Leonardo Boff e Noam Chomsky sobre um mundo louco, alienado, em vias de destruição
Estamos à beira da total auto-destruição?
Noam Chomsky
Republico este artigo por um sentido de urgência e mais que tudo por um 
imperativo ético. Podemos nos auto-destuir. Já a partir dos anos 80 do 
século passado venho falando e escrevendo no Brasil e pelo mundo afora 
sobre o trágico fato de que construimos uma máquina de morte com armas 
nucleares, químicas e biológicas que nos pode destruir totalmente, sem 
ficar ninguém para contar a história.  Agora nos vem a palavra de Noam Chomsky,
 considerado pela revista Times o intelectual maior e  mais influente 
dos Estados Unidos. Ele repete o mesmo discurso com vasta informação e 
dados somente possíveis de lá onde vive e trabalha no MIT. Oxalá 
despertemos antes que o Apocalipse aconteça. Cremos – mas isso é fé – 
que o Deus da vida, aquele que no livro da Sabedoria se apresena como 
como “o apaixonado amante da vida (Sb 11, 26) não o permitirá, sabe lá 
por que meios que de seu desígnio que é de amor, venha utilizar. 
Suspeito que seja uma crise de proporções planetárias que chegue ameaçar
 a todos, ricos e pobres, ocidentais e orientais, de desaparecimento 
completo da face da Terra. Aí talvez acordaremos e optemos pela vida e 
não pela auto-destruição. Então, espero, haverá uma governança global, 
com uma cultura que ama e cuida da vida em todas as suas formas, 
especialmente daquelas mais penalizadas historicamente. Então será a 
Terra da Boa Esperança e da Alegria de todos os homens - Leonardo Boff
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O que o futuro trará? Uma postura razoável seria tentar olhar para a 
espécie humana de fora. Então imagine que você é um extraterrestre 
observador que está tentando desvendar o que acontece aqui ou, imagine 
que és um historiador daqui a 100 anos – assumindo que existam 
historiadores em 100 anos, o que não é óbvio – e você está olhando para o
 que acontece. Você veria algo impressionante.
Pela primeira vez na história da espécie humana, desenvolvemos 
claramente a capacidade de nos destruirmos. Isso é verdade desde 1945. 
Agora está finalmente sendo reconhecido que existem mais processos de 
longo-prazo como a destruição ambiental liderando na mesma direção, 
talvez não à destruição total, mas ao menos à destruição da capacidade 
de uma existência decente.
E existem outros perigos como pandemias, as quais estão relacionadas à 
globalização e interação. Então, existem processos em curso e 
instituições em vigor, como sistemas de armas nucleares, os quais podem 
levar à explosão ou talvez, extermínio, da existência organizada.
Como destruir o planeta sem tentar muito
A pergunta é: O que as pessoas estão fazendo a respeito? Nada disso é 
segredo. Está tudo perfeitamente aberto. De fato, você tem que fazer um 
esforço para não enxergar.
Houveram uma gama de reações. Têm aqueles que estão tentando ao máximo 
fazer algo em relação à essas ameaças, e outros que estão agindo para 
aumentá-las. Se olhar para quem são, esse historiador futurista ou 
extraterrestre observador veriam algo estranho. As sociedades menos 
desenvolvidas, incluindo povos indígenas, ou seus remanescentes, 
sociedades tribais e as primeiras nações do Canadá, que estão tentando 
mitigar ou superar essas ameaças. Não estão falando sobre guerra 
nuclear, mas sim desastre ambiental, e estão realmente tentando fazer 
algo a respeito.
De fato, ao redor do mundo – Austrália, Índia, América do Sul – existem 
batalhas acontecendo, às vezes guerras. Na Índia, é uma guerra enorme 
sobre a destruição ambiental direta, com sociedades tribais tentando 
resistir às operações de extração de recursos que são extremamente 
prejudiciais localmente, mas também em suas consequências gerais. Em 
sociedades onde as populações indígenas têm influência, muitos tomam uma
 posição forte. O mais forte dos países em relação ao aquecimento global
 é a Bolívia, cuja maioria é indígena e requisitos constitucionais 
protegem os “direitos da natureza”.
O Equador, o qual também tem uma população indígena ampla, é o único 
exportador de petróleo que conheço onde o governo está procurando 
auxílio para ajudar a manter o petróleo no solo, ao invés de produzi-lo e
 exportá-lo – e no solo é onde deveria estar.
O presidente Venezuelano Hugo Chávez, que morreu recentemente e foi 
objeto de gozação, insulto e ódio ao redor do mundo ocidental, atendeu a
 uma sessão da Assembléia Geral da ONU a poucos anos atrás onde ele 
suscitou todo tipo de ridículo ao chamar George W. Bush de demônio. Ele 
também concedeu um discurso que foi interessante. Claro, Venezuela é uma
 grande produtora de petróleo. O petróleo é praticamente todo seu PIB. 
Naquele discurso, ele alertou dos perigos do sobreuso dos combustíveis 
fóssil e sugeriu aos países produtores e consumidores que se juntassem 
para tentar manejar formas de diminuir o uso desses combustíveis. Isso 
foi bem impressionante da parte de um produtor de petróleo. Você sabe, 
ele era parte índio, com passado indígena. Esse aspecto de suas ações na
 ONU nunca foi reportado, diferentemente das coisas engraçadas que fez.
Então, em um extremo têm-se os indígenas, sociedades tribais tentando 
amenizar a corrida ao desastre. No outro extremo, as sociedades mais 
ricas, poderosas na história da humanidade, como os EUA e o Canadá, que 
estão correndo em velocidade máxima para destruir o meio ambiente o mais
 rápido possível. Diferentemente do Equador e das sociedades indígenas 
ao redor do mundo, eles querem extrair cada gota de hidrocarbonetos do 
solo com toda velocidade possível.
Ambos partidos políticos, o presidente Obama, a mídia, e a imprensa 
internacional parecem estar olhando adiante com grande entusiasmo para o
 que eles chamam de “um século de independência energética” para os EUA.
 Independência energética é quase um conceito sem significado, mas 
botamos isso de lado. O que eles querem dizer é: teremos um século no 
qual maximizaremos o uso de combustíveis fóssil e contribuiremos para a 
destruição do planeta.
E esse é basicamente o caso em todo lugar. Admitidamente, quando se 
trata de desenvolvimento de energia alternativa, a Europa está fazendo 
alguma coisa. Enquanto isso, os EUA, o mais rico e poderoso país de toda
 a história do mundo, é a única nação dentre talvez 100 relevantes que 
não possui uma política nacional para a restrição do uso de combustíveis
 fóssil, e que nem ao menos mira na energia renovável. Não é por que a 
população não quer. Os americanos estão bem próximos da norma 
internacional com sua preocupação com o aquecimento global. Suas 
estruturas institucionais que bloqueiam a mudança. Os interesses 
comerciais não aceitam e são poderosos em determinar políticas, então 
temos um grande vão entre opinião e política em muitas questões, 
incluindo esta. Então, é isso que o historiador do futuro veria. Ele 
também pode ler os jornais científicos de hoje. Cada um que você abre 
tem uma predição mais horrível que a outra.
“O momento mais perigoso na história”
A outra questão é a guerra nuclear. É sabido por um bom tempo, que se 
tivesse que haver uma primeira tacada por uma super potência, mesmo sem 
retaliação, provavelmente destruiria a civilização somente por causa das
 consequências de um inverno-nuclear que se seguiria. Você pode ler 
sobre isso no Boletim de Cientistas Atômicos. É bem compreendido. Então o
 perigo sempre foi muito pior do que achávamos que fosse.
Acabamos de passar pelo 50o aniversário da Crise dos Mísseis Cubanos, a 
qual foi chamada de “o momento mais perigoso na história” pelo 
historiador Arthur Schlesinger, o conselheiro do presidente John F. 
Kennedy. E foi. Foi uma chamada bem próxima do fim, e não foi a única 
vez tampouco. De algumas formas, no entanto, o pior aspecto desses 
eventos é que a lições não foram aprendidas.
O que aconteceu na crise dos mísseis em outubro de 1962 foi petrificado 
para parecer que atos de coragem e reflexão eram abundantes. A verdade é
 que todo o episódio foi quase insano. Houve um ponto, enquanto a crise 
chegava em seu pico, que o Premier Soviético Nikita Khrushchev escreveu 
para Kennedy oferecendo resolver a questão com um anuncio publico de 
retirada dos mísseis russos de Cuba e dos mísseis americanos da Turquia.
 Na realidade, Kennedy nem sabia que os EUA possuíam mísseis na Turquia 
na época. Estavam sendo retirados de todo modo, porque estavam sendo 
substituídos por submarinos nucleares mais letais, e que eram 
invulneráveis.
Então essa era a proposta. Kennedy e seus conselheiros consideraram-na –
 e a rejeitaram. Na época, o próprio Kennedy estimava a possibilidade de
 uma guerra nuclear em um terço da metade. Então Kennedy estava disposto
 a aceitar um risco muito alto de destruição em massa afim de 
estabelecer o princípio de que nós – e somente nós – temos o direito de 
deter mísseis ofensivos além de nossas fronteiras, na realidade em 
qualquer lugar que quisermos, sem importar o risco aos outros – e a nós 
mesmos, se tudo sair do controle. Temos esse direito, mas ninguém mais o
 detém.
No entanto, Kennedy aceitou um acordo secreto para a retirada dos 
mísseis que os EUA já estavam retirando, somente se nunca fosse à 
publico. Khrushchev, em outras palavras, teve que retirar abertamente os
 mísseis russos enquanto os EUA secretamente retiraram seus obsoletos; 
isto é, Khrushchev teve que ser humilhado e Kennedy manteve sua pose de 
macho. Ele é altamente elogiado por isso: coragem e popularidade sob 
ameaça, e por aí vai. O horror de suas decisões não é nem mencionado – 
tente achar nos arquivos.
E para somar um pouco mais, poucos meses antes da crise estourar os EUA 
haviam mandado mísseis com ogivas nucleares para Okinawa. Eram mirados 
na China durante um período de grande tensão regional.
Bom, quem liga? Temos o direito de fazer o que quisermos em qualquer 
lugar do mundo. Essa foi uma lição daquela época, mas haviam outras por 
vir.
Dez anos depois disso, em 1973, o secretário de estado Henry Kissinger 
chamou um alerta vermelho nuclear. Era seu modo de avisar à Rússia para 
não interferir na constante guerra Israel-Árabes e, em particular, não 
interferir depois de terem informado aos israelenses que poderiam violar
 o cessar fogo que os EUA  e a Rússia haviam concordado. Felizmente, 
nada aconteceu.
Dez anos depois, o presidente em vigor era Ronald Reagan. Assim que 
entrou na Casa Branca, ele e seus conselheiros fizeram com que a Força 
Aérea começasse a entrar no espaço aéreo Russo para tentar levantar 
informações sobre os sistemas de alerta russos, Operação Able Archer. 
Essencialmente, eram ataques falsos. Os Russos estavam incertos, alguns 
oficiais de alta patente acreditavam que seria o primeiro passo para um 
ataque real. Felizmente, eles não reagiram, mesmo sendo uma chamada 
estreita. E continua assim.
O que pensar das crises nucleares Iraniana e Norte-Coreana
No momento, a questão nuclear está regularmente nas capas nos casos do 
Irã e da Coréia do Norte. Existem jeitos de lidar com esse crise 
contínua. Talvez não funcionasse, mas ao menos tentaria. No entanto, não
 estão nem sendo consideradas, nem reportadas.
Tome o caso do Irã, que é considerado no ocidente – não no mundo árabe, 
não na Ásia – a maior ameaça à paz mundial. É uma obsessão ocidental, e é
 interessante investigar as razões disso, mas deixarei isso de lado. Há 
um jeito de lidar com a suposta maior ameaça à paz mundial? Na realidade
 existem várias. Uma forma, bastante sensível, foi proposta alguns meses
 atrás em uma reunião dos países não alinhados em Teerã. De fato, 
estavam apenas reiterando uma proposta que esteve circulando por 
décadas, pressionada particularmente pelo Egito, e que foi aprovada pela
 Assembléia Geral da ONU.
A proposta é mover em direção ao estabelecimento de uma zona sem armas 
nucleares na região. Essa não seria a resposta para tudo, mas seria um 
grande passo à frente. E haviam modos de proceder. Sob o patrocínio da 
ONU, houve uma conferência internacional na Finlândia dezembro passado 
para tentar implementar planos nesta trajetória. O que aconteceu? Você 
não lerá sobre isso nos jornais pois não foi divulgado – somente em 
jornais especialistas.
No início de novembro, o Irã concordou em comparecer à reunião. Alguns 
dias depois Obama cancelou a reunião, dizendo que a hora não estava 
correta. O Parlamento Europeu divulgou uma declaração pedindo que 
continuasse, assim como os estados árabes. Nada resultou. Então 
moveremos em direção a sanções mais rígidas contra a população Iraniana –
 não prejudica o regime – e talvez guerra. Quem sabe o que irá 
acontecer?
No nordeste da Ásia, é a mesma coisa. A Coréia do Norte pode ser o país 
mais louco do mundo. É certamente um bom competidor para o título. Mas 
faz sentido tentar adivinhar o que se passa pela cabeça alheia quando 
estão agindo feito loucos. Por que se comportariam assim? Nos imagine na
 situação deles. Imagine o que significou na Guerra da Coréia anos dos 
1950’s o seu país ser totalmente nivelado, tudo destruído por uma enorme
 super potência, a qual estava regozijando sobre o que estava fazendo. 
Imagine a marca que deixaria para trás.
Tenha em mente que a liderança Norte Coreana possivelmente leu os 
jornais públicos militares desta super potência na época explicando que,
 uma vez que todo o resto da Coréia do Norte foi destruído, a força 
aérea foi enviada para a Coréia do Norte para destruir suas represas, 
enormes represas que controlavam o fornecimento de água – um crime de 
guerra, pelo qual pessoas foram enforcadas em Nuremberg. E esses jornais
 oficiais falavam excitadamente sobre como foi maravilhoso ver a água se
 esvaindo, e os asiáticos correndo e tentando sobreviver. Os jornais 
exaltavam com algo que para os asiáticos fora horrores para além da 
imaginação. Significou a destruição de sua colheita de arroz, o que 
resultou em fome e morte. Quão maravilhoso! Não está na nossa memória, 
mas está na deles.
Voltemos ao presente. Há uma história recente interessante. Em 1993, 
Israel e Coréia do Norte se moviam em direção a um acordo no qual a 
Coréia do Norte pararia de enviar quaisquer mísseis ou tecnologia 
militar para o Oriente Médio e Israel reconheceria seu país. O 
presidente Clinton interveio e bloqueou. Pouco depois disso, em 
retaliação, a Coréia do Norte promoveu um teste de mísseis pequeno. Os 
EUA e a Coréia do Norte chegaram então a um acordo em 1994 que 
interrompeu seu trabalho nuclear e foi mais ou menos honrado pelos dois 
lados. Quando George W. Bush tomou posse, a Coréia do Norte tinha talvez
 uma arma nuclear e verificadamente não produzia mais.
Bush imediatamente lançou seu militarismo agressivo, ameaçando a Coréia 
do Norte – “machado do mal” e tudo isso – então a Coréia do Norte voltou
 a trabalhar com seu programa nuclear. Na época que Bush deixou a Casa 
Branca, tinham de 8 a 10 armas nucleares e um sistema de mísseis, outra 
grande conquista neoconservadora. No meio, outras coisas aconteceram. Em
 2005, os EUA e a Coréia do Norte realmente chegaram a um acordo no qual
 a Coréia do Norte teria que terminar com todo seu desenvolvimento 
nuclear e de mísseis. Em troca, o ocidente, mas principalmente os EUA, 
forneceria um reator de água natural para suas necessidades medicinais e
 pararia com declarações agressivas. Eles então formariam um pacto de 
não agressão e caminhariam em direção ao conforto.
Era muito promissor, mas quase imediatamente Bush menosprezou. Retirou a
 oferta do reator de água natural e iniciou programas para compelir 
bancos a pararem de manejar qualquer transação Norte Coreana, até mesmo 
as legais. Os Norte Coreanos reagiram revivendo seu programa de armas 
nuclear. E esse é o modo que se segue.
É bem sabido. Pode-se ler na cultura americana principal. O que dizem é:
 é um regime bem louco, mas também segue uma política do olho por olho, 
dente por dente. Você faz um gesto hostil e responderemos com um gesto 
louco nosso. Você faz um gesto confortável e responderemos da mesma 
forma.
Ultimamente, por exemplo, existem exercícios militares Sul 
Coreanos-Americanos na península Coreana a qual, do ponto de vista do 
Norte, tem que parecer ameaçador. Pensaríamos que estão nos ameaçando se
 estivessem indo ao Canadá e mirando em nós. No curso disso, os mais 
avançados bombardeiros na história, Stealth B-2 e B-52, estão travando 
ataques de bombardeio nuclear simulados nas fronteiras da Coréia do 
Norte.
Isso, com certeza, reacende a chama do passado. Eles lembram daquele 
passado, então estão reagindo de uma forma agressiva e extrema. Bom, o 
que chega no ocidente derivado disso tudo é o quão loucos e horríveis os
 líderes Norte Coreanos são. Sim, eles são. Mas essa não é toda a 
história, e esse é o jeito que o mundo está indo.
Não é que não haja alternativas. As alternativas somente não estão sendo
 levadas em conta. Isso é perigoso. Então, se me perguntar como o mundo 
estará no futuro, saiba que não é uma boa imagem. A menos que as pessoas
 façam algo a respeito. Sempre podemos.
Tradução: Isabela Palhares