domingo, 9 de fevereiro de 2014

OUVIR

Jose Luiz:
TEXTO NÃO LITERÁRIO)


OUVIR

“Ouvir é uma grande virtude”. Este provérbio faz-me lembrar a minha avó. Sempre o utilizava quando me queria advertir perante minhas asneiras, daquelas, que só as crianças fazem ou as pessoas que têm responsabilidades sobre os outros, posteriormente.

      Gosto de provérbios. Revelam uma sabedoria. Já adulto, compreendi o intenso significado que estes poderão ter. Voltei a recordá-los no dia em que uma professora me abordou:
    - Tem um tempinho? Vou lhe contar um fato.
    - Com certeza. – Admiro as pessoas simples que fazem de suas vidas uma lição.
   - Então. Quando eu voltei do mestrado para o trabalho, peguei uma turma terrível. Receberam-me "com pedras na mão" no 1º período, início de faculdade. Me maltrataram à vontade. Quando fomos fazer o horário do semestre seguinte, eu voltei para casa pensando: “Não posso abandoná-los, eles são verdinhos, precisam de mim. Escolhi essa turma. E ninguém fala mal deles porque eu não deixo.”

   Eu olhava fixamente para ela. Que maravilha!
    - Acho que fui movida pelo amor. – Continuou. - Acreditei que se eu os deixasse, não poderia ter feito a amizade que nasceu entre mim e eles.
    - E o que fez? – Perguntei.
     - Creio que continuei a mostrar a eles que, apesar de tudo, eu os amava e que estava ali para cumprir o meu ofício de professora e não de ensinar somente os conteúdos. Entende?
     - Sim
      - Então. Uns tempos depois, estava conversando com um aluno dessa turma e com um outro de outro curso e falei: A turma desse me "apedrejou". Aí, ele disse: "E a senhora pegou as pedras e construiu um castelo".
     - O que lhes deu e eles não tinham e precisavam?
     - Sempre que eu inicio numa turma, lhes ofereço o que acho que tenho de melhor e não custa dinheiro: a minha amizade. Não é pieguice, não. Eu sou assim mesmo. Talvez tenha sido a atenção de que precisavam.
    - Eu acho você um barato, faz as coisas e nem sabe bem o que faz, mas resulta. Você é uma querida. – disse eu, sorrindo e simultaneamente fascinado com a grandeza daquela pessoa simples. Nós sempre brincávamos muito.
     - Deve ser por aí. É que ser querida é uma responsabilidade muito grande… Às vezes me assusta. A Semana passada, eu ia passando pelo pátio da faculdade e um aluno me chamou a atenção: "Professora"...Quando eu olhei, ele soltou um beijo para mim e disse: Sou seu fã. Eu ri e agradeci: é que é um fofo! Detalhe: Não sei nem quem é.

      Que história quotidiana extraordinária!

      Infelizmente histórias como esta ou outras idênticas, são poucas. Nossa cultura não cultiva a receptividade. Saber ouvir é ser receptivo, não às vontades, mas às necessidades dos outros e implica uma responsabilidade diferente daquelas que geralmente adquirimos, como obrigações e deveres, e nos fazem perder o sentido de nosso compromisso último.

     Não é uma tarefa fácil; é um exercício quotidiano, uma disponibilidade interior. É libertarmo-nos de conceitos e pré-juizos, é não ficar a pensar o que ganhamos ou perdemos, se somos reconhecidos ou ignorados, se somos aceites ou criticados, se vamos sofrer ou ter prazer.

     Recordá-la, faz-me retroceder no tempo e mergulhar numa visão interior. Lembrar-me de quando estudava, dos professores, das matérias, dos colegas; mais tarde, de meus filhos e as cada vez maiores dificuldades, dos professores adaptarem modelos de ensino à realidade actual com êxito, da violência escolar, da desmotivação quase que generalizada, nas exigências imediatistas.
Confrontarmo-nos com esta problemática e aceitá-la, é compreender como, na realidade, nós somos todos muito parecidos e todos diversos, temos perspectivas muito diferentes e vivemos individualmente um mundo próprio.

     Em comum, temos uma consciência e a capacidade de pensar sobre tudo o que nos rodeia, a possibilidade de questionarmos o porquê as nossas vidas e o que nos circunscreve estão repletos de dor, sofrimento, desgostos; de perdas.

    Ainda que idêntico, o mundo em que cada um vive, é fruto de sua percepção, inerente ao modo como sente, pensa e age. E tanto é, que há pessoas para quem a vida é um céu e outras um inferno. Sem outra explicação mais coerente, o como somos, aqui e agora, parece ser consequência de acções passadas e emoções não clarificadas, denunciando não somente a causalidade, mas também a quão ilusório é suas diferentes interpretações.

   Se a percepção que temos sobre o que vivenciamos é peculiar, quererá dizer que ela é real? Provavelmente não é, porque, se o fosse, não seria a causa de nosso sofrimento, não nos fixaríamos em projecções mentais a que chamamos crenças, convicções e hábitos que, por sua própria natureza, são impossíveis de ser permanentes; mas que, na verdade, por força de nossa aversão aos medos, tantas vezes, sem termos uma consciência definida deles, ficamos presos.

    O singular desta professora, que referencio, é a sua compaixão – e realço, não é pena, nem piedade. – O saber ouvir, como sinónimo, do respeito, da solidariedade, da paciência, da generosidade, da bondade, do compromisso, da honestidade, em conclusão, é apenas uma manifestação de um comportamento -  do  amor incondicional.

 Esta pequena historia é reveladora de como ao abrir o coração para os alunos, naquelas condições, através da dedicação e compaixão, expressa uma das verdadeiras necessidades ocultas dos alunos, e dos seres humanos.

      Por outro lado, o comportamento menos comum daquela professora, à vista dos padrões de comportamento que usamos no dia a dia de uma forma perfeitamente egoísta, veja, como se reverte a seu favor e a favor dos alunos. Que lição para todos nós!


Quem sabe se uma solução dos problemas do ensino não seja o de aprenderemos a saber ouvir para poderemos ensinar a escutar.