A falsa politização em massa e a permanência de muitos vícios cidadãos
Reacionários
formadores de opinião estão tentando cooptar os corações indignados de
milhões de brasileiros e canalizar seus anseios de modo que atendam a
interesses políticos nada transformadores.
A assustadoramente meteórica
ascensão da página TV Revolta no Facebook
nessa semana nos deu uma ideia do estado atual da consciência política
de grande parte dos brasileiros que se dizem inconformados com os
desmandos políticos e maus serviços públicos no Brasil. E esse estado,
ao contrário do que os mais românticos pensavam na segunda metade de
junho de 2013, não é animador. Isso porque está claro que essa multidão
ainda não dominou a arte de discutir maduramente política e participação
democrática popular.
Houve um
entusiasmo quase generalizado com a experiência dos protestos de junho
de 2013, que foram horizontalizados, sem lideranças, e apontavam para a
demanda da população por um sistema político muito mais democrático do
que o modelo representativo, partidário e eleitoral hoje vigente. As
pessoas mostraram desilusão com esse modelo de sistema político, uma vez
que ele tem sido secularmente marcado por corrupção e outras
iniquidades éticas, governança em prol de interesses privados e
sucateamento dos serviços públicos. Mas pelo que parece, o desejo de
superar e mudar o sistema arrefeceu e devolveu o lugar a velhos vícios.
Em
páginas facebookianas como a TV Revolta, o AnonymousBrasil e o MCC –
Movimento Contra Corrupção, é visível, pelo enorme número de curtidores,
a reincidência em tradicionais posturas limitadoras. Dentre elas,
estão:
- a espera por um “salvador da pátria” ou a eleição apressada de um, sendo mais venerada a figura de Joaquim Barbosa;
- a designação de “vilões” a serem culpados e castigados por tudo o que
há de ruim no país, como o PT, Lula e Dilma, que mereceriam ser
derrotados pelos pretensos “salvadores”;
- a crença de que é
possível eliminar problemas graves, como a corrupção e o descumprimento
de promessas eleitorais, podando folhas e galhos pequenos ao invés de
cortar tudo pela raiz;
- a defesa de soluções simples e rápidas para
resolver problemas com séculos de tradição e raízes quilométricas, como
“acabar com a corrupção” apenas tirando Dilma e sua equipe do governo
federal – sem ao menos se saber quem colocar no lugar deles – mesmo que
se mantenha todo o resto do cenário político do jeito que está;
- a
recusa tácita de se estudar a fundo as tradições sociopolíticas do
Brasil de modo a se saber quais são as causas da origem e perpetuação de
problemas como as desigualdades sociais, a corrupção política, a
desatenção governamental aos serviços públicos etc.;
- a insistência
em usar o senso comum, ao invés de conhecimento a ser obtido em
leituras devidamente fundamentadas e/ou observações empíricas adequadas,
como fonte de “saber político”, o que leva ao intenso uso de falácias e
preconceitos;
- a superficialidade na observação do contexto
político, expressa quando se esquece que corrupção vai muito além de um
único partido ou de alguns integrantes de um único governo, e se ignora
que a má atenção para os serviços públicos não é culpa apenas do governo
federal presidido por Lula e Dilma;
- a ignorância sobre o papel de
prefeituras, câmaras de vereadores, governadorias e assembleias
legislativas estaduais no estado público de coisas, culpando-se
centralizadamente os governos federais aos quais o indivíduo se opõe;
- a rejeição de se problematizar o papel do capitalismo na perpetuação dos problemas da ordem sociopolítica vigente no Brasil;
- combinando tudo acima, o esquecimento de que as mudanças necessitadas
pela população brasileira são radicais e sistemáticas e dispensam
comportamentos como o ódio a um partido específico e a reivindicação da
substituição de um governo como “grande solução”.
Com todos esses
defeitos, os “indignados” estão caindo muito fácil na lábia de
formadores de opinião mal intencionados. Estes aparecem posando de
“líderes natos”, trazendo mensagens cativantes com as quais muita gente
se identifica e, daí, ao terem conquistado a simpatia dessa população,
doutrinam-nos, com mensagens bonitas “politizadas”, a uma opinião
política rasa, reacionária e pautada na intolerância e no paliativismo. E
isso ameaça estagnar o amadurecimento da consciência política de
milhões de brasileiros e, ao invés de lhes atender o desejo de mudar a
ordem política, perpetuá-la e favorecer interesses políticos escusos e
nada democráticos.
Daí a posição mais sensata a se recomendar aos
brasileiros é rejeitar as mensagens dos “Revoltas” e “MCCs” da vida e
buscar de forma autônoma e horizontalizada conhecer primeiro as raízes
de cada problema brasileiro de ordem sociopolítica, de modo que se possa
saber como combater esses problemas, arrancá-los a partir da raiz. O
brasileiro precisa parar de procurar líderes, heróis e salvadores e
reconhecer a si mesmo como agente das fortes mudanças políticas de que a
sociedade brasileira precisa para terminar e enterrar os flagelos que
tanto lhe causam indignação e um crescente inconformismo.