O mito do livre mercado: os casos sul-coreano e japonês
Reescrever a história. Este
sempre foi o impulso daqueles que alcançaram o poder. Hoje, as nações mais
desenvolvidas do planeta impõem aos que buscam um lugar ao sol o receituário
neoliberal, seja através dos
economistas do mainstream, seja através da
“Trindade Profana” — FMI, Banco
Mundial e OMC. Dizem eles que foi seguindo as regras do livre-mercado que se tornaram ricos. Mas nós
vamos desmascarar a história secreta por trás do sucesso destes países,
mostrando que eles fizeram tudo ao contrário do que defendem hoje para os países
menos desenvolvidos.
O neoliberalismo
A economia neoliberal surgiu nos anos
60 e se tornou a visão econômica dominante a partir dos anos 80. É uma versão
atualizada do liberalismo do século XVIII e
XIX defendido pelos economistas clássicos, como Adam Smith e David Ricardo.
Basicamente, defende a não-intervenção do
Estado, a privatização de empresas
estatais, a desregulamentação da
economia e a abertura do comércio para o
lucro e o investimento estrangeiro.
Coreia do Sul e Japão, sucesso com outra receita
Hoje a Coreia do Sul e o Japão são
inegavelmente países com economias altamente desenvolvidas, e os teóricos do
sistema capitalista afirmam que esse sucesso se deve à adesão ao modelo
neoliberal. Mas a história mostra que a
verdade é totalmente diferente.
A Samsung, por exemplo, hoje uma das maiores
empresas de produtos de alta tecnologia do planeta, começou como exportadora de
peixe, vegetais e frutas, numa época em que a Coreia era colônia do Japão e um
dos países mais miseráveis do planeta. Até os anos 70, a empresa ainda estava no
ramo de refinamento de açúcar e tecelagem. Quando, em 1983, ela declarou sua
intenção de concorrer com as grandes indústrias de semicondutores dos Estados
Unidos, poucos a levaram a sério. Segundo os defensores do livre-comércio, eles ganhariam mais se continuassem naquilo em que
eram bons, ou seja, trabalhar com produtos primários, e deixar a indústria
complexa com quem tinha “vocação” para isso — naturalmente, os países mais
ricos, conforme a clássica tese de Smith.
Se o governo da Coreia do Sul tivesse
seguido o conselho dos “entendidos” de economia estrangeiros, hoje o país
provavelmente ainda estaria vivendo de
exportar peixes e peruca de cabelo humano, suas principais fontes de
receita de décadas atrás. No entanto, ele seguiu o caminho inverso: ajudou as
indústrias do país a crescer com proteção tarifária e subsídios, até que elas
estivessem fortes o suficiente para competir no mercado internacional.
Hoje a Samsung é o retrato mais bem
acabado da intervenção do Estado na economia
e de que para ter sucesso e competir no mercado internacional, os governos devem
jogar a receita da Trindade Profana no lixo.
Governo japonês ajuda a Toyota
Assim como a Samsung, a Toyota
começou em outro ramo de negócios bem mais modesto: fabricante de máquinas
têxteis (Toyoda Automatic Loom). Em 1933 ela
passou a produzir carros, mesmo com a descrença do país e dos concorrentes, e
para poder conseguir se estabelecer no meio de gigantes internacionais, o
governo japonês simplesmente retirou do país a
General Motors e a Ford em 1939, e viabilizou a Toyota com dinheiro do
Banco Japonês em 1949, mesmo com toda a crise econômica do país no pós-II
Guerra.
Se o governo japonês tivesse
seguido as regras do livre-comércio, hoje os carros da Toyota não seriam tão
naturais para nós quanto o vinho francês ou o azeite português. A empresa
japonesa provavelmente teria sido comprada por uma das grandes montadoras
internacionais e simplesmente estaria extinta. E o Japão jamais seria a potência
econômica que é hoje.
Você pode não estar ainda convencido,
pensando que estes são exemplos isolados que não são a regra, porque outros
países ricos de hoje seguiram o modelo de livre-mercado para o sucesso. Então na
próxima postagem eu vou te mostrar que isso é apenas parte da verdade, porque
esses países adotaram o livre-comércio apenas
quando suas empresas já estavam plenamente desenvolvidas, contando com a ajuda
de proteção econômica para isso. E nada melhor do que pegar como
exemplo aqueles que são autoproclamados os líderes do mundo “liberal”: a
Inglaterra e os Estados Unidos.