Capitalismo e consciência de classe: as ideias de Georg Lukács
24/8/2010, [*] Chris Nineham , Counterfire Capitalism and Class Consciousness: the ideas of Georg Lukács Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu POSTADO POR CASTOR FILHO Georg Lukács por Liberati Texto integral (ing.) em: Capitalism and Class C...
24/8/2010, [*] Chris Nineham , Counterfire Capitalism and Class Consciousness: the ideas of Georg Lukács Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu POSTADO POR CASTOR FILHO Georg Lukács por Liberati Texto integral (ing.) em: Capitalism and Class C...
Capitalismo e consciência de classe: as ideias de Georg Lukács
24/8/2010, [*] Chris Nineham, Counterfire
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
        POSTADO POR CASTOR FILHO
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| Georg Lukács  por Liberati  | 
Texto integral (ing.) em: Capitalism and Class Consciousness: the ideas of Georg Lukacs by Chris Nineham
Excerto de Capitalism and Class Consciousness (aqui traduzido)
Um filósofo ativista
Lukács
 tornou-se revolucionário e marxista durante a maior onda de luta da 
classe trabalhadora em toda a história, desencadeada pela Revolução 
Russa ao final da Iª Guerra Mundial. Já conhecido como intelectual na 
Hungria, meses antes de unir-se ao recém criado Partido Comunista da 
Hungria em dezembro de 1918, descobriu-se de repente como líder, nos 
eventos que levaram à breve república soviética da Hungria, em 1919. Foi
 Comissário do Povo para a Educação e por um curto período de tempo, 
comissário político no front de combate.
A
 República dos Trabalhadores Húngaros terminou em desastre. Aconteceu 
assim, como o próprio Lukács reconheceu adiante, porque a República era 
instável desde o início. O Partido Comunista da Hungria iniciou um 
insurreição, em fevereiro de 1919, muito antes de ter apoio da maioria 
dos conselhos de trabalhadores. O levante foi esmagado, quando ficou 
claro que radicalização de massa jamais seria substituto de preparação 
política. Ao mesmo tempo, a militância de camponeses e trabalhadores, e a
 anexação de partes do país por potências estrangeiras, levaram ao 
colapso do governo burguês, o que gerou um vácuo de poder.
A
 República Soviética Húngara nasceu em março de 1919, de uma fusão entre
 os comunistas e o Partido Social Democrático (PSD), partido reformista.
 A classe governante delegou poderes ao PSD, num derradeiro esforço para
 salvar o sistema. Lukács e a liderança do Partido Comunista 
interpretaram a nova aliança de reformistas e revolucionários como uma 
restauração espontânea da unidade proletária; de fato, como depois se 
constatou, não passou de receita para confusão e desastre.
Os
 líderes do Partido Comunista agiram como se estivessem num governo 
revolucionário, forçando a nacionalização da terra, sem qualquer 
preocupação com o que pensavam ou desejavam os camponeses; e a maioria 
dos operários permaneceu sob a liderança do partido reformista. Diante 
de novos ataques da aliança de poderes contrarrevolucionários, os 
líderes do PSD logo capitularam; e os comunistas ficaram isolados, sem 
qualquer apoio. Logo se constituiu um governo reacionário, que 
desencadeou campanha de terror contra a esquerda, executando mais de 5 
mil e expulsando do país dezenas de milhares de militantes.
Lukács escreveu seus trabalhos chaves dos anos 1920s – Lênin: Estudo sobre a unidade de seu pensamento [em espanhol, em Rebelión], História e Consciência de Classe e Em defesa de História e Consciência de Classe: o Seguidismo e a Dialética[em espanhol em Libro español] logo
 depois dessa experiência, enquanto viveu como exilado, em Viena. Hoje 
se vê com clareza que aquele foi momento decisivo para o movimento 
socialista. Antes da guerra, o movimento socialista mundial se 
organizara na IIª Internacional, cuja completa acomodação no sistema 
vê-se claramente no apoio que os partidos principais deram à Iª Guerra 
Mundial. Os russos bolcheviques puseram-se contra essa traição, e 
lideraram uma revolução bem-sucedida, que se tornou inspiração para 
milhões em todo o mundo.
Os dois livros de Luckács, História e Consciência de Classe e Lênin: Estudo sobre a Unidade de seu Pensamento,
 manifestam o potencial revolucionário do momento, e o medo de que 
ninguém estivesse cuidando de extrair as lições daquela experiência. Em 
1925, quando Lukács escreveu O Seguidismo e a Dialética, havia sinais de que o isolamento da revolução russa estava estimulando uma nova modalidade de fatalismo.
A vida sob o capitalismo
Em História e Consciência de Classe,
 Lukács discute o papel das instituições do capitalismo, como elementos 
de mediação. Mas expõe – como resultado da experiência vivida do 
capitalismo –, a capacidade que essas instituições têm para 
assegurarem-se a aquiescência dos trabalhadores. Explica também como e 
por quê essa mesma experiência vivida do capitalismo pode criar 
oposições.
O
 ponto de partida de Lukács é o fato de que o capitalismo converte tudo 
em mercadoria, uma unidade de produto cujo objetivo é gerar lucros para 
os capitalistas. Lukács argumenta que não é acaso que a mercadoria tenha
 sido também o ponto do qual Marx partiu, em seus trabalhos principais, 
quando decidiu “expor a nu a natureza fundamental da sociedade capitalista”:
O problema das 
mercadorias não deve ser considerado isoladamente nem considerado 
problema central da economia, mas como problema central, estrutural da 
sociedade capitalista em todos os seus aspectos. Só assim se consegue 
ver como a estrutura das relações de mercadoria é um modelo para todas 
as formas objetivas da sociedade burguesa, com todas as formas 
subjetivas que lhes correspondem. 
[Luckács, História e Consciência de Classe].
A
 produção da mercadoria modela o modo como experienciamos e 
compreendemos o mundo. Ela reduz qualidade a quantidade e esconde o 
processo generalizado de exploração num mundo imediato de comprar e 
vender. Ecoando as palavras de Marx em Capital, Lukács descreveu como a mercadorização tem o efeito de dar às relações entre as pessoas o caráter de coisas: a conversão em mercadoria [a mercadorização] reifica [transforma em coisa] todas as relações.
Nesse
 processo, as relações adquirem uma “objetividade fantasma” e uma 
autonomia “que parece tão estritamente racional e extensiva a tudo, a 
ponto de ocultar todo e qualquer traço da natureza fundamental daquelas 
relações”. Por isso as mercadorias têm o que Marx chamou de 
“caráter de um fetiche”. Como os fetiches primitivos que os homens 
criaram e imediatamente passaram a adorar como se fossem deuses, as 
mercadorias vieram para nos comandar e comandar nossa vida, apesar de 
serem criadas por nós.
Só
 se consegue perceber o total impacto desse processo de reificação 
quando entendemos que a condição essencial para a vitória da forma 
mercadoria é a transformação do próprio trabalho, em mercadoria. Se o 
valor dos bens será determinado pelo tempo de trabalho necessário para 
produzi-lo, a força de trabalho tem de ser totalmente integrada nesse 
sistema racional universalmente quantificado. O trabalhador tem de 
vender sua força de trabalho, como qualquer outra mercadoria, no 
mercado.
Nem 
objetivamente nem em relação com seu trabalho, o homem aparece como 
autêntico senhor do processo; ao contrário, ele é uma parte mecânica 
incorporada num sistema mecânico. O homem descobre que o sistema é 
pré-existente e autossuficiente, que funciona independente dele, e o 
homem tem de se conformar às suas leis, goste ou não goste.  
[Luckács, História e Consciência de Classe].
A
 mercadorização modela o próprio processo físico do trabalho e também a 
compreensão que temos dele. O trabalho torna-se dominado pela 
racionalização, uma alta divisão do trabalho, repetição e obsessão com a
 quantidade, não com a qualidade. O artigo acabado já não parece ser 
objeto de processo algum. O processo fragmentado de produção do objeto 
acaba por produzir um sujeito fragmentado:
À personalidade 
nada resta a fazer, além de olhar desconsoladamente, enquanto sua 
própria existência é reduzida a uma partícula isolada inserida num 
sistema alienado. 
[Luckács, História e Consciência de  Classe].
A
 reificação então tem três efeitos que se reforçam mutuamente sobre a 
consciência. Ela oculta, esconde, as reais relações humanas do 
capitalismo; faz o sistema parecer como se fosse comandado por uma 
lógica pré-ordenada, inumana; e faz os trabalhadores sentirem-se sem 
forças para fazer coisa alguma.
Muito já observaram que Lukács, pela leitura que faz de Capital, chegou a um conceito quase idêntico à ideia de alienação que aparece em Manuscritos Econômico-filosóficos de Marx, escritos em 1844, mas só publicados em 1932.
Mas
 Luckács fez mais que isso. Luckács abriu novos caminhos, ao mostrar 
como a reificação permeia toda a sociedade capitalista e lançou as bases
 para a primeira “estrutura unificada de consciência na história”. 
Explorou, inclusive, as implicações disso tudo para a política radical.
Para
 Lukács, o estado mental gerado pela experiência do trabalho na ponta 
final da produção capitalista aparece difundido por todas as 
instituições da sociedade capitalista.
A atomização dos
 indivíduos é, então, só o reflexo na consciência do fato de que as 
‘leis naturais’ da produção capitalista foram estendidas para cobrir 
toda e qualquer manifestação de vida em sociedade; que, pela primeira 
vez na história toda a sociedade é submetida ou tende a ser submetica a 
um processo econômico unificado, e o destino de cada membro da sociedade
 é determinado por leis econômicas unificadas. 
[Luckács, História e Consciência de Classe].
Para Lukács, por exemplo, as burocracias são corolários do sistema das fábricas:
Burocracia 
implica ajustamento ao modo de vida de alguém, ao seu modo de trabalhar 
e, pois, à sua consciência, às premissas socioeconômicas gerais da 
economia capitalista, semelhante à que se viu no caso do empregado que 
trabalha para patrão privado. A padronização formal da justiça, do 
estado, do funcionalismo público etc. significa objetivamente e 
factualmente uma redução comparável de todas as funções sociais aos seus
 elementos, uma busca comparável pelas leis racionais formais desses 
sistemas parciais cuidadosamente segregados. 
[Luckács, História e Consciência de Classe].
Assim,
 muito mais que nos locais de trabalho que visa ao lucro, também nas 
instituições de toda a sociedade as tarefas são reduzidas a funções 
quantificáveis, à taxa de transferência efetiva de um sistema, em 
processos que ganham autonomia em relação à pessoa, à personalidade e, 
portanto, em relação à razão/juízo humano. Mesmo para os que lidam 
diretamente com outros seres humanos, perdeu-se o senso de objetivo mais
 amplo, e todo o sentido de causa e efeito foi apagado.
Lukács oferece como exemplo dessa reificação máxima os
 jornalistas cujos poderes de empatia, juízos, conhecimentos e expressão
 são artificialmente separados da personalidade, e que são postos num 
“isolamento” suposto “isento” antinatural, quando confrontados aos fatos
 ou eventos que têm de “noticiar”.
A
 “isenção” de que os jornalistas fazem meio de vida, a prostituição das 
próprias experiências e crenças pessoais, só são compreensíveis como 
apogeu da reificação capitalista.
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[*] Chris Nineham é um dos fundadores e um dos Diretores Nacionais da Stop the War Coalition no Reino Unido. Foi um dos principais organizadores do protesto anti-guerra 15 Fevereiro 2003 contra a invasão ao Iraque. Foi um dos principais membros Globalise Resistence,
 a rede anti-globalização, que mobilizou milhares de protestos em Gênova
 e em outros lugares; desempenhou um papel importante nos Fóruns Sociais
 Europeus e Mundiais. Foi membro do Partido Socialista dos Trabalhadores até que renunciar em 2010. É autor de The People Versus Tony Blair e Capitalism and Class Consciousness: the ideas of Georg Lukacs. 
Escreve
 extensamente sobre o movimento antiguerra e do movimento 
antineoliberal, bem como sobre os meios de comunicação, modernismo e 
teoria cultural.
Lukács
 oferece como exemplo dessa reificação máxima os jornalistas, cujos 
poderes de empatia, juízos, conhecimentos e expressão são 
artificialmente separados da personalidade; e que são postos num 
“isolamento” suposto “isento” antinatural, quando confrontados aos fatos
 ou eventos que têm de “noticiar”. A “isenção” de que os jornalistas 
fazem meio de vida, a prostituição das próprias experiências e crenças 
pessoais, só são compreensíveis como apogeu da reificação capitalista.
Georg
 Lukács foi o maior teórico da revolução no século XX. No processo de 
explicar os princípios da Revolução Russa, Lukács respondeu a algumas 
perguntas vitais: Como as ideias capitalistas tomam conta de nossa 
consciência? Em que circunstâncias as pessoas se tornam radicais? E como
 os socialistas podem construir genuínos movimentos revolucionários de 
massa?
As
 ideias revolucionárias de Lukács dos anos 1920s foram reprimidas por 
Stálin e marginalizadas pela Academia e até por muitos no campo da 
esquerda. Tiveram uma espécie de vida “clandestina”, mas reemergindo 
sempre que se discutia mudança fundamental. Esse livro é uma introdução 
às ideias de Lukács e argumenta que elas são crucialmente importantes 
para explicar e compreender nosso mundo contemporâneo de crises e 
guerra.


