Senso 
comum 
O 
que é o senso comum? Por que nós, os intelectuais, geralmente somos tão 
reticentes a tudo que consideramos “senso comum”: a cultura popular e de massa, 
a religiosidade, linguagem não-formal, etc.? Há até mesmo os que têm 
dificuldades em se relacionar com as pessoas comuns, isto é, os simples 
mortais que não frequentam os bancos universitários ou mesmo acadêmicos, tão 
influenciados pela indústria cultural, que não conseguem ver além dos próprios 
narizes e... umbigos. Suas conversas sobre o cotidiano, o corriqueiro, quase que 
crônicas da vida, até irritam alguns entre nós. E muitos se exasperam quando 
leem o que seus alunos escrevem e notam que eles não conseguem analisar e 
avançar pelo menos um passo para além do senso comum. Outras vezes, o nosso 
intelectualismo nos torna chatos e incapazes de dialogar minimamente com os 
comuns dos mortais sobre as coisas mais simples da vida – em geral, temas que 
consideramos supérfluos, perda de tempo... A resistência ao que consideramos 
senso comum, portanto, conhecimento não-científico, desqualificado, é 
tão forte no meio acadêmico que até mesmo os estudantes tem a expectativa do 
“discurso professoral”. A medida da inteligência passa a ser a 
ininteligibilidade. Quanto menos você se faz entender, mas inteligente parece 
ser!
Saber 
e arrogância 
“Quanto 
mais vivo, quanto mais leio, quanto mais pacientemente penso, quanto mais 
ansiosamente questiono, menos pareço saber”, afirma John Adams.[1] Revejo minhas 
anotações de leitura e fico a pensar. Quanto mais leio, mais me convenço de que 
pouco sei; que o meu saber é uma gota d’água no oceano do conhecimento 
universal. E mais me admira a arrogância de certos jovens acadêmicos, pirralhos 
que mal sabem pronunciar frases articuladas e com sentido, e outros, de qualquer 
idade, cuja verborragia ostentativa, pedante e superficial confundem com saber e 
agem como se fossem os mais inteligentes de todo o universo. Há também a 
arrogância discursiva ideologizada do pretenso militante que repete slogans e 
verdades doutrinárias. Uns e outros consideram-se sábios e defensores da causa 
da humanidade, mas são incapazes de conviver com o ser humano particular e 
concreto no cotidiano. Revelam-se leitores de um único autor, muitas vezes de 
apenas um livro tomado à maneira do texto sagrado, como a verdade 
inquestionável.
Dialética 
da religião
Não 
sou católico, mas fiz questão de participar do ritual de crisma da minha filha. 
Para além das minhas opiniões sobre as religiões e ideologias seculares, esse 
foi um momento importante na vida dela. O amor de pai está acima das 
idiossincrasias e a atitude que tomamos diante de determinadas circunstâncias 
tem papel pedagógico. Educamos mais pelas ações do que pelo discurso. Minha 
filha sabe o que penso sobre a catequese, crisma e a religião em geral; mas 
também sabe que respeito as suas opções e crenças. A religião, já disse o 
filósofo alemão, é o ópio do povo. E, desde então, o dito é repetido 
acriticamente.
O 
que aparenta irracional ao descrente, pode parecer plenamente racional ao que 
professa a fé. O racional e o irracional não são unívocos. Como ressalta Julien 
Freund:
“Com 
efeito, acontece tratarmos como irracional uma atividade em razão de um ponto de 
vista exterior mais racional, embora ela comporte em si mesmo uma 
racionalização. A um ser irreligioso toda conduta religiosa parece irracional, 
da mesma forma que o ascetismo passa por irracional aos olhos do hedonista puro. 
O inverso é igualmente verdadeiro. Em suma, em geral a discriminação entre o 
racional e o irracional se faz em nome de certos valores que preferimos a 
outros, quando no fundo toda ideia de valor repousa sobre um momento subjetivo e 
irracional”. [2]
A 
fé é experienciada e racionalizada. Ao que não acredita resta respeitar o 
sentimento religioso, não lhe cabe julgar a religiosidade manifestada pelo 
outro. Espera-se a mesma atitude de respeito em relação àquele que não crê em 
Deus. Infelizmente, isto nem sempre ocorre. Quanto mais predomina o espírito de 
seita, maior o fanatismo e a intolerância mútua. Se o irracionalismo religioso 
nega ao outro o direito de professar outra doutrina e, ainda mais, o direito de 
não acreditar, o ateísmo também pode ser tão irracional e intolerante quanto fé 
do teísta.
Existe 
um guia de leitura para a esquerda?
Essa 
pergunta me fez lembrar uma cena do filme Rosa 
Luxemburgo[3]. Na prisão, a revolucionária conversa com a 
sua carcereira, que a admira, e indica um livro de um dos maiores escritores 
russos, autor de Ana Karenina: Tolstoi. A sua 
interlocutora, mulher simples, inteligente e interessada em literatura, 
questiona a indicação, afinal a Alemanha estava em guerra com a Rússia. Rosa 
Luxemburgo, prisioneira do governo alemão, demove-a de tais pensamentos. Um 
grande escritor está acima das nacionalidades e das opções políticas do 
leitor.
O 
teatro político
Na 
política o “normal” é representar. O político necessita ser um excelente autor 
para convencer a si mesmo e aos outros, seus potenciais eleitores. É necessário 
fazer acordos, agradar a gregos e troianos. A dissimulação e o jogo das 
aparências faz parte do seu habitat natural. Até porque, a rigor, não estamos 
preparados para a verdade. A mentira é uma necessidade dos homens e mulheres 
comuns e, também, dos políticos. Os políticos bem-sucedidos são os que 
representam bem os seus papéis. Não por acaso, os consideramos nossos 
representantes. Ou seja, somos a plateia que aplaude ou vaia. De qualquer forma, 
eles atuam por nós...
A 
propósito de Gilberto Freyre 
Um 
dos trechos que mais chamou a atenção na leitura de Guerra e 
Paz[4] foi escrito pelo apresentador da obra, Luiz Costa 
Lima. Ele revela o “mistério” do campo intelectual. Comentando as 
reviravoltas sobre a recepção da obra freyreana, Lima refere-se à 
auto-estilização de Gilberto Freyre, fator contributivo às polêmicas 
interpretações e posicionamentos em relação a este autor e sua obra:
“Para 
aqueles que lhes eram conterrâneos, que podiam partilhar de sua convivência e 
escutar suas eventuais conferências, esta auto-estilização montada sobre uma 
vaidade gigantesca, tinha consequências opostas. Para os mais espertos, ali 
estava uma figura cuja sombra, qual mangueira frondosa, podia ser explorada ser 
explorada em benefício próprio. Em troca de elogios e cavações, a influência 
nacional de Freyre podia determinar um começo de carreira ou um bom posto na 
imprensa. Já os menos tortuosos ali reconheciam um exemplo a não seguir. 
Conquanto antagônicas, essas duas direções, de um estrito ponto de vista 
intelectual, eram igualmente funestas. Os espertos ganhavam posições, em troca 
porém da esterilidade que emprestavam à obra do protetor. Dos outros, basta 
dizer: convertendo o autor em contra-exemplo, era a toda a sua obra que se 
estendia o manto do desprezo”. [5]
Eis 
um exemplo ilustrativo sobre o funcionamento do campo intelectual. 
Embora em posições divergentes, apologistas e críticos nutrem-se e nutrem o 
campo a partir das interpretações formuladas neste. Os autorizados a 
falarem pelo campo imaginam preencher o hiato entre a obra e o leitor. 
Como se a sua intermediação fosse imprescindível para compreender o lido!
Educação 
e Sociedade
A 
sociedade requer um ensino voltado para a carreira escolar. Em geral, não 
interessa se a educação torna nossos filhos melhores homens e mulheres, 
indivíduos mais conscientes sobre a realidade social, sobre os dilemas que a 
vida impõe. Não. Quer-se simplesmente que a escola prepare para ter sucesso no 
vestibular. E o mesmo raciocínio vale para muitos dos que conquistam a vaga no 
ensino superior. Pouco importa o mundo ao seu redor, desde que não atrapalhe os 
planos individualistas de ganhar mais dinheiro e ter uma carreira de sucesso. A 
universidade forma indivíduos cada vez mais descomprometidos social e 
politicamente com a comunidade, a sociedade e o mundo em que vivem.
Revolução 
e Inquisição
As 
revoluções promoveram novas inquisições de caráter político. Quantos crimes 
foram cometidos em nome de Deus e/ou dos mais belos ideais que motivaram homens 
e mulheres a lutar contra as tiranias, a miséria e injustiça humanas?! Por que 
as lutas pela justiça, liberdade e igualdade geram novas injustiças, novas 
formas de tirania e desigualdade, ainda que a retórica dos novos donos do poder 
preguem o contrário e os governados acreditem piamente que estão a construir o 
paraíso na terra?!
Revolucionários 
profissionais
Na 
verdade, o questionamento da política institucional partidária não é novidade: 
os índices de votos nulos, brancos e dos que se abstém de votar, indicam-no; a 
exígua votação que os partidos de esquerda de filiação marxista e socialista 
também precisa ser levado em conta. A verdade, porém, é que, em geral, as 
vanguardas não se preocupam com isto, pois as eleições são concebidas apenas 
como um dos momentos privilegiados para a propaganda ideológica. Eles se 
preparam para a revolução, para dirigi-la. Veem-se como revolucionários 
profissionais, sinceros profissionais da revolução em suas casamatas 
burocráticas. Quem ousa duvidar da sinceridade revolucionária, ainda que alguns 
se percam no pragmatismo e a sua práxis política negue o discurso e teoria 
professados?
[1] 
No filme dirigido por Tom Hooper: John Adams (EUA, 2008, 501 min.), em 
sete episódios, é uma lição sobre a história dos EUA e, especialmente, sobre a 
vida.
[2] 
FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro: 
Forense Universitária, 1975, p. 105-106.
[3] 
Rosa Luxemburgo (Alemanha, 1986, Direção:Margarethe 
von Trotta)
[4] 
ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e Paz: Casa-grande e 
Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. São Paulo: Editora 34, 2ª. ed., 
2005.
[5]Idem, 
p. 10.