Por Marcelo Zero, no blog de Paulo Moreira Leite:
-O Senhor é patriota?
-Amador.
-Amador?
-É, porque profissional é o Senhor, que é pago para isso.
Esse teria sido o diálogo travado entre o grande 
advogado Sobral Pinto e o coronel que o prendeu em Goiânia, durante a 
ditadura militar. Na realidade, as palavras devem ter sido diferentes, 
mas o sentido geral foi esse. 
Sobral sentiu-se extremamente ofendido pela pergunta e retrucou à 
altura. O grande advogado, católico fervoroso e conservador, detestava a
 ditadura e suas violências, mas amava profundamente o seu país. O mesmo
 acontecia com outros opositores do regime militar. Os jovens que 
aderiram à luta armada contra a ditadura, como Dilma Rousseff, também 
tinham grande amor pelo Brasil e profunda fé em seu enorme potencial. Na
 realidade, eles queriam, a sua maneira, libertar o Brasil do 
“imperialismo” e das amarras que o prendiam ao atraso e às injustiças. 
Eles achavam que, uma vez liberto, o Brasil e seu povo encontrariam a 
sua real grandeza.
Ninguém ali tinha complexo de vira-lata.  Ninguém se achava menor por 
ser brasileiro. Ninguém era pessimista, em relação ao Brasil. A bem da 
verdade, tratava-se de gente que, por acreditar muito no país, era capaz
 de dar sua vida por ele, como alguns fizeram. E, na Copa de 1970, todos
 acabaram torcendo pela Seleção.
Agora, a coisa mudou. Para se fazer oposição ao governo popular e 
democrático do país, parece que o requisito é ser anti-Brasil. Parece 
necessário se ter um grande desprezo pelo país, e mais ainda pelo seu 
povo. É imprescindível ser um pessimista que transmita seu desprezo a 
tudo que é brasileiro com sincopado abanar de rabo e latidos histéricos.
Pelo menos é o que a mídia conservadora e oligopolizada, nosso maior 
partido de oposição, vem fazendo com grande afinco. Com efeito, para 
tentar impedir a reeleição da presidenta instaurou-se um vale-tudo que 
não se acanha em atropelar a autoestima do brasileiro e prejudicar o 
país. 
Tudo é apresentado sob uma ótica distorcida pelo ódio, o pessimismo e o 
desprezo. Parece que vivemos no último país do mundo, sempre à beira do 
colapso e irremediavelmente condenado ao atraso pela incompetência e a 
ignorância de seu próprio povo. 
Faz-se tabula rasa de todos os grandes avanços acontecidos na última 
década e do fato de que o Brasil é um dos países que melhor enfrenta a 
crise mundial, para se criar um clima pesado de pessimismo e 
negatividade, o qual, embora não tenha substrato empírico, tem impacto 
real na psique coletiva do país. E na imagem do Brasil.
A cobertura da Copa é exemplar, a este respeito. Faz-se uma inversão de 
tudo o que acontece.  O novo estádio, muitíssimo melhor que o antigo, 
que caía aos pedaços, afugentando e ameaçando torcedores, não é notícia.
 O que é notícia, espalhafatosa e histérica, é o “atraso”, a “goteira”, o
 “tapume”, e os supostos e até agora não comprovados 
“superfaturamentos”. O novo aeroporto, também muito melhor que o antigo,
 de que tantos reclamavam, também não é notícia. O que é notícia é a 
não-instalação (ainda) da Polícia Federal no local e a confusão em torno
 da saída de um voo internacional. 
As grandes obras de mobilidade urbana, tão necessárias à nossa população
 das grandes cidades, ou são ignoradas ou são apresentadas pelo mesmo 
viés negativo. 
Distorce-se muito o tempo todo. Até mesmo a taxa de desemprego em seu 
mínimo histórico é apresentada sob uma ótica negativa, sob a desculpa de
 que a taxa de inatividade cresceu, o que, na realidade, também é uma 
boa notícia, pois indica que os nossos jovens estão estudando mais, 
graças ao aumento das rendas das famílias.
Quando não se pode distorcer, chega-se, em alguns casos, à mentira pura e
 simples. A velha mídia se esmerou em propagar a ideia de que os 
investimentos na Copa tinham sido feitos a expensas dos investimentos em
 Saúde e Educação. 
Tudo mentira, é óbvio. Os dados mostram que gastos com os estádios, na 
realidade empréstimos do BNDES que terão de ser pagos, corresponderam, 
em quatro anos, a cerca de RS$ 8 bilhões, ao passo que os investimentos 
em Saúde e Educação ultrapassaram R$ 850 bilhões. A manchete correta 
sobre o tema seria: “Brasil gasta menos de 1% com estádios do que gasta 
com Saúde e Educação”. No entanto, essa manchete nunca veio, ou, se 
veio, veio com muito atraso. 
E a distorção sistemática não se refere somente à Copa. Distorcem-se as 
informações sobre o ENEM, um mecanismo republicano de acesso à 
universidade, que é atacado sistematicamente por aqueles que ignoravam 
os grandes problemas e limitações dos nossos vestibulares. Distorcem-se 
os dados sobre o Bolsa Família, sempre apresentado como um programa que 
incentiva a preguiça. Inventa-se uma inflação “sem controle”. Em certos 
meios, mente-se até sobre a Justiça, como no caso da AP 470. A lista é 
inesgotável. 
Claro está que não se deseja que a imprensa oculte problemas e não faça 
críticas. Mas deveria haver um mínimo de equilíbrio e isenção. Afinal, 
qual é a contribuição que uma mídia que não disponibiliza informação 
fidedigna à população presta à democracia?  Claro está também que, se a 
Copa e todas essas grandes obras tivessem sido feitas nos governos 
conservadores de antanho, a louvação derretida dessa mesma mídia 
oligopolizada seria interminável e nauseante. 
O curioso é que esse esforço furioso da mídia conservadora não surte o 
efeito desejado. Os candidatos da oposição não conseguem decolar. O 
clima de pessimismo e desconforto embalado pela mídia parece atingir, a 
bem da verdade, a política de um modo geral e todas as instituições 
democráticas. Ninguém está conseguindo se beneficiar com isso. 
Mas, se ninguém se beneficia, o dano causado ao país é real. Quanto 
turistas deixaram de vir ao Brasil por causa dessa campanha sistemática?
 Será que não há investimentos que foram cancelados por causa disso? Em 
todo caso, se a Copa for um grande fracasso, quem pagará o preço, por 
várias décadas, será o Brasil; não o governante de plantão. 
O dano maior, contudo, é o dano à autoestima do brasileiro. Um dano 
terrível. Já ouvi crianças de nove anos dizerem que torcerão por times 
estrangeiros, porque o Brasil é um “país feio”. Já vi adultos declararem
 que não colocaram bandeiras do Brasil em seus carros porque temem 
“pichações”. Vejam a que ponto chegamos: há pessoas no Brasil que temem 
declarar o seu amor pelo próprio país. Quem pagará por esse crime?
Deveria ser o antibrasileiro profissional. Aquele que é revelado pelo seguinte diálogo:
-O Senhor é antipatriota?
-Profissional.
-Profissional?
-É, porque eu sou pago para fazer esse servicinho sujo contra o Brasil.
* Marcelo Zero é formado em ciências sociais pela UnB e assessor legislativo do Partido dos Trabalhadores.