sexta-feira, 21 de março de 2014


Ensinar: Instruir sobre: ensinar matemática. Doutrinar: ensinar crianças. Educar. Mostrar, apontar: ensinar o caminho. Escarmentar, castigar: ensinar um atrevido.
Educar: Desenvolver as faculdades físicas, morais e intelectuais de. Instruir. Domesticar, adestrar. Aclimar
Instruir: Ensinar, leccionar, transmitir conhecimentos a. Adestrar: instruir recrutas. Informar: instruir alguém do que se passa. Documentar: papéis que instruem uma petição. Instruir uma causa, colocá-la em estado de ser julgada.
 In Dicionário Prático Ilustrado, Lello & Irmão Editores, 1977

oder-se-á dizer que aquele que está a fornecer, a transmitir um qualquer tipo de conteúdos a outrém (conteúdos que poderão ser bastante variados, desde competências e destrezas físicas a conhecimentos teoréticos ou regras de comportamento social) está a ensinar? Então, para que servirão as palavras educar e instruir? Ora bem, em minha opinião existe uma grande confusão entre estas três palavras, tal como atesta a definição das mesmas que eu retirei de um dicionário. Neste é usado, para definir a palavra ensinar, a palavra instruir; para definir a palavra instruir, é usada a palavra ensinar. E para definir educar, é usada mais uma vez a palavra instruir. Em que é que ficamos afinal? Poderemos então dizer que sempre que estamos a transmitir uma informação, qualquer que seja o conteúdo da mesma, estamos a instruir? Ou pelo contrário, estaremos a ensinar? Se calhar, vendo bem, devemos estar é a educar. Ora bem, vamos lá pôr os pontos nos is: nem todas as acções que consistem em transmitir um conteúdo (seja ele um conteúdo teórico, um comportamento social ou uma destreza corporal) serão por certo ensino, tal como não serão todas instrução, e muito menos educação. Portanto, considero deveras importante que se tente clarificar, e de uma vez por todas, os diferentes sentidos destas três palavras.

antes de começar a discutir este tema mais profundamente, proponho um pequeno exercício: vou aqui colocar umas quantas afirmações, ligadas com as três actividades acima descritas, e o leitor coloque-as na categoria que considerar mais apropriada (atenção, vou colocar a palavra ensino em todas as actividades, tal como provavelmente o leitor o faria no quotidiano, mas de certo nem todas as actividades mencionadas serão ensino!). No final de ler este pequeno ensaio, veja se ainda concorda com a distribuição que fez anteriormente. Talvez se aperceba melhor da confusão que existe entre estas três actividades...
Considere então as seguintes actividades:
 
1) Quem "ensina" alguém a conduzir um automóvel está a...
2) Quem "ensina" alguém a contar está a...
3) Quem "ensina" alguém a dançar está a...
4) Quem "ensina" que não se deve deitar um papel para o chão está a...
5) Quem "ensina" que não se deve falar com a boca cheia está a...
6) Quem "ensina" uma arte marcial está a...
7) Quem "ensina" como se pinta a óleo está a...
8) Quem "ensina" que não se deve faltar ao respeito com os mais velhos está a...
9) Quem "ensina" que Afonso Henriques foi o primeiro Rei de Portugal está a...
10) Quem "ensina" como se aperta um atacador está a...

á acabou? Muito bem. Quase aposto que sei o resultado deste seu exercício mental (ou não é verdade que encontrou algumas dificuldades em encontrar actividades que fossem instruir?). Ora bem, comecemos então pela palavra ensinar. O que poderemos nós considerar por ensinar? Bem, quando se fala em ensinar, vem-nos logo à cabeça a escola, o professor a ensinar aos alunos como se lê, a ensinar a fazer contas, a ensinar que Afonso Henriques foi o fundador de Portugal, e por aí fora. Ora bem, e o que é que se aprende na escola? Em princípio serão os conteúdos programáticos, os saberes temáticos e teoréticos, dos quais constam a Matemática, a Língua Portuguesa, a História, e por aí fora. Assim sendo, quais serão as principais figuras desta interacção? O aluno e o professor, decerto. Quando afirmo aluno e professor, não quero que se fique com a sensação que o ensino apenas se dá entre aluno e professor. Um pai pode muito bem ensinar ao seu filho de cinco ou seis anos como se fazem contas de somar, e isso não o intitula com o grau de professor. Mas o que gostaria de salientar aqui é que o que se ensina são saberes teoréticos, e é isso que distingue o ensinar das outras actividades acima mencionadas, o educar e o instruir. Assim sendo, o local privilegiado onde se dá este ensino será a escola.

o que quererá dizer a palavra educar? Mais uma vez, quando pensamos nesta palavra, uma outra figura vem-nos à cabeça. E essa figura não será muito diferente da que eu imaginei: um pai a dar um raspanete no filho, por este se ter portado mal. Assim sendo, quais serão os conteúdos da educação? Por certo serão os valores, regras de conduta, normas, atitudes, costumes e comportamentos sociais. E quem serão as figuras de tal processo? Por um lado, quem está a aprender, o educado. Por outro, quem educa. Esta actividade não decorre num lugar tão restrito como aquele inerente ao ensinar. A educação vai-se efectuando no nosso quotidiano, nos locais mais recônditos pelos quais nós passamos. Estamos a educar (e a ser educados, entenda-se...) em casa, na rua, ao ver televisão e a ouvir rádio, a ouvir o raspanete do senhor do talho por não termos respeitado a vez de sermos atendidos, e por aí fora. Assim, tal como esta educação pode tomar lugar nos sítios mais variados, também os responsáveis pela mesma são muito variados. Tal como os pais e os familiares são responsáveis pela educação (talvez em maior grau, é certo), também a televisão, o vizinho do lado, o amigo ou o empregado de balcão estão permanentemente a educar quem com eles interage.

or fim, vem a instrução/iniciação. Talvez seja esta a categoria que mais dúvidas poderá levantar para o leitor desprevenido. Ora bem, pensemos mais uma vez numa imagem para a acção de instruir. Dificuldades? Eu ajudo. Pensemos num instrutor da condução a dar a respectiva aula, ou um pintor a ensinar como se pintam telas a óleo. Quais os conteúdos desta instrução (ou iniciação)? Será um saber fazer, uma destreza corporal, que o instrutor tenta passar ao aprendiz. No entanto, não vamos considerar a tarefa dos instrutores como sendo ensino. Pelo que já vimos anteriormente, no ensino os conteúdos são saberes teoréticos e temáticos, enquanto que na instrução são saberes-fazer (o savoir-faire dos franceses ou o know-how dos ingleses) e destrezas corporais. Assim, a grande diferença entre ambos é o tipo de conteúdo transmitido, o saber teorético versus o saber fazer. É a oposição entre a teoria e a prática. E onde se dá esta instrução? Ora bem, dá-se no ginásio, na oficina, no atelier de pintura, e por aí fora. Dá-se nos locais onde os conteúdos que são transmitidos são predominantemente práticos, são sobretudo competências corporais. E como se designam as figuras que participam nesta mesma actividade? Pode ser o instrutor, que instrui o seu aprendiz (tal como nas marcenarias existem os aprendizes de marceneiro, que aprendem com o instrutor), e pode ser o mestre, que instrui o seu discípulo (tal como o mestre de artes marciais instrui o seu discípulo na arte de combate).

stas três actividades (que, em princípio, já considera como sendo diferentes, algo que a início talvez não acontecesse), tal como apresentam diferenças nos conteúdos que são transmitidos, apresentam diferenças no modo como se faz a transmissão dos conteúdos e no modo de aprendizagem. Nas tarefas que podem ser designadas por ensino, o professor tem uma fala explicativa, expositiva e demonstrativa, para ensinar os saberes teoréticos aos alunos. Aliás, todos nós nos lembramos dos nossos professores que, no estrado em frente a toda a turma, explicam aos alunos como se deu a independência de Portugal, e que demonstram como se resolve uma equação do segundo grau. Por parte do aluno, o que ele faz (ou tenta fazer) é compreender, assimilar o que foi ensinado por parte do professor. Já na instrução, o mecanismo não funciona assim. O instrutor mostra como se faz determinada tarefa, fazendo-a ele próprio. Serve de pouco, de muito pouco, apenas dizer como se faz. É necessário que o instrutor dê o exemplo, que mostre como se faz. E aí o aprendiz, com muita atenção, observa o que o se instrutor faz, tentando em seguida imitar, repetir os gestos efectuados por este. É o que se passa, por exemplo, com o oleiro, que à medida que vai moldando um determinado pedaço de barro, tem ao lado o aprendiz, que vai tentando imitar o seu instrutor, fazendo os mesmos movimentos num outro pedaço de barro. E isto não se passa apenas com o oleiro, com o instrutor de karaté ou com o mestre da pintura: também nós somos instrutores, na medida em que instruímos os nossos filhos como lavar os dentes (atenção, não é porque se devem lavar os dentes, é como se devem lavar os dentes), como segurar o garfo e a faca à mesa, como apertar os sapatos, e por aí fora. Estamos a transmitir uma aptidão corporal, uma destreza física. Se estas duas actividades ainda têm algumas semelhanças no que diz respeito ao modo de transmissão do conhecimento, já com a educação o processo difere significativamente. O modo de transmissão é bastante variado: tal como se pode educar através da fala normativa (do tipo "tu deves fazer isto, tu deves fazer aquilo", uma fala maioritariamente de dever), educa-se também através do exemplo que se dá (o que faz com que estejamos permanentemente a educar, mesmo sem estarmos a fazê-lo conscientemente). Educa-se também através de mecanismos de punição/recompensa: é frequente os pais virarem-se para os filhos, e dizerem-lhes "Se te portares bem, dou-te um chupa-chupa" ou "voltas a fazer isso, e levas uma chapada". O próprio meio de aprendizagem, ligado com a educação, é significativamente diferente daqueles característicos do ensino e da instrução. Assim, quem está a ser educado está a obedecer àquilo que lhe é apresentado como modelo, está a aceitar o modelo, está a submeter-se ao que lhe é apresentado. O processo de educação é essencialmente um processo de aceitação, de submissão por parte do educado.

té o próprio espaço temporal inerente a estas três actividades é diferente. O ensino é descontínuo (na medida em que não estamos sempre a aprender saberes teoréticos); a instrução tanto pode ser contínua como descontínua (na medida em que só aprendemos como lavar os dentes uma vez na vida, mas por vezes, ao longo da existência, vamos aprendendo outras competências corporais, que anteriormente não possuíamos). Já a educação é um processo contínuo, pelo que afirmei anteriormente: estamos permanentemente a educar e a ser educados, mesmo que não façamos nada para tal, o que é significativamente diferente do ensinar: não estamos sempre a ensinar saberes teóricos.

ara finalizar, gostaria aqui de realçar que as fronteiras que dividem estas três actividades não são completamente estanques. Existem actividades que são elas próprias um misto de duas situações. Por exemplo, o "ensinar" a conduzir, que eu afirmei anteriormente que era instrução, também tem uma parte de ensino propriamente dita - o ensino do código da estrada, anterior à instrução da condução. Do mesmo modo, na escola não se está apenas a ensinar, está-se também a educar, na medida em que se incutem regras de comportamento social, e a instruir, com disciplinas como os Trabalhos Manuais ou a Educação Física, onde se transmitem destrezas corporais. E deparámo-nos agora com mais uma confusão do nosso quotidiano. Uma disciplina com o conteúdo da que é denominada por Educação Física, nunca deveria ter tal nome. Porque não se está a educar o corpo nessas mesmas aulas; está-se, isso sim, a instruir o corpo, a transmitir-lhe destrezas físicas (como se lança uma bola de basket, como se remata uma bola de futebol, como se faz o salto em comprimento, e por aí fora).

sta confusão reflecte-se nas definições presentes no dicionário. Definem educar como "desenvolver as faculdades físicas, morais e intelectuais de". Ora bem, nós já vimos anteriormente que estas três actividades são diferentes. Quando estamos a desenvolver as faculdades físicas de alguém, estamos a instruí-lo; quando estamos a desenvolver as faculdades intelectuais de alguém, estamos a ensiná-lo. Só quando estamos a desenvolver as capacidades morais de alguém é que estamos a educá-lo. Não se pode definir educar deste modo, uma vez que estas três actividades são diferentes (talvez não possamos dizer que são radicalmente diferentes, mas que existem diferenças entre elas é ponto assente). Tal como não é possível definir ensinar através das palavras instruir e educar, e muito menos doutrinar. Doutrinar significa transmitir, convencer alguém de uma posição política, religiosa ou filosófica. Como será possível afirmar que ensinar alguém é estar a doutriná-lo? Também não é possível dizer que a instrução é ensino - apesar de as actividades serem de facto semelhante, difere significativamente tanto o conteúdo daquilo que é transmitido, como os meio como são transmitidos e recebidos os conteúdos.
Para finalizar, repita agora o exercício anteriormente proposto, e compare com as respostas que foram anteriormente dadas.

1) Quem "ensina" alguém a conduzir um automóvel está a...
2) Quem "ensina" alguém a contar está a...
3) Quem "ensina" alguém a dançar está a...
4) Quem "ensina" que não se deve deitar um papel para o chão está a...
5) Quem "ensina" que não se deve falar com a boca cheia está a...
6) Quem "ensina" uma arte marcial está a...
7) Quem "ensina" como se pinta a óleo está a...
8) Quem "ensina" que não se deve faltar ao respeito com os mais velhos está a...
9) Quem "ensina" que Afonso Henriques foi o primeiro Rei de Portugal está a...
10) Quem "ensina" como se aperta um atacador está a...
Esperamos  que este jogo o tenha ajudado a clarificar estes três conceitos.
Este jogo foi criado por Nelson Gomes
Olga Pombo:  opombo@fc.ul.pt