Quando se põe preço na natureza
Por Kanya D'Almeida, do IPS
Nações Unidas – Quanto custa uma floresta? Qual é o 
valor econômico de um oceano? Pode-se pagar por uma floresta alpina ou 
uma pradaria glacial? Estes cálculos salvarão o planeta ou subordinarão a
 natureza às forças do mercado? A Organização Global de Legisladores 
para o Equilíbrio Ambiental (Globe International) divulgou no último dia
 de sua segunda Cúpula Mundial, realizada na semana passada na Cidade do
 México, um estudo sem precedentes sobre a contabilidade natural, que é a
 primeira compilação integral das iniciativas jurídicas e políticas de 
21 países para calcular o valor monetário dos recursos naturais.
 
“O estudo sobre e legislação climática da Globe” define como “capital
 natural” tudo o que inclua os ecossistemas, a energia solar, as jazidas
 minerais e os combustíveis fósseis, entre outras coisas. Reconhece o 
impacto degradante da atividade humana para o ambiente e destaca a 
“urgente necessidade de desenvolver métodos e medidas eficazes para 
contabilizar o capital natural, e de incorporá-los aos marcos legais e 
de política pertinentes”.
“O informe foi concebido em grande parte como uma associação de 
aprendizagem Norte-Sul”, explicou o destacado cientista Ben Milligan, 
pesquisador do Centro de Direito e Meio Ambiente da Universidade 
College, de Londres. “Foi dada igualdade de voz a todos os aportes”, 
explicou à IPS, fossem da Secretaria Internacional da Globe ou dos 21 
grupos dos países incluídos, dos quais cinco da Ásia, três da Europa, 
sete da África e seis da América.
Segundo Milligan, os autores descobriram que existe um alto apoio 
político ao reconhecimento de que, “além dos importantes valores 
culturais, espirituais e estéticos da natureza, esta também proporciona 
bens e serviços essenciais para nosso bem-estar e existência econômica”.
 O informe inclui conclusões alarmantes. No Peru, por exemplo, onde o 
enfoque das contas de capital natural se vincula à avaliação econômica, o
 Ministério do Ambiente comprovou que “o valor total dos serviços dos 
ecossistemas selecionados em 2009 chega a US$ 15,3 bilhões”.
Detalhado, isto representa US$ 2,5 bilhões procedentes da água e da 
energia, US$ 8 bilhões da agricultura, silvicultura e pecuária, e US$ 
864 milhões da pesca, enquanto as exportações de capitais naturais 
geraram US$ 9 milhões em 2009. “Os serviços dos ecossistemas são a base 
produtiva de setores como pesca, agricultura, manufatura, turismo e 
indústria farmacêutica” do Peru, segundo o informe. O governo já utiliza
 várias ferramentas para medir a saúde do ambiente, inclusive o informe 
anual Estado do Meio Ambiente, redigido pelo Sistema Nacional de 
Informação Ambiental.
Na República Democrática do Congo (RDC) sabe-se que uma extensa rede 
de lagos e rios cobre 3,5% da superfície total do país, enquanto as 
florestas, que abrigam mais de 700 espécies identificadas de árvores, 
representam 60% da área nacional. O setor florestal gera 2% do produto 
interno bruto (PIB). O Banco Central angolano estima que as indústrias 
extrativistas contribuíram com 45% do PIB em 2010, e a contribuição da 
mineração foi de aproximadamente 34%.
O governo procura fortalecer o marco legal e regulatório do setor. 
Assim, realiza pesquisa geológica e mineral para ampliar seu 
conhecimento do solo e subsolo, e avaliações ambientais do impacto da 
mineração. Os defensores da contabilidade do capital natural afirmam que
 o sistema vai modelar o comportamento do governo e fomentar o uso 
sustentável dos recursos, enquanto outros alertam que o cálculo da 
“riqueza natural” é mais um passo para a mercantilização completa do 
planeta.
“A avaliação dos serviços e das funções ecológicas da natureza pode 
funcionar nos dois sentidos”, pontuou à IPS outra das autoras do estudo,
 Vandana Shiva, ecologista e criadora da Fundação de Pesquisa sobre 
Ciência, Tecnologia e Ecologia da Índia. Compreender o valor que têm os 
ecossistemas estáveis e sãos é “necessário e bom”, afirmou. “Mas, no 
momento em que se toma um sistema complexo com numerosas funções e o 
reduzimos a uma só função que pode ser apropriada e comercializada, já 
estamos falhando. Afinal, a moeda da vida é a vida, não o dinheiro”, 
ressaltou.
Shiva se referiu à Cúpula dos Povos realizada em paralelo às 
negociações de alto nível da conferência do meio ambiente no Brasil em 
2012 (Rio+20). Na ocasião, ativistas, grupos indígenas e cientistas 
rechaçaram a ideia de uma economia verde baseada na “financiarização” 
dos serviços ecológicos, pelo medo de que se ignore as causas básicas da
 destruição ambiental.
Uttarakhand, um Estado do norte da Índia, oferece um claro exemplo 
desse debate, já que recentemente se converteu no primeiro Estado 
indiano a calcular seu produto ambiental bruto. Com seus exuberantes 
vales e suas pradarias alpinas, este Estado do Himalaia é um dos mais 
verdes da Índia, e conserva quase 60% de suas florestas, apesar dos 
decididos esforços para limpar a terra e destiná-la à construção.
O estudo da Globe International diz que vários relatórios avaliam a 
terra de Uttarakhand em cerca de US$ 5 bilhões a US$ 7 bilhões ao ano. O
 governo ofereceu ao Estado um “subsídio ecológico” de US$ 300 milhões 
por ano em troca de preservar a riqueza de sua terra. Shiva afirmou que o
 subsídio serve apenas para desviar a atenção de problemas mais graves, 
como o desmatamento e o derretimento das geleiras nesse Estado, que 
provocaram graves inundações em 2013.
A Suprema Corte da Índia reconheceu que as represas e os projetos 
hidrelétricos agravaram o trágico desastre na área. Isso demonstra que 
“a valorização é boa se mostrar uma luz vermelha para a destruição. Mas 
quando a valorização se converte em um preço, apenas oferece uma luz 
verde para destruir de maneira mais inteligente”, ressaltou Shiva. 
Outros temem que a contabilidade do capital natural pisoteie os direitos
 dos indígenas.
Para Hugo Blanco, dirigente da Confederação Camponesa do Peru, a 
tabulação da “riqueza natural” de um país não corrigirá a pirâmide do 
poder que coloca as empresas transnacionais em cima e a população 
indígena e o ambiente na base. “Um exemplo é o projeto Conga”, apontou à
 IPS, se referindo à iniciativa de mineração de ouro e cobre na região 
peruana de Cajamarca, que ameaça envenenar a água de 40 lagoas de alta 
montanha, que, por sua vez, abastecem cerca de 600 aquíferos e fornecem 
água potável e para irrigação a milhares de camponeses, antes de fluir 
para os cinco grandes rios que desembocam nos oceanos Atlântico e 
Pacífico.
E, alerta Blanco, o pior é a ameaça da construção de uma represa que,
 se acontecer, inundará o território de centenas de camponeses com a 
finalidade de fornecer eletricidade para a mina. “Esse é um sistema de 
loucos”, ressaltou. Esses projetos revelam o real compromisso do governo
 peruano, não com as leis nacionais que protegem os direitos dos povos 
indígenas ou o ambiente, mas com as multinacionais, afirmou.
Blanco acredita que seu país é um perfeito exemplo das deficiências 
inerentes ao sistema de valorização que fixa um preço à natureza. O Peru
 é um dos dez países megadiversos do planeta, segundo o Convênio sobre a
 Diversidade Biológica, e ocupa o primeiro lugar em quantidade de 
espécies de peixes (mais de duas mil), o segundo em aves (1.736) e o 
terceiro em anfíbios (322). “Seria uma grande estupidez vender essa 
riqueza, não importa quantos milhares de milhões de dólares se possa 
obter. Não podemos vender a vida”, enfatizou.
Democracia da Terra
O estudo da Globe International indica que a Índia conta com 2,4% da 
superfície terrestre do planeta, mas abriga de 7% a 8% de suas espécies 
de fauna e flora. Além disso, é um dos 17 países megadiversos, com três 
zonas de forte biodiversidade e alta taxa de endemismo das espécies. Ao 
se referir à obra da Navdanya, uma organização que significa “nove 
sementes” e que surgiu da Fundação de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e 
Ecologia, Vandana Shiva falou dos esforços que são realizados na Índia 
para conservar a natureza sem recorrer à linguagem do dinheiro.
Integrada por poupadores de sementes e produtores orgânicos em mais 
de 17 Estados, a Navdanya criou 11 bancos de sementes comunitários, 
formou cerca de 500 mil camponeses em agricultura sustentável e compôs a
 maior rede ecológica de comércio justo no país. “Se o sistema 
globalizado baseado nas matérias-primas e a “financiarização” reduzem a 
base social e ecológica da comunidade, o trabalho da Navdanya a aumenta e
 melhora”, garantiu Shiva à IPS.
Em torno do conceito de Democracia da Terra, a Navdanya oferece aos 
agricultores uma alternativa ao sistema de cultivo comercial, que 
provocou uma onda de suicídios sem precedentes na história. “Democracia 
da Terra significa que nenhum sistema pode reduzir-se a uma simples 
função ou produto que se comercializa no mercado mundial”, explicou 
Shiva. Há quem “se dê conta de que os solos absorvem carbono, e querem 
reduzir essa função a uma equação entre o carbono e o comércio, sem se 
preocupar com o fato de o solo não ser apenas carbono, mas também 
fósforo, magnésio e muitas coisas mais que não se pode atribuir um 
simples valor monetário”, concluiu a ecologista.
Fonte: IPS / Envolverde.