Do Site Obvious
Superar
uma perda, significa muito mais do que ignorá-la ou passar a ocupar a
mente com outras questões que implicam a vida. Transcender o luto, está
mais relacionado a internalizar os aprendizados e encontrar sentido para
o que se teve oportunidade de viver, pois jamais se pode tirar o que é
incorporado à essência... À aquilo que, ao experimentado, passou a dar
significado ao nosso ser.
“Não
há despertar da consciência sem dor. As pessoas farão de tudo, chegando
ao limite do absurdo para evitar enfrentar a sua própria alma. Mas,
ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz, mas sim ao se
conscientizar da escuridão.” (Carl Jung).
Desde
o início da vida de uma criança, a negligência em questões relacionadas
à perda (morte, derrota, mudança etc.), acontece de forma que, algo tão
natural como a morte (devido à sua inevitabilidade), por exemplo, acaba
se tornando um obstáculo quase sempre “mal superado”, podendo gerar
deformações psíquicas no decorrer das idades.
O
próprio fato de fazer algumas escolhas, muitas vezes acarreta em abrir
mão de outras e, no caso, se em algum momento não lidei de maneira
efetiva com minhas “perdas”, ou seja, se meus lutos não foram bem
trabalhados e tratados, naturalmente que isso influenciará e muito no
que se refere às escolhas em relação ao “o que” terei de abrir mão para
seguir em frente.
Observei
alguns casos de pessoas que permaneciam estagnadas em suas vidas quando
tinham a oportunidade de serem melhores (em relação a elas próprias) e
desenvolverem seus potencias, acreditando que aquelas eram suas escolhas
quando, após algum tempo, se deram conta que na verdade, permaneciam
ali por medo do desconhecido ou por apego à zona de conforto.
Por
não se atentarem a essa condição natural da vida (desapego) é comum
observarmos pessoas que não conseguem transcender em suas próprias
vidas, permanecendo atrelados a trabalhos que não gostam;
relacionamentos esgotados; estagnação em relação ao próprio potencial
pessoal ou mesmo no que se refere à qualidade de vida.
É
importante atentarmos à palavra DESENVOLVIMENTO: quando procuramos no
dicionário, normalmente poderemos encontrar significados relacionados a
“progresso”, “crescimento” etc.. Gosto de analisar essa palavra com um
crivo mais psicanalítico quando parto para a perspectiva que, para poder
me envolver de forma íntegra com o hoje, é necessário me “des” envolver
com o ontem.
Observe
que o desenvolvimento, nesse caso, tem a ver também com a maneira como
nos desapegamos das coisas das pessoas e até mesmo das nossas memórias.
Não significa que devemos ignorar ou esquecer, mas, mais profundo que
isso, é internalizar o sentido ou significado da relação tornando-o
parte de nós mesmos e não mais “separado” de nós.
Nos
relacionamentos amorosos isso se elucida de forma clara quando pensamos
que é necessário romper a relação com uma pessoa para iniciar uma com
outra. Acredito que o que torna bonita a nossa passagem pela vida é essa
realidade que pouco queremos aceitar, mas, quando nos damos conta
efetivamente dela (perda), podemos passar a vivenciar as oportunidades
com mais intensidade e, por conseguinte, vivermos de forma mais profunda
e conectadas com os momentos que nos são concebidos.
O ESTUDO DA MORTE
O
homem possui uma extrema capacidade de adaptação, haja vista que a
seleção natural refere-se a essa habilidade (presente em todas as
diferentes formas de vida), como a tônica, no que diz respeito à
sobrevivência de qualquer espécie. Assim sendo, lidar com a “perda da
referência”, passa a ser um atributo da sobrevivência e continuidade.
Na
TANATOLOGIA (parte da medicina legal que se ocupa da morte e dos
problemas médico-legais com ela relacionados), esse processo (luto) não
se restringe apenas à presença da morte. Ele também está presente em
toda privação, nas rupturas matrimoniais, nos rompimentos com amigos e
até mesmo a uma mudança de ambiente. Assim, este sentimento pode ser
concebido, na verdade, como um mecanismo inerente à psique humana.
A
resiliência (conceito psicológico emprestado da química, definido como a
capacidade de o indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou
resistir à pressão de situações adversas – choque, estresse etc. – sem
entrar em surto psicológico.), é o estado chave para passar por esse
processo (luto).
A
American Psychological Association define resiliência como o “processo e
resultado de se adaptar com sucesso a experiências de vida difíceis ou
desafiadoras, especialmente através da flexibilidade mental, emocional e
comportamental e ajustamento às demandas externas e internas”.
O
estudo da TANATOLOGIA em psicologia diz que independente da perda, o
indivíduo sempre passa pelas mesmas fases, que são cinco, as quais não
necessariamente são sequenciais, podendo se revelar, ao mesmo tempo,
dependendo de cada pessoa:
1.
NEGAÇÃO: o indivíduo permanece anestesiado; há o surgimento da
descrença. Nessa fase a pessoa nega a existência do problema ou
situação. Pode não acreditar na informação que está recebendo, tentar
esquecê-la, não pensar nela ou ainda buscar provas ou argumentos de que
ela não é a realidade. Comportamentos comuns: Buscar uma segunda opinião
ou outras explicações para a questão; Continuar se comportando como
antes (ignorando a situação); Não aderir ao tratamento (no caso de
doença) ou não falar sobre o assunto (no caso de morte, desemprego ou
traição).
2.
RAIVA: nessa fase a pessoa expressa raiva por aquilo que ocorre. É
comum o aparecimento de emoções como revolta e ressentimento. Geralmente
essas emoções são projetadas no ambiente externo; percebendo o mundo,
os outros, Deus, etc. como causadores de seu sofrimento. A pessoa
sente-se inconformada e vê a situação como uma injustiça. Comportamentos
comuns: perde a calma quando fala sobre o assunto; recusa-se a ouvir
conselhos; não quer falar sobre o assunto.
3.
NEGOCIAÇÃO: nessa fase busca-se fazer algum tipo de acordo de maneira
que as coisas possam voltar a ser como antes. Essa negociação geralmente
acontece dentro do próprio indivíduo ou às vezes voltada para a
religiosidade. Promessas, pactos e outros similares são muito comuns e
muitas vezes ocorrem em segredo. Comportamentos comuns: rezar, fazer um
acordo com Deus; buscar agradar (no caso de relacionamento);
alimentar-se com produtos “lights” e diets para compensar os outros
alimentos.
4.
DEPRESSÃO: nessa fase ocorre um sofrimento profundo. Tristeza,
desolamento, culpa, desesperança e medo são emoções bastante comuns. É
um momento em que ocorre uma grande introspecção e necessidade de
isolamento. Comportamentos comuns: chorar, afastar-se das pessoas;
comportamentos autodestrutivos.
5.
ACEITAÇÃO: Nessa fase percebe-se e vivencia-se uma aceitação do rumo
das coisas. As emoções não estão mais tão à flor da pele e a pessoa se
prontifica a enfrentar a situação com consciência das suas
possibilidades e limitações. Comportamentos comuns: buscar ajuda para
resolver a situação; conversar com outros sobre o assunto; planejar
estratégias para lidar com a questão.
Esses
estados variam em se tratando de tempo para cada pessoa e mediante a
intensidade de cada situação. As pessoas não passam por essas fases de
maneira linear, ou seja, elas podem superar uma fase, mas depois
retornar a ela (ir e vir), estacionar em uma delas, sem ter avanços por
longo período ou ainda suplantar todas as fases rapidamente até a
aceitação. Não há regra. Tudo depende do histórico de experiências da
pessoa e crenças que ela tem sobre si mesma e sobre a situação em
questão.
“A vida se resume a uma simples escolha: ocupar-se de viver ou ocupar-se de morrer” (William Shakespeare).
Partindo
dessa premissa, podemos sim encurtar o percurso nessa “curva”, ao passo
que, quando optamos por viver, naturalmente podemos acelerar o processo
seguindo direto, da negação para a aceitação. Quando não nos damos
conta desse procedimento natural, muitas vezes deixamos de viver o luto,
negligenciando o processo ou fugindo dele.
Para
elucidar, posso usar como exemplo o caso de um término abrupto de
relacionamento mediante a traição: o individuo traído, pode escolher
substituir a relação por outra e acreditar que superou o trauma
anterior. O que ocorre é apenas a soma dos estados ao passo que, em
qualquer outra situação de término, surgirá pensamentos como “tenho que
ficar sozinho mesmo”, “ninguém presta” etc. ou mesmo a negação em se
lançar para uma nova relação, usando a prudência como máscara para o
medo oculto oriundo do trauma que não foi tratado.
Outra
questão que pode surgir nascida dessa negligência é, levando em conta a
capacidade humana de adaptação, em dado momento em que o indivíduo é
revigorado pelo externo (atenção de outros, bajulação, cuidados
excessivos etc.). Isso pode, necessariamente, se tornar um reforçador de
comportamento corroborando para que se mantenha naquela condição e, sem
que se dê conta, acaba perdendo a referência do seu próprio estado de
equilíbrio, visto que o estado emocionalmente miserável que está
vivendo, passa a ser a nova referência devido ao tempo e permanência
mediante aos estímulos reforçadores as quais o sujeito é exposto.
É
como aquela menina que põe uma foto de biquíni na internet e recebe
atenção; outra que põe uma “frase de efeito” ou outra que se lamenta e é
reforçada. Esse reforço, seja lá como se revelar, será, em grande
parte, responsável pela permanência do indivíduo naquele estado junto
aos comportamentos específicos.
Caberia
ao indivíduo, trazer novamente as referencias positivas passadas para
poder gerar uma equivalência entre os estados, acessar a sinestesia e,
através da subjetividade, encontrar o estado emocional sumário já
vivido, mas que, por questão de sobrevivência do organismo (cérebro
primitivo), foi colocado em segundo plano (o organismo tende a se
adaptar ao estado atual).
Caso
aconteça com alguém próximo (o que normalmente acontece), é preciso
estar atento aos reforçadores de comportamento, ajudando o sujeito a
encontrar sentido e evitar reforçar o estado miserável, ao contrário,
orientar o próprio a encontrar novas referências e caminhos assim como
lançar-se a analise sobre os aprendizados oriundos daquela relação
perdida.
A
incorporação das experiências e aprendizados corrobora para o
equilíbrio no momento em que o sujeito se dá conta que “o outro” não
está necessariamente fora dele, mas sim, incorporado através das
experiências adquiridas no processo em que se deu a relação.
“A dor é suportável quando conseguimos acreditar que ela terá um fim e não quando fingimos que ela não existe.” (Allá Bozarth-Campbell).