
“externo”: pois envolvia basicamente as relações de comércio entre os criollos, 
entre metrópole e outros países. As ideias liberais estavam surgindo e os 
criollos não suportavam mais ser asfixiados pelos sistema colonial.
Do ponto de 
vista interno, na dinâmica das próprias colônias, além dos criollos, que são a 
elite da sociedade, existem os já mencionados índios, trabalhadores 
escravizados, e uma grande massa de mestiços que tinha seu acesso restrito em 
muitos lugares (como igrejas por exemplo) e certas profissões. A maioria dos 
indígenas era submetida a trabalhos servis (nas fazendas e nas minas, a mita). 
Africanos eram submetidos a escravidão no Brasil, Colômbia (na época colonial 
Nova Granada), Venezuela e, principalmente nas Antilhas. Os mestiços, 
marginalizados, trabalhavam onde podiam: em geral viviam de empregos 
assalariados nas grandes cidades ou como peões nas regiões de pecuária extensiva 
(Rio da Prata – Argentina, Uruguai – e Rio Grande do Sul, principalmente). Todos 
estes grupos sociais vivendo em um mesmo espaço 
gera tensão. Volta e meia esta tensão virava revolta: tal como o movimento 
indígena de Tupac Amaru em fins do século XVIII. Tupac Amaru (que embora índio, 
era de uma antiga família da nobreza inca e foi educado no melhor estilo europeu 
em uma universidade do Peru) liderou um poderoso exército de indígenas que matou 
um governador chamado Arriaga.
A revolta de 
Tupac Amaru é bastante reveladora sobre as tensões sociais. Ao mesmo tempo que 
pregava um “retorno ao passado”, das velhas tradições incaicas, também mostrava 
a ojeriza aos elevados impostos do sistema colonial. O que explica a brutalidade 
com que a revolta de Tupac Amaru foi dizimada pelos exércitos criollos (Tupac 
teve a língua cortada e foi esquartejado em praça pública) é a participação 
popular de índios, mestiços... e até mesmo de alguns criollos, mais pobres e 
insatisfeitos.
Nesta 
complexa contradição interna-externa, os movimentos de independência na América 
espanhola se iniciam um tanto quanto “caducos”. Basta citarmos o exemplo do 
levante de Francisco Miranda na Venezuela em 1806. Miranda, um criollo de ideias 
radicais que lutou nos Estados Unidos e na França, conseguiu apoio inglês e 
desembarcou na costa da Venezuela. Ele e seus seguidores acreditavam que ao 
brabar um grito de independência, o povo iria se juntar à sua causa. Mas o que 
ocorreu foi o contrário: o povo não se manifestou; os criollos reagiram e o 
movimento de Miranda foi logo debelado.
Um exemplo 
que ilustra muito bem esta contradição interna entre criollos e as classes 
perigosas (como eram chamados indígenas, negros e mestiços) nos processos de 
independência é o que ocorreu em Quito (atual Equador) em 1810. Neste ano, 
enquanto os criollos se reuniam numa Junta de Governo e debatiam a possibilidade 
de uma emancipação, índios e mestiços se revoltaram contra a Junta. Os criollos 
exploravam diretamente os indígenas, e não o rei da Espanha – que vivia longe, 
do outro lado do imenso oceano... Se havia algum 
culpado pela sua miséria, eram os criollos, pensavam indígenas e mestiços. A 
partir daí, podemos perceber como o próprio sistema colonial criava estas 
contradições internas. Também é conveniente lembrar do movimento de José Tomas 
Boves, um dos grandes inimigos de Bolívar. Boves, que era espanhol e pertencia a 
uma categoria social de fazendeiros criadores de gado (llanos) reuniu uma massa 
de camponeses, pobres, mestiços e negros que em nome do rei da Espanha ocupou 
terras e as distribuiu para seus seguidores miseráveis. O movimento de Boves é 
um autêntico movimento de pobres contra ricos.
Ainda 
podemos citar o exemplo do primeiro movimento de independência do México (Nova 
Espanha) liderado pelo padre Miguel Hidalgo. Agregando camponeses – em sua 
maioria indígenas ou mestiços – Hidalgo formou um exército de cerca de 80 mil 
pessoas com o objetivo de chegar a Cidade do México. Seu lema era “viva o rei, 
abaixo o mal governo!”. Seu estandarte era a Virgem de Guadalupe. E seu objetivo 
era dar terra aos indígenas e por fim ao regime de castas. Mais uma vez os 
criollos não poderiam deixar o povo tomar as rédeas da independência e o 
movimento de Hidalgo foi temporariamente abalado; ressurgindo mais tarde com um 
de seus seguidores, o também padre José Maria Morelos.
2. 
Influências
Os livros 
didáticos geralmente apontam como as grandes influências dos movimentos de 
independência a Revolução Francesa de 1789 e o pensamento iluminista. A elite 
criolla, urbana e bem instruída nas universidades americanas e europeias, tinha 
acesso a leituras iluministas e aos seus principais expoentes (Voltaire, 
Rousseau, Montesquieu, Smith). Os criollos mais radicais, tinham sua admiração 
por Marat, Robespierre e Saint-Just. O fato é que a independência das Treze 
Colônias em 1776 e a Revolução Haitiana (1794-1804) devem ser considerados como 
influências muito mais decisivas do que a Revolução Francesa.
Em primeiro 
lugar, a Espanha era aliada da França. Foi somente quando o absolutista Fernando 
VII subiu ao trono, após uma trama palaciana, que o governo francês (na época a 
ditadura militar de Napoleão) resolveu invadir o país para não correr o risco de 
perder um aliado. A solução que Napoleão encontrou foi colocar no trono da 
Espanha seu irmão, José, em 1808. Assim, ele garantia um país aliado na Europa e 
também as colonias espanholas na América como possível área de dominação 
francesa. Por isso que após 1808 os movimentos de independência ganham força. Ao 
mesmo tempo que os espanhóis passam a guerra aberta contra os invasores 
franceses e o “rei” francês no trono de seu país. 
A 
independência das Treze Colonias é um fato que influênciou não só na América mas 
também a própria Revolução Francesa. Ocorre que, após os Estados Unidos 
consolidarem sua independência, eles adotaram uma postura “isolacionista”, 
enquanto a França, fazia questão de expandir seus ideais para o mundo. Mas a 
postura isolacionista dos Estados Unidos, não impediu que se tornasse um exemplo 
para os criollos, principalmente aqueles que queriam uma “independência sem 
mudanças”: o país rompeu com a Inglaterra e continuou com a escravidão. Uma 
independência que começou radical, mas terminou com um acordo entre elites 
(Constituição de 1787, ainda hoje em vigor, com várias emendas).
Por outro 
lado, a Revolução Haitiana, que se estende de 1794 até 1804, é um exemplo 
radical. Negros escravizados levantaram-se contra os brancos proprietários de 
terra pra proclamar, ao mesmo tempo, a independência e o fim da escravidão! 
Todos os países da América conheceram a escravidão e o pesadelo de qualquer dono 
de escravizados é a revolta destes trabalhadores contra sua autoridade. O lema 
do Haiti é “a união faz a força” e, de fato, se escravizados se unissem, teriam 
força o suficiente para pôr abaixo qualquer sistema colonial. Não é a toa, que a 
Revolução Haitiana resultou num “bloqueio continental americano” 
ao Haiti. De acordo com Jacob Gorender: "As dificuldades do Haiti não se 
deveram, com o passar do tempo, somente ao domínio da agricultura de 
subsistência e à ausência de perspectivas econômicas elevadas. Deveram-se 
também, e não menos, à quarentena, que lhe impuseram até mesmo as nações 
latino-americanas recém-independentes"[2] 
3. Os 
projetos de independência
As 
independências se desenvolvem num longo e complexo processo que vai de (mais ou 
menos) 1808 até 1824 (batalha de Ayachuco – vitória final dos criollos contra os 
exércitos espanhóis na Bolívia/Alto Peru). No decorrer destes anos, os criollos 
não esboçaram apenas um, mas vários projetos de 
independência. 
Primeiramente, 
temos que considerar que haviam vários “graus” de criollos. Havia, obviamente, 
os mais abastados, donos de terras e minas que possuíam levas de mão de obra a 
sua disposição (escravizados, livres e servis como a maioria esmagadora dos 
indígenas). Mas também havia os criollos, que embora tenham um pedaço de terra, 
não eram tão ricos e viviam modestamente. 
Esta 
situação, muitas vezes aproximava alguns criollos às classes perigosas e isto 
fez com que projetos “alternativos” ao “independência sem mudanças” da elite 
criolla, se tornassem um problema maior para os ricos do que a própria 
resistência espanhola na época das guerras de independência.
Exemplos não 
nos faltam. Um deles é o projeto de Hidalgo e Morelos, ao qual acabamos de nos 
referir. Ambos eram padres do clero secular, sendo assim tinham contato com os 
mais desfavorecidos pelo sistema colonial, explorados pelos ricos criollos. 
Hidalgo foi morto em 1811, mas seu discípulo, Morelos, continuou seu projeto de 
independência no México. Um projeto radical e socializante, que pregava a 
distribuição de terras, o fim da escravidão e dos tributos e, principalmente, a 
soberania popular.
Morelos 
representava um perigo tão grande para a elite criolla, que estes acabaram 
adotando um modelo conservador de independência semelhante ao do Brasil, com um 
imperador: o militar Agustín Iturbide. Só para citar um exemplo, Morelos 
convocou uma assembleia constituinte para o México, o que despertou a fúria da 
elite criolla. Ao invés de adotar a constituição de Morelos (redigida sob 
inspiração dos ideais citados acima: distribuição de terras, o fim da 
escravidão, dos tributos e soberania popular), os criollos resolveram 
adotar a constituição espanhola de 1813!
O movimento 
mais organizado e radical, que representou a mais original alternativa às 
independências conservadoras da elite criolla, foi a Liga Federal de José 
Artigas.
José Artigas 
era um criollo de origem modesta que conseguiu entrar numa milicia chamada corpo 
de blandengues. A função dos bandengues era policiar as terras da Banda Oriental 
(atual Uruguai) contra os indígenas. Mas ao entrar em contato com os indígenas, 
Artigas e sua tropa passaram a mediar conflitos e não mais expulsa-los das 
terras. Assim, ele percebeu que faltava terra para os índios... e terra para 
eles havia, sempre houve.
Quando o 
movimento de independência iniciou em Buenos Aires (1810), Artigas foi até a 
capital do vice-reino da Prata (que na época agregava o Paraguai, Uruguai, 
Bolívia, além da própria Argentina) lutar contra os espanhóis. Quando volta para 
a Banda Oriental, requisita auxílio dos buenairenses para libertar Montevidéu 
dos monarquistas. Mas a ajuda não vem. Artigas acaba formando um exército – de 
criollos, mestiços, negros e índios – que lutam juntos contra o poder colonial. 
Por fim, os artiguistas tomam Montevidéu, mas inicia a reação contra seu 
movimento.
De 1813 até 
1820, Artigas e seus seguidores formam a Liga Federal dos Povos Livres. Uma 
república federativa que englobava as províncias do norte da atual Argentina, o 
Uruguai e parte do Rio Grande do Sul. Artigas distribuiu terras. O seu lema era 
“que os mais necessitados sejam os maiores beneficiados”. Mas era difícil por em 
prática suas ideias, isto porque, Artigas e seus seguidores, lutavam 
paralelamente contra as tropas de Buenos Aires, contra os luso-brasileiros e 
contra os exércitos da Espanha! Podemos dizer que a independência da Argentina 
(só proclamada em 1816) é uma reação contra Artigas.
Embora estes 
projetos alternativos não tenham tido uma continuidade, falar sobre as 
independências sem cita-los, é, no mínimo, ocultar uma parte essencial deste 
período da história americana.
***
Os tópicos e 
as analises acima, são apenas recortes. Foram feitos desta forma para facilitar 
a compreensão dos processos; e assim dar um subsídio empírico para se pensar os 
movimentos e projetos de independência. Outras leituras, de outros 
historiadores, são possíveis, sem dúvida. Cabe, neste sentido, levar em conta a 
criatividade de cada professor/historiador.
É importante 
que se diga que o conteúdo das independências da América Latina (de colonização 
espanhola) é um conteúdo que permanece relegado a um segundo plano. Muitos 
livros didáticos contribuem para isto, principalmente porque adotam a velha 
“história dos grandes personagens”. Bolívar é geralmente o mais citado, mas 
pouco se compreende a complexidade deste personagem – que serviu, por muito 
tempo de modelo ao pensamento conservador da Venezuela, até ser “ressuscitado” 
numa leitura de esquerda por Hugo Chavez.
Tratar com 
maior abrangência dos processos de independência da América, como um todo, é 
apenas uma parte da luta contra o eurocentrismo na história – principalmente na 
sala de aula. 
Notas:
[1] O termo “pacto colonial”, 
disseminado por uma historiografia antiga, mas ainda cheia de força, não é 
condizente com a situação objetiva das relações metrópole-colônias. Isto porque 
a ideia de “pacto” sugere que havia um acordo amigável entre colonos/criollos e 
os governantes metropolitanos. Uma vez que a colonização europeia da América 
está dentro das práticas mercantilistas, em que o governo (o Estado Absolutista) 
se esforçava para manter o controle sobre todas as atividades econômicas, não se 
pode dizer que houve um “pacto amigável” e sim uma “imposição” característica da 
própria lógica mercantilista: os colonos tinham a função de enriquecer a 
metrópole, nada além disso – essencialmente não era algo aberto a negociações. 
Sendo assim, o termo mais correto a ser utilizado é sistema colonial, uma vez 
que “pacto” da a ideia de “unidade”, enquanto que “sistema” parece abranger de 
forma mais adequada a situação das diversas práticas que mantinham as relações 
metrópole-colônias. Ademais, esta questão de “pacto colonial” pode ser debatida 
nas salas de aula e nos grupos de estudo.
[2] O épico e o trágico na história do 
Haiti. Estudos Avançados 18 (50), 2004, p. 301.
Sobre o Autor: 
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Fábio Melo. Membro 
Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa 
sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados 
Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio 3w. Tem 
diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.  
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